“Quem
for capaz de ter uma visão do conjunto é dialético; quem
não o for, não é”(Platão, República, 537c).
“O
ensaio pensa em fragmentos”(Adorno, O ensaio como forma).
À primeira vista, a palavra “ensaio” pode soar a algo que não
tem validade, não tem importância, a exemplo de um ensaio para um
show, para uma música, para uma peça. Qualquer ensaio está
relativamente condicionado ao que não é, pelo menos ainda.
Popularmente a palavra ensaio aparece muitas vezes carregado desse
sentido, o que não nos impede de ir mais longe ou de ir até
Montaigne para mostrar a pertinência de um ensaio filosófico. O
estilo ensaístico persegue todo aquele que se arrisca a escrever
livremente sobre um determinado aspecto da realidade, embarcando na
aventura de trazer para si e sobre si quaisquer pensamentos, como que
recortando, fragmentando a realidade para si.
Já no século passado, ninguém talvez soube dizer tão bem quanto
Foucault o que é um ensaio. “O ensaio – que é necessário
entender como experiênica modificadora de si no jogo da verdade, e
não como apropriação simplificadora de outrem para fins de
comunicação – é o corpo vivo da filosofia, se, pelo menos, ela
for ainda hoje o que era outrora, ou seja, uma 'ascese', um exercício
de si, no pensamento”(FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade.
Vol 2. O uso dos prazeres. Rio de Janeiro: Ed. Graal, 1984. p. 13).
Fiz uso da citação acima
para mostrar o quanto a palavra “ensaio” está banalizada, bem
como a Filosofia e demais áreas de saberes. Isso se deve ao fato de
conspirarmos a favor de uma cultura da fragmentação que nos envolve
a todos e que nos fez perder a noção de totalidade, de metafísica, de
conjunto, de complexidade. Vivemos e, diga-se de passagem, gostamos
do que é simplório e vulgar. Gostamos e aplaudimos as vulgaridades.
Ostentamos um mundo de vulgaridades na linguagem, no estilo
literário, na política, nos saberes. Vivemos, agora, exaltando as
mais frívolas atitudes de simplificação do olhar. Os objetos de
estudo são analisados periférica e superficialmente sem nenhuma
dosagem sequer de Filosofia.
A atividade filosófica não pode
ser, é claro, um jogo puramente exclusivo da profundidade e da
obscuridade das ideias que não chegam ao público e que permanecem
apenas dentro das academias como propriedade exclusiva dos
“intelectuais”, todavia, a filosofia é uma reflexão sobre os
saberes disponíveis, uma espécie de ensaio sobre a vida. Não sem
convicção, Comte-Sponville despertou para o seguinte: “Não
podemos, sem filosofar, pensar nossa vida e viver nosso pensamento:
já que isso é a própria filosofia”(COMTE-SPONVILLE, André.
Apresentação da Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p.
12).
O estilo de se escrever em forma de
“ensaios” levou o filósofo renascentista Michel de Montaigne a
píncaros altíssimos de análise da vida em diferentes aspectos. Ele
captura particularidades variadas da sua realidade e de outros
autores num tom incrivelmente reflexivo e individual que lhe é muito
peculiar. O “Da Educação das crianças” que lhe coube um ensaio
à parte. Diz ele: “Tudo se submeterá ao exame da
criança e nada se lhe enfiará na cabeça por simples autoridade e
crédito. Que nenhum princípio, de Aristóteles, dos estóicos ou
dos epicuristas, seja seu princípio. Apresentem-se-lhe todos em sua
diversidade e que ele escolha se puder. E se não o puder fique na
dúvida, pois só os loucos têm certeza absoluta em sua
opinião”(MONTAIGNE, M. Ensaios. São Paulo: Ed. Abril, 1972, p.
81-82). Aqui, ele admite
opiniões duvidosas na educação das crianças a fim de atingir a
maturidade filosófica, até porque as crianças não são dotadas só
de razão, mas de imaginação, de vida, de sentidos e etc. Não é
só a ciência, tampouco a dialética, que constituem uma boa
educação. A filosofia é um ensaio que extrapola toda e qualquer
tentativa de sistematização do saber, por isso ser importante para
a educação das crianças. Com o ensaio, admite-se e estimula a
dúvida; desperta na criança o hábito da reflexão. Vejam mais o
que Montaigne nos diz sobre “os meios e os fins”, “Da
tristeza”, “Da covardia”, “Do medo”, “De como filosofar é
aprender a morrer”, “a força da imaginação”, “De como
julgar a morte”, enfim...
Os ensaios filosóficos ou
literários são reflexões muito pessoais por cima, por baixo, por
dentro e pelos lados da realidade. É levar o texto a suportar, ao
máximo, a fragmentação e amplidão das opiniões, das ideias. São
textos fragmentados, mas que não se diluem, nem se perdem no
obscurantismo das ideias filosóficas, mas ganham toda uma
consistência pelo conjunto da obra. O saudoso escritor e filósofo
paraense Benedito Nunes, por exemplo, ganhou um prêmio pela Academia
brasileira de Letras pelo conjunto da obra. Escreveu muitos ensaios
filosóficos em sua vida. Reuniu todos e vejam o que deu, uma
harmonia maravilhosa entre literatura e filosofia. Maravilhoso! O
ensaio ganha consistência também porque é escrito, muitas vezes,
por quem realmente conhece a vida e suas dificuldades. O escrever do
ensaísta é um escrever com autoridade de quem diz o que viveu. O
reflexo de sua tinta é a sombra de sua vida, isso é muito
importante num ensaio.
Prof. Jackislandy Meira de Medeiros Silva
Especialista em Metafísica, Licenciado em Filosofia, Bacharel em
Teologia
Na introdução à obra
História da Sexualidade II, Do Uso dos Prazeres, temos um texto
bastante feliz de Michel Foucault sobre o que vem a ser, de fato, a
filosofia. Um texto para ser lido, lido de novo e depois posto à
admiração de todos que puderem se abrir ao maravilhoso exercício
do pensamento. O que ele diz, do jeito que diz da filosofia é
simplesmente novo e contemporâneo. Aliás, Foucault é um desses
filósofos, cujo modo de dizer as coisas é praticamente atual,
singular e resistente ao tempo. Consegue ser contemporâneo o tempo
todo.
Se Foucault fez o seu
“ensaio” filosófico como o fez Montaigne, Nietzsche e outros,
por que não devamos fazer o mesmo a partir de nós? Vejamos o que é
o “ensaio” filosófico de Foucault para aprendermos a lição de
pensar o pensamento a partir do contemporâneo.
“Quanto ao motivo que me
impulsionou foi muito simples. Para alguns, espero, esse motivo
poderá ser suficiente por ele mesmo. É a curiosidade – em todo
caso, a única espécie de curiosidade que vale a pena ser praticada
com um pouco de obstinação: não aquela que procura assimilar o que
convém conhecer, mas a que permite separar-se de si mesmo. De que
valeria a obstinação do saber se ele assegurasse apenas a aquisição
dos conhecimentos e não, de certa maneira, e tanto quanto possível,
o descaminho daquele que conhece? Existem momentos na vida onde a
questão de saber se se pode pensar diferentemente do que se pensa, e
perceber diferentemente do que se vê, é indispensável para
continuar a olhar ou a refletir. Talvez me digam que esses jogos
consigo mesmo têm que permanecer nos bastidores; e que no máximo
eles fazem parte desses trabalhos de preparação que desaparecem por
si sós a partir do momento em que produzem seus efeitos. Mas o que é
filosofar hoje em dia – quero dizer, atividade filosófica –
senão o trabalho crítico do pensamento sobre o próprio pensamento?
Se não consistir em tentar saber de que maneira e até onde seria
possível pensar diferentemente em vez de legitimar o que já se
sabe? Existe sempre algo de irrisório no discurso filosófico,
quando ele quer, do exterior, fazer a lei para os outros, dizer-lhes
onde está a sua verdade e de que maneira encontrá-la, ou quando
pretende demonstrar-se por positividade ingênua; mas é seu direito
explorar o que pode ser mudado, no seu próprio pensamento, através
do exercício de um saber que lhe é estranho. O “ensaio” - que é
necessário entender como experiência modificadora de si no jogo da
verdade, e não como apropriação simplificadora de outrem para fins
de comunicação – é o corpo vivo da filosofia, se, pelo menos,
ela for ainda hoje o que era outrora, ou seja, uma 'ascese', um
exercício de si, no pensamento”(In FOUCAULT, Michel. História da
sexualidade II, Uso dos Prazeres. Rio de Janeiro: Ed. Graal, 1984,
pág. 13).
Compilado por Jackislandy
Meira de Medeiros Silva.
Você sabia que o pensador da nova esquerda Michel Foucault foi um forte
simpatizante da revolução fanática iraniana de 1979? Sim, foi sim,
apesar de seu séquito na academia gostar de esconder esse "erro de
Foucault" a sete chaves.
Fico impressionado quando intelectuais defendem o Irã dizendo que o Estado xiita não é um horror.
O guru Foucault ainda teve a desculpa de que, quando teve seu "orgasmo
xiita", após suas visitas ao Irã por duas vezes em 1978, e ao aiatolá
Khomeini exilado em Paris também em 1978, ainda não dava tempo para ver
no que ia dar aquilo.
Desculpa esfarrapada de qualquer jeito. Como o "gênio" contra os
"aparelhos da repressão" não sentiu o cheiro de carne queimada no Irã de
então? Acho que ele errou porque no fundo amava o "Eros xiita".
Mas como bem disse meu colega J. P. Coutinho em sua coluna alguns dias
atrás nesta Folha, citando por sua vez um colunista de língua inglesa,
às vezes é melhor dar o destino de um país na mão do primeiro nome que
acharmos na lista telefônica do que nas mãos do corpo docente de algum
departamento de ciências humanas. E por quê?
Porque muitos dos nossos colegas acadêmicos são uns irresponsáveis que
ficam fazendo a cabeça de seus alunos no sentido de acreditarem
cegamente nas bobagens que autores (como Foucault) escrevem em suas
alcovas.
No recente caso da USP, como em tantos outros, o fenômeno se repete. O
modo como muito desses "estudantes" (muitos deles nem são estudantes de
fato, são profissionais de bagunçar o cotidiano da universidade e mais
nada) agem, nos faz pensar no tipo de fé "foucaultiana" numa
"espiritualidade política contra as tecnologias da repressão".
E onde Foucault encontrou sua inspiração para esse nome chique para fanatismo chamado "espiritualidade política"?
Leiam o excelente volume "Foucault e a Revolução Iraniana", de Janet
Afary e Kevin B. Anderson, publicado pela É Realizações, e vocês verão
como a revolução xiita do Irã e seu fascínio pelo martírio e pela
irracionalidade foram importantes no "último Foucault".
As ciências humanas (das quais faço parte) se caracterizam por sua quase
inutilidade prática e, portanto, quase impossibilidade de verificação
de resultados.
Esse vazio de critérios de aplicação garante outro tipo de vazio: o vazio de responsabilidade pelo que é passado aos alunos.
Muitos docentes simplesmente "lavam o cérebro" dos alunos usando os
"dois caras" que leram no doutorado e que assumem ter descoberto o que é
o homem, o mundo, e como reformá-los. Duvide de todo professor que quer
reformar o mundo a partir de seu doutorado.
Não é por acaso que alunos e docentes de ciências humanas aderem tão
facilmente a manifestações vazias, como a recente da USP, ou a quaisquer
outras, como a dos desocupados de Wall Street ou de São Paulo.
Essa crítica ao vazio prático das ciências humanas já foi feita mesmo
por sociólogos peso pesado, em momentos distintos, como Edmund Burke,
Robert Nisbet e Norbert Elias.
Essa crítica não quer dizer que devemos acabar com as ciências humanas,
mas sim que devemos ficar atentos a equívocos causados por essa sua
peculiar carência: sua inutilidade prática e, por isso mesmo, como
decorrência dessa, um tipo específico de cegueira teórica. Nesse caso,
refiro-me ao seu constante equívoco quanto à realidade.
Trocando em miúdos: as ciências humanas e seus "atores sociais" viajam
na maionese em meio a seus delírios em sala de aula, tecendo julgamentos
(que julgam científicos e racionais) sem nenhuma responsabilidade.
Proponho que da próxima vez que "os indignados sem causa" ocuparem a
faculdade de filosofia da USP (ou "FeFeLeCHe", nome horrível!) que sejam
trancados lá até que descubram que não são donos do mundo e que a USP
(sou um egresso da faculdade de filosofia da USP) não é o quintal de
seus delírios.
Agem com a USP não muito diferente da falsa aristocracia política de
Brasília: "sequestram" o público a serviço de seus pequenos interesses.
No caso desses "xiitas das ciências humanas", seus pequenos delírios de grande "espiritualidade política".
A crise atual é talvez antes de tudo societal. Os grandes valores sobre os quais se edificou a sociedade moderna parecem não mais serem convenientes ao tempo. Eles seriam progressivamente substituídos por novos valores, constitutivos de um paradigma pós-moderno.
Cada época tem sua "episteme" - conceito caro ao filósofo Michel Foucault - isto é, um discurso sobre a representação do mundo que se traduz por uma determinada organização da sociedade. Na Antiguidade greco-romana, por exemplo, essa "episteme" foi a mitologia e suas interpretações diferenciadas através da cidade ateniense ou do modelo espartano. Na Idade Média, foi a teologia, com suas abadias, dioceses, corporações. Desde os tempos modernos até os anos 1950-1960, quatro palavras-chave constituíram, pouco a pouco, a arquitetura da cultura moderna: o valor do trabalho, nascido no início do século XIX, valor pivô fundamento de todas as instituições; a razão erigida como sistema a partir do século XVII, ou seja, o racionalismo, na origem do desencantamento do mundo, segundo o economista e sociólogo Max Weber; o utilitarismo, em nome do qual somente o que é útil faz sentido, mesmo "a utensiliaridade" assim denominada pelo filósofo Heidegger; enfim, o futuro, marca temporal da modernidade, com seu corolário de mito do progresso, que se concilia com a revolução hegeliana (a filosofia da História). A palavra "projeto" resume bem essa episteme. Hoje, ele parece ter se esgotado.
Se os valores da modernidade continuam a existir no plano institucional, eles, de fato, não têm mais força atrativa. Eles se saturam, no sentido químico do termo, eles se desagregam em benefício de outros valores cuja emergência se observa particularmente na prática das gerações jovens.
A criação, a criatividade, com o jogo, o sonho, o imaginário, tomariam o lugar do valor "trabalho" como realização de si, como objeto de mobilização de energia. Um indício: o hedonismo ambiente que percorre transversalmente o conjunto da vida social.
Depois da valorização da razão, do cognitivo, o corpo vivido por si mesmo torna-se um elemento central. Paul Valéry dizia: "Em certos momentos, a profundidade se esconde na superfície das coisas.".
Ultrapassando o simples utilitarismo, a estética (no sentido etimológico) coloca em primeiro plano as emoções coletivas, as paixões compartilhadas, o festivo, o desejo de estar junto, o preço das coisas sem preço, até o caritativo.
Enfim, a partir de agora só contaria o presente. Aqui e agora. Carpe diem.
Assim deslizam as palavras. As palavras que cessam, as palavras que nascem... Falta ainda reconhecer esses deslizamentos, esses valores nascentes, para livrar-se dos males resultantes dos desfuncionamentos induzidos na organização social. "Cada época sonha a seguinte", escrevia Michelet. Se soubermos acompanhar o sonho em gestação, evitaremos que ele se torne um pesadelo.
Texto inédito para a revista Luz.
A tradução do título original - Les mots et les maux de la crise - para a língua portuguesa esconde o jogo lingüístico baseado na semelhança sonora entre mots (palavras) e maux (males), em francês.
Termo traduzido assim nos textos de Maffesoli em português. O adjetivo societal, apesar de não se encontrar em dicionários da língua portuguesa, possui registro no francês - sociétal - (e também no inglês: societal) e significa ser relativo à sociedade humana. Note-se que o radical latino societ- existe em português, na palavra societário, por exemplo, presente na maioria dos dicionários.
NT: Foucault aborda o assunto em suas obras: Les mots et les choses. Une archaéologie des sciences humaines (1966) e L´Archaéologie du savoir (1969).
*Michel Maffesoli é membro do Instituto Universitário da França e professor da Universidade de Sorbonne.
É possível criar uma ontologia particular sem citar a Tradição com base na música, no teatro e na poesia, bem como na literatura.
Segundo Nietzsche, a tarefa do saber é: “ver a ciência sob a ótica do artista, mas a arte sob a ótica da vida”. É a dialética entre a Tradição(História) e a Ruptura(indivíduo). Foucault é filho dessa cultura que não precisa pressupor aHistória para desenvolver a estrutura lógica de seu pensar.
É sabido por todos que, após as duas grandes guerras mundiais, a razão como modelo único entra em crise porque não atendeu as necessidades básicas que levam o homem ao progresso. “A razão é a imperfeição da inteligência”, segundo Tomás de Aquino, pois, fora quem melhor compreendeu a modernidade da modernidade.
A modernidade fracassou por duas maneiras: a pretensão de um estado nação assumir o controle do mundo com a queda do muro de Berlim; depois, com a Física quântica, derrogando a razão positivista que acreditava esquadrinhar todas as coisas, inclusive o átomo.
O Racionalismo frustra a modernidade como também a desigualdade social mundial, isto é, com o desenvolvimento econômico sustentado das nações.
O grande pecado da modernidade foi espiritualizar o material e materializar o espiritual, tornando o consumismo a sua marca fundamental.
Massificação e sociedade de consumo são as razões do capitalismo.
A ciência não foi capaz de dar estabilidade e segurança social frente às imprevisibilidades do futuro. Não é suficiente para integrar o homem à cultura que lhe é própria. Newton e Descartes são as duas pernas com as quais andamos. Newton com a gravidade universal e Descartes com o Método.
Sendo assim, ciência e razão nos conduziram a sofrimentos e a desorientações pela garantia de um progresso tecnológico. Não foi capaz de sanar a sede de saúde, paz mundial, importância antropológica, política, social e histórica. Frustrou as perspectivas de progresso no século XX.
Edgar Morin nos ensina que o dever principal da educação é armar cada um para o combate vital à lucidez.
Do séc. passado recebemos a lição de que “não sabemos tudo de nada”. Lutamos contra nossas pretensões bélicas, econômicas e racionalistas, mas nos esquecemos de promover o bem-estar social, ecológico, político sustentado pelo mundo a fora.
Daí, passamos por uma devastadora crise de paradigma. Os modelos educacionais ou até do próprio conhecimento não dão conta das exigências complexas por que passa a humanidade.
“O conhecimento do mundo como mundo é necessidade ao mesmo tempo intelectual e vital. É o problema universal de todo cidadão do novo milênio: como ter acesso às informações sobre o mundo e como ter a possibilidade de articulá-las e organizá-las? Como perceber e conceber o Contexto, o Global ( a relação todo/partes), o Multidimensional, o complexo? Para articular e organizar os conhecimentos e assim reconhecer e conhecer os problemas do mundo, é necessária a reforma do pensamento”(Edgar Morin, in Sete Saberes necessários à Educação do Futuro, pág. 35).
Para Morin, a Reforma é paradigmática e, não, programática. Uma educação que fomente a nossa aptidão para organizar o conhecimento.
Aqui é o ponto: Estamos inseridos numa sociedade altamente tecnológica informatizada, onde a Educação precisa mais do que nunca incluir esses valores para tentar responder as expectativas dos alunos e de uma nova compreensão de mundo. Todavia, como unir velocidade de informações e conteúdos via Internet/meios tecnológicos com a capacidade do aluno introjetar/refletir essas mesmas informações? Ou será que a educação está formando sujeitos de desejos ao invés de sujeitos reflexivos?
Uma alternativa ou uma das alternativas para indicar saídas é favorecer a atividade da arte e da filosofia na Educação, ou seja, implementar ações educativas complementares: jogos; filmes; jornal; teatro; música. Tudo isso unido ao poder da reflexão para possibilitar a descoberta de talentos críticos que contribuam na construção de valores e de preservação do meio ambiente.
A conseqüência de tudo isso foi o nosso afastamento de uma vida contemplativa(razão) para nos familiarizar, agora como nunca, com uma vida ativa, interativa audiovisual e lúdica. O desencanto da razão levou-nos ao encanto da música e dos jogos, isto é, do entretenimento midiático. Eis, no entanto, o desafio: educar toda essa massa humana advinda da cultura do entretenimento para as escolas. Se quisermos impactar crianças, adolescentes e jovens com a Educação basta oferecermos a música e o esporte nesse processo, e depois, formar indivíduos reflexivos, cuja meta é a multiplicação dessas práticas de saberes.
Mas, na mesma época, os termos literários, filosóficos e morais da loucura são de tipo bem diferente, observa Foucault. Aqui, a loucura está ligada ao homem, à suas fraquezas, seus sonhos e ilusões, num sutil relacionamento que o homem mantém consigo mesmo, desembocando em um universo inteiramente moral. O mal é apenas erro e defeito – eis que a experiência da loucura assume o aspecto de uma sátira moral. Eis que Erasmo desvia os olhos dessa demência e a elogia, porém, como “doce ilusão” que libera a alma de suas penosas preocupações. Foucault vê, de um lado, Bosch, Brueghel, Thierry Bouts, Dürer e todo um silêncio de imagens, toda uma trama do visível e do secreto desenvolver-se, na pintura do século XV, como sendo a trágica loucura do mundo; de outro lado, com Brant, Erasmo e toda a tradição humanista, a loucura é considerada no universo do discurso, o discurso como uma consciência crítica do homem. Enquanto que as pinturas de Bosch, Brueghel e Dürer revelavam espectadores terrivelmente terrestres e implicados nesse homem que viam brotar à sua volta, os escritos de Erasmo revelam uma distância suficiente para estar fora do perigo da loucura. Foucault vê aí uma oposição entre o que chama de uma experiência cósmica da loucura, nas formas fascinantes das pinturas, e uma experiência crítica dessa mesma loucura, na distância intransponível da ironia. Duas formas de experiência da loucura revelam-se então, e a distância não mais deixará de aumentar: as figuras da reflexão cósmica e os movimentos da reflexão moral, o elemento trágico e o elemento crítico, que irão doravante separar-se cada vez mais, abrindo, na unidade profunda da loucura, um vazio que não mais será preenchido. Mas Foucault observa que, mesmo sob a consciência crítica da loucura, e suas formas filosóficas ou científicas, morais ou médicas, uma abafada consciência trágica não deixou de ficar de vigília. No século XVI, a experiência trágica e cósmica da loucura viu-se mascarada pelos privilégios exclusivos de uma consciência crítica e apenas algumas páginas de Sade e a obra de Goya são testemunhas de que o desaparecimento não significou uma derrota total. E eis que este aparecimento avança a ponto de o mundo do começo do século XVII mostrar-se estranhamente hospitaleiro para com a loucura, mal guardando a lembrança das grandes ameaças trágicas. É que este mundo interna o louco, enclausura a loucura e desta maneira dela parece dar conta. O conceito de Loucura, em Foucault, não é exatamente um conceito ligado diretamente ao “patológico” ou aos que ele chama de “doentes mentais”. Fazendo uma análise, a partir de uma crítica ao modo de pensar da Idade Clássica, Foucault afirma ser louco todos aqueles que não se adequam à “normalidade” ditada pela sociedade “racionalista ou àqueles que fogem aos padrões da “normalidade”.
“História da Loucura na Idade Clássica”, escrita em 1961, foi a tese de doutorado em Filosofia do renomado pensador francês, admiradíssimo até por Gilles Deleuze quanto à luz que irradiava a todos por onde passava, Michael Foucault, dono de uma dissertação que vale a pena ser lida e re-lida antes de morrermos. Mais tarde é editada, como livro, com o nome “Histoire de la folie”. Nesta obra, Foucault analisa as experiências práticas dos séculos XVII e XVIII que levaram à exclusão dos que ele chama de “desprovidos de razão” do convívio social. Na obra, ele evidencia a “transformação” da loucura em doença mental, assim como o deslocamento dos poderes que atuam sobre os loucos e o conseqüente “lugar” a que são internados pela sociedade. Na Idade Clássica, o período racionalista, a loucura é vista como desrazão e os loucos, que vítimas da grande internação, são acorrentados nos hospitais gerais. Com o advento da Modernidade, no século XIX, são criados os asilos ou hospitais psiquiátricos e os loucos são, por sua vez, tratados como doentes mentais. Para Foucault, na Renascença, a loucura passa a ocupar os lugares que a lepra ocupara na Idade Média, lugares deixados sem utilidade bem como os ritos. É que, com a regressão da lepra, serão os pobres, os vagabundos, os presidiários e “cabeças alienadas” que assumirão o papel abandonado pelo lazarento. E, a partir do século XV, a face da loucura passa a assombrar a imaginação do homem ocidental. Segundo Foucault, até pouco depois do início da segunda metade do século XV, o tema da morte impera sozinho; nela, o fim do homem, o fim dos tempos assume o rosto das pestes e das guerras. Mas eis que nos últimos anos do século, essa grande inquietude gira sobre si mesma: o desatino da loucura substitui a morte e a seriedade que a acompanha. A partir de então, o insano desarma e o louco ri antes do riso da morte, pressagiando o macabro; trata-se de uma virada no interior da mesma inquietude, trata-se do vazio da existência, um vazio sentido do interior como forma contínua e constante da existência. O liame entre a loucura e o nada se estreita no século XV e subsiste por muito tempo no centro da experiência clássica da loucura. Dentre outras, é na composição literária “Narrenschiff”(A nau dos loucos), de Brant, que Foucault situa a experiência trágica da loucura na Renascença. Na época, os loucos eram escorraçados e frequentemente confiados a barqueiros. O louco torna-se o passageiro por excelência, o prisioneiro da passagem, solidamente acorrentado à infinita encruzilhada. Também entre os místicos do século XV imaginava-se a alma-barca, abandonada no mar infinito dos desejos, barca prisioneira da grande loucura do mar se não souber lançar sólidas âncoras, a fé, ou esticar suas velas espirituais para que o sopro de Deus a leve ao porto. É na literatura erudita da Renascença, que Foucault vê a loucura em ação, principalmente nos textos humanistas entre os quais se destaca Erasmo, bem como na longa dinastia de imagens, de pinturas, sobretudo em Bosch e Brueghel. Nestas, Foucault percebe uma enorme proliferação de sentidos, de onirismo, onde as figuras simbólicas tornam-se silhuetas do pesadelo, uma interrogação a permanecer indefinidamente sem resposta, num silêncio habitado apenas pelo bulício do mundo.
“Quem
for capaz de ter uma visão do conjunto é dialético; quem
não o for, não é”(Platão, República, 537c).
“O
ensaio pensa em fragmentos”(Adorno, O ensaio como forma).
À primeira vista, a palavra “ensaio” pode soar a algo que não
tem validade, não tem importância, a exemplo de um ensaio para um
show, para uma música, para uma peça. Qualquer ensaio está
relativamente condicionado ao que não é, pelo menos ainda.
Popularmente a palavra ensaio aparece muitas vezes carregado desse
sentido, o que não nos impede de ir mais longe ou de ir até
Montaigne para mostrar a pertinência de um ensaio filosófico. O
estilo ensaístico persegue todo aquele que se arrisca a escrever
livremente sobre um determinado aspecto da realidade, embarcando na
aventura de trazer para si e sobre si quaisquer pensamentos, como que
recortando, fragmentando a realidade para si.
Já no século passado, ninguém talvez soube dizer tão bem quanto
Foucault o que é um ensaio. “O ensaio – que é necessário
entender como experiênica modificadora de si no jogo da verdade, e
não como apropriação simplificadora de outrem para fins de
comunicação – é o corpo vivo da filosofia, se, pelo menos, ela
for ainda hoje o que era outrora, ou seja, uma 'ascese', um exercício
de si, no pensamento”(FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade.
Vol 2. O uso dos prazeres. Rio de Janeiro: Ed. Graal, 1984. p. 13).
Fiz uso da citação acima
para mostrar o quanto a palavra “ensaio” está banalizada, bem
como a Filosofia e demais áreas de saberes. Isso se deve ao fato de
conspirarmos a favor de uma cultura da fragmentação que nos envolve
a todos e que nos fez perder a noção de totalidade, de metafísica, de
conjunto, de complexidade. Vivemos e, diga-se de passagem, gostamos
do que é simplório e vulgar. Gostamos e aplaudimos as vulgaridades.
Ostentamos um mundo de vulgaridades na linguagem, no estilo
literário, na política, nos saberes. Vivemos, agora, exaltando as
mais frívolas atitudes de simplificação do olhar. Os objetos de
estudo são analisados periférica e superficialmente sem nenhuma
dosagem sequer de Filosofia.
A atividade filosófica não pode
ser, é claro, um jogo puramente exclusivo da profundidade e da
obscuridade das ideias que não chegam ao público e que permanecem
apenas dentro das academias como propriedade exclusiva dos
“intelectuais”, todavia, a filosofia é uma reflexão sobre os
saberes disponíveis, uma espécie de ensaio sobre a vida. Não sem
convicção, Comte-Sponville despertou para o seguinte: “Não
podemos, sem filosofar, pensar nossa vida e viver nosso pensamento:
já que isso é a própria filosofia”(COMTE-SPONVILLE, André.
Apresentação da Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p.
12).
O estilo de se escrever em forma de
“ensaios” levou o filósofo renascentista Michel de Montaigne a
píncaros altíssimos de análise da vida em diferentes aspectos. Ele
captura particularidades variadas da sua realidade e de outros
autores num tom incrivelmente reflexivo e individual que lhe é muito
peculiar. O “Da Educação das crianças” que lhe coube um ensaio
à parte. Diz ele: “Tudo se submeterá ao exame da
criança e nada se lhe enfiará na cabeça por simples autoridade e
crédito. Que nenhum princípio, de Aristóteles, dos estóicos ou
dos epicuristas, seja seu princípio. Apresentem-se-lhe todos em sua
diversidade e que ele escolha se puder. E se não o puder fique na
dúvida, pois só os loucos têm certeza absoluta em sua
opinião”(MONTAIGNE, M. Ensaios. São Paulo: Ed. Abril, 1972, p.
81-82). Aqui, ele admite
opiniões duvidosas na educação das crianças a fim de atingir a
maturidade filosófica, até porque as crianças não são dotadas só
de razão, mas de imaginação, de vida, de sentidos e etc. Não é
só a ciência, tampouco a dialética, que constituem uma boa
educação. A filosofia é um ensaio que extrapola toda e qualquer
tentativa de sistematização do saber, por isso ser importante para
a educação das crianças. Com o ensaio, admite-se e estimula a
dúvida; desperta na criança o hábito da reflexão. Vejam mais o
que Montaigne nos diz sobre “os meios e os fins”, “Da
tristeza”, “Da covardia”, “Do medo”, “De como filosofar é
aprender a morrer”, “a força da imaginação”, “De como
julgar a morte”, enfim...
Os ensaios filosóficos ou
literários são reflexões muito pessoais por cima, por baixo, por
dentro e pelos lados da realidade. É levar o texto a suportar, ao
máximo, a fragmentação e amplidão das opiniões, das ideias. São
textos fragmentados, mas que não se diluem, nem se perdem no
obscurantismo das ideias filosóficas, mas ganham toda uma
consistência pelo conjunto da obra. O saudoso escritor e filósofo
paraense Benedito Nunes, por exemplo, ganhou um prêmio pela Academia
brasileira de Letras pelo conjunto da obra. Escreveu muitos ensaios
filosóficos em sua vida. Reuniu todos e vejam o que deu, uma
harmonia maravilhosa entre literatura e filosofia. Maravilhoso! O
ensaio ganha consistência também porque é escrito, muitas vezes,
por quem realmente conhece a vida e suas dificuldades. O escrever do
ensaísta é um escrever com autoridade de quem diz o que viveu. O
reflexo de sua tinta é a sombra de sua vida, isso é muito
importante num ensaio.
Prof. Jackislandy Meira de Medeiros Silva
Especialista em Metafísica, Licenciado em Filosofia, Bacharel em
Teologia
Na introdução à obra
História da Sexualidade II, Do Uso dos Prazeres, temos um texto
bastante feliz de Michel Foucault sobre o que vem a ser, de fato, a
filosofia. Um texto para ser lido, lido de novo e depois posto à
admiração de todos que puderem se abrir ao maravilhoso exercício
do pensamento. O que ele diz, do jeito que diz da filosofia é
simplesmente novo e contemporâneo. Aliás, Foucault é um desses
filósofos, cujo modo de dizer as coisas é praticamente atual,
singular e resistente ao tempo. Consegue ser contemporâneo o tempo
todo.
Se Foucault fez o seu
“ensaio” filosófico como o fez Montaigne, Nietzsche e outros,
por que não devamos fazer o mesmo a partir de nós? Vejamos o que é
o “ensaio” filosófico de Foucault para aprendermos a lição de
pensar o pensamento a partir do contemporâneo.
“Quanto ao motivo que me
impulsionou foi muito simples. Para alguns, espero, esse motivo
poderá ser suficiente por ele mesmo. É a curiosidade – em todo
caso, a única espécie de curiosidade que vale a pena ser praticada
com um pouco de obstinação: não aquela que procura assimilar o que
convém conhecer, mas a que permite separar-se de si mesmo. De que
valeria a obstinação do saber se ele assegurasse apenas a aquisição
dos conhecimentos e não, de certa maneira, e tanto quanto possível,
o descaminho daquele que conhece? Existem momentos na vida onde a
questão de saber se se pode pensar diferentemente do que se pensa, e
perceber diferentemente do que se vê, é indispensável para
continuar a olhar ou a refletir. Talvez me digam que esses jogos
consigo mesmo têm que permanecer nos bastidores; e que no máximo
eles fazem parte desses trabalhos de preparação que desaparecem por
si sós a partir do momento em que produzem seus efeitos. Mas o que é
filosofar hoje em dia – quero dizer, atividade filosófica –
senão o trabalho crítico do pensamento sobre o próprio pensamento?
Se não consistir em tentar saber de que maneira e até onde seria
possível pensar diferentemente em vez de legitimar o que já se
sabe? Existe sempre algo de irrisório no discurso filosófico,
quando ele quer, do exterior, fazer a lei para os outros, dizer-lhes
onde está a sua verdade e de que maneira encontrá-la, ou quando
pretende demonstrar-se por positividade ingênua; mas é seu direito
explorar o que pode ser mudado, no seu próprio pensamento, através
do exercício de um saber que lhe é estranho. O “ensaio” - que é
necessário entender como experiência modificadora de si no jogo da
verdade, e não como apropriação simplificadora de outrem para fins
de comunicação – é o corpo vivo da filosofia, se, pelo menos,
ela for ainda hoje o que era outrora, ou seja, uma 'ascese', um
exercício de si, no pensamento”(In FOUCAULT, Michel. História da
sexualidade II, Uso dos Prazeres. Rio de Janeiro: Ed. Graal, 1984,
pág. 13).
Compilado por Jackislandy
Meira de Medeiros Silva.
Você sabia que o pensador da nova esquerda Michel Foucault foi um forte
simpatizante da revolução fanática iraniana de 1979? Sim, foi sim,
apesar de seu séquito na academia gostar de esconder esse "erro de
Foucault" a sete chaves.
Fico impressionado quando intelectuais defendem o Irã dizendo que o Estado xiita não é um horror.
O guru Foucault ainda teve a desculpa de que, quando teve seu "orgasmo
xiita", após suas visitas ao Irã por duas vezes em 1978, e ao aiatolá
Khomeini exilado em Paris também em 1978, ainda não dava tempo para ver
no que ia dar aquilo.
Desculpa esfarrapada de qualquer jeito. Como o "gênio" contra os
"aparelhos da repressão" não sentiu o cheiro de carne queimada no Irã de
então? Acho que ele errou porque no fundo amava o "Eros xiita".
Mas como bem disse meu colega J. P. Coutinho em sua coluna alguns dias
atrás nesta Folha, citando por sua vez um colunista de língua inglesa,
às vezes é melhor dar o destino de um país na mão do primeiro nome que
acharmos na lista telefônica do que nas mãos do corpo docente de algum
departamento de ciências humanas. E por quê?
Porque muitos dos nossos colegas acadêmicos são uns irresponsáveis que
ficam fazendo a cabeça de seus alunos no sentido de acreditarem
cegamente nas bobagens que autores (como Foucault) escrevem em suas
alcovas.
No recente caso da USP, como em tantos outros, o fenômeno se repete. O
modo como muito desses "estudantes" (muitos deles nem são estudantes de
fato, são profissionais de bagunçar o cotidiano da universidade e mais
nada) agem, nos faz pensar no tipo de fé "foucaultiana" numa
"espiritualidade política contra as tecnologias da repressão".
E onde Foucault encontrou sua inspiração para esse nome chique para fanatismo chamado "espiritualidade política"?
Leiam o excelente volume "Foucault e a Revolução Iraniana", de Janet
Afary e Kevin B. Anderson, publicado pela É Realizações, e vocês verão
como a revolução xiita do Irã e seu fascínio pelo martírio e pela
irracionalidade foram importantes no "último Foucault".
As ciências humanas (das quais faço parte) se caracterizam por sua quase
inutilidade prática e, portanto, quase impossibilidade de verificação
de resultados.
Esse vazio de critérios de aplicação garante outro tipo de vazio: o vazio de responsabilidade pelo que é passado aos alunos.
Muitos docentes simplesmente "lavam o cérebro" dos alunos usando os
"dois caras" que leram no doutorado e que assumem ter descoberto o que é
o homem, o mundo, e como reformá-los. Duvide de todo professor que quer
reformar o mundo a partir de seu doutorado.
Não é por acaso que alunos e docentes de ciências humanas aderem tão
facilmente a manifestações vazias, como a recente da USP, ou a quaisquer
outras, como a dos desocupados de Wall Street ou de São Paulo.
Essa crítica ao vazio prático das ciências humanas já foi feita mesmo
por sociólogos peso pesado, em momentos distintos, como Edmund Burke,
Robert Nisbet e Norbert Elias.
Essa crítica não quer dizer que devemos acabar com as ciências humanas,
mas sim que devemos ficar atentos a equívocos causados por essa sua
peculiar carência: sua inutilidade prática e, por isso mesmo, como
decorrência dessa, um tipo específico de cegueira teórica. Nesse caso,
refiro-me ao seu constante equívoco quanto à realidade.
Trocando em miúdos: as ciências humanas e seus "atores sociais" viajam
na maionese em meio a seus delírios em sala de aula, tecendo julgamentos
(que julgam científicos e racionais) sem nenhuma responsabilidade.
Proponho que da próxima vez que "os indignados sem causa" ocuparem a
faculdade de filosofia da USP (ou "FeFeLeCHe", nome horrível!) que sejam
trancados lá até que descubram que não são donos do mundo e que a USP
(sou um egresso da faculdade de filosofia da USP) não é o quintal de
seus delírios.
Agem com a USP não muito diferente da falsa aristocracia política de
Brasília: "sequestram" o público a serviço de seus pequenos interesses.
No caso desses "xiitas das ciências humanas", seus pequenos delírios de grande "espiritualidade política".
A crise atual é talvez antes de tudo societal. Os grandes valores sobre os quais se edificou a sociedade moderna parecem não mais serem convenientes ao tempo. Eles seriam progressivamente substituídos por novos valores, constitutivos de um paradigma pós-moderno.
Cada época tem sua "episteme" - conceito caro ao filósofo Michel Foucault - isto é, um discurso sobre a representação do mundo que se traduz por uma determinada organização da sociedade. Na Antiguidade greco-romana, por exemplo, essa "episteme" foi a mitologia e suas interpretações diferenciadas através da cidade ateniense ou do modelo espartano. Na Idade Média, foi a teologia, com suas abadias, dioceses, corporações. Desde os tempos modernos até os anos 1950-1960, quatro palavras-chave constituíram, pouco a pouco, a arquitetura da cultura moderna: o valor do trabalho, nascido no início do século XIX, valor pivô fundamento de todas as instituições; a razão erigida como sistema a partir do século XVII, ou seja, o racionalismo, na origem do desencantamento do mundo, segundo o economista e sociólogo Max Weber; o utilitarismo, em nome do qual somente o que é útil faz sentido, mesmo "a utensiliaridade" assim denominada pelo filósofo Heidegger; enfim, o futuro, marca temporal da modernidade, com seu corolário de mito do progresso, que se concilia com a revolução hegeliana (a filosofia da História). A palavra "projeto" resume bem essa episteme. Hoje, ele parece ter se esgotado.
Se os valores da modernidade continuam a existir no plano institucional, eles, de fato, não têm mais força atrativa. Eles se saturam, no sentido químico do termo, eles se desagregam em benefício de outros valores cuja emergência se observa particularmente na prática das gerações jovens.
A criação, a criatividade, com o jogo, o sonho, o imaginário, tomariam o lugar do valor "trabalho" como realização de si, como objeto de mobilização de energia. Um indício: o hedonismo ambiente que percorre transversalmente o conjunto da vida social.
Depois da valorização da razão, do cognitivo, o corpo vivido por si mesmo torna-se um elemento central. Paul Valéry dizia: "Em certos momentos, a profundidade se esconde na superfície das coisas.".
Ultrapassando o simples utilitarismo, a estética (no sentido etimológico) coloca em primeiro plano as emoções coletivas, as paixões compartilhadas, o festivo, o desejo de estar junto, o preço das coisas sem preço, até o caritativo.
Enfim, a partir de agora só contaria o presente. Aqui e agora. Carpe diem.
Assim deslizam as palavras. As palavras que cessam, as palavras que nascem... Falta ainda reconhecer esses deslizamentos, esses valores nascentes, para livrar-se dos males resultantes dos desfuncionamentos induzidos na organização social. "Cada época sonha a seguinte", escrevia Michelet. Se soubermos acompanhar o sonho em gestação, evitaremos que ele se torne um pesadelo.
Texto inédito para a revista Luz.
A tradução do título original - Les mots et les maux de la crise - para a língua portuguesa esconde o jogo lingüístico baseado na semelhança sonora entre mots (palavras) e maux (males), em francês.
Termo traduzido assim nos textos de Maffesoli em português. O adjetivo societal, apesar de não se encontrar em dicionários da língua portuguesa, possui registro no francês - sociétal - (e também no inglês: societal) e significa ser relativo à sociedade humana. Note-se que o radical latino societ- existe em português, na palavra societário, por exemplo, presente na maioria dos dicionários.
NT: Foucault aborda o assunto em suas obras: Les mots et les choses. Une archaéologie des sciences humaines (1966) e L´Archaéologie du savoir (1969).
*Michel Maffesoli é membro do Instituto Universitário da França e professor da Universidade de Sorbonne.
É possível criar uma ontologia particular sem citar a Tradição com base na música, no teatro e na poesia, bem como na literatura.
Segundo Nietzsche, a tarefa do saber é: “ver a ciência sob a ótica do artista, mas a arte sob a ótica da vida”. É a dialética entre a Tradição(História) e a Ruptura(indivíduo). Foucault é filho dessa cultura que não precisa pressupor aHistória para desenvolver a estrutura lógica de seu pensar.
É sabido por todos que, após as duas grandes guerras mundiais, a razão como modelo único entra em crise porque não atendeu as necessidades básicas que levam o homem ao progresso. “A razão é a imperfeição da inteligência”, segundo Tomás de Aquino, pois, fora quem melhor compreendeu a modernidade da modernidade.
A modernidade fracassou por duas maneiras: a pretensão de um estado nação assumir o controle do mundo com a queda do muro de Berlim; depois, com a Física quântica, derrogando a razão positivista que acreditava esquadrinhar todas as coisas, inclusive o átomo.
O Racionalismo frustra a modernidade como também a desigualdade social mundial, isto é, com o desenvolvimento econômico sustentado das nações.
O grande pecado da modernidade foi espiritualizar o material e materializar o espiritual, tornando o consumismo a sua marca fundamental.
Massificação e sociedade de consumo são as razões do capitalismo.
A ciência não foi capaz de dar estabilidade e segurança social frente às imprevisibilidades do futuro. Não é suficiente para integrar o homem à cultura que lhe é própria. Newton e Descartes são as duas pernas com as quais andamos. Newton com a gravidade universal e Descartes com o Método.
Sendo assim, ciência e razão nos conduziram a sofrimentos e a desorientações pela garantia de um progresso tecnológico. Não foi capaz de sanar a sede de saúde, paz mundial, importância antropológica, política, social e histórica. Frustrou as perspectivas de progresso no século XX.
Edgar Morin nos ensina que o dever principal da educação é armar cada um para o combate vital à lucidez.
Do séc. passado recebemos a lição de que “não sabemos tudo de nada”. Lutamos contra nossas pretensões bélicas, econômicas e racionalistas, mas nos esquecemos de promover o bem-estar social, ecológico, político sustentado pelo mundo a fora.
Daí, passamos por uma devastadora crise de paradigma. Os modelos educacionais ou até do próprio conhecimento não dão conta das exigências complexas por que passa a humanidade.
“O conhecimento do mundo como mundo é necessidade ao mesmo tempo intelectual e vital. É o problema universal de todo cidadão do novo milênio: como ter acesso às informações sobre o mundo e como ter a possibilidade de articulá-las e organizá-las? Como perceber e conceber o Contexto, o Global ( a relação todo/partes), o Multidimensional, o complexo? Para articular e organizar os conhecimentos e assim reconhecer e conhecer os problemas do mundo, é necessária a reforma do pensamento”(Edgar Morin, in Sete Saberes necessários à Educação do Futuro, pág. 35).
Para Morin, a Reforma é paradigmática e, não, programática. Uma educação que fomente a nossa aptidão para organizar o conhecimento.
Aqui é o ponto: Estamos inseridos numa sociedade altamente tecnológica informatizada, onde a Educação precisa mais do que nunca incluir esses valores para tentar responder as expectativas dos alunos e de uma nova compreensão de mundo. Todavia, como unir velocidade de informações e conteúdos via Internet/meios tecnológicos com a capacidade do aluno introjetar/refletir essas mesmas informações? Ou será que a educação está formando sujeitos de desejos ao invés de sujeitos reflexivos?
Uma alternativa ou uma das alternativas para indicar saídas é favorecer a atividade da arte e da filosofia na Educação, ou seja, implementar ações educativas complementares: jogos; filmes; jornal; teatro; música. Tudo isso unido ao poder da reflexão para possibilitar a descoberta de talentos críticos que contribuam na construção de valores e de preservação do meio ambiente.
A conseqüência de tudo isso foi o nosso afastamento de uma vida contemplativa(razão) para nos familiarizar, agora como nunca, com uma vida ativa, interativa audiovisual e lúdica. O desencanto da razão levou-nos ao encanto da música e dos jogos, isto é, do entretenimento midiático. Eis, no entanto, o desafio: educar toda essa massa humana advinda da cultura do entretenimento para as escolas. Se quisermos impactar crianças, adolescentes e jovens com a Educação basta oferecermos a música e o esporte nesse processo, e depois, formar indivíduos reflexivos, cuja meta é a multiplicação dessas práticas de saberes.
Mas, na mesma época, os termos literários, filosóficos e morais da loucura são de tipo bem diferente, observa Foucault. Aqui, a loucura está ligada ao homem, à suas fraquezas, seus sonhos e ilusões, num sutil relacionamento que o homem mantém consigo mesmo, desembocando em um universo inteiramente moral. O mal é apenas erro e defeito – eis que a experiência da loucura assume o aspecto de uma sátira moral. Eis que Erasmo desvia os olhos dessa demência e a elogia, porém, como “doce ilusão” que libera a alma de suas penosas preocupações. Foucault vê, de um lado, Bosch, Brueghel, Thierry Bouts, Dürer e todo um silêncio de imagens, toda uma trama do visível e do secreto desenvolver-se, na pintura do século XV, como sendo a trágica loucura do mundo; de outro lado, com Brant, Erasmo e toda a tradição humanista, a loucura é considerada no universo do discurso, o discurso como uma consciência crítica do homem. Enquanto que as pinturas de Bosch, Brueghel e Dürer revelavam espectadores terrivelmente terrestres e implicados nesse homem que viam brotar à sua volta, os escritos de Erasmo revelam uma distância suficiente para estar fora do perigo da loucura. Foucault vê aí uma oposição entre o que chama de uma experiência cósmica da loucura, nas formas fascinantes das pinturas, e uma experiência crítica dessa mesma loucura, na distância intransponível da ironia. Duas formas de experiência da loucura revelam-se então, e a distância não mais deixará de aumentar: as figuras da reflexão cósmica e os movimentos da reflexão moral, o elemento trágico e o elemento crítico, que irão doravante separar-se cada vez mais, abrindo, na unidade profunda da loucura, um vazio que não mais será preenchido. Mas Foucault observa que, mesmo sob a consciência crítica da loucura, e suas formas filosóficas ou científicas, morais ou médicas, uma abafada consciência trágica não deixou de ficar de vigília. No século XVI, a experiência trágica e cósmica da loucura viu-se mascarada pelos privilégios exclusivos de uma consciência crítica e apenas algumas páginas de Sade e a obra de Goya são testemunhas de que o desaparecimento não significou uma derrota total. E eis que este aparecimento avança a ponto de o mundo do começo do século XVII mostrar-se estranhamente hospitaleiro para com a loucura, mal guardando a lembrança das grandes ameaças trágicas. É que este mundo interna o louco, enclausura a loucura e desta maneira dela parece dar conta. O conceito de Loucura, em Foucault, não é exatamente um conceito ligado diretamente ao “patológico” ou aos que ele chama de “doentes mentais”. Fazendo uma análise, a partir de uma crítica ao modo de pensar da Idade Clássica, Foucault afirma ser louco todos aqueles que não se adequam à “normalidade” ditada pela sociedade “racionalista ou àqueles que fogem aos padrões da “normalidade”.
“História da Loucura na Idade Clássica”, escrita em 1961, foi a tese de doutorado em Filosofia do renomado pensador francês, admiradíssimo até por Gilles Deleuze quanto à luz que irradiava a todos por onde passava, Michael Foucault, dono de uma dissertação que vale a pena ser lida e re-lida antes de morrermos. Mais tarde é editada, como livro, com o nome “Histoire de la folie”. Nesta obra, Foucault analisa as experiências práticas dos séculos XVII e XVIII que levaram à exclusão dos que ele chama de “desprovidos de razão” do convívio social. Na obra, ele evidencia a “transformação” da loucura em doença mental, assim como o deslocamento dos poderes que atuam sobre os loucos e o conseqüente “lugar” a que são internados pela sociedade. Na Idade Clássica, o período racionalista, a loucura é vista como desrazão e os loucos, que vítimas da grande internação, são acorrentados nos hospitais gerais. Com o advento da Modernidade, no século XIX, são criados os asilos ou hospitais psiquiátricos e os loucos são, por sua vez, tratados como doentes mentais. Para Foucault, na Renascença, a loucura passa a ocupar os lugares que a lepra ocupara na Idade Média, lugares deixados sem utilidade bem como os ritos. É que, com a regressão da lepra, serão os pobres, os vagabundos, os presidiários e “cabeças alienadas” que assumirão o papel abandonado pelo lazarento. E, a partir do século XV, a face da loucura passa a assombrar a imaginação do homem ocidental. Segundo Foucault, até pouco depois do início da segunda metade do século XV, o tema da morte impera sozinho; nela, o fim do homem, o fim dos tempos assume o rosto das pestes e das guerras. Mas eis que nos últimos anos do século, essa grande inquietude gira sobre si mesma: o desatino da loucura substitui a morte e a seriedade que a acompanha. A partir de então, o insano desarma e o louco ri antes do riso da morte, pressagiando o macabro; trata-se de uma virada no interior da mesma inquietude, trata-se do vazio da existência, um vazio sentido do interior como forma contínua e constante da existência. O liame entre a loucura e o nada se estreita no século XV e subsiste por muito tempo no centro da experiência clássica da loucura. Dentre outras, é na composição literária “Narrenschiff”(A nau dos loucos), de Brant, que Foucault situa a experiência trágica da loucura na Renascença. Na época, os loucos eram escorraçados e frequentemente confiados a barqueiros. O louco torna-se o passageiro por excelência, o prisioneiro da passagem, solidamente acorrentado à infinita encruzilhada. Também entre os místicos do século XV imaginava-se a alma-barca, abandonada no mar infinito dos desejos, barca prisioneira da grande loucura do mar se não souber lançar sólidas âncoras, a fé, ou esticar suas velas espirituais para que o sopro de Deus a leve ao porto. É na literatura erudita da Renascença, que Foucault vê a loucura em ação, principalmente nos textos humanistas entre os quais se destaca Erasmo, bem como na longa dinastia de imagens, de pinturas, sobretudo em Bosch e Brueghel. Nestas, Foucault percebe uma enorme proliferação de sentidos, de onirismo, onde as figuras simbólicas tornam-se silhuetas do pesadelo, uma interrogação a permanecer indefinidamente sem resposta, num silêncio habitado apenas pelo bulício do mundo.