Para biógrafa de Sartre, filósofo volta a ser debatido por intelectuais franceses
MARCELO BORTOLOTI para a Folha de SP
Mais de 30 anos após a morte de Jean-Paul Sartre (1905-1980), ninguém
ainda é capaz de arriscar de que forma sua obra entrará para a
posteridade. O filósofo francês continua despertando paixões, e sendo
louvado ou execrado conforme a orientação política do seu leitor.
Passagem de Sartre pelo Brasil teve muita imprensa e pouca filosofia
Gil compara gostar de Sartre a gostar de Lula
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Sua biógrafa, a franco-argelina Annie Cohen-Solal, autora de "Sartre, 1905-1980" (LP&M), começa a enxergar uma retomada de estudos mais isentos --ou mais acadêmicos-- a seu respeito.
Esta semana ela entregou à editora Gallimard os originais de "Une
Renaissance Sartrienne" ("Um Renascimento Sartreano", em tradução
livre), no qual aponta a volta do autor aos círculos universitários da
França, de onde ele havia sido banido.
Zélia Gattai/Fundação Casa de Jorge Amado | ||
Jean-Paul Sartre em Ouro Preto (MG), em 1960, fotografado pela escritora Zélia Gattai |
Cohen-Solal é uma defensora aguerrida do filósofo, e ela própria é parte
deste movimento. Em junho, ela organiza na École Normale Supérieure,
universidade parisiense onde Sartre estudou, um ciclo de debates sobre
ele.
Há exatos 70 anos, Sartre publicou "O Ser e o Nada", um marco na
filosofia do século 20. A obra deu popularidade ao existencialismo,
doutrina segundo a qual a existência precede a essência, e portanto o
homem se constrói pelos seus próprios atos.
Difundindo suas teses em livros de filosofia (como "O Imaginário"), mas
também em obras de dramaturgia e romance (como "A Idade da Razão"),
Sartre tornou-se uma celebridade mundial.
Mas sua imagem começou a ser maculada no final da década de 1950. Seu
livro "Crítica da Razão Dialética", lançado em 1960, foi recebido com
muita desconfiança por tentar unir o existencialismo a ideias marxistas.
A partir daí, adotando posições políticas cada vez mais radicais como a
adesão incondicional ao regime de Mao Tsé-tung, na China, sua produção
foi acusada de estar à serviço de uma ideologia comunista.
Annie Cohen-Solal fala à Folha da condenação que Sartre experimentou na França e defende seu legado.
*
Folha - Seu livro defende que as ideias de Sartre continuam vivas?
Annie Cohen-Solal - Não. Eu apenas descrevo a situação na França hoje. Depois de três décadas de uma crítica brutal contra Sartre na imprensa, e com muito poucas pesquisas acadêmicas sobre ele, surpreendentemente para mim, as coisas estão mudando. Toda uma geração de jovens estudantes está agora olhando para sua obra com uma perspectiva diferente.
Annie Cohen-Solal - Não. Eu apenas descrevo a situação na França hoje. Depois de três décadas de uma crítica brutal contra Sartre na imprensa, e com muito poucas pesquisas acadêmicas sobre ele, surpreendentemente para mim, as coisas estão mudando. Toda uma geração de jovens estudantes está agora olhando para sua obra com uma perspectiva diferente.
Por quê?
Quando Sartre morreu, em 1980, recebeu tantas homenagens que parecia estarmos enterrando um segundo Victor Hugo. Em seguida, seu trabalho embarcou em uma aventura estranha, cheia de felicidade ou infortúnios, dependendo do país e de acordo com os tempos.
Quando Sartre morreu, em 1980, recebeu tantas homenagens que parecia estarmos enterrando um segundo Victor Hugo. Em seguida, seu trabalho embarcou em uma aventura estranha, cheia de felicidade ou infortúnios, dependendo do país e de acordo com os tempos.
Enquanto na França passou a ser divertido criticar detalhes
insignificantes da sua vida, as homenagens da Europa, África, Ásia e nas
duas Américas concordavam que a mensagem de Sartre era uma ferramenta
de referência para descriptografar o nosso tempo. Agora, estudantes
franceses começaram a perceber esta relevância, especialmente na École
Normale Supérieure, onde estamos discutindo a criação de uma cadeira
Sartre.
Qual é seu legado mais importante?
Ele foi o intelectual global que deu poder aos enfraquecidos. O apoio dele aos excluídos, como judeus, africanos colonizados, homossexuais, mulheres e trabalhadores, ajudou a reverter a relação de poder. Hoje, muitas pessoas estão fazendo pesquisa sobre sua obra na África.
Ele foi o intelectual global que deu poder aos enfraquecidos. O apoio dele aos excluídos, como judeus, africanos colonizados, homossexuais, mulheres e trabalhadores, ajudou a reverter a relação de poder. Hoje, muitas pessoas estão fazendo pesquisa sobre sua obra na África.
Por que recebeu tantas críticas na França?
Sartre foi educado em uma família protestante. Recebeu educação em casa até os dez anos, e foi muito influenciado por esses valores, que expressou em toda a sua vida.
Sartre foi educado em uma família protestante. Recebeu educação em casa até os dez anos, e foi muito influenciado por esses valores, que expressou em toda a sua vida.
Esse espírito protestante o levou a enfrentar tabus da memória coletiva
francesa, como a colaboração com os nazistas, a tortura, a colonização
etc. E sua atitude chocou muitas pessoas em um país de tradição
católica.
Sua adesão radical ao comunismo afetou essa imagem?
Ele nunca foi um membro de carteirinha do Partido Comunista Francês, apenas um companheiro fortuito entre 1952 e 1956.
Ele nunca foi um membro de carteirinha do Partido Comunista Francês, apenas um companheiro fortuito entre 1952 e 1956.
Ele apoiou os comunistas quando manifestações do partido estavam sendo
injustamente sufocadas pela polícia francesa, mas se afastou deles
quando os russos reprimiram a insurreição húngara e quando os tanques
soviéticos invadiram Budapeste. Sartre terminou sua vida como um
maoista, tornando-se mais e mais radical.
Sua participação política deve ser esquecida?
Eu não colocaria dessa forma. Acho que a trajetória e a obra de Sartre são um todo. E pessoas muito à direita não iriam se interessar por seu trabalho de qualquer modo.
Eu não colocaria dessa forma. Acho que a trajetória e a obra de Sartre são um todo. E pessoas muito à direita não iriam se interessar por seu trabalho de qualquer modo.
Por que Sartre não saiu de moda no Brasil?
Eu digo que o Brasil é um dos países mais sartreanos em que já estive. E acredito que isso se deva, em parte, ao fato de Sartre ter passado três meses no país no verão de 1960. Na época, ele lutava ao lado dos revolucionários argelinos pela independência da colonização francesa, e suas ideias tiveram grande repercussão no país.
Eu digo que o Brasil é um dos países mais sartreanos em que já estive. E acredito que isso se deva, em parte, ao fato de Sartre ter passado três meses no país no verão de 1960. Na época, ele lutava ao lado dos revolucionários argelinos pela independência da colonização francesa, e suas ideias tiveram grande repercussão no país.
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