segunda-feira, 22 de abril de 2013
A filosofia e o clássico em Grande Sertão: veredas
(capa
da obra Grande
Sertão: veredas)  
 Considerando
a tessitura ou a forma mesma, tal como se apresenta o texto Grande
sertão:
veredas,
como um fator de determinada interpretação filosófica do mundo,
concebemos uma fragmentação intensa, muito marcada por tensões,
por ambiguidades, por elementos acentuadamente trágicos.
 Num gesto de rara ousadia,
Guimarães Rosa constrói, no interior de Grande
sertão: veredas, aforismas,
versos dispersos ao longo de toda a obra, de modo a pausar, a
silenciar, a dar um tom de mistério no ritmo do mote do narrador. À
medida que o enredo vai se desdobrando, o leitor é tomado pela
estranheza: “viver é muito
perigoso” (In
COSTA, Gilmário Guerreiro da. Parte II  – Aforismos e abismos –
fragmentação e tragicidade no Grande sertão: veredas, p. 01).
Motes como este forçam o leitor a parar diante do texto, não
havendo alternativa a não ser pensar para uma tomada de posição. 
 Ao dialogar conosco, através
de uma linguagem fragmentada, não certinha e indiferente de capturar
o sofrimento e o trágico, o texto de Guimarães se faz como um ato
precisamente filosófico, como um modo filosófico de ver o mundo, em
que revisita uma série de temas peculiares à tragédia grega, dos
quais pretende sublinhar a esfera trágica de suas questões sobre a
condição humana. Uma questão que se levanta é a do julgamento.
 A partir de um estudo de
Jean-Pierre Vernant, é muito recorrente a menção de um tribunal,
onde se julga a vida, a existência, como sentido das tensões e
ambiguidades na tragédia grega e em obras desse gênero. Algo
semelhante ocorre em Grande
sertão: veredas, seguindo a
tradição das tragédias, de obras clássicas como Apologia,
de Platão, onde o tribunal é marca diferencial. O corte
fragmentário e elucidativo a esse particular é o julgamento do
jagunço Zé Bebelo, bastante emblemático e profundo. Isso é
notório no diálogo entre Joca Ramiro e Zé Bebelo:
  – “O senhor pediu
julgamento...   – ele perguntou, com voz
          cheia, em beleza de
calma.
            – Toda hora eu
estou em julgamento.  
            Assim Zé Bebelo
respondeu. Aquilo fazia sentido? [ROSA,
1994, p. 168]” (idem,  p.12).
 Em seguida, compõe-se o
tribunal. O tom da narrativa é extremamente tenso e cheio de
intervenções recorrentes aos tópoi
da antiguidade clássica, dentre estes, as fortes referências à
areté
da Ilíada
de Homero que povoam nosso imaginário com homens semelhantes a
Ulisses, a Aquiles, a Heitor, enfim.
 Questões como honra,
valentia, coragem, sofrimento, justiça, culpa, vingança, traição,
morte, vida, acolhidos pela inteligência do autor mineiro, ganham
proporções cada vez mais singulares e significativas, típicas do
interior do sertão brasileiro. Filosófica e artisticamente, mas com
proeza literária, Guimarães Rosa soube trazer à tona, em
circunstâncias totalmente adversas do sertão, elementos como
silêncio e serenidade, atitudes decorrentes de uma consciência
trágica. E, por ser trágica, sua obra é um ato extremamente
filosófico.
 Portanto, não podemos deixar
de destacar a figura de Riobaldo e de Diadorim, cheios de amor um
pelo outro; amor também recorrente aos tópoi
trágicos, passando por Platão e por Shakespeare; amor instigante e
fecundo. No seu nome, Diadorim parece comunicar seu amor, dom e
errância, para Riobaldo, que assim a trata: “Qualquer
amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura[ROSA,
1994, p. 200]”
(idem, p.19). O aforisma
adiante é surpreendente: “Vivendo,
se aprende; mas o que se aprende, mais, é só a fazer outras maiores
perguntas[ROSA,
1994, p. 264]”
(idem).
Prof.
Jackislandy Meira de Medeiros Silva
Bel.
em Teologia, Licenciado em Filosofia, Esp. em Metafísica e
Pós-graduando em Estudos Clássicos pela UnB/Archai/Unesco.
quinta-feira, 4 de abril de 2013
terça-feira, 2 de abril de 2013
Você tem cabeça aberta?
Você tem cabeça aberta? Acusar alguém de ter cabeça fechada hoje em dia é uma ofensa pior do que xingar a mãe. 
Hoje
 todos querem ter cabeça aberta. Um tema top para cabeças abertas é 
preconceito x práticas sexuais, e um lugar certo para deixar claro que 
você tem cabeça aberta é jantares inteligentes. Se você quer fazer 
sucesso num jantar desses, chame todo mundo que discorda de você de 
“ridícula”. 
Nesses
 jantares, as pessoas têm as opiniões certas sobre tudo; por exemplo, 
ninguém tem preconceito contra nada. Acho muito fofo gente que não tem 
nenhum preconceito contra nada. 
No
 tema “práticas sexuais”, o que percebemos, se formos um pouquinho além 
do senso comum, é que o “normal x patológico” ou “moral x imoral” é 
bastante relativo no tempo e no espaço. Isso significa que o que se acha
 imoral hoje amanhã pode não ser, e vice-versa. O mesmo para o que se 
acha patológico.
Quem
 busca um critério absoluto, sem variação histórica ou geográfica (a tal
 variação no tempo e no espaço de que falei acima), hoje em dia, se vê 
em maus lençóis. Além, claro, de dar atestado de ter preconceitos numa 
época em que ter preconceitos é pior do que matar a mãe. 
Aliás, se não disse ainda, digo: acho fofo gente que não tem preconceito contra nada. 
Um
 modo de se posicionar acerca dessa fronteira entre sexo normal x 
patológico ou moral x imoral é defender a ideia de que entre dois 
adultos tudo é permitido, se a prática for fruto de livre escolha (eis 
uma versão para mortais da tal autonomia kantiana). Esse argumento até é
 válido, já que não sabemos mais nada sobre coisa nenhuma em moral (só 
mentirosos dizem que têm “princípios éticos”). Mas ele é problemático, 
já na definição de “adulto”, porque ela também é relativa no tempo e no 
espaço. Um cara de 40 ficar com uma mina de 14 nem sempre foi visto como
 crime contra a infância. 
Outra
 coisa problemática é a própria ideia de “livre escolha”. Por exemplo, 
se você gosta de apanhar, talvez só goste mesmo quando seu parceiro ou 
parceira vai além do que você “permite”, senão você não goza de verdade.
 Mas devo confessar que há algo de pueril em achar que “livre escolha” 
resolva o problema. Acreditar na ideia de “autonomia kantiana” (a tal da
 “livre escolha”), às vezes, também, é superfofo.
Vamos,
 porém, deixar de barato esses pequeníssimos detalhes e vamos a algo 
mais “significativo”. Faço uma proposta para seu próximo jantar 
inteligente. Claro, se você for um pobre engenheiro, nem pense em querer
 ir, a menos que sua mulher seja psicóloga –aí os donos da casa 
inteligente podem aceitá-lo. Se você for um cara e sua “mulher psi” for 
um cara também, aí a entrada é garantida.
Vamos testar as cabecinhas abertas? Atenção, respire fundo: você já viu o vídeo “2 girls 1 cup“?
 Mas, antes de descrevê-lo (não em detalhes, porque seria demais para 
uma segunda-feira), vou dizer uma coisa. Acho que, se você é o tipo de 
pessoa que quer provar que tem cabeça aberta, você deve discutir apenas o
 que lhe parece absurdo (ou “nojento”, na linguagem de gente que tem 
preconceito). Mas não é isso o que acontece normalmente.
A
 moçadinha que tem cabeça aberta só gosta de discutir coisa que não põe 
em risco sua imagem de gente bacana. Falar mal de machista, racista, 
sexista, católico e evangélico é coisa de iniciante no ramo de 
discussões de verdade.
E
 o vídeo? Neste, duas mulheres começam com sexo lésbico normal e acabam 
fazendo sexo a três: elas duas + as fezes de uma delas (se é apenas 
efeito especial, pouco importa). Isso é chamado no mundo careta de 
“coprofilia”. Quem gosta de xixi é urofílico.
Então:
 gente que gosta disso é doente, imoral, ou apenas gente de cabeça 
aberta explorando seus limites do gozo? Lembre: o que hoje é doença ou 
imoralidade amanhã pode não ser.
Na
 verdade, imagino que em breve esses caras terão suas ONGs e defenderão 
também “safe sex”. Como fazê-lo? Ensinando nas escolas a identificar 
fezes infectadas pela aparência e cheiro?
O que a gente fofa diria disso? Ainda sem preconceito? Perdeu o apetite? As ciências sexuais têm muito o que aprender.
Luiz Felipe Pondé (jornal FSP – 25.03.2012) | Outra fonte para este artigo: AQUI
Helena não tem culpa
Detalhe de “A Intervenção das Sabinas” (1799)  |  Pintura de Jacques-Louis David
Dias
 atrás, uma amiga, alta executiva paulista, radicada no Rio, me mandou 
um e-mail com a cópia de uma resenha sobre um livro (fruto de pesquisa 
de campo) de um antropólogo, Napoleon Chagnon,
 que estudou os índios ianomâmis no Brasil e na Venezuela por muitos 
anos. Suas conclusões não são aquelas que a comunidade acadêmica, 
ideologicamente orientada na sua quase totalidade, costuma gostar. 
Quem
 sabe, este “desgosto ideológico dos pares” (gente ávida por destruir 
oponentes teóricos) tenha sido responsável pelos desdobramentos 
negativos que o antropólogo teve em sua vida profissional por conta 
desta pesquisa. O livro (“Noble Savages“),
 que logo comprei, deveria ser lido nas escolas. Um tratado contra a 
tradição marxista, não só em antropologia, mas em tudo mais. Mas o que 
especificamente tem esse livro contra esta tradição?
Engana-se
 quem pensa que a tradição marxista comece com Marx, ela começa com 
Rousseau e seu bom selvagem. O princípio é que o homem é bom e a 
sociedade é que o perverte. A perversão do bom selvagem pelo “Das 
Kapital” é apenas uma decorrência do principio do Rousseau, só que para 
Marx não partimos do bom selvagem, mas sim chegaremos a ele quando 
superarmos esta sociedade má.
Uma
 ideia assim (que somos bons e a sociedade nos corrompe, e aqui você 
pode colocar no lugar de “sociedade” a família, o patriarcado, a igreja,
 o capital, os EUA, o patrão, seu pai autoritário) faz almas fracas 
gozarem de prazer. Porque o que ela diz é que, ao final, não sou 
responsável por nada que faço. Não fosse pela “sociedade”, eu seria um 
homem bom. Ao contrário do que parece, essa tradição pegou porque 
alimenta algo de muito banal: que somos homens bons em nossa natureza 
essencial. Esta ideia alimenta nossa vaidade e não foi por outro motivo 
que Burke, filósofo britânico do século 18, chamava Rousseau de 
“filósofo da vaidade”. 
Nossa
 origem é o bom selvagem? É por isso que australianos que não têm o que 
fazer se pintam de aborígenes e gritam por aí? Quanta bobagem! Quanto 
lixo escrito com tinta cara!
Também
 concordo que devemos olhar para o “passado” para entendermos como somos
 hoje. A diferença é que minha ideia de “estado natural do homem” é 
diferente da de Rousseau, o filósofo da vaidade. Partilho da ideia que 
para nos entendermos devemos olhar para a pré-história de fato, e não a 
mítica, como a do Rousseau. 
Este
 mito alimenta uma outra bobagem: a ideia de que toda diversidade 
cultural é linda. “Viva a diferença!”, dizem os festivos por aí. A 
“humanidade”, na sua capacidade frágil de não ser bicho malvado, foi 
tirada das pedras, à custa de muito sangue. Sempre bebemos o sangue dos 
outros no café da manhã.
E
 aí voltamos ao livro. A conclusão de Chagnon é que os ianomâmis, 
parentes nossos que vivem muito perto do que seria o neolítico, tribos 
que permaneceram bastante “puras” enquanto outras já haviam sido 
“contaminadas pela maldade do homem branco” (risadas?), sempre se 
mataram por uma razão nada complexa: “mulher, mulher, mulher”. 
Inclusive, quem tinha mais mulher, tinha mais descendentes.
Qualquer
 evolucionista gargalharia diante de tamanha obviedade ocultada pelas 
interpretações ideológicas pueris da falsa história do bom selvagem. Os 
ianomâmis também têm suas Helenas de Troia. Entre eles, quem matava mais
 tinha mais mulher. Entre nós, quem é mais “adaptado” tem mais mulher.
Não
 se trata de culpar as mulheres porque são filhas de Eva. 
Responsabilizar a mulher pelos males do mundo é coisa de homem brocha 
que, por não conseguir penetrá-la, recorre à falsa culpa feminina para 
aplacar sua desgraça. 
Reconhecer
 que os ianomâmis se matam em troca de mulheres (ou se matavam enquanto 
eram “puros” ou “bons selvagens”) não é uma prova contra as mulheres. É 
uma prova contra Rousseau e sua tradição do bom selvagem. Eu, 
pessoalmente, acho até uma boa causa. Quero dizer, nos matarmos por 
mulheres. Neste caso, o troféu é bem concreto e todo mundo sabe de seu 
“valor de uso”.
Isto é, não precisamos de provas metafísicas para reconhecer o valor de uma mulher.
Luiz Felipe Pondé (jornal FSP – 18.03.2012) | Outra fonte para este artigo: AQUI
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segunda-feira, 22 de abril de 2013
A filosofia e o clássico em Grande Sertão: veredas
(capa
da obra Grande
Sertão: veredas)  
 Considerando
a tessitura ou a forma mesma, tal como se apresenta o texto Grande
sertão:
veredas,
como um fator de determinada interpretação filosófica do mundo,
concebemos uma fragmentação intensa, muito marcada por tensões,
por ambiguidades, por elementos acentuadamente trágicos.
 Num gesto de rara ousadia,
Guimarães Rosa constrói, no interior de Grande
sertão: veredas, aforismas,
versos dispersos ao longo de toda a obra, de modo a pausar, a
silenciar, a dar um tom de mistério no ritmo do mote do narrador. À
medida que o enredo vai se desdobrando, o leitor é tomado pela
estranheza: “viver é muito
perigoso” (In
COSTA, Gilmário Guerreiro da. Parte II  – Aforismos e abismos –
fragmentação e tragicidade no Grande sertão: veredas, p. 01).
Motes como este forçam o leitor a parar diante do texto, não
havendo alternativa a não ser pensar para uma tomada de posição. 
 Ao dialogar conosco, através
de uma linguagem fragmentada, não certinha e indiferente de capturar
o sofrimento e o trágico, o texto de Guimarães se faz como um ato
precisamente filosófico, como um modo filosófico de ver o mundo, em
que revisita uma série de temas peculiares à tragédia grega, dos
quais pretende sublinhar a esfera trágica de suas questões sobre a
condição humana. Uma questão que se levanta é a do julgamento.
 A partir de um estudo de
Jean-Pierre Vernant, é muito recorrente a menção de um tribunal,
onde se julga a vida, a existência, como sentido das tensões e
ambiguidades na tragédia grega e em obras desse gênero. Algo
semelhante ocorre em Grande
sertão: veredas, seguindo a
tradição das tragédias, de obras clássicas como Apologia,
de Platão, onde o tribunal é marca diferencial. O corte
fragmentário e elucidativo a esse particular é o julgamento do
jagunço Zé Bebelo, bastante emblemático e profundo. Isso é
notório no diálogo entre Joca Ramiro e Zé Bebelo:
  – “O senhor pediu
julgamento...   – ele perguntou, com voz
          cheia, em beleza de
calma.
            – Toda hora eu
estou em julgamento.  
            Assim Zé Bebelo
respondeu. Aquilo fazia sentido? [ROSA,
1994, p. 168]” (idem,  p.12).
 Em seguida, compõe-se o
tribunal. O tom da narrativa é extremamente tenso e cheio de
intervenções recorrentes aos tópoi
da antiguidade clássica, dentre estes, as fortes referências à
areté
da Ilíada
de Homero que povoam nosso imaginário com homens semelhantes a
Ulisses, a Aquiles, a Heitor, enfim.
 Questões como honra,
valentia, coragem, sofrimento, justiça, culpa, vingança, traição,
morte, vida, acolhidos pela inteligência do autor mineiro, ganham
proporções cada vez mais singulares e significativas, típicas do
interior do sertão brasileiro. Filosófica e artisticamente, mas com
proeza literária, Guimarães Rosa soube trazer à tona, em
circunstâncias totalmente adversas do sertão, elementos como
silêncio e serenidade, atitudes decorrentes de uma consciência
trágica. E, por ser trágica, sua obra é um ato extremamente
filosófico.
 Portanto, não podemos deixar
de destacar a figura de Riobaldo e de Diadorim, cheios de amor um
pelo outro; amor também recorrente aos tópoi
trágicos, passando por Platão e por Shakespeare; amor instigante e
fecundo. No seu nome, Diadorim parece comunicar seu amor, dom e
errância, para Riobaldo, que assim a trata: “Qualquer
amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura[ROSA,
1994, p. 200]”
(idem, p.19). O aforisma
adiante é surpreendente: “Vivendo,
se aprende; mas o que se aprende, mais, é só a fazer outras maiores
perguntas[ROSA,
1994, p. 264]”
(idem).
Prof.
Jackislandy Meira de Medeiros Silva
Bel.
em Teologia, Licenciado em Filosofia, Esp. em Metafísica e
Pós-graduando em Estudos Clássicos pela UnB/Archai/Unesco.
quinta-feira, 4 de abril de 2013
terça-feira, 2 de abril de 2013
Você tem cabeça aberta?
Você tem cabeça aberta? Acusar alguém de ter cabeça fechada hoje em dia é uma ofensa pior do que xingar a mãe. 
Hoje
 todos querem ter cabeça aberta. Um tema top para cabeças abertas é 
preconceito x práticas sexuais, e um lugar certo para deixar claro que 
você tem cabeça aberta é jantares inteligentes. Se você quer fazer 
sucesso num jantar desses, chame todo mundo que discorda de você de 
“ridícula”. 
Nesses
 jantares, as pessoas têm as opiniões certas sobre tudo; por exemplo, 
ninguém tem preconceito contra nada. Acho muito fofo gente que não tem 
nenhum preconceito contra nada. 
No
 tema “práticas sexuais”, o que percebemos, se formos um pouquinho além 
do senso comum, é que o “normal x patológico” ou “moral x imoral” é 
bastante relativo no tempo e no espaço. Isso significa que o que se acha
 imoral hoje amanhã pode não ser, e vice-versa. O mesmo para o que se 
acha patológico.
Quem
 busca um critério absoluto, sem variação histórica ou geográfica (a tal
 variação no tempo e no espaço de que falei acima), hoje em dia, se vê 
em maus lençóis. Além, claro, de dar atestado de ter preconceitos numa 
época em que ter preconceitos é pior do que matar a mãe. 
Aliás, se não disse ainda, digo: acho fofo gente que não tem preconceito contra nada. 
Um
 modo de se posicionar acerca dessa fronteira entre sexo normal x 
patológico ou moral x imoral é defender a ideia de que entre dois 
adultos tudo é permitido, se a prática for fruto de livre escolha (eis 
uma versão para mortais da tal autonomia kantiana). Esse argumento até é
 válido, já que não sabemos mais nada sobre coisa nenhuma em moral (só 
mentirosos dizem que têm “princípios éticos”). Mas ele é problemático, 
já na definição de “adulto”, porque ela também é relativa no tempo e no 
espaço. Um cara de 40 ficar com uma mina de 14 nem sempre foi visto como
 crime contra a infância. 
Outra
 coisa problemática é a própria ideia de “livre escolha”. Por exemplo, 
se você gosta de apanhar, talvez só goste mesmo quando seu parceiro ou 
parceira vai além do que você “permite”, senão você não goza de verdade.
 Mas devo confessar que há algo de pueril em achar que “livre escolha” 
resolva o problema. Acreditar na ideia de “autonomia kantiana” (a tal da
 “livre escolha”), às vezes, também, é superfofo.
Vamos,
 porém, deixar de barato esses pequeníssimos detalhes e vamos a algo 
mais “significativo”. Faço uma proposta para seu próximo jantar 
inteligente. Claro, se você for um pobre engenheiro, nem pense em querer
 ir, a menos que sua mulher seja psicóloga –aí os donos da casa 
inteligente podem aceitá-lo. Se você for um cara e sua “mulher psi” for 
um cara também, aí a entrada é garantida.
Vamos testar as cabecinhas abertas? Atenção, respire fundo: você já viu o vídeo “2 girls 1 cup“?
 Mas, antes de descrevê-lo (não em detalhes, porque seria demais para 
uma segunda-feira), vou dizer uma coisa. Acho que, se você é o tipo de 
pessoa que quer provar que tem cabeça aberta, você deve discutir apenas o
 que lhe parece absurdo (ou “nojento”, na linguagem de gente que tem 
preconceito). Mas não é isso o que acontece normalmente.
A
 moçadinha que tem cabeça aberta só gosta de discutir coisa que não põe 
em risco sua imagem de gente bacana. Falar mal de machista, racista, 
sexista, católico e evangélico é coisa de iniciante no ramo de 
discussões de verdade.
E
 o vídeo? Neste, duas mulheres começam com sexo lésbico normal e acabam 
fazendo sexo a três: elas duas + as fezes de uma delas (se é apenas 
efeito especial, pouco importa). Isso é chamado no mundo careta de 
“coprofilia”. Quem gosta de xixi é urofílico.
Então:
 gente que gosta disso é doente, imoral, ou apenas gente de cabeça 
aberta explorando seus limites do gozo? Lembre: o que hoje é doença ou 
imoralidade amanhã pode não ser.
Na
 verdade, imagino que em breve esses caras terão suas ONGs e defenderão 
também “safe sex”. Como fazê-lo? Ensinando nas escolas a identificar 
fezes infectadas pela aparência e cheiro?
O que a gente fofa diria disso? Ainda sem preconceito? Perdeu o apetite? As ciências sexuais têm muito o que aprender.
Luiz Felipe Pondé (jornal FSP – 25.03.2012) | Outra fonte para este artigo: AQUI
Helena não tem culpa
Detalhe de “A Intervenção das Sabinas” (1799)  |  Pintura de Jacques-Louis David
Dias
 atrás, uma amiga, alta executiva paulista, radicada no Rio, me mandou 
um e-mail com a cópia de uma resenha sobre um livro (fruto de pesquisa 
de campo) de um antropólogo, Napoleon Chagnon,
 que estudou os índios ianomâmis no Brasil e na Venezuela por muitos 
anos. Suas conclusões não são aquelas que a comunidade acadêmica, 
ideologicamente orientada na sua quase totalidade, costuma gostar. 
Quem
 sabe, este “desgosto ideológico dos pares” (gente ávida por destruir 
oponentes teóricos) tenha sido responsável pelos desdobramentos 
negativos que o antropólogo teve em sua vida profissional por conta 
desta pesquisa. O livro (“Noble Savages“),
 que logo comprei, deveria ser lido nas escolas. Um tratado contra a 
tradição marxista, não só em antropologia, mas em tudo mais. Mas o que 
especificamente tem esse livro contra esta tradição?
Engana-se
 quem pensa que a tradição marxista comece com Marx, ela começa com 
Rousseau e seu bom selvagem. O princípio é que o homem é bom e a 
sociedade é que o perverte. A perversão do bom selvagem pelo “Das 
Kapital” é apenas uma decorrência do principio do Rousseau, só que para 
Marx não partimos do bom selvagem, mas sim chegaremos a ele quando 
superarmos esta sociedade má.
Uma
 ideia assim (que somos bons e a sociedade nos corrompe, e aqui você 
pode colocar no lugar de “sociedade” a família, o patriarcado, a igreja,
 o capital, os EUA, o patrão, seu pai autoritário) faz almas fracas 
gozarem de prazer. Porque o que ela diz é que, ao final, não sou 
responsável por nada que faço. Não fosse pela “sociedade”, eu seria um 
homem bom. Ao contrário do que parece, essa tradição pegou porque 
alimenta algo de muito banal: que somos homens bons em nossa natureza 
essencial. Esta ideia alimenta nossa vaidade e não foi por outro motivo 
que Burke, filósofo britânico do século 18, chamava Rousseau de 
“filósofo da vaidade”. 
Nossa
 origem é o bom selvagem? É por isso que australianos que não têm o que 
fazer se pintam de aborígenes e gritam por aí? Quanta bobagem! Quanto 
lixo escrito com tinta cara!
Também
 concordo que devemos olhar para o “passado” para entendermos como somos
 hoje. A diferença é que minha ideia de “estado natural do homem” é 
diferente da de Rousseau, o filósofo da vaidade. Partilho da ideia que 
para nos entendermos devemos olhar para a pré-história de fato, e não a 
mítica, como a do Rousseau. 
Este
 mito alimenta uma outra bobagem: a ideia de que toda diversidade 
cultural é linda. “Viva a diferença!”, dizem os festivos por aí. A 
“humanidade”, na sua capacidade frágil de não ser bicho malvado, foi 
tirada das pedras, à custa de muito sangue. Sempre bebemos o sangue dos 
outros no café da manhã.
E
 aí voltamos ao livro. A conclusão de Chagnon é que os ianomâmis, 
parentes nossos que vivem muito perto do que seria o neolítico, tribos 
que permaneceram bastante “puras” enquanto outras já haviam sido 
“contaminadas pela maldade do homem branco” (risadas?), sempre se 
mataram por uma razão nada complexa: “mulher, mulher, mulher”. 
Inclusive, quem tinha mais mulher, tinha mais descendentes.
Qualquer
 evolucionista gargalharia diante de tamanha obviedade ocultada pelas 
interpretações ideológicas pueris da falsa história do bom selvagem. Os 
ianomâmis também têm suas Helenas de Troia. Entre eles, quem matava mais
 tinha mais mulher. Entre nós, quem é mais “adaptado” tem mais mulher.
Não
 se trata de culpar as mulheres porque são filhas de Eva. 
Responsabilizar a mulher pelos males do mundo é coisa de homem brocha 
que, por não conseguir penetrá-la, recorre à falsa culpa feminina para 
aplacar sua desgraça. 
Reconhecer
 que os ianomâmis se matam em troca de mulheres (ou se matavam enquanto 
eram “puros” ou “bons selvagens”) não é uma prova contra as mulheres. É 
uma prova contra Rousseau e sua tradição do bom selvagem. Eu, 
pessoalmente, acho até uma boa causa. Quero dizer, nos matarmos por 
mulheres. Neste caso, o troféu é bem concreto e todo mundo sabe de seu 
“valor de uso”.
Isto é, não precisamos de provas metafísicas para reconhecer o valor de uma mulher.
Luiz Felipe Pondé (jornal FSP – 18.03.2012) | Outra fonte para este artigo: AQUI
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