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segunda-feira, 25 de março de 2013

ÍTACA

Odisseu (Ulisses) amarrado ao mastro de sua embarcação para se salvar das Sirenes na Odisséia de Homero, o grande poema épico Grego. Mosaico Romano do século III AD, Tunísia.

Se partires um dia rumo à Ítaca
Faz votos de que o caminho seja longo
repleto de aventuras, repleto de saber.
Nem lestrigões, nem ciclopes,
nem o colérico Posídon te intimidem!
Eles no teu caminho jamais encontrarás
Se altivo for teu pensamento
Se sutil emoção o teu corpo e o teu espírito tocar
Nem lestrigões, nem ciclopes
Nem o bravio Posídon hás de ver
Se tu mesmo não os levares dentro da alma
Se tua alma não os puser dentro de ti.
Faz votos de que o caminho seja longo.
Numerosas serão as manhãs de verão
Nas quais com que prazer, com que alegria
Tu hás de entrar pela primeira vez um porto
Para correr as lojas dos fenícios
e belas mercancias adquirir.
Madrepérolas, corais, âmbares, ébanos
E perfumes sensuais de toda espécie
Quanto houver de aromas deleitosos.
A muitas cidades do Egito peregrinas
Para aprender, para aprender dos doutos.
Tem todo o tempo ítaca na mente.
Estás predestinado a ali chegar.
Mas, não apresses a viagem nunca.
Melhor muitos anos levares de jornada
E fundeares na ilha velho enfim.
Rico de quanto ganhaste no caminho
Sem esperar riquezas que Ítaca te desse.
Uma bela viagem deu-te Ítaca.
Sem ela não te ponhas a caminho.
Mais do que isso não lhe cumpre dar-te.
Ítaca não te iludiu
Se a achas pobre.
Tu te tornaste sábio, um homem de experiência.
E, agora, sabes o que significam Ítacas.



Constantino Kabvafis (1863-1933)
in: O Quarteto de Alexandria - trad. José Paulo Paz.

domingo, 24 de março de 2013

E ERA FESTA DA PÁSCOA...

"Estacou na caminhada para ver um tipógrafo distribuindo preciso tipos. Lê primeiro ao revés. Faz a coisa rápido. Exige alguma prática isso. MangiD KcirtaP. Pobre Papai e seu hagadá, lendo com seu dedo para trás para mim. Pessah. No ano próximo em Jerusalém. Oh, meu Deus! Toda essa longa história sobre como saímos da Terra do Egito e entramos na casa da servidão alleluia. Shema Israel Adonai Elohenu. Não, isso é a outra. Então, os doze irmãos, filhos de Jacob. E então o carneiro e o gato e o cão e o bastão e a água e o açougueiro e então o anjo da morte mata o açougueiro que mata o boi e o cão mata o gato. Soa um pouco boboca até que se entre bem na coisa. Justiça é o que significa, mas é um comer cada um o outro. É o que é a vida enfim. Com que rapidez ele executa a tarefa. A prática é a mãe da perfeição. Parece que vê com os dedos"(James Joyce em seu Ulisses).

Vejamos uma ilustração de Joyce por Bob Cato. (Cover of Joyce Images):


quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Um grito de identidade


Repare bem cautelosamente se você já se viu em alguém. Pode ser alguém da família, seus pares ou membros de um grupo; alguém com quem você desenvolveu seus afetos, sua intimidade, cuja reciprocidade fora aumentando pouco a pouco até não parar mais. Geralmente, além de pessoas, nos identificamos também com lugares, profissões, estudos. Mas, os que marcam mesmo nossas vidas, a bem da verdade, são nossos pais, irmãos, tios, tias e avós, sem desmerecer, claro, a descoberta de um amigo ou de uma pessoa amada.

Ver-se em alguém é identificar-se com este alguém, ultrapassando os limites da aparência. Via de regra, a aparência da identidade está fixa e inerte em registros de identidade, onde cada qual apenas estampa no papel sua face para fins burocráticos e sociais. A identidade não é simplesmente um documento de papel que carrega sua impressão digital e foto, bem como o nome bastante apresentável, aprisionada numa carteira ao bolso, senão guardada e abandonada em gavetas ou pastas.

Perder a identidade para a cultura grega significa perder a vida, equivale a estar realmente morto: “Para os gregos, o que caracteriza a morte é a perda da identidade. Os mortos são, antes de mais nada, sem-nome ou mesmo sem-rosto. Todos que deixam a vida se tornam anônimos, perdem a individualidade.(...) É essa despersonalização que caracteriza a morte aos olhos dos gregos(...)”(In FERRY, Luc. A sabedoria dos mitos gregos. Aprender a viver II. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009, p. 145).

Descobrir seu eu no mundo, seu lugar no tempo/espaço da história é ver-se na mais translúcida imagem de sua subjetividade; é descobrir-se para si mesmo e habitar um mundo possível, crescente, dinâmico e infinito, movido pelo despertar semelhante ao do filho de Ulisses, Telêmaco, quando da sua busca incessante por notícias do pai que estava a vaguear pelo mundo, perdido e com saudades de casa.

As primeiras quatro partes ou capítulos da clássica obra de Homero, a Odisseia, revelam essa busca incansável do jovem pela confirmação dos belos feitos do seu pai, rei de Ítaca. A saída de Telêmaco da ilha ao encontro do pai representa sua saída ao encontro de si mesmo. Assim como Telêmaco, um homem precisa de aventuras ou precisa satisfazer o desejo da maravilha, da curiosidade de querer ver as coisas para forjar, no sofrimento e na nostalgia de casa, a personalidade, construir o caráter e, definitivamente, encontrar seu lugar mundo, quem você é e por que está aqui.

Todos temos uma identidade, quando sufocada e presa, grita de dentro de nós. É o grito da alma humana pelo reconhecimento de sua própria identidade.

Como não acenar aqui para a tão reconhecida obra de Milan Kundera, a identidade, em que Chantal, personagem central da trama, reclama repetidamente por identidade quando pensa: “Vivo num mundo onde os homens nunca mais irão se virar para olhar para mim”. Só que, ao saber quem, de fato, era Chantal, pouco antes de declarar que havia se enganado, Jean-Marc saboreia o prazer de olhar para ela e percebe que Chantal é o “seu único vínculo sentimental com o mundo”, pois “só ela, e mais ninguém, o liberta de sua indiferença. Só por intermédio dela é capaz de se compadecer”. Acordada de seu sonho, pelo “grito” de Jean-Marc, a bela Chantal não quer perder de vista a identidade de seu amor: “Não vou mais tirar os olhos de você. Vou olhar para você sem parar”.



Prof. Jackislandy Meira de M. Silva

Especialista em Metafísica, Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Pós-graduando em Estudos Clássicos pela UNB e Archai Unesco.



domingo, 8 de julho de 2012

Ulisses e sua volta para casa!

    “Avançando com leveza, a nau cortou as ondas do mar,
Transportando um homem cujos conselhos igualavam
Os dos deuses, que já sofrera muitas tristezas no coração,
Que atravessara as guerras dos homens e as ondas dolorosas
Mas que agora dormia em paz, esquecido de tudo quanto sofrera”
                                  (Odisseia, XIII. 86-92).

“Fala-me, Musa, do homem astuto que tanto vagueou”
                                                    (Odisseia. I.1)

A lição de Poseidon: “Que sem os deuses, o homem não é nada!”:
     “Os faécios me levaram para Ítaca. Mas foi Poseidon quem permitiu que eu seguisse minha jornada, para que eu pensasse em suas palavras. E compreendi que eu era apenas um homem no mundo. Nada mais e nada menos”. (Ulisses)

sexta-feira, 25 de maio de 2012

A filosofia e o "agon"(luta) de Ulisses


Aquela expressão muito feliz do Prof. Delfim Leão ainda ecoa em meus ouvidos: HOMERO É UM MANANCIAL DE INFORMAÇÕES QUE NÃO PÁRA, QUE NÃO CESSA DE NOS SURPREENDER(in Ulisses e o espírito agónico grego: o herói da imaginação, do sacrifício e do conhecimento, Universidade de Coimbra, 2011).
Permitam-me, com isso, puxar um pouco a sardinha pro meu lado, já que tenho uma formação filosófica.
Partindo da ideia grega de Agon, de que a vida é como uma luta sem fim, presente inclusive nas guerras descritas por Homero, o filósofo moderno Nietzsche, pelo seu filtro filosófico e filológico, nos brinda com um texto belíssimo de sustentação das qualidades humanas e naturais dos gregos antigos, especialmente na epopeia e na tragédia. "O Agon em Homero", in Cinco prefácios para cinco livros não escritos. Nesse texto, Nietzsche aponta o homem grego como sendo movido pela relação entre suas qualidades humanas e qualidades profundamente naturais. Quer mostrar que o homem grego é fiel aos seus instintos naturais, aos seus impulsos, fazendo-o aproximar-se ainda mais das condições naturais de sua existência. Segundo ele, os gestos violentos, impulsivos e aterradores, a crueldade, os excessos todos são a fonte, o sólo fértil de onde brotam as grandes ações e as grandes obras da humanidade.
Para ilustrar essa leitura de Nietzsche no que diz respeito ao Agon grego, podemos citar Aquiles, o guerreiro mais amado e admirado da Grécia que, guiando seu carro, profana o corpo de Heitor, arrastando-o ao redor da cidade de Troia, para desespero da família, que assistia a tudo do alto da muralha. Ou, de outro modo, para exemplificar Ulisses, na leitura de Delfim Leão, como o "herói dos mil artifícios"(polymetis ou polymechanos), o que faz dele a ilustração mais paradigmática dos poderes da imaginação, da capacidade inventiva, de uma diplomacia intuitiva. A imaginação fulgurante de Ulisses, afirma Delfim, incarnada na curiosidade e no espírito agónico da mentalidade grega e do ser humano em geral, comporta de igual modo um processo de sujeição ao perigo, pois a aventura do conhecimento pressupõe sempre uma exposição aos riscos da incerteza, à experiência do sofrimento vivido. O Agon grego está representado na figura engenhosa de Ulisses como o "herói que muito sofreu"(polytlas).
A luta e o prazer da vitória, bem como do regresso de Ulisses à Itaca, em si mesmos, foram legitimados pelos gregos, que concebiam o ódio, a inveja, a disputa, os artifícios humanos muito diferentes do nosso.
É da natureza e de toda extensão da cultura do grego, sob expressões diversas, como polemos, eris, meikos, esse poder de confrontação, que Heráclito de Éfeso, filósofo grego, absorve como princípio(arché) do universo. Heráclito, diretamente influenciado pelo Agon da vida grega, faz dele o princípio do mundo. Pensar o mundo como devir, vir-a-ser, é concebê-lo como uma luta constante. Diz ele: "Nos mesmos rios entramos e não entramos, somos e não somos"(Heráclito, Alegorias, 24).
O mesmo sentimento de luta de Ulisses, certamente, tivera sido uma fonte riquíssima, um legado precioso para o desenvolvimento ainda mais próspero da cultura grega nas bases da Filosofia. Outro exemplo disso é Sócrates, arraigado neste gosto(beleza também, estética) pela disputa, inventa a dialética e dá os primeiros passos em direção à Filosofia, propriamente dita.


Prof. Jackislandy Meira de M. Silva
Especialista em Metafísica, Licenciado em Filosofia e Bacharel em Teologia

terça-feira, 8 de maio de 2012

O espírito agónico(luta) de Ulisses


Para nos deleitarmos sob a leitura de Homero no que diz respeito ao Agon grego, podemos citar ligeiramente Aquiles, o guerreiro mais amado e admirado da Grécia que, guiando seu carro, profana o corpo de Heitor, arrastando-o ao redor da cidade de Troia, para desespero da família, que assistia a tudo do alto da muralha. Ou, de outro modo, para exemplificar Ulisses, na leitura de Delfim Leão - (in Ulisses e o espírito agónico grego: o herói da imaginação, do sacrifício e do conhecimento, Universidade de Coimbra, 2011) - , como o "herói dos mil artifícios"(polymetis ou polymechanos), o que faz dele a ilustração mais paradigmática dos poderes da imaginação, da capacidade inventiva, de uma diplomacia intuitiva. A imaginação fulgurante de Ulisses, afirma Delfim, incarnada na curiosidade e no espírito agónico da mentalidade grega e do ser humano em geral, comporta de igual modo um processo de sujeição ao perigo, pois a aventura do conhecimento pressupõe sempre uma exposição aos riscos da incerteza, à experiência do sofrimento vivido. O Agon grego está representado na figura engenhosa de Ulisses como o "herói que muito sofreu"(polytlas).
A luta e o prazer da vitória, bem como do regresso de Ulisses à Itaca, em si mesmos, foram legitimados pelos gregos, que concebiam o ódio, a inveja, a disputa, os artifícios humanos muito diferentes do nosso.
O povo grego vive intensamente os conflitos ou as guerras a que se propõe lutar quer por honra, glória ou conquista territorial. Certamente, em Ulisses, tudo isso vem legitimado, somando-se as estratégias gregas em combate.
Conforme a trama muito pessoal da nostalgia empreendida desde que fora obrigado a deixar a sua ilha, a aventura junto aos Ciclopes, que muito me impressiona, não faria sentido se não fosse um desvio à rota simples de seu trajeto, provocado pelo próprio Ulisses. Sem deixar de ser o que é, carregando consigo todas as suas boas e más qualidades, procura mostrar que não é um tirano. Por isso, nada melhor do que travar um “agon” com algo que aparece pra ele caracterizado de tirânico, ou seja, do modo de ser dos seres com que se vai confrontar. Ora, moradores desta ilha, os Ciclopes (“olho circular”), como sendo seres “arrogantes e sem lei” (Canto IX, v. 106), dependentes de um modo de vida bem provinciano e pastoril, sem quaisquer labor agrícola, pois tiram toda a sobrevivência da terra. Dissimulados, vivem da indiferença e desprezam a esfera política da existência. Cada qual que dite a lei para si e para os que de si dependem, sem deliberação em assembleia; habitam grutas, nos píncaros das montanhas (vv. 106-115). No entanto, para contrariar a tirania dessa gente, eis que surge Ulisses a fim de triunfar sobre um modelo de vida descomprometido com a virtude e com a excelência. O agon de Ulisses, portanto, reivindica sua arete, sua humanidade, seu aner frente aos Ciclopes.
Daí, como se verá através da ação do Ciclope Polifemo, o indivíduo escolhido para objeto agónico de Ulisses, é evidente que o mono-ocular e suas investidas não serão suficientes para conter o espírito de Ulisses, orientado por sua areté e seu logos, os quais promovem o agon muito mais superior. “Esta agonia representa um confronto direto com o mínimo da inteligência propriamente humana (se o não fosse, Polifemo teria sido aniquilado) e o máximo da inteligência propriamente humana: o triunfador, Ulisses. Com o ato de Ulisses junto de Polifemo nasce cruentamente e em agonia a afirmação da liberdade do ser humano como ser ético e político, senhor de seus atos, por via de uma agência inteligente, que nada submete, que nada pode submeter”(PEREIRA, Américo. Ulisses e Penélope. Da nova paradigmaticidade, a partir da Odisseia de Homero. Covilhã, Lusosofia, 2011, p. 12-17).
A Odisseia bem que poderia se chamar As agonias de Ulisses, haja vista seus intentos contra toda sorte de males nas guerras e em meio ao seu regresso à Ítaca. Trava sempre combates de vida ou morte. A sua sobrevivência é a sobrevivência e o triunfo do paradigma que representa toda uma civilização com histórias marcantes que influenciarão o progresso intelectual da humanidade. Engraçado, mas vejam que trocadilho curioso: O regresso de Ulisses que constrói todo o patrimônio do progresso civilizatório da humanidade. O contraponto do regresso é o seu progresso e vice-versa.


Prof. Jackislandy Meira de M. Silva
Especialista em Metafísica, Licenciado em Filosofia e Bacharel em Teologia

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segunda-feira, 25 de março de 2013

ÍTACA

Odisseu (Ulisses) amarrado ao mastro de sua embarcação para se salvar das Sirenes na Odisséia de Homero, o grande poema épico Grego. Mosaico Romano do século III AD, Tunísia.

Se partires um dia rumo à Ítaca
Faz votos de que o caminho seja longo
repleto de aventuras, repleto de saber.
Nem lestrigões, nem ciclopes,
nem o colérico Posídon te intimidem!
Eles no teu caminho jamais encontrarás
Se altivo for teu pensamento
Se sutil emoção o teu corpo e o teu espírito tocar
Nem lestrigões, nem ciclopes
Nem o bravio Posídon hás de ver
Se tu mesmo não os levares dentro da alma
Se tua alma não os puser dentro de ti.
Faz votos de que o caminho seja longo.
Numerosas serão as manhãs de verão
Nas quais com que prazer, com que alegria
Tu hás de entrar pela primeira vez um porto
Para correr as lojas dos fenícios
e belas mercancias adquirir.
Madrepérolas, corais, âmbares, ébanos
E perfumes sensuais de toda espécie
Quanto houver de aromas deleitosos.
A muitas cidades do Egito peregrinas
Para aprender, para aprender dos doutos.
Tem todo o tempo ítaca na mente.
Estás predestinado a ali chegar.
Mas, não apresses a viagem nunca.
Melhor muitos anos levares de jornada
E fundeares na ilha velho enfim.
Rico de quanto ganhaste no caminho
Sem esperar riquezas que Ítaca te desse.
Uma bela viagem deu-te Ítaca.
Sem ela não te ponhas a caminho.
Mais do que isso não lhe cumpre dar-te.
Ítaca não te iludiu
Se a achas pobre.
Tu te tornaste sábio, um homem de experiência.
E, agora, sabes o que significam Ítacas.



Constantino Kabvafis (1863-1933)
in: O Quarteto de Alexandria - trad. José Paulo Paz.

domingo, 24 de março de 2013

E ERA FESTA DA PÁSCOA...

"Estacou na caminhada para ver um tipógrafo distribuindo preciso tipos. Lê primeiro ao revés. Faz a coisa rápido. Exige alguma prática isso. MangiD KcirtaP. Pobre Papai e seu hagadá, lendo com seu dedo para trás para mim. Pessah. No ano próximo em Jerusalém. Oh, meu Deus! Toda essa longa história sobre como saímos da Terra do Egito e entramos na casa da servidão alleluia. Shema Israel Adonai Elohenu. Não, isso é a outra. Então, os doze irmãos, filhos de Jacob. E então o carneiro e o gato e o cão e o bastão e a água e o açougueiro e então o anjo da morte mata o açougueiro que mata o boi e o cão mata o gato. Soa um pouco boboca até que se entre bem na coisa. Justiça é o que significa, mas é um comer cada um o outro. É o que é a vida enfim. Com que rapidez ele executa a tarefa. A prática é a mãe da perfeição. Parece que vê com os dedos"(James Joyce em seu Ulisses).

Vejamos uma ilustração de Joyce por Bob Cato. (Cover of Joyce Images):


quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Um grito de identidade


Repare bem cautelosamente se você já se viu em alguém. Pode ser alguém da família, seus pares ou membros de um grupo; alguém com quem você desenvolveu seus afetos, sua intimidade, cuja reciprocidade fora aumentando pouco a pouco até não parar mais. Geralmente, além de pessoas, nos identificamos também com lugares, profissões, estudos. Mas, os que marcam mesmo nossas vidas, a bem da verdade, são nossos pais, irmãos, tios, tias e avós, sem desmerecer, claro, a descoberta de um amigo ou de uma pessoa amada.

Ver-se em alguém é identificar-se com este alguém, ultrapassando os limites da aparência. Via de regra, a aparência da identidade está fixa e inerte em registros de identidade, onde cada qual apenas estampa no papel sua face para fins burocráticos e sociais. A identidade não é simplesmente um documento de papel que carrega sua impressão digital e foto, bem como o nome bastante apresentável, aprisionada numa carteira ao bolso, senão guardada e abandonada em gavetas ou pastas.

Perder a identidade para a cultura grega significa perder a vida, equivale a estar realmente morto: “Para os gregos, o que caracteriza a morte é a perda da identidade. Os mortos são, antes de mais nada, sem-nome ou mesmo sem-rosto. Todos que deixam a vida se tornam anônimos, perdem a individualidade.(...) É essa despersonalização que caracteriza a morte aos olhos dos gregos(...)”(In FERRY, Luc. A sabedoria dos mitos gregos. Aprender a viver II. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009, p. 145).

Descobrir seu eu no mundo, seu lugar no tempo/espaço da história é ver-se na mais translúcida imagem de sua subjetividade; é descobrir-se para si mesmo e habitar um mundo possível, crescente, dinâmico e infinito, movido pelo despertar semelhante ao do filho de Ulisses, Telêmaco, quando da sua busca incessante por notícias do pai que estava a vaguear pelo mundo, perdido e com saudades de casa.

As primeiras quatro partes ou capítulos da clássica obra de Homero, a Odisseia, revelam essa busca incansável do jovem pela confirmação dos belos feitos do seu pai, rei de Ítaca. A saída de Telêmaco da ilha ao encontro do pai representa sua saída ao encontro de si mesmo. Assim como Telêmaco, um homem precisa de aventuras ou precisa satisfazer o desejo da maravilha, da curiosidade de querer ver as coisas para forjar, no sofrimento e na nostalgia de casa, a personalidade, construir o caráter e, definitivamente, encontrar seu lugar mundo, quem você é e por que está aqui.

Todos temos uma identidade, quando sufocada e presa, grita de dentro de nós. É o grito da alma humana pelo reconhecimento de sua própria identidade.

Como não acenar aqui para a tão reconhecida obra de Milan Kundera, a identidade, em que Chantal, personagem central da trama, reclama repetidamente por identidade quando pensa: “Vivo num mundo onde os homens nunca mais irão se virar para olhar para mim”. Só que, ao saber quem, de fato, era Chantal, pouco antes de declarar que havia se enganado, Jean-Marc saboreia o prazer de olhar para ela e percebe que Chantal é o “seu único vínculo sentimental com o mundo”, pois “só ela, e mais ninguém, o liberta de sua indiferença. Só por intermédio dela é capaz de se compadecer”. Acordada de seu sonho, pelo “grito” de Jean-Marc, a bela Chantal não quer perder de vista a identidade de seu amor: “Não vou mais tirar os olhos de você. Vou olhar para você sem parar”.



Prof. Jackislandy Meira de M. Silva

Especialista em Metafísica, Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Pós-graduando em Estudos Clássicos pela UNB e Archai Unesco.



domingo, 8 de julho de 2012

Ulisses e sua volta para casa!

    “Avançando com leveza, a nau cortou as ondas do mar,
Transportando um homem cujos conselhos igualavam
Os dos deuses, que já sofrera muitas tristezas no coração,
Que atravessara as guerras dos homens e as ondas dolorosas
Mas que agora dormia em paz, esquecido de tudo quanto sofrera”
                                  (Odisseia, XIII. 86-92).

“Fala-me, Musa, do homem astuto que tanto vagueou”
                                                    (Odisseia. I.1)

A lição de Poseidon: “Que sem os deuses, o homem não é nada!”:
     “Os faécios me levaram para Ítaca. Mas foi Poseidon quem permitiu que eu seguisse minha jornada, para que eu pensasse em suas palavras. E compreendi que eu era apenas um homem no mundo. Nada mais e nada menos”. (Ulisses)

sexta-feira, 25 de maio de 2012

A filosofia e o "agon"(luta) de Ulisses


Aquela expressão muito feliz do Prof. Delfim Leão ainda ecoa em meus ouvidos: HOMERO É UM MANANCIAL DE INFORMAÇÕES QUE NÃO PÁRA, QUE NÃO CESSA DE NOS SURPREENDER(in Ulisses e o espírito agónico grego: o herói da imaginação, do sacrifício e do conhecimento, Universidade de Coimbra, 2011).
Permitam-me, com isso, puxar um pouco a sardinha pro meu lado, já que tenho uma formação filosófica.
Partindo da ideia grega de Agon, de que a vida é como uma luta sem fim, presente inclusive nas guerras descritas por Homero, o filósofo moderno Nietzsche, pelo seu filtro filosófico e filológico, nos brinda com um texto belíssimo de sustentação das qualidades humanas e naturais dos gregos antigos, especialmente na epopeia e na tragédia. "O Agon em Homero", in Cinco prefácios para cinco livros não escritos. Nesse texto, Nietzsche aponta o homem grego como sendo movido pela relação entre suas qualidades humanas e qualidades profundamente naturais. Quer mostrar que o homem grego é fiel aos seus instintos naturais, aos seus impulsos, fazendo-o aproximar-se ainda mais das condições naturais de sua existência. Segundo ele, os gestos violentos, impulsivos e aterradores, a crueldade, os excessos todos são a fonte, o sólo fértil de onde brotam as grandes ações e as grandes obras da humanidade.
Para ilustrar essa leitura de Nietzsche no que diz respeito ao Agon grego, podemos citar Aquiles, o guerreiro mais amado e admirado da Grécia que, guiando seu carro, profana o corpo de Heitor, arrastando-o ao redor da cidade de Troia, para desespero da família, que assistia a tudo do alto da muralha. Ou, de outro modo, para exemplificar Ulisses, na leitura de Delfim Leão, como o "herói dos mil artifícios"(polymetis ou polymechanos), o que faz dele a ilustração mais paradigmática dos poderes da imaginação, da capacidade inventiva, de uma diplomacia intuitiva. A imaginação fulgurante de Ulisses, afirma Delfim, incarnada na curiosidade e no espírito agónico da mentalidade grega e do ser humano em geral, comporta de igual modo um processo de sujeição ao perigo, pois a aventura do conhecimento pressupõe sempre uma exposição aos riscos da incerteza, à experiência do sofrimento vivido. O Agon grego está representado na figura engenhosa de Ulisses como o "herói que muito sofreu"(polytlas).
A luta e o prazer da vitória, bem como do regresso de Ulisses à Itaca, em si mesmos, foram legitimados pelos gregos, que concebiam o ódio, a inveja, a disputa, os artifícios humanos muito diferentes do nosso.
É da natureza e de toda extensão da cultura do grego, sob expressões diversas, como polemos, eris, meikos, esse poder de confrontação, que Heráclito de Éfeso, filósofo grego, absorve como princípio(arché) do universo. Heráclito, diretamente influenciado pelo Agon da vida grega, faz dele o princípio do mundo. Pensar o mundo como devir, vir-a-ser, é concebê-lo como uma luta constante. Diz ele: "Nos mesmos rios entramos e não entramos, somos e não somos"(Heráclito, Alegorias, 24).
O mesmo sentimento de luta de Ulisses, certamente, tivera sido uma fonte riquíssima, um legado precioso para o desenvolvimento ainda mais próspero da cultura grega nas bases da Filosofia. Outro exemplo disso é Sócrates, arraigado neste gosto(beleza também, estética) pela disputa, inventa a dialética e dá os primeiros passos em direção à Filosofia, propriamente dita.


Prof. Jackislandy Meira de M. Silva
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terça-feira, 8 de maio de 2012

O espírito agónico(luta) de Ulisses


Para nos deleitarmos sob a leitura de Homero no que diz respeito ao Agon grego, podemos citar ligeiramente Aquiles, o guerreiro mais amado e admirado da Grécia que, guiando seu carro, profana o corpo de Heitor, arrastando-o ao redor da cidade de Troia, para desespero da família, que assistia a tudo do alto da muralha. Ou, de outro modo, para exemplificar Ulisses, na leitura de Delfim Leão - (in Ulisses e o espírito agónico grego: o herói da imaginação, do sacrifício e do conhecimento, Universidade de Coimbra, 2011) - , como o "herói dos mil artifícios"(polymetis ou polymechanos), o que faz dele a ilustração mais paradigmática dos poderes da imaginação, da capacidade inventiva, de uma diplomacia intuitiva. A imaginação fulgurante de Ulisses, afirma Delfim, incarnada na curiosidade e no espírito agónico da mentalidade grega e do ser humano em geral, comporta de igual modo um processo de sujeição ao perigo, pois a aventura do conhecimento pressupõe sempre uma exposição aos riscos da incerteza, à experiência do sofrimento vivido. O Agon grego está representado na figura engenhosa de Ulisses como o "herói que muito sofreu"(polytlas).
A luta e o prazer da vitória, bem como do regresso de Ulisses à Itaca, em si mesmos, foram legitimados pelos gregos, que concebiam o ódio, a inveja, a disputa, os artifícios humanos muito diferentes do nosso.
O povo grego vive intensamente os conflitos ou as guerras a que se propõe lutar quer por honra, glória ou conquista territorial. Certamente, em Ulisses, tudo isso vem legitimado, somando-se as estratégias gregas em combate.
Conforme a trama muito pessoal da nostalgia empreendida desde que fora obrigado a deixar a sua ilha, a aventura junto aos Ciclopes, que muito me impressiona, não faria sentido se não fosse um desvio à rota simples de seu trajeto, provocado pelo próprio Ulisses. Sem deixar de ser o que é, carregando consigo todas as suas boas e más qualidades, procura mostrar que não é um tirano. Por isso, nada melhor do que travar um “agon” com algo que aparece pra ele caracterizado de tirânico, ou seja, do modo de ser dos seres com que se vai confrontar. Ora, moradores desta ilha, os Ciclopes (“olho circular”), como sendo seres “arrogantes e sem lei” (Canto IX, v. 106), dependentes de um modo de vida bem provinciano e pastoril, sem quaisquer labor agrícola, pois tiram toda a sobrevivência da terra. Dissimulados, vivem da indiferença e desprezam a esfera política da existência. Cada qual que dite a lei para si e para os que de si dependem, sem deliberação em assembleia; habitam grutas, nos píncaros das montanhas (vv. 106-115). No entanto, para contrariar a tirania dessa gente, eis que surge Ulisses a fim de triunfar sobre um modelo de vida descomprometido com a virtude e com a excelência. O agon de Ulisses, portanto, reivindica sua arete, sua humanidade, seu aner frente aos Ciclopes.
Daí, como se verá através da ação do Ciclope Polifemo, o indivíduo escolhido para objeto agónico de Ulisses, é evidente que o mono-ocular e suas investidas não serão suficientes para conter o espírito de Ulisses, orientado por sua areté e seu logos, os quais promovem o agon muito mais superior. “Esta agonia representa um confronto direto com o mínimo da inteligência propriamente humana (se o não fosse, Polifemo teria sido aniquilado) e o máximo da inteligência propriamente humana: o triunfador, Ulisses. Com o ato de Ulisses junto de Polifemo nasce cruentamente e em agonia a afirmação da liberdade do ser humano como ser ético e político, senhor de seus atos, por via de uma agência inteligente, que nada submete, que nada pode submeter”(PEREIRA, Américo. Ulisses e Penélope. Da nova paradigmaticidade, a partir da Odisseia de Homero. Covilhã, Lusosofia, 2011, p. 12-17).
A Odisseia bem que poderia se chamar As agonias de Ulisses, haja vista seus intentos contra toda sorte de males nas guerras e em meio ao seu regresso à Ítaca. Trava sempre combates de vida ou morte. A sua sobrevivência é a sobrevivência e o triunfo do paradigma que representa toda uma civilização com histórias marcantes que influenciarão o progresso intelectual da humanidade. Engraçado, mas vejam que trocadilho curioso: O regresso de Ulisses que constrói todo o patrimônio do progresso civilizatório da humanidade. O contraponto do regresso é o seu progresso e vice-versa.


Prof. Jackislandy Meira de M. Silva
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