
“Vou contar como bibliotecas são 
importantes. Vou sugerir que ler ficção, que ler por prazer, é uma das 
coisas mais importantes que uma pessoa pode fazer”. Com estas palavras, 
Neil Gaiman inicia sua palestra para 
The Reading Agency – organização independente do 
Reino Unido voltada a fomentar a leitura entre 
crianças, jovens e adultos.
Gaiman ficou conhecido nos anos 1980 por seu trabalho como roteirista de histórias em quadrinhos para adultos, com destaque para a série Sandman. Sua trajetória conta com obras literárias para crianças, jovens e adultos, roteiros para cinema e letras de música.
Com base em sua carreira, e em sua vida no universo das palavras, das 
histórias e, principalmente, da leitura, o escritor discorreu sobre as 
mudanças que a leitura pode provocar. Primeiramente, declarou acreditar 
que a leitura continua a ocupar uma posição chave na era digital: nós 
navegamos por palavras e precisamos delas para nos comunicar (e podemos 
acrescentar que a leitura de ícones e imagens se intensificou também).
A formação de leitores, que possam usufruir da cultura
 letrada de modo geral, está relacionada com o gosto pela leitura. 
Gaiman acredita que os primeiros passos nesse sentido não podem ter 
filtros rígidos de boas e más leituras por parte dos 
incentivadores/formadores. “Não desencoraje as crianças da leitura 
porque você sente que elas estão lendo a coisa errada. A ficção que você
 não gosta é a rota para outros livros de sua preferência”, colocou o 
escritor. Ademais, diferentes pessoas, ainda que em um mesmo contexto, 
podem ter gostos bem diversificados. Acrescentou ainda que “adultos bem 
intencionados podem facilmente destruir o amor pela leitura: impedi-los 
de ler o que eles gostam, ou lhes dar livros chatos-mas-dignos que você 
gosta, os equivalentes contemporâneos da ‘refinada’ literatura 
vitoriana”.
A ficção ainda tem poder de empatia, no qual o leitor mergulha e 
constrói um universo particular (diferentemente da experiência que as produções audiovisuais para cinema e televisão proporcionam). Essa empatia particular fomenta igualmente a formação de grupos (e conexões) por afinidade.
Neil Gaiman ressalta a relevância da literatura para o desenvolvimento 
da criatividade. O governo chinês, por exemplo, reintroduziu a ficção 
científica, antes desaprovada pelas autoridades. Uma delegação enviada 
aos EUA constatou que os inventores/criadores de companhias como Apple,
 Google, Microsoft eram jovens leitores de ficção científica. A 
conclusão dos chineses, reiterada pelo escritor, aponto que o escapismo 
proporcionado pela ficção fornece ferramentas para interagir com (e 
reinventar) a realidade.
“Outro modo de destruir o amor das crianças pela leitura, claro, é 
garantir que não existam livros de qualquer tipo por perto”, continuou o
 escritor. O acesso a livros e outras mídias é essencial para a formação
 de leitores, seja por meio de acervos particulares, escolares ou 
públicos.
Os mediadores cumprem um papel significativo nesse processo: pais e 
familiares, amigos, professores, bibliotecários, jornalistas etc. 
Recordo-me de visitar meu tio avô e descobrir que ele tinha uma 
biblioteca particular (e que ele lera, ainda que não integralmente, todo
 aquele acervo). Atento ao meu fascínio, ele perguntou qual livro eu 
iria levar. Disse que não sabia. O Sr. Evaldo insistiu, me inquirindo 
sobre qual assunto me interessava. Respondi alegremente que gostava 
muito de Guerra nas Estrelas. “Pronto. Leve este livro!”, exclamou enquanto colocava em minhas mãos O Poder do Mito. Foi desse modo que um garoto de 14 anos leu (e gostou de) Joseph Campbell.

Pessoas
 que gostam de ler são bons mediadores. O respeito ao leitor, 
independentemente de sua idade ou repertório, também colabora para o 
incentivo à leitura. Frequentar uma biblioteca (ou gibiteca) 
infanto-juvenil pode ser muito prazeroso para as crianças e jovens 
quando há bibliotecários atentos e sensíveis.
 
O papel da 
mediação
 inclui, por outro lado, a filtragem de conteúdo, a localização e 
indicação de fontes ou leituras correlatas. Gaiman utiliza a seguinte 
metáfora sobre este aspecto da 
mediação:
 se antes era preciso localizar uma planta no deserto quando se buscava 
informações ou bibliografia sobre determinado assunto, na era digital é 
preciso localizar uma planta específica em uma 
grande floresta.
O escritor defende uma série de obrigações que temos com relação à 
alfabetização, à leitura, à escrita e à imaginação, a lutar 
politicamente pelo valor da leitura, à nossa relação com o passado, com a
 linguagem, com a comunicação e com o prazer da leitura.
Na educação formal, esse último aspecto precisa ser melhor considerado.
 O peso dos “clássicos” da literatura ainda é muito grande. Alunos do ensino médio
 são estimulados, às vezes exclusivamente, a ler as obras indicadas para
 as avaliações vestibulares. Muitos de meus alunos eram devoradores de 
livros, de Paulo Coelho a Caio Fernando Abreu. Eles me indicavam livros e
 eu a eles (Bram Stoker, por exemplo, fez grande um sucesso e abriu boas
 portas para a leitura de livros
 antes os alunos resistiam a ler e depois descobriram prazer em suas 
páginas). É preciso incentivar a leitura para além das “obras 
escolares”.
A palestra de Neil Gaiman lança proposições e retoma pontos relevantes acerca do mundo dos livros
 e nos permite repensar como estimulamos o amor pela leitura, para além 
das leituras que nos vemos obrigados a encarar, mas como parte 
constituinte de nossas vidas.
O passo primordial está em nós, em nossa própria leitura. “Eu acredito 
que nós temos uma obrigação de ler por prazer, em locais públicos ou 
privados. Se nós lemos por prazer, se outros nos veem lendo, então nós 
aprendemos, exercitamos nossa imaginação. Mostramos aos outros que ler é
 algo bom”, defendeu o escritor.
Citações de Neil Gaiman foram livremente traduzidas a partir da matéria publicada no jornal britânico The Guardian.