Nunca escrevi algo tão difícil, por outra belo, de se pensar e de se traduzir na existência mesma do homem. É a partir de uma leitura feita em “Ser e Tempo”, na qual Heidegger, com muita proeza e espírito atinado às questões da existência, presenteia sua época acerca da compreensão da “cura” aliada ao conceito de cuidado.
Na medida em que Heidegger, na altura dos anos vinte do século passado, desdobra sua Filosofia metafísica sobre o “Dasein”, “o ser-aí”, o sentido da palavra “cura” parece ganhar corpo em sua estrutura filosófica. Como conseqüência da certeza de que o “Dasein” não pretende dar conta de todos os existenciais – abertura, facticidade, decadência -, Heidegger aposta todo o desenrolar da obra em um movimento extraordinário do ser para a “cura” ou “sorge”, cuidado.
“Cura” no sentido de ser cuidado, do ponto de vista da existência vem a ser entendido como tal, numa atitude de serenidade. O problema dessa abordagem sobre o conceito de “sorge” em Heidegger recai nisto: serenidade.
Na essência das palavras de Heidegger, o “ser-no-mundo é cura”( Martin Heidegger. Ser e tempo, p. 257. 5.) e que “a angústia, como disposição fundamental, pertence à constituição essencial da presença como ser-no-mundo”(idem, ibidem, p. 253). Cura, cuidado, angústia e serenidade, portanto, integram-se à constituição essencial do ser-aí como ser-no-mundo.
Assim, é difícil acreditar que a utilização da fábula a ser apresentada em seguida, do autor latino Caius Julius Hyginus, tenha de fato o sentido a que se pretende alcançar aqui, uma vez que ela servirá como metáfora indispensável para a dimensão e o alcance do termo cura não só como cuidado, mas também como angústia. É bem verdade que a palavra latina empregada no texto original da fábula não é angústia, mas “cura”, cujo significado principal é indiscutivelmente “cuidado”. Mas como, em latim, a palavra “cura” pode também ser traduzida por “inquietação” e “preocupação”, confesso que não é despropositado traduzir o termo “cura” por “Sorge” e não por angústia. Além do que, no cuidado existe sempre uma dimensão de preocupação e de angústia(Cf. Zeferino Rocha. A guisa de uma conclusão: uma fábula. In: ____ Os destinos da angústia na psicanálise freudiana. São Paulo: Escuta, 2000. p. 157-162).
A fábula de Higino posta a seguir também fora descoberta por Heidegger que sugeriu apropriar-se dela para o exercício do “Dasein” no tocante aos vocábulos cuidado e preocupação. Segundo ele, a fábula tem a força de um testemunho como interpretação pré-ontológica do ser-aí no mundo.
Eis a fábula na sua versão brasileira:
“ Angústia, ao atravessar um rio, viu uma massa de argila e, mergulhada nos seus pensamentos, apanhou-a e começou a modelar uma figura.
Quando deliberava sobre o que fizera, Júpiter apareceu. Angústia pediu que ele desse uma alma à figura que modelara, e, facilmente, conseguiu o que pediu.
Como Angústia quisesse, de si própria, dar um nome à figura que modelara, Júpiter proibiu e prescreveu que lhe fosse dado o seu. Enquanto Angústia e Júpiter discutiam, Terra apareceu e quis que fosse dado o seu nome a quem ela fornecera o corpo.
Saturno foi escolhido como árbitro. E este, equitativamente, assim julgou a questão:
‘ Tu, Júpiter, porque lhe deste alma, tu a terás depois da morte. E tu, Terra, porque lhe deste o corpo, tu o receberás após a morte. Todavia, porque foi Angústia quem primeiramente a modelou, que ela a tenha, enquanto a figura viver.’
Mas, uma vez que existe entre vós uma controvérsia sobre o nome, que ela seja chamada ‘homem’, porque feita do humus”.
Portanto, o ser-aí, que é o homem, enquanto viver, pertencerá a Cuidado(Sorge). Cura prima finxit: o que vale a dizer, o Cuidado(Sorge) modelou o ente que é o homem na sua origem e o seu signo o marcará durante toda a trajetória de seu viver no tempo. O homem pertencerá a Cuidado(Sorge) enquanto viver – quamdiu vixerit.
Jackislandy Meira de Medeiros Silva, Professor e Filósofo.
www.twitter.com/filoflorania
www.umasreflexoes.blogspot.com
www.chegadootempo.blogspot.com
www.floraniajacksil.ning.com
Na medida em que Heidegger, na altura dos anos vinte do século passado, desdobra sua Filosofia metafísica sobre o “Dasein”, “o ser-aí”, o sentido da palavra “cura” parece ganhar corpo em sua estrutura filosófica. Como conseqüência da certeza de que o “Dasein” não pretende dar conta de todos os existenciais – abertura, facticidade, decadência -, Heidegger aposta todo o desenrolar da obra em um movimento extraordinário do ser para a “cura” ou “sorge”, cuidado.
“Cura” no sentido de ser cuidado, do ponto de vista da existência vem a ser entendido como tal, numa atitude de serenidade. O problema dessa abordagem sobre o conceito de “sorge” em Heidegger recai nisto: serenidade.
Na essência das palavras de Heidegger, o “ser-no-mundo é cura”( Martin Heidegger. Ser e tempo, p. 257. 5.) e que “a angústia, como disposição fundamental, pertence à constituição essencial da presença como ser-no-mundo”(idem, ibidem, p. 253). Cura, cuidado, angústia e serenidade, portanto, integram-se à constituição essencial do ser-aí como ser-no-mundo.
Assim, é difícil acreditar que a utilização da fábula a ser apresentada em seguida, do autor latino Caius Julius Hyginus, tenha de fato o sentido a que se pretende alcançar aqui, uma vez que ela servirá como metáfora indispensável para a dimensão e o alcance do termo cura não só como cuidado, mas também como angústia. É bem verdade que a palavra latina empregada no texto original da fábula não é angústia, mas “cura”, cujo significado principal é indiscutivelmente “cuidado”. Mas como, em latim, a palavra “cura” pode também ser traduzida por “inquietação” e “preocupação”, confesso que não é despropositado traduzir o termo “cura” por “Sorge” e não por angústia. Além do que, no cuidado existe sempre uma dimensão de preocupação e de angústia(Cf. Zeferino Rocha. A guisa de uma conclusão: uma fábula. In: ____ Os destinos da angústia na psicanálise freudiana. São Paulo: Escuta, 2000. p. 157-162).
A fábula de Higino posta a seguir também fora descoberta por Heidegger que sugeriu apropriar-se dela para o exercício do “Dasein” no tocante aos vocábulos cuidado e preocupação. Segundo ele, a fábula tem a força de um testemunho como interpretação pré-ontológica do ser-aí no mundo.
Eis a fábula na sua versão brasileira:
“ Angústia, ao atravessar um rio, viu uma massa de argila e, mergulhada nos seus pensamentos, apanhou-a e começou a modelar uma figura.
Quando deliberava sobre o que fizera, Júpiter apareceu. Angústia pediu que ele desse uma alma à figura que modelara, e, facilmente, conseguiu o que pediu.
Como Angústia quisesse, de si própria, dar um nome à figura que modelara, Júpiter proibiu e prescreveu que lhe fosse dado o seu. Enquanto Angústia e Júpiter discutiam, Terra apareceu e quis que fosse dado o seu nome a quem ela fornecera o corpo.
Saturno foi escolhido como árbitro. E este, equitativamente, assim julgou a questão:
‘ Tu, Júpiter, porque lhe deste alma, tu a terás depois da morte. E tu, Terra, porque lhe deste o corpo, tu o receberás após a morte. Todavia, porque foi Angústia quem primeiramente a modelou, que ela a tenha, enquanto a figura viver.’
Mas, uma vez que existe entre vós uma controvérsia sobre o nome, que ela seja chamada ‘homem’, porque feita do humus”.
Portanto, o ser-aí, que é o homem, enquanto viver, pertencerá a Cuidado(Sorge). Cura prima finxit: o que vale a dizer, o Cuidado(Sorge) modelou o ente que é o homem na sua origem e o seu signo o marcará durante toda a trajetória de seu viver no tempo. O homem pertencerá a Cuidado(Sorge) enquanto viver – quamdiu vixerit.
Jackislandy Meira de Medeiros Silva, Professor e Filósofo.
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Um comentário:
Olá. Na fábula não era Cura ao invés de Angustia, aquela que modelou? Caso não, de onde foi retirado este trecho? Obrigada
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