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sábado, 14 de março de 2015

VERGONHA


Convivemos com tanta exposição hoje em dia que, ao escolhermos uma vida simples e cada vez menos exibicionista, a vergonha passa a ser o contraponto daqueles que agem correntemente de acordo com a “sociedade do espetáculo”, expressão cunhada por Guy Debord em obra de sua autoria. Por “sociedade do espetáculo” se entende uma vida pautada na exterioridade, segundo a qual as máscaras são colocadas e as cortinas abertas para o encantado show das pseudoindividualidades ou falsas individualidades nos mais variados lugares de convivência social; dos jantares de confraternização às passagens pelo mercado, lojas e shoppings. As ruas também são espaços onde desfilam as mais diversas formas de vida; daquelas mais superficiais às mais verdadeiras.
A grande praça a que somos convidados a frenquentar expõe tipos inusitados de representações. A impressão que se tem é que a sociedade é um enorme palco de representações. Por conta disso é que nos envergonhamos, sobretudo quando confrontamos o exterior com o nosso interior. Justamente aí nasce a indignação e a sensação de vergonha. “A vergonha é o sentimento daquele que, inadequado no cenário do espetáculo, ainda preserva o interior contra a lei da superfície e do uso da máscara que a todos encanta”(TIBURI, Márcia. Filosofia Prática: ética, vida cotidiana, vida virtual. Rio de Janeiro: Record, 2014, p. 146). Passamos a ver o exterior não mais como ele é, mas como ele poderia não ser. Tal sensação de estranhamento é a própria vergonha, porque é uma experiência que se estabelece com a verdade. Quando nos deparamos com a verdade significa que nos deparamos com a vergonha. Tiramos as máscaras e desencantamos as falsas individualidades.
Muitos não querem sentir vergonha. É um “direito”, mesmo preferindo permanecer oprimido pelo exterior e pela diminuição de liberdade. Um “direito” de não ter “direito”, na medida em que a vergonha é o efeito ou a consequência da liberdade. Nesse sentido a vergonha é praticamente inevitável. Geralmente nos envergonhamos de sentir vergonha, como se a vergonha não fosse própria da natureza humana. Assim o é com a angústia, a revolta, a indignação. A capacidade de se indignar ou de se envergonhar não deve ser uma vanglória da moral, mas um afeto de alguma coisa inadequada, de que algo realmente importa.
O sentimento de vergonha é sinal de que algo ainda importa. Importar-se é, a propósito, tantas vezes, o nome próprio da inadequação. Inadequado é quem, por um motivo ou outro, começou a pensar. 'Adequado' é, neste sentido, o sem-vergonha. Seria aquele que se entrega à prática abstratamente, aquela prática sem pensamento na qual o outro não é considerado”(idem, p. 147).
Dessa maneira, o fingimento, a mentira pela mentira, a informação pela informação e a exposição da intimidade em redes sociais são experiências insuportáveis para o inadequado que, movido pela vergonha, subverte o status quo de uma realidade conformada com seus vícios sociais e políticos, além disso, gera nele mesmo uma indignação muito pessoal e subjetiva de se perguntar, ressentir, inquietar-se.
Muito interessante perceber que a vergonha é um sentimento que acontece quando mais nos envolvemos com as demandas do mundo, onde quer que estejamos, ou em casa no quarto sozinho, no trabalho quando há ausência de profissionalismo ou nas ruas em manifestações ordeiras reclamando direitos sociais, preservação das instituições e da democracia, pedindo urgentemente reformas de ordem política e etc. Às vezes, basta uma notícia de violência, agressão ou mais uma de escândalos de corrupção política para nos envergonhar interiormente.
Portanto, o viés político estimulado pelo sentimento de vergonha é algo que não podemos perder, justo numa sociedade cada vez mais insensível aos exercícios de cidadania e participação democrática. Se não pelo ativismo, pela práxis, ao menos pelo sentimento de vergonha a política mexa conosco.

Prof. Jackislandy Meira de M. Silva, filósofo e teólogo
 


domingo, 22 de fevereiro de 2015

Locke (1632-1704), Da importância do governo para os indivíduos em sociedade

"Se o homem no estado de natureza é tão livre, conforme dissemos, se é senhor absoluto da sua própria pessoa e posses, igual ao maior e a ninguém sujeito, por que abrirá ele mão dessa liberdade, por que abandonará o seu império e sujeitar-se-á ao domínio e controle de qualquer outro poder? Ao que é óbvio responder que, embora no estado de natureza tenha tal direito, a fruição do mesmo é muito incerta e está constantemente exposta à invasão de terceiros porque, sendo todos reis tanto quanto ele, todo homem é igual a ele, e na maior parte pouco observadores da equidade e da justiça, a fruição da propriedade que possui nesse estado é muito insegura, muito arriscada. Estas circunstâncias obrigam-no a abandonar uma condição que, embora livre, está cheia de temores e perigos constantes; e não é sem razão que procura de boa vontade juntar-se em sociedade com outros que estão já unidos, ou pretendem unir-se, para a mútua conservação da vida, da liberdade e dos bens a que chamo de 'propriedade'."

LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo. Trad. Anoar Aiex e E. Jacy Monteiro: Abril Cultural, 1978, cap. IX, p. 82 (Coleção "Os Pensadores").


sábado, 11 de outubro de 2014

Malala e ativista indiano ganham o Nobel da Paz

A paquistanesa e Kailash Satyarthi foram agraciados por trabalharem pela educação de crianças e jovens. Eles vão dividir o prêmio de US$ 1,5 milhão

Malala Yousafzai e Kailash Satyarthi, vencedores do Nobel da Paz
Malala Yousafzai e Kailash Satyarthi, vencedores do Nobel da Paz (Reuters/AFP/VEJA
 
A paquistanesa Malala Yousafzai e o ativista indiano Kailash Satyarthi são os vencedores do Prêmio Nobel da Paz em 2014, anunciou nesta sexta-feira o diretor-geral do Comitê Nobel, Thorbjørn Jagland. Ambos foram laureados por seus respectivos trabalhos em prol da educação. No anúncio oficial, Jagland destacou o direito universal à educação de todas as crianças. “É um pré-requisito para o desenvolvimento global e pacífico que os direitos das crianças e dos jovens sejam respeitados. Em áreas devastadas por conflitos, em particular, a violação deste direito das crianças leva à continuação da violência de geração em geração”, disse. Malala se tornou a mais jovem na história a vencer um Nobel. Antes era o australiano Lawrence Bragg, que ganhou o de Física em 1915 quando tinha 25 anos.
O comitê destacou a “grande coragem pessoal” de Satyarthi, “mantendo a tradição de Gandhi”, liderando formas de protestos e manifestações pacíficas. Sobre Malala, Jagland destacou que “apesar de sua juventude” – a jovem tem apenas 17 anos –, ela já lutou por vários anos pelo direito das meninas à educação, e tem mostrado que as crianças e jovens também podem contribuir para melhorar a sua própria situação. “Ela fez isso sob as circunstâncias mais perigosas”. O texto lido pelo diretor geral do comitê ainda ressaltou a importância de “um hindu e uma muçulmana, um indiano e um paquistanesa em participar da luta comum para a educação e contra o extremismo”. O prêmio Nobel da Paz dividido entre uma paquistanesa e um indiano ganha ainda mais relevância pela rivalidade histórica entre Índia e Paquistão. Os dois vizinhos vivem em clima de permanente tensão por causa de disputas étnicas e territoriais.

Calcula-se que existam 168 milhões de crianças trabalhadoras em todo o mundo. Em 2000, o número era de 246 milhões. “O mundo está chegando mais perto do objetivo de eliminar o trabalho infantil”, disse Jagland. “A luta contra a repressão e pelos direitos das crianças e adolescentes contribui para a realização fraternidade entre as nações que Alfred Nobel menciona em seu testamento como um dos critérios para o Prêmio Nobel da Paz”, finalizou.
Malala Yousafzai – Ainda muito jovem, a paquistanesa Malala Yousafzai tornou-se a maior voz mundial em defesa da educação feminina. Nos meses em que o Talibã dominou a região em que vivia no Paquistão, entre 2007 e 2009, as escolas para meninas receberam ordem de fechar as portas. As que não obedeceram foram dinamitadas. Por contar das suas privações em um blog e falar contra a opressão sofrida pelas mulheres em seu país, ela se tornou alvo do grupo extremista. Em outubro de 2012, um membro do Talibã disparou contra Malala no ônibus em que a menina voltava da escola. Ela sobreviveu e foi submetida a uma cirurgia na cabeça e agora vive em Birmingham, na Inglaterra, com a família. Símbolo da resistência contra o radicalismo ignorante, Malala lançou um livro em que conta a sua história, Eu Sou Malala. Escrito em parceria com a jornalista britânica Christina Lamb, a obra narra o terror da jovem e de outros adolescentes perseguidos pelo talibã.
Em VEJA 
A jovem Malala conta sua incrível história
Malala foi alvo de reconhecimento internacional e de ameaças de morte quando passou a denunciar atrocidades do Talibã há quatro anos em um blog na rede britânica BBC. Em entrevistas ela já afirmou que deseja entrar para a política para mudar seu país – e expressou seu apoio ao diálogo com os talibãs, embora tenha declarado que isso era um tema do governo. Ela vivia numa região do Paquistão, perto da fronteira com o Afeganistão, onde militantes islâmicos costumam incendiar escolas femininas e aterrorizar a população. Os pais de Malala seguem valores conservadores, comuns na região, mas repudiam a “talibanização” e encorajaram a filha a estudar (o pai era diretor da escola em que ela estudava).
Entrevista
‘A educação é o caminho para acabar com o terrorismo’, diz Malala

Apesar das ameaças, Malala reiterou seu desejo de voltar ao Paquistão. Ela foi levada para a Grã-Bretanha após o atentado e lá frequenta a escola. "O mal de nossa sociedade e de nosso país", declarou, em referência ao Paquistão, "é que sempre esperam que venha outra pessoa para consertar as coisas". Malala admitiu que a Grã-Bretanha causou em sua família uma grande impressão, "especialmente em minha mãe, porque nunca havíamos visto mulheres tão livres: vão a qualquer mercado, sozinhas, sem homens, sem os irmãos ou os pais". (Continue lendo o texto)

Fonte: http://veja.abril.com.br/noticia/mundo/malala-e-indiano-ganham-o-nobel-da-paz-por-seus-trabalhos-pela-educacao

terça-feira, 7 de outubro de 2014

A esperança, o medo e Aécio por Caio Blinder

Sem medo                                                                       Sem medo
Não sei quantas vezes eu li nas últimas semanas (desde a morte de Eduardo Campos em desastre aéreo) que a eleição brasileira era uma montanha russa. E fomos embalados por narrativas vertiginosas, eu especialmente pelo o que é veiculado no exterior. Sobre Marina Silva houve um longo e excessivo estado de deslumbramento; com a recuperação de Dilma Rousseff, tomou lugar um estado de perplexidade.
Como é que pode? Apesar da economia moribunda (li o palavrão em alguma publicação), do Petrolão (esta obscenidade) e do estilo político de Dilma (uma chanchada), a presidente parecia caminhar com uma certa tranquilidade para a reeleição (quem sabe no primeiro turno).
Mesmo no domingo cedo, quando devorei o que havia para devorar sobre Brasil na mídia global, estava sedimentada uma narrativa: os brasileiros querem mudança, mas não tanto assim. Temem perder o que cosquistaram em 12 anos de governo PT. Isto racionalizava o favoritismo de Dilma, inclusive no segundo turno, apesar de tudo.
A construção deste raciocínio estava tanto no espanhol El País como no americano The Wall Street Journal. No entanto, uma eleição com tantas surpresas surpreendeu a imprensa internacional. Aliás, surpreendeu bem além dos gringos. Querem fazer uma pesquisa Ibope ou Datafolha para confirmar isso?
Deixo às legiões de analistas (a destacar meus colegas de VEJA) a tarefa de explicar o que se passa na montanha russa eleitoral. Eu li várias análises, mas aqui vou me limitar à minha percepção de cidadão, de eleitor.
Não se trata de expressar preferência partidária (já disse que não faço isso formalmente), mas de constatar o impacto do debate eleitoral na Globo na quinta-feira. Aécio Neves transmitiu firmeza e bonomia ao mesmo tempo. De resto, era o circo dos nanicos, a avoada Marina e aquela senhora carregando um calhamaço.
Sei que um acúmulo de coisas levaram a um desfecho eleitoral surpreendente no primeiro turno (desde a maior motivação de Aécio, após uma fase de desalento, a erros dos adversários), mas naquela quinta-feira à noite, o candidato tucano selou um pacto mais sólido com os eleitores. Agora é o candidato da oposição, um candidato a mudar o estado de coisas.
E uma explicação para o título desta coluna. Na coluna anterior sobre Brasil, optei pelo título Sem Medo. em referência ao embate entre o dito cujo e a esperança (tal narrativa se inspirava no tom das campanhas de Dilme e de Marina). Not bad.
Mas, quando propagandeei a coluna no Twitter, tive uma sacada melhor (se for muito autogeneroso, eu diria premonição) e taquei Esperança, Medo e Aécio, como se o candidato tucano fosse um terceiro sentimento, uma terceira variável, a terceira via por onde o eleitorado finalmente avançaria depois de viajar por semanas na montanha russa.
Gostei tanto da foto daquela coluna, cuja legenda já era o título acima que decidi repeti-la, sem medo de que na corrida do segundo turno Dilma consiga agarrar Marina.
***
Com as eleições pátrias, a coluna está bem menos convencional. Nunca na história desta coluna se falou tanto do Brasil. Que outubro termine logo! Então, até a colher de chá será menos convencional, bem mais provinciana, mais bairrista. Este jornalista paulistano confere a colher de chá para os eleitores paulistas. Deu para entender, né?
E a pedido do Eduardo (dia 6, 14:06), uma também para os eleitores paranenses.
Pessoal, muitos pedidos cívicos de colher de chá.  São 17h35, horário de Brasilia, happy hour, colher de chá para quem achou que merece por seu voto a favor de “tirar esta gente do poder”, ok?

Fonte: http://veja.abril.com.br/blog/nova-york/eleicoes-brasil/a-esperanca-o-medo-e-aecio/

terça-feira, 20 de maio de 2014

A CONTRADIÇÃO PRINCIPAL DA NOVA ORDEM MUNDIAL

Conhecer uma sociedade não é apenas saber as suas regras explícitas. É também compreender como funciona a sua aplicação: saber quando usar e quando violar as normas, saber quando recusar uma escolha oferecida e saber quando fingir que se está a fazendo algo por livre escolha quando se trata efetivamente de uma obrigação. Considere o paradoxo, por exemplo, das “ofertas feitas para serem recusadas”. Quando sou convidado a um restaurante por um tio rico, ambos sabemos que ele cuidará da conta, mas devo mesmo assim insistir em dividi-la – imagine a minha surpresa se o meu tio simplesmente dissesse: “Ok, então, pode pagar!”
Houve um problema semelhante durante os caóticos anos pós-soviéticos do governo Yeltsin na Rússia. Embora as regras legais fossem sabidas – e eram em larga medida as mesmas que vigoravam sob a União Soviética –, desintegrou-se a complexa rede de regras implícitas, tacitamente aceites, que sustentava o edifício social. Na União Soviética, se você quisesse, digamos, um tratamento hospitalar melhor, ou um apartamento novo, se você tivesse uma reclamação sobre as autoridades, havia sido convocado ao tribunal ou queria que o seu filho fosse aceite numa escola concorrida, você sabia as regras implícitas. Sabia com quem falar ou a mão que untar, o que se podia e não se podia fazer.
Depois do colapso do poder soviético, um dos mais frustrantes aspetos do cotidiano para as pessoas comuns era que esse espaço de regras não ditas se tornou seriamente obscuro. As pessoas simplesmente não sabiam como reagir diante de regulações legais explícitas, o que podia ser ignorado, onde o suborno funcionava. (Uma das funções do crime organizado era justamente a de fornecer uma espécie de legalidade ersatz, substituta. Se você possuísse um pequeno negócio e um cliente lhe devesse dinheiro, você ia ao seu protetor da máfia para lidar com o problema, já que o sistema legal do Estado era ineficiente.)
A estabilização da sociedade sob o regime Putin deve-se em larga medida à transparência que se estabeleceu dessas regras não ditas. Agora as pessoas compreendem novamente, de modo geral, o complexo emaranhado de interações sociais.
Não chegamos ainda a este estágio no plano da política internacional. Na década de 1990, um pacto silencioso regulava a relação entre a Rússia e as grandes potências ocidentais. Os Estados ocidentais tratavam a Rússia como uma grande potência na condição de que a Rússia não agisse como uma. Mas e se o sujeito para quem a “oferta feita para ser recusada” realmente a aceitar? E se a Rússia realmente começar a agir como uma grande potência? Uma situação como essa é propriamente catastrófica, ameaçando todo o tecido de relações existente – como ocorreu há cinco anos atrás na Geórgia. Cansada de apenas ser tratada como uma superpotência, a Rússia de facto agiu como uma.
Como chegamos a isto? O “século americano” acabou, e entramos num período em que múltiplos pólos do capitalismo global se vêm formando. Nos EUA, na Europa, na China e talvez na América Latina também, sistemas capitalistas desenvolveram colorações específicas: os EUA representam o capitalismo neoliberal, a Europa o que resta do estado de bem estar social (Welfare State), a China o capitalismo autoritário e a América Latina o capitalismo populista. Com o fracasso da tentativa norte-americana de se impor como a única superpotência mundial – o polícia universal –, há agora a necessidade de estabelecer as regras de interação entre esses pólos locais no que diz respeito aos seus interesses conflituantes.
É por isso que os nossos tempos são potencialmente mais perigosos do que podem parecer. Durante a Guerra Fria, as regras de comportamento internacional eram claras, garantidas pela loucura da Destruição Mútua Assegurada (MAD) das superpotências. Quando a União Soviética violou essas regras não ditas ao invadir o Afeganistão, ela pagou caro por essa infração. A guerra do Afeganistão foi o começo do seu fim. Hoje, as novas e velhas superpotências estão a testar-se, tentando impor a sua própria versão de regras globais, experimentando com elas através de proxies (guerras por procuração) – que são, é claro, outras pequenas nações e estados.
Karl Popper certa vez elogiou o teste científico das hipóteses, dizendo que, dessa forma, permitimos que as nossas hipóteses morram em vez de nós. Nos testes de hoje, as pequenas nações se ferem no lugar das maiores – primeiro a Geórgia, agora a Ucrânia. Embora os argumentos oficiais sejam altamente morais, girando em torno de direitos humanos e liberdades, a natureza do jogo é clara. Os eventos na Ucrânia parecem algo como “a crise na Geórgia, parte II” – a próxima etapa de uma luta geopolítica por controle num mundo multipolar, não regulado.
Chegou definitivamente a hora de ensinar algumas maneiras às superpotências, velhas e novas. Mas quem vai fazer isso? Obviamente, apenas uma entidade transnacional poderá dar conta de uma tarefa como essa. Há mais de duzentos anos, Immanuel Kant viu a necessidade de uma ordem legal transnacional fundada na emergência da sociedade global. No seu projeto para a paz perpétua [Zum ewigen Frieden. Ein philosophischer Entwurf, 1795], ele escreveu:
“Avançou-se tanto no estabelecimento de uma comunidade (mais ou menos estreita) entre os povos terrestres que, como resultado, a violação do direito num ponto da terra repercute-se em todos os demais, a ideia de um Direito Cosmopolita não é uma representação fantástica nem extravagante.”
Isso, no entanto, traz-nos ao que talvez seja a “contradição principal” da nova ordem mundial (se pudermos usar esse velho termo maoista): a impossibilidade de criar uma ordem política global que corresponda à economia capitalista global. E se, por razões estruturais, e não apenas devido a limitações empíricas, não puder haver uma democracia ou um governo representativo mundial? E se a economia global de mercado não puder ser diretamente organizada como uma democracia liberal global com eleições mundiais?
Hoje, na nossa era da globalização, estamos a pagar o preço por essa “contradição principal”. Na política, fixações da era passada, e identidades particulares, étnicas, religiosas e culturais retornaram com força total. O nosso dilema hoje é definido por essa tensão: a livre circulação global de mercadorias é acompanhada por crescentes separações na esfera social. Desde a queda do Muro de Berlim e a ascensão do mercado global, novos muros começaram a emergir por toda a parte, separando os povos e as suas culturas. Talvez a própria sobrevivência da humanidade dependa da resolução dessa tensão.
Artigo de Slavoj Žižek, publicado em The Guardian, tradução de Artur Renzo, para o Blog da Boitempo.

Sobre o/a autor(a)

Filósofo e psicanalista esloveno. Professor da European Graduate School e do Instituto de Sociologia da Universidade de Ljubljana.

Trapaças e oportunismos...


segunda-feira, 19 de maio de 2014

REAÇÕES DE UMA COPA



O evento Copa do Mundo no Brasil está nos elevando à condição de sujeitos políticos, incapazes de deixarmos passar batida qualquer informação que envolva gastos públicos com estádios da copa. Nunca fomos tão fiscalizadores dos gastos públicos como agora. Até parece que a população, por conta própria, abriu uma CPI para investigar as obras superfaturadas, não só de construção dos estádios, mas principalmente de infraestrutura das sedes, que se multiplicam assustadoramente às vésperas da copa, quando se acendem as luzes do “grand” espetáculo e se apagam aquelas da indignação.
Essa saudável reação política da população com a copa não é inédita. Tivemos outras copas que também nos fizeram despertar do sono político. O brasileiro é como um jogador em campo; de repente sofre um apagão. Aí acontece um evento fortíssimo que o tira do lugar-comum, daquela sonolência absurda, e o põe numa situação de alerta total.
A reação é legítima, mas não é única. Na copa de 1970, quando fomos tricampeões mundiais de futebol, o cenário político não era dos mais agradáveis. Amargávamos uma ditadura militar sob muita tortura e repressão aos direitos políticos. A população não gozava de liberdade de expressão e era impedida de se opor ao governo Médici, que conduzia o país de forma autoritária por ser considerado um militar de “linha dura”, responsável pela tortura e morte de muitos civis. Mesmo assim, a sociedade brasileira não abriu mão de torcer, sofrer e, no final, comemorar a estupenda vitória da seleção em cima da Itália por 4 a 1. Foi um momento em que o povo, em plena crise política, exultou de alegria.
Inegavelmente, um evento copa, sobretudo quando ocorrido na sua própria casa, guarda um paradoxo sem precedentes. Por um lado, é um momento oportuno para os sanguessugas políticos e donos de empreiteiras aproveitarem os altos investimentos do governo com obras da copa para agenciar iniciativas de ordem político-eleitoral, visto estarmos em ano de eleições no Brasil. Por outro, é tempo de ficarmos ainda mais de olho no que estão fazendo com o dinheiro público e percebermos como os interesses são mesquinhos e cada vez menos coletivos. Daí, durante a copa, não pararmos de fazer a crítica.
O governo aproveita a copa para fazer propaganda eleitoral, responder a oposição na direção de que o país está avançando na economia, oferecendo empregos e melhorando a qualidade de vida, porém o povo também não fica atrás e aproveita para reclamar dos serviços públicos, cobrar de seus governantes o que muito ainda está por fazer na educação, na saúde, segurança e combate à corrupção com reformas políticas.
Infelizmente não correspondemos aos efeitos de um evento copa. Podíamos ter investido muito mais em mobilidade urbana, metrôs, outros meios de transportes, ampliação de aeroportos, modernização das cidades, turismo, etc. Tudo o que a imprensa vem falando faz sentido, embora seja agenciada também por interesses de ordem política e econômica. Por trás dela há muita gente influente.
Parece que só o futebol produz esse duplo movimento: reações contra e a favor da copa. Os que dizem não à copa são movidos por um sentimento politicamente correto de que é preciso não baixar a guarda e gritar as injustiças mesmo durante os jogos, certamente não se envolverão com os jogos, não torcerão. Os que são a favor, e esta é uma maioria afirmativa, irão procurar vivê-la de qualquer modo, com ou sem indignação, com ou sem senso do ridículo. Além disso, o que se espera de um país democrático é que as reações sejam pacíficas e ordeiras.
Para experimentar, de fato, a Copa do Mundo aqui no Brasil com todas as suas demandas é interessante considerar o que disse o escritor colombiano, Gabriel Garcia Márquez, num texto seu chamado “El juramento”, onde descreve a sensação de ter virado torcedor de um time de futebol: “O primeiro instante de lucidez em que me dei conta de que tinha virado um torcedor intempestivo foi quando percebi que durante toda a minha vida eu tive algo do qual sempre me orgulhei e que agora me incomodava: o senso do ridículo”.
Vale a dica: envolver-se com a copa implica desvencilhar-se do senso do ridículo.
Boa copa a todos.

Prof. Jackislandy Meira de M. Silva
Bel. e Licenciado em Filosofia, Bel. em Teologia, Esp. em Metafísica e em Estudos Clássicos


      



terça-feira, 13 de maio de 2014

segunda-feira, 28 de abril de 2014

A ATITUDE QUE COMOVEU O MUNDO

O jogador brasileiro que atua pelo Barcelona, Daniel Alves, ironizou com estilo o horroroso ato de racismo, numa atitude de comer a banana jogada em campo de jogo. De modo sarcástico e humorístico, Daniel passa para o mundo, em contexto de copa, a mensagem urgente de que precisamos combater o racismo com inteligência. Sem falar uma palavra, ele o fez dignamente. Somos maiores que o racismo.  

Reação ao racismo no futebol

A 45 dias da Copa do mundo no Brasil, vivemos uma onda muito negativa de atos de racismo em estádios de futebol. Lamentável o que vimos acontecer com Daniel Alves na Espanha. Casos como este devem ser extirpados de qualquer atividade esportiva. Segundo Neymar Jr., que saiu em defesa de seu amigo, #somostodosmacacos Precisamos reagir ao racismo.


sexta-feira, 25 de abril de 2014

ESCOLAS RECORREM A "GAMBIARRAS"


São Paulo (AE) - Mais da metade dos professores do País não possui habilitação para dar aulas nas disciplinas que lecionam nos últimos anos da educação básica. É o que mostra um levantamento da ONG Todos pela Educação para o Observatório do PNE (Plano Nacional da Educação), com dados do Censo Escolar de 2013. Nos anos finais do ensino fundamental (6º ao 9º ano) o índice chega a 67,5% e, no ensino médio, a 51,7%. Os números revelam que um em cada cinco (21,5%) professores que atuam nos anos finais do ensino fundamental não tem curso superior. Esse número cai, no ensino médio, para 4,7%. Já o porcentual de professores com ensino superior, mas sem licenciatura nenhuma, é de 35,4% nos anos finais do ensino fundamental e 22,1% no ensino médio.

No ensino fundamental, Artes (92,3%) e Filosofia (90%) são as disciplinas em que há mais professores sem licenciatura na área. Já em Língua Portuguesa, que é a matéria que tem o melhor índice de professores habilitados, mais da metade dos professores não têm licenciatura na área: 53,3% contra 46,7% que têm.

Só no Nordeste o número de professores sem licenciatura para lecionar as disciplinas em que dão aula nos anos finais do ensino fundamental chega a 82,4%; no Norte é de 81,9%; Centro Oeste, 64,3%; no Sul, 49%; e no Sudeste, 47,1%. O Estado com o pior índice é o Acre, onde 89,9% dos professores não têm licenciatura na área em que atuam.

Já no ensino médio, as disciplinas em que há mais professores sem licenciatura na área são Física (80,8%) e Filosofia (78,8%). Os Estados com mais professores sem habilitação na disciplina em que lecionam são Bahia (89,3%), Mato Grosso (81,9%) e Acre (69%) Nordeste lidera por regiões do País (66%), seguido de Centro-Oeste (60,5%) e Norte (55%). Sudeste tem 42% e Sul, 41,9%.

O levantamento considera que professores com formação na disciplina em que atuam são aqueles cuja formação superior é em licenciatura na mesma matéria da disciplina. Para professores de Artes, considera-se aqueles formados em Educação Artística, Artes Visuais, Dança, Música ou Teatro. Para professores de Ciências, considera-se os professores formados em Ciências Naturais, Ciências Biológicas, Física ou Química.

DIÁRIO DE CLASSE
Professor com Licenciatura na área em que atua (%)

ENSINO FUNDAMENTAL
Matemática          35,9
Português            46,7
História               31,6
Geografia            28,1
Ciências              34,2
Filosofia              10,0
Educação Física    37,7
Artes                   7,7

ENSINO MÉDIO
Português                73,2
Educação Física        64,7
Matemática              63,4
História                   58,1
Geografia                56,8
Biologia                    51,6
Língua estrangeira    44,2
Química                   33,7
Filosofia                   21,2
Física                      19,2
Artes                      14,9

Fonte:  http://tribunadonorte.com.br/news.php?not_id=279975

quarta-feira, 16 de abril de 2014

Jesus, um homem da periferia


Diferente do que aponta radicalmente a tradição sobre a figura fascinante de Jesus; sem muita teologia; sem tantos adornos majestosos, fantásticos; entretanto, resgatar a referência de Jesus como um homem da periferia implica reter em sua história um contexto que lhe é próprio, modesto, mas que lhe fora negado por séculos. Somente agora nos últimos vinte ou trinta anos estamos reconstruindo um modo novo de revisitar os textos bíblicos à luz da historiografia em diálogo com a Arqueologia.
Trata-se, na verdade, de redescobrir em nossa vida o Jesus histórico. Do contrário, parece que legamos um cristianismo extremamente ideológico, moralista e autoritário sem abertura para o diferente de si, porém sistemático, fechado num esquema de autodefesa ortodoxa de algumas instituições religiosas que nos impedem de pensar um Jesus humano, trabalhador, atrelado à sua terra, aos seus valores e pronto a confrontar as estruturas econômicas, políticas, culturais e religiosas de sua época.
Os últimos estudos históricos de Jesus afirmam que era um homem do séc. I EC, um galileu situado numa região geograficamente delimitada na Palestina, sendo a Galileia este lugar no extremo norte dessa região, muito próxima às fronteiras explosivas de conflito em contato com outros impérios. É oportuno distinguir aqui um judeu nascido em Nazaré da Galileia de outro judeu nascido em Jerusalém da Judeia, visto serem duas regiões muito diferentes; de matrizes geográficas, econômicas, políticas e culturais muito diversas. Porque Nazaré encontra-se situada na periferia da Galileia e esta, por sua vez, na periferia da Palestina e do Império Romano, Jesus é historicamente um homem da periferia.
A partir dessa reflexão que ora fazemos, precisamos continuar avançando e reelaborando conceitos e valores. O que a tradição cristã elaborou sobre o Jesus “revelado” nos Evangelhos durante mais de dois mil anos se cristalizou em nossas cabeças pensantes, de tal modo que nos fez distanciar da tamanha riqueza de informações das origens de Jesus e do tipo de judaísmo que ele retinha. Ficamos refém de um discurso dogmático ou ortodoxo sobre Jesus por muito tempo, ao ponto de não nos interessarmos tanto por esse assunto.
Pressupondo que Jesus é basicamente um homem da periferia, mais precisamente um camponês de origens extremamente pobres, somando-se a isso o fato de ser carpinteiro, mas não um carpinteiro que tinha casa, um lugar para trabalhar, terras para cultivar, é possível pensá-lo de um contexto simples, concreto; de homens comuns. Embora a carpintaria na época fosse um ofício de “status” social, a de Jesus era diferente porque “as raposas têm tocas e as aves do céu, ninhos; mas o filho do homem não tem onde reclinar a cabeça” (Mt 8.20). No caso de Jesus, o trabalho de carpinteiro era inferior ao do camponês, pois fazia ferramentas para a manutenção do campesinato. Não tendo nada, Jesus precisava andar, sair, migrar para outros lugares à procura de casas para construir. Provavelmente, devia ser um construtor em constante caminhar, pronto para trabalhar; um reino a desbravar.
Se nos deixarmos guiar por essa ideia catalisadora de um Jesus da periferia, veremos claramente seu projeto de salvação a caminho para a cruz e configurando-se como modelo para toda a humanidade. Ao pegarmos os movimentos, as ações e palavras de Jesus nos textos que nos alcançaram, certamente entenderemos a preocupação de Jesus com os mais pobres, doentes e excluídos. E somente quando recuperamos a figura histórica de Jesus como um camponês da periferia, carpinteiro ou artesão, de Nazaré da Galileia que andou e pregou para muita gente é que, de fato, conseguimos ver a autenticidade e a coerência de seu discurso político, econômico, ético, religioso e cultural.
Lembremos: “Mostrai-me um denário. De quem traz a imagem e a inscrição? Responderam: De César. Ele disse então: Devolvei, pois, o que é de César a César, e o que é de Deus a Deus” (Lc 20. 24-25); “Em verdade vos digo que um rico dificilmente entrará no Reino dos Céus. E vos digo ainda: é mais fácil um camelo entrar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus” (Mt 19. 23-24); “Tudo aquilo, portanto, que quereis que os homens vos façam, fazei-o vós a eles, pois esta é a Lei e os Profetas” (Mt 7. 12); “Destruí este templo, e em três dias eu o levantarei” (Jo 2. 19); “Uma mulher da Samaria chegou para tirar água. Jesus lhe disse: Dá-me de beber!(...) Diz-lhe então a Samaritana: Como, sendo judeu, tu me pedes de beber, a mim que sou samaritana?” (Jo 4. 7-8).
Especialmente nesta semana santa, possamos reconstruir uma imagem diferente e inovadora de um Jesus que experimenta a vasta onda do helenismo de seu tempo; um Jesus que coexiste com o judaísmo e com toda a cultura Greco-macedônica; um Jesus inserido em seu contexto histórico-cultural bastante diverso e plural; um Jesus que nasceu judeu, viveu judeu e morreu judeu. Mas tudo que conhecemos de Jesus está em grego, porém só falou aramaico, provavelmente não leria nada do que fora escrito sobre ele. Esse Jesus, fonte das pesquisas recentes da História, da Antropologia e da Arqueologia desconstrói toda aquela grandeza de um Jesus quase intocável, herdeiro de um discurso glorioso, mágico e fabuloso de algumas culturas religiosas.

Prof. Jackislandy Meira de M. Silva
Bel. e Licenciado em Filosofia, Bel. em Teologia, Esp. em Metafísica e em Estudos Clássicos



segunda-feira, 31 de março de 2014

O golpe


A eterna transição

A reflexão a respeito dos 50 anos do golpe de 64 começou. E estão demonstrados com clareza os malefícios da transição à brasileira. Sua maior característica é o fato de ela nunca acabar. Vende-se a falsa versão de que o Brasil seria um país de reconciliação fácil, capaz de mobilizar todos os setores da sociedade para uma superação de traumas passados. Na verdade, somos uma nação onde os traumas nunca são superados, pois eles sequer são nomeados. Dessa forma, somos obrigados a conviver com fantasmas que parecem sair do nada, mas são, na verdade, a expressão de visões que nunca morreram de fato.
Há pouco, o jornal O Estado de S. Paulo decidiu publicar um artigo do general Rômulo Bini Pereira a respeito da grandeza do que esse senhor chama de “Revolução de 64”. Não consigo imaginar nenhuma nação do mundo na qual cidadãos sofreriam o insulto de ver um militar criticar governos democráticos e elogiar ditaduras, sem passar por nada minimamente parecido a um mea culpa a respeito de seus crimes e do fato de a ditadura ter instalado no Brasil um Estado ilegal comandado por bandidos. Na Argentina, no Chile, no Uruguai ou Espanha, seria inimaginável. Um senhor como este, mesmo na reserva, seria destituído de suas patentes e processado por apologia do crime contra o Estado democrático. O Exército emitiria nota para deixar claro seu repúdio a tal opinião. Mas estamos no Brasil e aqui elogiar nosso período ditatorial, com seus assassinos e torturadores, é tratado como um “direito de opinião”.
É de se admirar ainda que uma empresa de comunicação que participou ativamente do golpe e que o defendeu até a última hora, principalmente por meio de editoriais nos quais criticava movimentos democráticos como as Diretas Já, não tenha sensibilidade para evitar esse constrangimento.
Ainda no quesito “o passado nunca passa”, há pouco os correntistas do Banco Itaú receberam uma agenda na qual o dia 31 de março estava marcado como “aniversário da revolução de 64”. Não custa lembrar: Olavo Setubal, fundador da instituição financeira, por suas boas relações com o regime, foi prefeito biônico de São Paulo. Se o governo brasileiro tivesse exposto com clareza os vínculos do empresariado nacional com a ditadura, vínculos que chegaram ao incrível financiamento de casas de tortura, certamente bancos, empresas e construtoras teriam feito pedidos públicos de desculpas e aplicado políticas de controle para impedir que afrontas como essa ocorressem.
Tudo isso demonstra quão falsa é a história de a ditadura brasileira ser um assunto encerrado. O que poderíamos esperar de um país no qual nenhum torturador, absolutamente nenhum, foi preso ou simplesmente julgado? O Brasil não pode continuar a farsa da reconciliação nacional sem que as Forças Armadas mostrem minimamente terem entendido o que fizeram e ofereçam publicamente um pedido de perdão à população brasileira por terem destruído nossa democracia. Enquanto isso não ocorrer, elas serão vistas por vários setores da sociedade brasileira como um corpo estranho, uma corporação pronta a desordenar, mais uma vez, a nação por meio da força e do arbítrio.
A mesma exigência vale, e com urgência parecida, para a classe empresarial brasileira. Basta de o empresariado nacional fingir não ter sido o elemento propulsor da ditadura, com relações de simbiose com o governo. De não ter herdado e manter de pé até os dias atuais práticas de corrupção do poder público. E de não estimular preconceitos que vez por outra explodem de maneira aparentemente irracional. O que se espera deste momento de reflexão a respeito dos 50 anos do golpe é, ao menos, o fim dessa prática medonha de nunca colocar claramente como objetos de repúdio público aqueles que destruíram não apenas 20 anos da história brasileira, mas contribuíram para um presente ainda assombrado pelos piores fantasmas. O Brasil merece Forças Armadas defensoras da democracia, não um clube dedicado a abrigar os defensores de estupradores, torturadores, assassinos e ocultadores de cadáveres.

Por Vladimir Safatle in http://www.cartacapital.com.br/politica/a-eterna-transicao-7263.html

quinta-feira, 27 de março de 2014

A mancha da corrupção

Os governos, ditos democráticos, precisam preservar e fortalecer nossas instituições, torná-las cada vez mais imparciais, neutralizando as suspeitas de corrupção.

segunda-feira, 10 de março de 2014

PARADA NACIONAL PELA EDUCAÇÃO

A CNTE convoca mobilização nacional para os dias 17, 18 e 19 de março. Trabalhadores em educação vão parar o Brasil para exigir o cumprimento da lei do piso, carreira e jornada, investimento dos royalties de petróleo na valorização da categoria, votação imediata do Plano Nacional de Educação, destinação de 10% do PIB para a educação pública e contra a proposta dos governadores e o INPC. 
Assista ao vídeo:

CAI O NÚMERO DE MATRÍCULAS NO ENSINO MÉDIO

O Censo da Educação Básica, divulgado nesta terça-feira pelo Ministério da Educação (MEC), mostrou que o País ainda não conseguiu avançar na barreira em que se transformou o ensino médio. Enquanto a queda constante no número de alunos do fundamental é causada por bons motivos - maior aprovação e um fluxo mais regular -, esses mesmos estudantes que terminam o 9.º ano não chegam ao ensino médio e o número de matrículas nessa etapa caiu.
No ano passado, 8,312 milhões de alunos frequentaram o ensino médio no País. É o menor número desde 2007 e quase 1% menor do que o registrado em 2012, quando 8,376 milhões de alunos estavam matriculados. Cerca de 1,5 milhão de jovens de 15 a 17 anos deveriam estar no ensino médio, mas estão fora da escola - o que demonstra a necessidade de expansão das matrículas nessa etapa do ensino.
O presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), Francisco Soares, afirmou que o ensino médio é o gargalo da educação. "O ensino médio é um problema histórico, mas que está mudando. As taxas de aprovação, principalmente no primeiro ano, estão em torno de 70%."
Nos níveis iniciais de educação, o País pode comemorar. Ao mesmo tempo que aumenta o número de crianças em creches e na pré-escola, caiu a reprovação no ensino fundamental. Em seis anos, são menos 3 milhões de alunos no fundamental, com uma evasão de apenas 2,7% em 2012 - a metade da registrada em 2007.
"É considerada uma queda boa porque temos, de um lado, um movimento demográfico (menor número de nascimentos), melhor desempenho do aluno e uma menor retenção no sistema", disse o ministro da Educação, Henrique Paim.
O movimento desses alunos, no entanto, deveria ter levado a um crescimento de matrículas no ensino médio, o que não aconteceu. Os dados de evasão e repetência de 2013 só ficarão prontos no meio deste ano.
Integral. Uma das boas notícias do censo é o crescimento do número de alunos do ensino fundamental matriculados em escolas de tempo integral - com mínimo de sete horas. Desde 2010, o aumento foi de 139%, chegando a 3,1 milhões de alunos. O número ainda representa apenas 10,9% dos estudantes do ensino fundamental.
Paim garante que a meta do Plano Nacional de Educação (PNE), de atender 25% dos alunos na modalidade, é factível.
Apesar do avanço, os índices de cada Estado são diferentes. Em Alagoas, apenas 0,36% das matrículas do ensino fundamental é de tempo integral - contra 26% de Tocantins. "O tempo integral é fundamental na nossa priorização dos recursos", disse a secretária estadual de Educação de Tocantins, Adriana Aguiar.
No Estado de São Paulo, o ensino integral atende 115 mil alunos. Na Escola Estadual Alexandre Von Humboldt, zona oeste da capital, o ensino articula o currículo tradicional, disciplinas eletivas e grupos de estudos temáticos. "É cansativo, mas é prazeroso. Sinto que estamos aprendendo algo útil", diz a aluna Mylena Souza, de 16 anos.
Contando as redes particular e pública, São Paulo tem o maior número de alunos em tempo integral. No entanto, como concentra o maior número de alunos, os 339 mil estudantes representam 6,02%, a segunda pior marca do País, abaixo da média nacional. / COLABOROU PAULO SALDAÑA


Fonte: http://www.estadao.com.br/noticias/cidades,cai-o-numero-de-matriculas-no-ensino-medio,1134594,0.htm

QUEM FLERTA MAIS?


POR QUE FALAR É VIVER?

Nei Alberto Pies

“A quem mais amamos, menos sabemos falar”
(Provérbio inglês)
           Todo tipo e forma de discriminação, além de ser um problema pessoal de quem os sofre, é também um problema social.  A gagueira, como outros tantos limites humanos, deixa marcas e imprime jeitos de resistir para sobreviver socialmente. Como eu, pelo menos 1.700.000 pessoas em todo o nosso país apresenta algum grau de gagueira na sua comunicação, conforme dados do Instituto Brasileiro de Fluência. A gagueira ganhou também um dia internacional: dia 22 de outubro.
A fala é o meio mais eficaz e mais utilizado para a nossa comunicação e interação social, porém não a única. Esta é a maior descoberta para alcançarmos reconhecimento social, através da comunicação. Se não falamos fluentemente ou temos algum grau de timidez, arranjamos jeitos de ser reconhecidos e valorizados socialmente por alguma outra habilidade ou virtude. Se não somos “experts” na fala, podemos ser bons na escrita, no canto, na representação, no estudo, na convivência ou nas relações. A qualidade da nossa comunicação depende da interação de todos, inclusive do apoio e compreensão que temos de dar àqueles que sofrem para se comunicar.
O ser humano é especialista na arte de compensar. Sem compensar não sobreviveria, porque se não é possível ser bom em tudo, é necessário ser bom e útil em alguma coisa. Por isso a gente se faz “agarrando-se” ao que tem de bom, àquilo que tem facilidade e àquilo que nos renda reconhecimento dos outros. A gente inventa e re-inventa jeitos e trejeitos para ser querido, amado e promovido pelos outros. O reconhecimento social é uma das maiores necessidades humanas, pois ninguém sobrevive se não comprovar para si mesmo o quanto é útil, importante, querido e estimado pelos outros.
O resgate da auto-estima e a auto-aceitação são preponderantes para a cura ou convivência com a gagueira. A gagueira é influenciada por fatores neurobiológicos ou emocionais. Conhecer-se, estudar o seu problema, procurar auxílio e terapias, aumenta as possibilidades de conviver socialmente, sem maiores traumas. É fundamental, ainda, assumir publicamente os limites da fala e da comunicação sempre que se puder. Assumir os limites da fala propicia discernimento e tranqüilidade interior para lidar com os desafios de se comunicar melhor. Quem fala se liberta!
Falar é a forma mais concreta de nos apresentar ao mundo. Por isso mesmo, falar pressupõe primeiro aceitar-se como se é para depois buscar o reconhecimento junto aos outros. A felicidade de “seres humanos falantes” alicerça-se tanto nos fracassos e limites como nos êxitos e nas conquistas, pessoais e coletivos. Uma boa convivência social pressupõe a aceitação de todos os limites humanos e a superação de todas as formas de discriminação.

Nei Alberto Pies
Professor e ativista de direitos humanos. - pies.neialberto@gmail.com

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sábado, 14 de março de 2015

VERGONHA


Convivemos com tanta exposição hoje em dia que, ao escolhermos uma vida simples e cada vez menos exibicionista, a vergonha passa a ser o contraponto daqueles que agem correntemente de acordo com a “sociedade do espetáculo”, expressão cunhada por Guy Debord em obra de sua autoria. Por “sociedade do espetáculo” se entende uma vida pautada na exterioridade, segundo a qual as máscaras são colocadas e as cortinas abertas para o encantado show das pseudoindividualidades ou falsas individualidades nos mais variados lugares de convivência social; dos jantares de confraternização às passagens pelo mercado, lojas e shoppings. As ruas também são espaços onde desfilam as mais diversas formas de vida; daquelas mais superficiais às mais verdadeiras.
A grande praça a que somos convidados a frenquentar expõe tipos inusitados de representações. A impressão que se tem é que a sociedade é um enorme palco de representações. Por conta disso é que nos envergonhamos, sobretudo quando confrontamos o exterior com o nosso interior. Justamente aí nasce a indignação e a sensação de vergonha. “A vergonha é o sentimento daquele que, inadequado no cenário do espetáculo, ainda preserva o interior contra a lei da superfície e do uso da máscara que a todos encanta”(TIBURI, Márcia. Filosofia Prática: ética, vida cotidiana, vida virtual. Rio de Janeiro: Record, 2014, p. 146). Passamos a ver o exterior não mais como ele é, mas como ele poderia não ser. Tal sensação de estranhamento é a própria vergonha, porque é uma experiência que se estabelece com a verdade. Quando nos deparamos com a verdade significa que nos deparamos com a vergonha. Tiramos as máscaras e desencantamos as falsas individualidades.
Muitos não querem sentir vergonha. É um “direito”, mesmo preferindo permanecer oprimido pelo exterior e pela diminuição de liberdade. Um “direito” de não ter “direito”, na medida em que a vergonha é o efeito ou a consequência da liberdade. Nesse sentido a vergonha é praticamente inevitável. Geralmente nos envergonhamos de sentir vergonha, como se a vergonha não fosse própria da natureza humana. Assim o é com a angústia, a revolta, a indignação. A capacidade de se indignar ou de se envergonhar não deve ser uma vanglória da moral, mas um afeto de alguma coisa inadequada, de que algo realmente importa.
O sentimento de vergonha é sinal de que algo ainda importa. Importar-se é, a propósito, tantas vezes, o nome próprio da inadequação. Inadequado é quem, por um motivo ou outro, começou a pensar. 'Adequado' é, neste sentido, o sem-vergonha. Seria aquele que se entrega à prática abstratamente, aquela prática sem pensamento na qual o outro não é considerado”(idem, p. 147).
Dessa maneira, o fingimento, a mentira pela mentira, a informação pela informação e a exposição da intimidade em redes sociais são experiências insuportáveis para o inadequado que, movido pela vergonha, subverte o status quo de uma realidade conformada com seus vícios sociais e políticos, além disso, gera nele mesmo uma indignação muito pessoal e subjetiva de se perguntar, ressentir, inquietar-se.
Muito interessante perceber que a vergonha é um sentimento que acontece quando mais nos envolvemos com as demandas do mundo, onde quer que estejamos, ou em casa no quarto sozinho, no trabalho quando há ausência de profissionalismo ou nas ruas em manifestações ordeiras reclamando direitos sociais, preservação das instituições e da democracia, pedindo urgentemente reformas de ordem política e etc. Às vezes, basta uma notícia de violência, agressão ou mais uma de escândalos de corrupção política para nos envergonhar interiormente.
Portanto, o viés político estimulado pelo sentimento de vergonha é algo que não podemos perder, justo numa sociedade cada vez mais insensível aos exercícios de cidadania e participação democrática. Se não pelo ativismo, pela práxis, ao menos pelo sentimento de vergonha a política mexa conosco.

Prof. Jackislandy Meira de M. Silva, filósofo e teólogo
 


domingo, 22 de fevereiro de 2015

Locke (1632-1704), Da importância do governo para os indivíduos em sociedade

"Se o homem no estado de natureza é tão livre, conforme dissemos, se é senhor absoluto da sua própria pessoa e posses, igual ao maior e a ninguém sujeito, por que abrirá ele mão dessa liberdade, por que abandonará o seu império e sujeitar-se-á ao domínio e controle de qualquer outro poder? Ao que é óbvio responder que, embora no estado de natureza tenha tal direito, a fruição do mesmo é muito incerta e está constantemente exposta à invasão de terceiros porque, sendo todos reis tanto quanto ele, todo homem é igual a ele, e na maior parte pouco observadores da equidade e da justiça, a fruição da propriedade que possui nesse estado é muito insegura, muito arriscada. Estas circunstâncias obrigam-no a abandonar uma condição que, embora livre, está cheia de temores e perigos constantes; e não é sem razão que procura de boa vontade juntar-se em sociedade com outros que estão já unidos, ou pretendem unir-se, para a mútua conservação da vida, da liberdade e dos bens a que chamo de 'propriedade'."

LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo. Trad. Anoar Aiex e E. Jacy Monteiro: Abril Cultural, 1978, cap. IX, p. 82 (Coleção "Os Pensadores").


sábado, 11 de outubro de 2014

Malala e ativista indiano ganham o Nobel da Paz

A paquistanesa e Kailash Satyarthi foram agraciados por trabalharem pela educação de crianças e jovens. Eles vão dividir o prêmio de US$ 1,5 milhão

Malala Yousafzai e Kailash Satyarthi, vencedores do Nobel da Paz
Malala Yousafzai e Kailash Satyarthi, vencedores do Nobel da Paz (Reuters/AFP/VEJA
 
A paquistanesa Malala Yousafzai e o ativista indiano Kailash Satyarthi são os vencedores do Prêmio Nobel da Paz em 2014, anunciou nesta sexta-feira o diretor-geral do Comitê Nobel, Thorbjørn Jagland. Ambos foram laureados por seus respectivos trabalhos em prol da educação. No anúncio oficial, Jagland destacou o direito universal à educação de todas as crianças. “É um pré-requisito para o desenvolvimento global e pacífico que os direitos das crianças e dos jovens sejam respeitados. Em áreas devastadas por conflitos, em particular, a violação deste direito das crianças leva à continuação da violência de geração em geração”, disse. Malala se tornou a mais jovem na história a vencer um Nobel. Antes era o australiano Lawrence Bragg, que ganhou o de Física em 1915 quando tinha 25 anos.
O comitê destacou a “grande coragem pessoal” de Satyarthi, “mantendo a tradição de Gandhi”, liderando formas de protestos e manifestações pacíficas. Sobre Malala, Jagland destacou que “apesar de sua juventude” – a jovem tem apenas 17 anos –, ela já lutou por vários anos pelo direito das meninas à educação, e tem mostrado que as crianças e jovens também podem contribuir para melhorar a sua própria situação. “Ela fez isso sob as circunstâncias mais perigosas”. O texto lido pelo diretor geral do comitê ainda ressaltou a importância de “um hindu e uma muçulmana, um indiano e um paquistanesa em participar da luta comum para a educação e contra o extremismo”. O prêmio Nobel da Paz dividido entre uma paquistanesa e um indiano ganha ainda mais relevância pela rivalidade histórica entre Índia e Paquistão. Os dois vizinhos vivem em clima de permanente tensão por causa de disputas étnicas e territoriais.

Calcula-se que existam 168 milhões de crianças trabalhadoras em todo o mundo. Em 2000, o número era de 246 milhões. “O mundo está chegando mais perto do objetivo de eliminar o trabalho infantil”, disse Jagland. “A luta contra a repressão e pelos direitos das crianças e adolescentes contribui para a realização fraternidade entre as nações que Alfred Nobel menciona em seu testamento como um dos critérios para o Prêmio Nobel da Paz”, finalizou.
Malala Yousafzai – Ainda muito jovem, a paquistanesa Malala Yousafzai tornou-se a maior voz mundial em defesa da educação feminina. Nos meses em que o Talibã dominou a região em que vivia no Paquistão, entre 2007 e 2009, as escolas para meninas receberam ordem de fechar as portas. As que não obedeceram foram dinamitadas. Por contar das suas privações em um blog e falar contra a opressão sofrida pelas mulheres em seu país, ela se tornou alvo do grupo extremista. Em outubro de 2012, um membro do Talibã disparou contra Malala no ônibus em que a menina voltava da escola. Ela sobreviveu e foi submetida a uma cirurgia na cabeça e agora vive em Birmingham, na Inglaterra, com a família. Símbolo da resistência contra o radicalismo ignorante, Malala lançou um livro em que conta a sua história, Eu Sou Malala. Escrito em parceria com a jornalista britânica Christina Lamb, a obra narra o terror da jovem e de outros adolescentes perseguidos pelo talibã.
Em VEJA 
A jovem Malala conta sua incrível história
Malala foi alvo de reconhecimento internacional e de ameaças de morte quando passou a denunciar atrocidades do Talibã há quatro anos em um blog na rede britânica BBC. Em entrevistas ela já afirmou que deseja entrar para a política para mudar seu país – e expressou seu apoio ao diálogo com os talibãs, embora tenha declarado que isso era um tema do governo. Ela vivia numa região do Paquistão, perto da fronteira com o Afeganistão, onde militantes islâmicos costumam incendiar escolas femininas e aterrorizar a população. Os pais de Malala seguem valores conservadores, comuns na região, mas repudiam a “talibanização” e encorajaram a filha a estudar (o pai era diretor da escola em que ela estudava).
Entrevista
‘A educação é o caminho para acabar com o terrorismo’, diz Malala

Apesar das ameaças, Malala reiterou seu desejo de voltar ao Paquistão. Ela foi levada para a Grã-Bretanha após o atentado e lá frequenta a escola. "O mal de nossa sociedade e de nosso país", declarou, em referência ao Paquistão, "é que sempre esperam que venha outra pessoa para consertar as coisas". Malala admitiu que a Grã-Bretanha causou em sua família uma grande impressão, "especialmente em minha mãe, porque nunca havíamos visto mulheres tão livres: vão a qualquer mercado, sozinhas, sem homens, sem os irmãos ou os pais". (Continue lendo o texto)

Fonte: http://veja.abril.com.br/noticia/mundo/malala-e-indiano-ganham-o-nobel-da-paz-por-seus-trabalhos-pela-educacao

terça-feira, 7 de outubro de 2014

A esperança, o medo e Aécio por Caio Blinder

Sem medo                                                                       Sem medo
Não sei quantas vezes eu li nas últimas semanas (desde a morte de Eduardo Campos em desastre aéreo) que a eleição brasileira era uma montanha russa. E fomos embalados por narrativas vertiginosas, eu especialmente pelo o que é veiculado no exterior. Sobre Marina Silva houve um longo e excessivo estado de deslumbramento; com a recuperação de Dilma Rousseff, tomou lugar um estado de perplexidade.
Como é que pode? Apesar da economia moribunda (li o palavrão em alguma publicação), do Petrolão (esta obscenidade) e do estilo político de Dilma (uma chanchada), a presidente parecia caminhar com uma certa tranquilidade para a reeleição (quem sabe no primeiro turno).
Mesmo no domingo cedo, quando devorei o que havia para devorar sobre Brasil na mídia global, estava sedimentada uma narrativa: os brasileiros querem mudança, mas não tanto assim. Temem perder o que cosquistaram em 12 anos de governo PT. Isto racionalizava o favoritismo de Dilma, inclusive no segundo turno, apesar de tudo.
A construção deste raciocínio estava tanto no espanhol El País como no americano The Wall Street Journal. No entanto, uma eleição com tantas surpresas surpreendeu a imprensa internacional. Aliás, surpreendeu bem além dos gringos. Querem fazer uma pesquisa Ibope ou Datafolha para confirmar isso?
Deixo às legiões de analistas (a destacar meus colegas de VEJA) a tarefa de explicar o que se passa na montanha russa eleitoral. Eu li várias análises, mas aqui vou me limitar à minha percepção de cidadão, de eleitor.
Não se trata de expressar preferência partidária (já disse que não faço isso formalmente), mas de constatar o impacto do debate eleitoral na Globo na quinta-feira. Aécio Neves transmitiu firmeza e bonomia ao mesmo tempo. De resto, era o circo dos nanicos, a avoada Marina e aquela senhora carregando um calhamaço.
Sei que um acúmulo de coisas levaram a um desfecho eleitoral surpreendente no primeiro turno (desde a maior motivação de Aécio, após uma fase de desalento, a erros dos adversários), mas naquela quinta-feira à noite, o candidato tucano selou um pacto mais sólido com os eleitores. Agora é o candidato da oposição, um candidato a mudar o estado de coisas.
E uma explicação para o título desta coluna. Na coluna anterior sobre Brasil, optei pelo título Sem Medo. em referência ao embate entre o dito cujo e a esperança (tal narrativa se inspirava no tom das campanhas de Dilme e de Marina). Not bad.
Mas, quando propagandeei a coluna no Twitter, tive uma sacada melhor (se for muito autogeneroso, eu diria premonição) e taquei Esperança, Medo e Aécio, como se o candidato tucano fosse um terceiro sentimento, uma terceira variável, a terceira via por onde o eleitorado finalmente avançaria depois de viajar por semanas na montanha russa.
Gostei tanto da foto daquela coluna, cuja legenda já era o título acima que decidi repeti-la, sem medo de que na corrida do segundo turno Dilma consiga agarrar Marina.
***
Com as eleições pátrias, a coluna está bem menos convencional. Nunca na história desta coluna se falou tanto do Brasil. Que outubro termine logo! Então, até a colher de chá será menos convencional, bem mais provinciana, mais bairrista. Este jornalista paulistano confere a colher de chá para os eleitores paulistas. Deu para entender, né?
E a pedido do Eduardo (dia 6, 14:06), uma também para os eleitores paranenses.
Pessoal, muitos pedidos cívicos de colher de chá.  São 17h35, horário de Brasilia, happy hour, colher de chá para quem achou que merece por seu voto a favor de “tirar esta gente do poder”, ok?

Fonte: http://veja.abril.com.br/blog/nova-york/eleicoes-brasil/a-esperanca-o-medo-e-aecio/

terça-feira, 20 de maio de 2014

A CONTRADIÇÃO PRINCIPAL DA NOVA ORDEM MUNDIAL

Conhecer uma sociedade não é apenas saber as suas regras explícitas. É também compreender como funciona a sua aplicação: saber quando usar e quando violar as normas, saber quando recusar uma escolha oferecida e saber quando fingir que se está a fazendo algo por livre escolha quando se trata efetivamente de uma obrigação. Considere o paradoxo, por exemplo, das “ofertas feitas para serem recusadas”. Quando sou convidado a um restaurante por um tio rico, ambos sabemos que ele cuidará da conta, mas devo mesmo assim insistir em dividi-la – imagine a minha surpresa se o meu tio simplesmente dissesse: “Ok, então, pode pagar!”
Houve um problema semelhante durante os caóticos anos pós-soviéticos do governo Yeltsin na Rússia. Embora as regras legais fossem sabidas – e eram em larga medida as mesmas que vigoravam sob a União Soviética –, desintegrou-se a complexa rede de regras implícitas, tacitamente aceites, que sustentava o edifício social. Na União Soviética, se você quisesse, digamos, um tratamento hospitalar melhor, ou um apartamento novo, se você tivesse uma reclamação sobre as autoridades, havia sido convocado ao tribunal ou queria que o seu filho fosse aceite numa escola concorrida, você sabia as regras implícitas. Sabia com quem falar ou a mão que untar, o que se podia e não se podia fazer.
Depois do colapso do poder soviético, um dos mais frustrantes aspetos do cotidiano para as pessoas comuns era que esse espaço de regras não ditas se tornou seriamente obscuro. As pessoas simplesmente não sabiam como reagir diante de regulações legais explícitas, o que podia ser ignorado, onde o suborno funcionava. (Uma das funções do crime organizado era justamente a de fornecer uma espécie de legalidade ersatz, substituta. Se você possuísse um pequeno negócio e um cliente lhe devesse dinheiro, você ia ao seu protetor da máfia para lidar com o problema, já que o sistema legal do Estado era ineficiente.)
A estabilização da sociedade sob o regime Putin deve-se em larga medida à transparência que se estabeleceu dessas regras não ditas. Agora as pessoas compreendem novamente, de modo geral, o complexo emaranhado de interações sociais.
Não chegamos ainda a este estágio no plano da política internacional. Na década de 1990, um pacto silencioso regulava a relação entre a Rússia e as grandes potências ocidentais. Os Estados ocidentais tratavam a Rússia como uma grande potência na condição de que a Rússia não agisse como uma. Mas e se o sujeito para quem a “oferta feita para ser recusada” realmente a aceitar? E se a Rússia realmente começar a agir como uma grande potência? Uma situação como essa é propriamente catastrófica, ameaçando todo o tecido de relações existente – como ocorreu há cinco anos atrás na Geórgia. Cansada de apenas ser tratada como uma superpotência, a Rússia de facto agiu como uma.
Como chegamos a isto? O “século americano” acabou, e entramos num período em que múltiplos pólos do capitalismo global se vêm formando. Nos EUA, na Europa, na China e talvez na América Latina também, sistemas capitalistas desenvolveram colorações específicas: os EUA representam o capitalismo neoliberal, a Europa o que resta do estado de bem estar social (Welfare State), a China o capitalismo autoritário e a América Latina o capitalismo populista. Com o fracasso da tentativa norte-americana de se impor como a única superpotência mundial – o polícia universal –, há agora a necessidade de estabelecer as regras de interação entre esses pólos locais no que diz respeito aos seus interesses conflituantes.
É por isso que os nossos tempos são potencialmente mais perigosos do que podem parecer. Durante a Guerra Fria, as regras de comportamento internacional eram claras, garantidas pela loucura da Destruição Mútua Assegurada (MAD) das superpotências. Quando a União Soviética violou essas regras não ditas ao invadir o Afeganistão, ela pagou caro por essa infração. A guerra do Afeganistão foi o começo do seu fim. Hoje, as novas e velhas superpotências estão a testar-se, tentando impor a sua própria versão de regras globais, experimentando com elas através de proxies (guerras por procuração) – que são, é claro, outras pequenas nações e estados.
Karl Popper certa vez elogiou o teste científico das hipóteses, dizendo que, dessa forma, permitimos que as nossas hipóteses morram em vez de nós. Nos testes de hoje, as pequenas nações se ferem no lugar das maiores – primeiro a Geórgia, agora a Ucrânia. Embora os argumentos oficiais sejam altamente morais, girando em torno de direitos humanos e liberdades, a natureza do jogo é clara. Os eventos na Ucrânia parecem algo como “a crise na Geórgia, parte II” – a próxima etapa de uma luta geopolítica por controle num mundo multipolar, não regulado.
Chegou definitivamente a hora de ensinar algumas maneiras às superpotências, velhas e novas. Mas quem vai fazer isso? Obviamente, apenas uma entidade transnacional poderá dar conta de uma tarefa como essa. Há mais de duzentos anos, Immanuel Kant viu a necessidade de uma ordem legal transnacional fundada na emergência da sociedade global. No seu projeto para a paz perpétua [Zum ewigen Frieden. Ein philosophischer Entwurf, 1795], ele escreveu:
“Avançou-se tanto no estabelecimento de uma comunidade (mais ou menos estreita) entre os povos terrestres que, como resultado, a violação do direito num ponto da terra repercute-se em todos os demais, a ideia de um Direito Cosmopolita não é uma representação fantástica nem extravagante.”
Isso, no entanto, traz-nos ao que talvez seja a “contradição principal” da nova ordem mundial (se pudermos usar esse velho termo maoista): a impossibilidade de criar uma ordem política global que corresponda à economia capitalista global. E se, por razões estruturais, e não apenas devido a limitações empíricas, não puder haver uma democracia ou um governo representativo mundial? E se a economia global de mercado não puder ser diretamente organizada como uma democracia liberal global com eleições mundiais?
Hoje, na nossa era da globalização, estamos a pagar o preço por essa “contradição principal”. Na política, fixações da era passada, e identidades particulares, étnicas, religiosas e culturais retornaram com força total. O nosso dilema hoje é definido por essa tensão: a livre circulação global de mercadorias é acompanhada por crescentes separações na esfera social. Desde a queda do Muro de Berlim e a ascensão do mercado global, novos muros começaram a emergir por toda a parte, separando os povos e as suas culturas. Talvez a própria sobrevivência da humanidade dependa da resolução dessa tensão.
Artigo de Slavoj Žižek, publicado em The Guardian, tradução de Artur Renzo, para o Blog da Boitempo.

Sobre o/a autor(a)

Filósofo e psicanalista esloveno. Professor da European Graduate School e do Instituto de Sociologia da Universidade de Ljubljana.

Trapaças e oportunismos...


segunda-feira, 19 de maio de 2014

REAÇÕES DE UMA COPA



O evento Copa do Mundo no Brasil está nos elevando à condição de sujeitos políticos, incapazes de deixarmos passar batida qualquer informação que envolva gastos públicos com estádios da copa. Nunca fomos tão fiscalizadores dos gastos públicos como agora. Até parece que a população, por conta própria, abriu uma CPI para investigar as obras superfaturadas, não só de construção dos estádios, mas principalmente de infraestrutura das sedes, que se multiplicam assustadoramente às vésperas da copa, quando se acendem as luzes do “grand” espetáculo e se apagam aquelas da indignação.
Essa saudável reação política da população com a copa não é inédita. Tivemos outras copas que também nos fizeram despertar do sono político. O brasileiro é como um jogador em campo; de repente sofre um apagão. Aí acontece um evento fortíssimo que o tira do lugar-comum, daquela sonolência absurda, e o põe numa situação de alerta total.
A reação é legítima, mas não é única. Na copa de 1970, quando fomos tricampeões mundiais de futebol, o cenário político não era dos mais agradáveis. Amargávamos uma ditadura militar sob muita tortura e repressão aos direitos políticos. A população não gozava de liberdade de expressão e era impedida de se opor ao governo Médici, que conduzia o país de forma autoritária por ser considerado um militar de “linha dura”, responsável pela tortura e morte de muitos civis. Mesmo assim, a sociedade brasileira não abriu mão de torcer, sofrer e, no final, comemorar a estupenda vitória da seleção em cima da Itália por 4 a 1. Foi um momento em que o povo, em plena crise política, exultou de alegria.
Inegavelmente, um evento copa, sobretudo quando ocorrido na sua própria casa, guarda um paradoxo sem precedentes. Por um lado, é um momento oportuno para os sanguessugas políticos e donos de empreiteiras aproveitarem os altos investimentos do governo com obras da copa para agenciar iniciativas de ordem político-eleitoral, visto estarmos em ano de eleições no Brasil. Por outro, é tempo de ficarmos ainda mais de olho no que estão fazendo com o dinheiro público e percebermos como os interesses são mesquinhos e cada vez menos coletivos. Daí, durante a copa, não pararmos de fazer a crítica.
O governo aproveita a copa para fazer propaganda eleitoral, responder a oposição na direção de que o país está avançando na economia, oferecendo empregos e melhorando a qualidade de vida, porém o povo também não fica atrás e aproveita para reclamar dos serviços públicos, cobrar de seus governantes o que muito ainda está por fazer na educação, na saúde, segurança e combate à corrupção com reformas políticas.
Infelizmente não correspondemos aos efeitos de um evento copa. Podíamos ter investido muito mais em mobilidade urbana, metrôs, outros meios de transportes, ampliação de aeroportos, modernização das cidades, turismo, etc. Tudo o que a imprensa vem falando faz sentido, embora seja agenciada também por interesses de ordem política e econômica. Por trás dela há muita gente influente.
Parece que só o futebol produz esse duplo movimento: reações contra e a favor da copa. Os que dizem não à copa são movidos por um sentimento politicamente correto de que é preciso não baixar a guarda e gritar as injustiças mesmo durante os jogos, certamente não se envolverão com os jogos, não torcerão. Os que são a favor, e esta é uma maioria afirmativa, irão procurar vivê-la de qualquer modo, com ou sem indignação, com ou sem senso do ridículo. Além disso, o que se espera de um país democrático é que as reações sejam pacíficas e ordeiras.
Para experimentar, de fato, a Copa do Mundo aqui no Brasil com todas as suas demandas é interessante considerar o que disse o escritor colombiano, Gabriel Garcia Márquez, num texto seu chamado “El juramento”, onde descreve a sensação de ter virado torcedor de um time de futebol: “O primeiro instante de lucidez em que me dei conta de que tinha virado um torcedor intempestivo foi quando percebi que durante toda a minha vida eu tive algo do qual sempre me orgulhei e que agora me incomodava: o senso do ridículo”.
Vale a dica: envolver-se com a copa implica desvencilhar-se do senso do ridículo.
Boa copa a todos.

Prof. Jackislandy Meira de M. Silva
Bel. e Licenciado em Filosofia, Bel. em Teologia, Esp. em Metafísica e em Estudos Clássicos


      



terça-feira, 13 de maio de 2014

segunda-feira, 28 de abril de 2014

A ATITUDE QUE COMOVEU O MUNDO

O jogador brasileiro que atua pelo Barcelona, Daniel Alves, ironizou com estilo o horroroso ato de racismo, numa atitude de comer a banana jogada em campo de jogo. De modo sarcástico e humorístico, Daniel passa para o mundo, em contexto de copa, a mensagem urgente de que precisamos combater o racismo com inteligência. Sem falar uma palavra, ele o fez dignamente. Somos maiores que o racismo.  

Reação ao racismo no futebol

A 45 dias da Copa do mundo no Brasil, vivemos uma onda muito negativa de atos de racismo em estádios de futebol. Lamentável o que vimos acontecer com Daniel Alves na Espanha. Casos como este devem ser extirpados de qualquer atividade esportiva. Segundo Neymar Jr., que saiu em defesa de seu amigo, #somostodosmacacos Precisamos reagir ao racismo.


sexta-feira, 25 de abril de 2014

ESCOLAS RECORREM A "GAMBIARRAS"


São Paulo (AE) - Mais da metade dos professores do País não possui habilitação para dar aulas nas disciplinas que lecionam nos últimos anos da educação básica. É o que mostra um levantamento da ONG Todos pela Educação para o Observatório do PNE (Plano Nacional da Educação), com dados do Censo Escolar de 2013. Nos anos finais do ensino fundamental (6º ao 9º ano) o índice chega a 67,5% e, no ensino médio, a 51,7%. Os números revelam que um em cada cinco (21,5%) professores que atuam nos anos finais do ensino fundamental não tem curso superior. Esse número cai, no ensino médio, para 4,7%. Já o porcentual de professores com ensino superior, mas sem licenciatura nenhuma, é de 35,4% nos anos finais do ensino fundamental e 22,1% no ensino médio.

No ensino fundamental, Artes (92,3%) e Filosofia (90%) são as disciplinas em que há mais professores sem licenciatura na área. Já em Língua Portuguesa, que é a matéria que tem o melhor índice de professores habilitados, mais da metade dos professores não têm licenciatura na área: 53,3% contra 46,7% que têm.

Só no Nordeste o número de professores sem licenciatura para lecionar as disciplinas em que dão aula nos anos finais do ensino fundamental chega a 82,4%; no Norte é de 81,9%; Centro Oeste, 64,3%; no Sul, 49%; e no Sudeste, 47,1%. O Estado com o pior índice é o Acre, onde 89,9% dos professores não têm licenciatura na área em que atuam.

Já no ensino médio, as disciplinas em que há mais professores sem licenciatura na área são Física (80,8%) e Filosofia (78,8%). Os Estados com mais professores sem habilitação na disciplina em que lecionam são Bahia (89,3%), Mato Grosso (81,9%) e Acre (69%) Nordeste lidera por regiões do País (66%), seguido de Centro-Oeste (60,5%) e Norte (55%). Sudeste tem 42% e Sul, 41,9%.

O levantamento considera que professores com formação na disciplina em que atuam são aqueles cuja formação superior é em licenciatura na mesma matéria da disciplina. Para professores de Artes, considera-se aqueles formados em Educação Artística, Artes Visuais, Dança, Música ou Teatro. Para professores de Ciências, considera-se os professores formados em Ciências Naturais, Ciências Biológicas, Física ou Química.

DIÁRIO DE CLASSE
Professor com Licenciatura na área em que atua (%)

ENSINO FUNDAMENTAL
Matemática          35,9
Português            46,7
História               31,6
Geografia            28,1
Ciências              34,2
Filosofia              10,0
Educação Física    37,7
Artes                   7,7

ENSINO MÉDIO
Português                73,2
Educação Física        64,7
Matemática              63,4
História                   58,1
Geografia                56,8
Biologia                    51,6
Língua estrangeira    44,2
Química                   33,7
Filosofia                   21,2
Física                      19,2
Artes                      14,9

Fonte:  http://tribunadonorte.com.br/news.php?not_id=279975

quarta-feira, 16 de abril de 2014

Jesus, um homem da periferia


Diferente do que aponta radicalmente a tradição sobre a figura fascinante de Jesus; sem muita teologia; sem tantos adornos majestosos, fantásticos; entretanto, resgatar a referência de Jesus como um homem da periferia implica reter em sua história um contexto que lhe é próprio, modesto, mas que lhe fora negado por séculos. Somente agora nos últimos vinte ou trinta anos estamos reconstruindo um modo novo de revisitar os textos bíblicos à luz da historiografia em diálogo com a Arqueologia.
Trata-se, na verdade, de redescobrir em nossa vida o Jesus histórico. Do contrário, parece que legamos um cristianismo extremamente ideológico, moralista e autoritário sem abertura para o diferente de si, porém sistemático, fechado num esquema de autodefesa ortodoxa de algumas instituições religiosas que nos impedem de pensar um Jesus humano, trabalhador, atrelado à sua terra, aos seus valores e pronto a confrontar as estruturas econômicas, políticas, culturais e religiosas de sua época.
Os últimos estudos históricos de Jesus afirmam que era um homem do séc. I EC, um galileu situado numa região geograficamente delimitada na Palestina, sendo a Galileia este lugar no extremo norte dessa região, muito próxima às fronteiras explosivas de conflito em contato com outros impérios. É oportuno distinguir aqui um judeu nascido em Nazaré da Galileia de outro judeu nascido em Jerusalém da Judeia, visto serem duas regiões muito diferentes; de matrizes geográficas, econômicas, políticas e culturais muito diversas. Porque Nazaré encontra-se situada na periferia da Galileia e esta, por sua vez, na periferia da Palestina e do Império Romano, Jesus é historicamente um homem da periferia.
A partir dessa reflexão que ora fazemos, precisamos continuar avançando e reelaborando conceitos e valores. O que a tradição cristã elaborou sobre o Jesus “revelado” nos Evangelhos durante mais de dois mil anos se cristalizou em nossas cabeças pensantes, de tal modo que nos fez distanciar da tamanha riqueza de informações das origens de Jesus e do tipo de judaísmo que ele retinha. Ficamos refém de um discurso dogmático ou ortodoxo sobre Jesus por muito tempo, ao ponto de não nos interessarmos tanto por esse assunto.
Pressupondo que Jesus é basicamente um homem da periferia, mais precisamente um camponês de origens extremamente pobres, somando-se a isso o fato de ser carpinteiro, mas não um carpinteiro que tinha casa, um lugar para trabalhar, terras para cultivar, é possível pensá-lo de um contexto simples, concreto; de homens comuns. Embora a carpintaria na época fosse um ofício de “status” social, a de Jesus era diferente porque “as raposas têm tocas e as aves do céu, ninhos; mas o filho do homem não tem onde reclinar a cabeça” (Mt 8.20). No caso de Jesus, o trabalho de carpinteiro era inferior ao do camponês, pois fazia ferramentas para a manutenção do campesinato. Não tendo nada, Jesus precisava andar, sair, migrar para outros lugares à procura de casas para construir. Provavelmente, devia ser um construtor em constante caminhar, pronto para trabalhar; um reino a desbravar.
Se nos deixarmos guiar por essa ideia catalisadora de um Jesus da periferia, veremos claramente seu projeto de salvação a caminho para a cruz e configurando-se como modelo para toda a humanidade. Ao pegarmos os movimentos, as ações e palavras de Jesus nos textos que nos alcançaram, certamente entenderemos a preocupação de Jesus com os mais pobres, doentes e excluídos. E somente quando recuperamos a figura histórica de Jesus como um camponês da periferia, carpinteiro ou artesão, de Nazaré da Galileia que andou e pregou para muita gente é que, de fato, conseguimos ver a autenticidade e a coerência de seu discurso político, econômico, ético, religioso e cultural.
Lembremos: “Mostrai-me um denário. De quem traz a imagem e a inscrição? Responderam: De César. Ele disse então: Devolvei, pois, o que é de César a César, e o que é de Deus a Deus” (Lc 20. 24-25); “Em verdade vos digo que um rico dificilmente entrará no Reino dos Céus. E vos digo ainda: é mais fácil um camelo entrar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus” (Mt 19. 23-24); “Tudo aquilo, portanto, que quereis que os homens vos façam, fazei-o vós a eles, pois esta é a Lei e os Profetas” (Mt 7. 12); “Destruí este templo, e em três dias eu o levantarei” (Jo 2. 19); “Uma mulher da Samaria chegou para tirar água. Jesus lhe disse: Dá-me de beber!(...) Diz-lhe então a Samaritana: Como, sendo judeu, tu me pedes de beber, a mim que sou samaritana?” (Jo 4. 7-8).
Especialmente nesta semana santa, possamos reconstruir uma imagem diferente e inovadora de um Jesus que experimenta a vasta onda do helenismo de seu tempo; um Jesus que coexiste com o judaísmo e com toda a cultura Greco-macedônica; um Jesus inserido em seu contexto histórico-cultural bastante diverso e plural; um Jesus que nasceu judeu, viveu judeu e morreu judeu. Mas tudo que conhecemos de Jesus está em grego, porém só falou aramaico, provavelmente não leria nada do que fora escrito sobre ele. Esse Jesus, fonte das pesquisas recentes da História, da Antropologia e da Arqueologia desconstrói toda aquela grandeza de um Jesus quase intocável, herdeiro de um discurso glorioso, mágico e fabuloso de algumas culturas religiosas.

Prof. Jackislandy Meira de M. Silva
Bel. e Licenciado em Filosofia, Bel. em Teologia, Esp. em Metafísica e em Estudos Clássicos



segunda-feira, 31 de março de 2014

O golpe


A eterna transição

A reflexão a respeito dos 50 anos do golpe de 64 começou. E estão demonstrados com clareza os malefícios da transição à brasileira. Sua maior característica é o fato de ela nunca acabar. Vende-se a falsa versão de que o Brasil seria um país de reconciliação fácil, capaz de mobilizar todos os setores da sociedade para uma superação de traumas passados. Na verdade, somos uma nação onde os traumas nunca são superados, pois eles sequer são nomeados. Dessa forma, somos obrigados a conviver com fantasmas que parecem sair do nada, mas são, na verdade, a expressão de visões que nunca morreram de fato.
Há pouco, o jornal O Estado de S. Paulo decidiu publicar um artigo do general Rômulo Bini Pereira a respeito da grandeza do que esse senhor chama de “Revolução de 64”. Não consigo imaginar nenhuma nação do mundo na qual cidadãos sofreriam o insulto de ver um militar criticar governos democráticos e elogiar ditaduras, sem passar por nada minimamente parecido a um mea culpa a respeito de seus crimes e do fato de a ditadura ter instalado no Brasil um Estado ilegal comandado por bandidos. Na Argentina, no Chile, no Uruguai ou Espanha, seria inimaginável. Um senhor como este, mesmo na reserva, seria destituído de suas patentes e processado por apologia do crime contra o Estado democrático. O Exército emitiria nota para deixar claro seu repúdio a tal opinião. Mas estamos no Brasil e aqui elogiar nosso período ditatorial, com seus assassinos e torturadores, é tratado como um “direito de opinião”.
É de se admirar ainda que uma empresa de comunicação que participou ativamente do golpe e que o defendeu até a última hora, principalmente por meio de editoriais nos quais criticava movimentos democráticos como as Diretas Já, não tenha sensibilidade para evitar esse constrangimento.
Ainda no quesito “o passado nunca passa”, há pouco os correntistas do Banco Itaú receberam uma agenda na qual o dia 31 de março estava marcado como “aniversário da revolução de 64”. Não custa lembrar: Olavo Setubal, fundador da instituição financeira, por suas boas relações com o regime, foi prefeito biônico de São Paulo. Se o governo brasileiro tivesse exposto com clareza os vínculos do empresariado nacional com a ditadura, vínculos que chegaram ao incrível financiamento de casas de tortura, certamente bancos, empresas e construtoras teriam feito pedidos públicos de desculpas e aplicado políticas de controle para impedir que afrontas como essa ocorressem.
Tudo isso demonstra quão falsa é a história de a ditadura brasileira ser um assunto encerrado. O que poderíamos esperar de um país no qual nenhum torturador, absolutamente nenhum, foi preso ou simplesmente julgado? O Brasil não pode continuar a farsa da reconciliação nacional sem que as Forças Armadas mostrem minimamente terem entendido o que fizeram e ofereçam publicamente um pedido de perdão à população brasileira por terem destruído nossa democracia. Enquanto isso não ocorrer, elas serão vistas por vários setores da sociedade brasileira como um corpo estranho, uma corporação pronta a desordenar, mais uma vez, a nação por meio da força e do arbítrio.
A mesma exigência vale, e com urgência parecida, para a classe empresarial brasileira. Basta de o empresariado nacional fingir não ter sido o elemento propulsor da ditadura, com relações de simbiose com o governo. De não ter herdado e manter de pé até os dias atuais práticas de corrupção do poder público. E de não estimular preconceitos que vez por outra explodem de maneira aparentemente irracional. O que se espera deste momento de reflexão a respeito dos 50 anos do golpe é, ao menos, o fim dessa prática medonha de nunca colocar claramente como objetos de repúdio público aqueles que destruíram não apenas 20 anos da história brasileira, mas contribuíram para um presente ainda assombrado pelos piores fantasmas. O Brasil merece Forças Armadas defensoras da democracia, não um clube dedicado a abrigar os defensores de estupradores, torturadores, assassinos e ocultadores de cadáveres.

Por Vladimir Safatle in http://www.cartacapital.com.br/politica/a-eterna-transicao-7263.html

quinta-feira, 27 de março de 2014

A mancha da corrupção

Os governos, ditos democráticos, precisam preservar e fortalecer nossas instituições, torná-las cada vez mais imparciais, neutralizando as suspeitas de corrupção.

segunda-feira, 10 de março de 2014

PARADA NACIONAL PELA EDUCAÇÃO

A CNTE convoca mobilização nacional para os dias 17, 18 e 19 de março. Trabalhadores em educação vão parar o Brasil para exigir o cumprimento da lei do piso, carreira e jornada, investimento dos royalties de petróleo na valorização da categoria, votação imediata do Plano Nacional de Educação, destinação de 10% do PIB para a educação pública e contra a proposta dos governadores e o INPC. 
Assista ao vídeo:

CAI O NÚMERO DE MATRÍCULAS NO ENSINO MÉDIO

O Censo da Educação Básica, divulgado nesta terça-feira pelo Ministério da Educação (MEC), mostrou que o País ainda não conseguiu avançar na barreira em que se transformou o ensino médio. Enquanto a queda constante no número de alunos do fundamental é causada por bons motivos - maior aprovação e um fluxo mais regular -, esses mesmos estudantes que terminam o 9.º ano não chegam ao ensino médio e o número de matrículas nessa etapa caiu.
No ano passado, 8,312 milhões de alunos frequentaram o ensino médio no País. É o menor número desde 2007 e quase 1% menor do que o registrado em 2012, quando 8,376 milhões de alunos estavam matriculados. Cerca de 1,5 milhão de jovens de 15 a 17 anos deveriam estar no ensino médio, mas estão fora da escola - o que demonstra a necessidade de expansão das matrículas nessa etapa do ensino.
O presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), Francisco Soares, afirmou que o ensino médio é o gargalo da educação. "O ensino médio é um problema histórico, mas que está mudando. As taxas de aprovação, principalmente no primeiro ano, estão em torno de 70%."
Nos níveis iniciais de educação, o País pode comemorar. Ao mesmo tempo que aumenta o número de crianças em creches e na pré-escola, caiu a reprovação no ensino fundamental. Em seis anos, são menos 3 milhões de alunos no fundamental, com uma evasão de apenas 2,7% em 2012 - a metade da registrada em 2007.
"É considerada uma queda boa porque temos, de um lado, um movimento demográfico (menor número de nascimentos), melhor desempenho do aluno e uma menor retenção no sistema", disse o ministro da Educação, Henrique Paim.
O movimento desses alunos, no entanto, deveria ter levado a um crescimento de matrículas no ensino médio, o que não aconteceu. Os dados de evasão e repetência de 2013 só ficarão prontos no meio deste ano.
Integral. Uma das boas notícias do censo é o crescimento do número de alunos do ensino fundamental matriculados em escolas de tempo integral - com mínimo de sete horas. Desde 2010, o aumento foi de 139%, chegando a 3,1 milhões de alunos. O número ainda representa apenas 10,9% dos estudantes do ensino fundamental.
Paim garante que a meta do Plano Nacional de Educação (PNE), de atender 25% dos alunos na modalidade, é factível.
Apesar do avanço, os índices de cada Estado são diferentes. Em Alagoas, apenas 0,36% das matrículas do ensino fundamental é de tempo integral - contra 26% de Tocantins. "O tempo integral é fundamental na nossa priorização dos recursos", disse a secretária estadual de Educação de Tocantins, Adriana Aguiar.
No Estado de São Paulo, o ensino integral atende 115 mil alunos. Na Escola Estadual Alexandre Von Humboldt, zona oeste da capital, o ensino articula o currículo tradicional, disciplinas eletivas e grupos de estudos temáticos. "É cansativo, mas é prazeroso. Sinto que estamos aprendendo algo útil", diz a aluna Mylena Souza, de 16 anos.
Contando as redes particular e pública, São Paulo tem o maior número de alunos em tempo integral. No entanto, como concentra o maior número de alunos, os 339 mil estudantes representam 6,02%, a segunda pior marca do País, abaixo da média nacional. / COLABOROU PAULO SALDAÑA


Fonte: http://www.estadao.com.br/noticias/cidades,cai-o-numero-de-matriculas-no-ensino-medio,1134594,0.htm

QUEM FLERTA MAIS?


POR QUE FALAR É VIVER?

Nei Alberto Pies

“A quem mais amamos, menos sabemos falar”
(Provérbio inglês)
           Todo tipo e forma de discriminação, além de ser um problema pessoal de quem os sofre, é também um problema social.  A gagueira, como outros tantos limites humanos, deixa marcas e imprime jeitos de resistir para sobreviver socialmente. Como eu, pelo menos 1.700.000 pessoas em todo o nosso país apresenta algum grau de gagueira na sua comunicação, conforme dados do Instituto Brasileiro de Fluência. A gagueira ganhou também um dia internacional: dia 22 de outubro.
A fala é o meio mais eficaz e mais utilizado para a nossa comunicação e interação social, porém não a única. Esta é a maior descoberta para alcançarmos reconhecimento social, através da comunicação. Se não falamos fluentemente ou temos algum grau de timidez, arranjamos jeitos de ser reconhecidos e valorizados socialmente por alguma outra habilidade ou virtude. Se não somos “experts” na fala, podemos ser bons na escrita, no canto, na representação, no estudo, na convivência ou nas relações. A qualidade da nossa comunicação depende da interação de todos, inclusive do apoio e compreensão que temos de dar àqueles que sofrem para se comunicar.
O ser humano é especialista na arte de compensar. Sem compensar não sobreviveria, porque se não é possível ser bom em tudo, é necessário ser bom e útil em alguma coisa. Por isso a gente se faz “agarrando-se” ao que tem de bom, àquilo que tem facilidade e àquilo que nos renda reconhecimento dos outros. A gente inventa e re-inventa jeitos e trejeitos para ser querido, amado e promovido pelos outros. O reconhecimento social é uma das maiores necessidades humanas, pois ninguém sobrevive se não comprovar para si mesmo o quanto é útil, importante, querido e estimado pelos outros.
O resgate da auto-estima e a auto-aceitação são preponderantes para a cura ou convivência com a gagueira. A gagueira é influenciada por fatores neurobiológicos ou emocionais. Conhecer-se, estudar o seu problema, procurar auxílio e terapias, aumenta as possibilidades de conviver socialmente, sem maiores traumas. É fundamental, ainda, assumir publicamente os limites da fala e da comunicação sempre que se puder. Assumir os limites da fala propicia discernimento e tranqüilidade interior para lidar com os desafios de se comunicar melhor. Quem fala se liberta!
Falar é a forma mais concreta de nos apresentar ao mundo. Por isso mesmo, falar pressupõe primeiro aceitar-se como se é para depois buscar o reconhecimento junto aos outros. A felicidade de “seres humanos falantes” alicerça-se tanto nos fracassos e limites como nos êxitos e nas conquistas, pessoais e coletivos. Uma boa convivência social pressupõe a aceitação de todos os limites humanos e a superação de todas as formas de discriminação.

Nei Alberto Pies
Professor e ativista de direitos humanos. - pies.neialberto@gmail.com

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