"Essa concepção, de que só pode ser livre quem está disposto a arriscar sua vida, nunca mais desapareceu de todo de nossa consciência; o mesmo vale para a ligação entre a coisa política e perigo e risco. A coragem é a mais antiga das virtudes políticas e ainda hoje pertence às poucas virtudes cardeais da política, porque só podemos chegar no mundo público comum a todos nós — que, no fundo, é o espaço político — se nos distanciarmos de nossa existência privada e da conexão familiar com a qual nossa vida está ligada. Aliás, o espaço no qual entravam aqueles que ousavam ultrapassar a soleira da casa já deixou de ser, em nossa época, um âmbito de grandes empreendimentos e aventuras, no qual o homem só podia entrar e no qual só podia esperar sair vitorioso se se ligasse a outros que eram seus iguais. Além disso, é verdade que surge no mundo aberto para os corajosos, os aventureiros e os ávidos por empreendimento uma espécie de espaço público, mas ainda não-político no verdadeiro sentido. Torna-se público esse espaço no qual avançam os ávidos por façanhas, porque eles estão entre seus iguais e se podem conceder aquele ver, ouvir e admirar o feito, cuja tradição vai fazer com que o poeta e o contador de histórias mais tarde possam assegurar-lhes a glória para a posteridade. Ao contrário do que acontece na vida privada e na família, no recolhimento das quatro paredes, aqui tudo aparece naquela luz que só pode ser criada em público, o que quer dizer na presença de outros. Mas essa luz, condição prévia de toda manifestação real, é enganadora enquanto for apenas pública e não-política. O espaço público da aventura e do empreendimento desaparece assim que tudo chega a seu fim, logo que dissolvido o acampamento do exército e os 'heróis' — que em Homero nada mais significam que os homens livres — retornam para suas casas. Esse espaço público só se torna político quando assegurado numa cidade, quer dizer, quando ligado a um lugar palpável que possa sobreviver tanto aos feitos memoráveis quanto aos nomes dos memoráveis autores, e possa ser transmitido à posterioridade na seqüência das gerações. Essa cidade a oferecer aos homens mortais e a seus feitos e palavras passageiros um lugar duradouro constitui a polis — que é política e, desse modo, diferente de outros povoamentos (para os quais os gregos tinham uma palavra específica), porque originalmente só foi construída em torno do espaço público, em torno da praça do mercado, na qual os livres e iguais podiam encontrar-se a qualquer hora"
In ARENDT, Hannah. O que é política. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, p. 20. 2002.
Mostrando postagens com marcador Hannah Arendt. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Hannah Arendt. Mostrar todas as postagens
terça-feira, 14 de outubro de 2014
quinta-feira, 24 de janeiro de 2013
Filme ‘Hannah Arendt’ retrata polêmica filósofa alemã
Depois de levar às telas Rosa Luxemburg e Hildegard von Bingen, cineasta Margarethe von Trotta aborda a pensadora judia teuto-americana em sua confrontação com o criminoso nazista Adolf Eichmann. Foto: Divulgação
A tese da “banalidade do mal” tornou Hannah Arendt famosa. A filósofa judia nascida na Alemanha abandonou o país em 1933, devido ao avanço do antissemitismo. Como repórter, viajou em 1961 a Jerusalém, para assistir ao processo contra o nazista Adolf Eichmann.
Na posição de obersturmbannführer (equivalente a tenente-coronel) da SS – organização policial-militar do partido nazista – ele organizara a expulsão, deportação e extermínio dos judeus europeus. O ainda jovem Estado de Israel o sequestrara para fora da Argentina, numa operação espetacular. Como a maioria dos espectadores, Arendt esperava encontrar no tribunal um monstro humano, através do qual o mal se manifestava.
No entanto, se deparou com um burocrata, um criminoso de escrivaninha, cuja banalidade a surpreendeu. As reportagens que escreveu da sala do tribunal foram objetivas, frias e perturbadoras. Os críticos a acusaram de indiretamente fazer das vítimas corresponsáveis ao dizer que teriam se comportado de maneira excessivamente passiva ou até cooperativa.
Na “desdemonização” de Eichmann feita por Arendt, muitos observadores viram uma minimização da periculosidade do réu. Na verdade, ela argumentava como a filósofa, a pensadora que foi durante toda a vida. Seu modo de ver o mundo gerou controvérsia, fazendo com que até mesmo amigos e companheiros se afastassem.
É justamente essa controvérsia que compõe o núcleo do filme Hannah Arendt, de 2012. A cineasta Margarethe von Trotta criou uma obra sensata e equilibrada. A atriz Barbara Sukowa incorpora o papel principal com alto grau de concentração. A era do pós-guerra e o clima entre imigrantes alemães e judeus em Nova York são capturados com precisão.
Por que as teses de Arendt chocaram a opinião pública e sobretudo os intelectuais de 50 anos atrás a tal ponto? Von Trotta atribui isso à maneira, então muito difundida, como diversos observadores judeus do processo mostravam sua dor e luto abertamente. Isso era algo que a filósofa teuto-americana não fazia. “Arendt não expressava sua dor, coisa que as pessoas não entendiam. Para ela, isso seria uma falta de compostura”, argumenta a diretora.
Importância de Heidegger
Nascida em 1906, Arendt cresceu num lar judaico secular. Ainda moça, foi estudar Filosofia e conheceu o filósofo alemão Martin Heidegger, cujas aulas eram disputadas sobretudo pelos estudantes mais jovens.
O filme que leva o nome da filósofa e se desenrola principalmente na década de 1960 dá destaque ao grande pensador Heidegger, por meio de breves flashbacks. Para Von Trotta, um ponto importante. “Ele lhe ensinou, de fato, como pensar. Ela própria disse: ‘Pensar pode salvar a pessoa das opções erradas e das catástrofes’. Heidegger tinha que estar no filme. Não como amante, mas sim como alguém que a ensinou a pensar.”
A produção Hannah Arendt apenas sugere que houve uma breve e apaixonada relação amorosa entre os dois filósofos. De um modo geral, a diretora evitou abordar os diversos estágios da vida de Arendt – como gostam de fazer os norte-americanos em seus filmes biográficos, os chamados biopics. Em vez disso, preferiu enfocar uma época essencial da vida da protagonista.
Duas decisões artísticas de Von Trotta tornam o filme especialmente consistente. A atriz Barbara Sukowa fala inglês diversas vezes, com forte sotaque alemão, como fazia Arendt. Curioso é que a alemã vive há mais de 20 anos em Nova York e teve que treinar esse sotaque. Essa opção consciente pelo bilinguismo é vantajosa para o retrato cinematográfico.
A segunda decisão importante foi a de não colocar um ator no papel de Adolf Eichmann, mas sim mostrá-lo exclusivamente em sequências originais da época. Para tal, Von Trotta recorreu a tomadas que já haviam sido utilizadas pelo cineasta franco-israelense Eyal Sivan em seu Un spécialiste, portrait d’un criminel moderne, de 1999.
A cineasta alemã já conhecia esse documentário bem antes de qualquer plano para um filme de ficção sobre Arendt e o processo contra o criminoso nazista. “Para mim, a confrontação com Eichmann foi muito importante. Por isso, não peguei nenhum ator, mas sim incluí o verdadeiro Eichmann. Eichmann, o irrefletido: ele não faz uso do dom de pensar.”
Outro motivo para a decisão foi evitar que o público se concentrasse no desempenho do ator e não percebesse o que a filósofa viu na época: um criminoso assustadoramente banal, que sempre tentou se projetar como mero executor de ordens.
Como retratar uma pensadora?
Durante os preparativos para a produção Rosentrasse, de 2003, Von Trotta teve pela primeira vez a oportunidade de se ocupar de forma mais detalhada com Arendt. O filme aborda um caso isolado de coragem civil, em que as esposas de judeus presos conseguiram forçar os nazistas a ceder, através de protestos continuados. Em suas pesquisas, a diretora deparou-se com textos da filósofa teuto-americana.
Von Trotta conta que, de início, não estava muito convencida quanto à ideia de filmar momentos da vida de Arendt. Com outras mulheres famosas que colocou na tela, fora diferente: o interesse por Rosa Luxemburg ou Hildegard von Bingen existiu desde o início.
Quando um produtor amigo propôs que ela fizesse um filme sobre Arendt, sua primeira reação foi recuar. “Como descrever uma filósofa?”, pensou. Só muito lentamente estabeleceu-se uma relação mais próxima com essa mulher fora do comum, que tantas vezes escandalizou e provocou.
Aonde o vento leva
Arendt passou boa parte de sua vida fora da Alemanha, embora não tenha abandonado a terra natal voluntariamente. Aqui, Von Trotta identifica paralelos consigo mesma, que viveu longo tempo em Roma e reside em Paris há vários anos.
Arendt passou boa parte de sua vida fora da Alemanha, embora não tenha abandonado a terra natal voluntariamente. Aqui, Von Trotta identifica paralelos consigo mesma, que viveu longo tempo em Roma e reside em Paris há vários anos.
“Eu mesmo fui apátrida durante muito tempo. Nasci em Berlim e durante anos só tinha um passaporte de viagem.” Somente após seu primeiro casamento, a cineasta obteve também documentos alemães.
Von Trotta sente-se ligada à Arendt nesse aspecto, o de “poder viver aonde o vento a leva, por não ser tão apegada ao próprio país”. Mas a diretora também reconhece um aspecto contraditório nessa relação com a filósofa: “Não me sinto parte, mas quero compreender”.
Por si, a matéria já anuncia o que poderá fruir dos nossos sentidos ao assistirmos a um filme tão impactante pelo conteúdo e certamente pela história de conhecimentos e descobertas da filósofa Hanna Arendt. Sem dúvida, o filme nos guarda belíssimas surpresas!
terça-feira, 6 de novembro de 2012
'Ser e Tempo', de Martin Heidegger, é tema de debate
Reprodução
O filósofo alemão Martin Heidegger
O caderno Sabático, do jornal O Estado de S. Paulo, a Editora Unicamp e a Livraria da Vila promovem nesta terça-feira, 6, o lançamento do livro Ser e Tempo, do filósofo alemão Martin Heidegger (1889- 1976) com um debate do qual participam o tradutor Fausto Castilho, o editor Rinaldo Gama, do Sabático, e o repórter especial Antonio Gonçalves Filho.
O tratado Ser e Tempo, que chega em tradução bilíngue (coedição Editora Unicamp e Vozes), é parte do conjunto das grandes obras filosóficas do século 20. Mesmo inacabado, não impediu Heidegger "que viesse a tratar fora do plano de um tratado, como escrito avulso, muitos dentre os temas que constariam da segunda parte não redigida", como bem explica Fausto Castilho, que foi aluno do próprio Heidegger, de Merleau-Ponty, Piaget e Bachelard.
A obra trata da questão do Dasein. Heidegger pretende repropor a chamada questão-do-ser já formulada pelos gregos. Nessa obra, a interrogação é formulada a partir da análise ontológica de um ente "exemplar", que tem por isso a função de ontologia fundamental. Esse ente exemplar é denominado por Heidegger de Dasein. É, portanto, a velha questão grega, o que é o ser?, que o filósofo crê ter sido feita incorretamente ao longo da história da filosofia. Em sua ontologia, propõe-se a diferenciar ser de ente - levando em conta a questão da temporalidade - para , então , recolocar de forma correta a pergunta radical de Leibniz (1646-1716): "Por que há algo em vez de nada?" A obra traz ainda reflexões sobre a angústia, a morte e a técnica, tendo influenciado o pensamento de filósofos como Jean-Paul Sartre, Hannah Arendt e Paul Ricoeur.
Herdeiro intelectual de Franz Brentano (1838-1917) e Edmund Husserl (1859-1938), que vinham à esteira do renascimento aristotélico promovido por Adolf Trendelemburg(1802-1872), Heidegger, lembra Castilho, "preconiza desde cedo uma interpretação original de Aristóteles em sua tese por muito tempo conhecida como Relatório Natorp, que lhe valeu em 1923 a nomeação como professor extraordinário em Marburgo".
O dilema entre "tecnofilia" e "tecnofobia" e as desilusões quanto ao caráter da ciência como uma panaceia universal haviam sido tratadas pelo aluno de Brentano, Edmund Husserl - por sua vez professor de Heidegger- em Krisis, espécie de manifesto contra a corrosão dos valores pela técnica. Crise, aliás, preconizada por Nietzsche.
Sobre essas influências, Castilho observa que "a de Husserl sobre Heidegger é mais do que ostensiva", não ocorrendo o mesmo no caso de Nietzsche, "já que essa relação direta e mais intensa com ele só acontece tardiamente, entre 1936 e 1940, durante a guerra e no momento preciso em que os nazistas procuram conferir àquele autor a condição de ideólogo preferencial do nazismo." Por sua vez "não é de modo algum clara qual seja a parte que Nietzsche pode ter tido na elaboração dos conceitos próprios de Heidegger, antes, e depois de Ser e Tempo".
SER E TEMPO
Livraria da Vila (Rua Fradique Coutinho, 915). Tel. (011) 3814-5811. Lançamento e debate terça, 06, às 18h30.
Fonte: http://www.estadao.com.br/noticias/arteelazer,ser-e-tempo-de-martin-heidegger-e-tema-de-debate,955875,0.htm
Assinar:
Postagens (Atom)
Fotos no Facebook
Mostrando postagens com marcador Hannah Arendt. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Hannah Arendt. Mostrar todas as postagens
terça-feira, 14 de outubro de 2014
Política como espaço público - 108º Aniversário de Hannah Arendt
"Essa concepção, de que só pode ser livre quem está disposto a arriscar sua vida, nunca mais desapareceu de todo de nossa consciência; o mesmo vale para a ligação entre a coisa política e perigo e risco. A coragem é a mais antiga das virtudes políticas e ainda hoje pertence às poucas virtudes cardeais da política, porque só podemos chegar no mundo público comum a todos nós — que, no fundo, é o espaço político — se nos distanciarmos de nossa existência privada e da conexão familiar com a qual nossa vida está ligada. Aliás, o espaço no qual entravam aqueles que ousavam ultrapassar a soleira da casa já deixou de ser, em nossa época, um âmbito de grandes empreendimentos e aventuras, no qual o homem só podia entrar e no qual só podia esperar sair vitorioso se se ligasse a outros que eram seus iguais. Além disso, é verdade que surge no mundo aberto para os corajosos, os aventureiros e os ávidos por empreendimento uma espécie de espaço público, mas ainda não-político no verdadeiro sentido. Torna-se público esse espaço no qual avançam os ávidos por façanhas, porque eles estão entre seus iguais e se podem conceder aquele ver, ouvir e admirar o feito, cuja tradição vai fazer com que o poeta e o contador de histórias mais tarde possam assegurar-lhes a glória para a posteridade. Ao contrário do que acontece na vida privada e na família, no recolhimento das quatro paredes, aqui tudo aparece naquela luz que só pode ser criada em público, o que quer dizer na presença de outros. Mas essa luz, condição prévia de toda manifestação real, é enganadora enquanto for apenas pública e não-política. O espaço público da aventura e do empreendimento desaparece assim que tudo chega a seu fim, logo que dissolvido o acampamento do exército e os 'heróis' — que em Homero nada mais significam que os homens livres — retornam para suas casas. Esse espaço público só se torna político quando assegurado numa cidade, quer dizer, quando ligado a um lugar palpável que possa sobreviver tanto aos feitos memoráveis quanto aos nomes dos memoráveis autores, e possa ser transmitido à posterioridade na seqüência das gerações. Essa cidade a oferecer aos homens mortais e a seus feitos e palavras passageiros um lugar duradouro constitui a polis — que é política e, desse modo, diferente de outros povoamentos (para os quais os gregos tinham uma palavra específica), porque originalmente só foi construída em torno do espaço público, em torno da praça do mercado, na qual os livres e iguais podiam encontrar-se a qualquer hora"
In ARENDT, Hannah. O que é política. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, p. 20. 2002.
In ARENDT, Hannah. O que é política. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, p. 20. 2002.
quinta-feira, 24 de janeiro de 2013
Filme ‘Hannah Arendt’ retrata polêmica filósofa alemã
Depois de levar às telas Rosa Luxemburg e Hildegard von Bingen, cineasta Margarethe von Trotta aborda a pensadora judia teuto-americana em sua confrontação com o criminoso nazista Adolf Eichmann. Foto: Divulgação
A tese da “banalidade do mal” tornou Hannah Arendt famosa. A filósofa judia nascida na Alemanha abandonou o país em 1933, devido ao avanço do antissemitismo. Como repórter, viajou em 1961 a Jerusalém, para assistir ao processo contra o nazista Adolf Eichmann.
Na posição de obersturmbannführer (equivalente a tenente-coronel) da SS – organização policial-militar do partido nazista – ele organizara a expulsão, deportação e extermínio dos judeus europeus. O ainda jovem Estado de Israel o sequestrara para fora da Argentina, numa operação espetacular. Como a maioria dos espectadores, Arendt esperava encontrar no tribunal um monstro humano, através do qual o mal se manifestava.
No entanto, se deparou com um burocrata, um criminoso de escrivaninha, cuja banalidade a surpreendeu. As reportagens que escreveu da sala do tribunal foram objetivas, frias e perturbadoras. Os críticos a acusaram de indiretamente fazer das vítimas corresponsáveis ao dizer que teriam se comportado de maneira excessivamente passiva ou até cooperativa.
Na “desdemonização” de Eichmann feita por Arendt, muitos observadores viram uma minimização da periculosidade do réu. Na verdade, ela argumentava como a filósofa, a pensadora que foi durante toda a vida. Seu modo de ver o mundo gerou controvérsia, fazendo com que até mesmo amigos e companheiros se afastassem.
É justamente essa controvérsia que compõe o núcleo do filme Hannah Arendt, de 2012. A cineasta Margarethe von Trotta criou uma obra sensata e equilibrada. A atriz Barbara Sukowa incorpora o papel principal com alto grau de concentração. A era do pós-guerra e o clima entre imigrantes alemães e judeus em Nova York são capturados com precisão.
Por que as teses de Arendt chocaram a opinião pública e sobretudo os intelectuais de 50 anos atrás a tal ponto? Von Trotta atribui isso à maneira, então muito difundida, como diversos observadores judeus do processo mostravam sua dor e luto abertamente. Isso era algo que a filósofa teuto-americana não fazia. “Arendt não expressava sua dor, coisa que as pessoas não entendiam. Para ela, isso seria uma falta de compostura”, argumenta a diretora.
Importância de Heidegger
Nascida em 1906, Arendt cresceu num lar judaico secular. Ainda moça, foi estudar Filosofia e conheceu o filósofo alemão Martin Heidegger, cujas aulas eram disputadas sobretudo pelos estudantes mais jovens.
O filme que leva o nome da filósofa e se desenrola principalmente na década de 1960 dá destaque ao grande pensador Heidegger, por meio de breves flashbacks. Para Von Trotta, um ponto importante. “Ele lhe ensinou, de fato, como pensar. Ela própria disse: ‘Pensar pode salvar a pessoa das opções erradas e das catástrofes’. Heidegger tinha que estar no filme. Não como amante, mas sim como alguém que a ensinou a pensar.”
A produção Hannah Arendt apenas sugere que houve uma breve e apaixonada relação amorosa entre os dois filósofos. De um modo geral, a diretora evitou abordar os diversos estágios da vida de Arendt – como gostam de fazer os norte-americanos em seus filmes biográficos, os chamados biopics. Em vez disso, preferiu enfocar uma época essencial da vida da protagonista.
Duas decisões artísticas de Von Trotta tornam o filme especialmente consistente. A atriz Barbara Sukowa fala inglês diversas vezes, com forte sotaque alemão, como fazia Arendt. Curioso é que a alemã vive há mais de 20 anos em Nova York e teve que treinar esse sotaque. Essa opção consciente pelo bilinguismo é vantajosa para o retrato cinematográfico.
A segunda decisão importante foi a de não colocar um ator no papel de Adolf Eichmann, mas sim mostrá-lo exclusivamente em sequências originais da época. Para tal, Von Trotta recorreu a tomadas que já haviam sido utilizadas pelo cineasta franco-israelense Eyal Sivan em seu Un spécialiste, portrait d’un criminel moderne, de 1999.
A cineasta alemã já conhecia esse documentário bem antes de qualquer plano para um filme de ficção sobre Arendt e o processo contra o criminoso nazista. “Para mim, a confrontação com Eichmann foi muito importante. Por isso, não peguei nenhum ator, mas sim incluí o verdadeiro Eichmann. Eichmann, o irrefletido: ele não faz uso do dom de pensar.”
Outro motivo para a decisão foi evitar que o público se concentrasse no desempenho do ator e não percebesse o que a filósofa viu na época: um criminoso assustadoramente banal, que sempre tentou se projetar como mero executor de ordens.
Como retratar uma pensadora?
Durante os preparativos para a produção Rosentrasse, de 2003, Von Trotta teve pela primeira vez a oportunidade de se ocupar de forma mais detalhada com Arendt. O filme aborda um caso isolado de coragem civil, em que as esposas de judeus presos conseguiram forçar os nazistas a ceder, através de protestos continuados. Em suas pesquisas, a diretora deparou-se com textos da filósofa teuto-americana.
Von Trotta conta que, de início, não estava muito convencida quanto à ideia de filmar momentos da vida de Arendt. Com outras mulheres famosas que colocou na tela, fora diferente: o interesse por Rosa Luxemburg ou Hildegard von Bingen existiu desde o início.
Quando um produtor amigo propôs que ela fizesse um filme sobre Arendt, sua primeira reação foi recuar. “Como descrever uma filósofa?”, pensou. Só muito lentamente estabeleceu-se uma relação mais próxima com essa mulher fora do comum, que tantas vezes escandalizou e provocou.
Aonde o vento leva
Arendt passou boa parte de sua vida fora da Alemanha, embora não tenha abandonado a terra natal voluntariamente. Aqui, Von Trotta identifica paralelos consigo mesma, que viveu longo tempo em Roma e reside em Paris há vários anos.
Arendt passou boa parte de sua vida fora da Alemanha, embora não tenha abandonado a terra natal voluntariamente. Aqui, Von Trotta identifica paralelos consigo mesma, que viveu longo tempo em Roma e reside em Paris há vários anos.
“Eu mesmo fui apátrida durante muito tempo. Nasci em Berlim e durante anos só tinha um passaporte de viagem.” Somente após seu primeiro casamento, a cineasta obteve também documentos alemães.
Von Trotta sente-se ligada à Arendt nesse aspecto, o de “poder viver aonde o vento a leva, por não ser tão apegada ao próprio país”. Mas a diretora também reconhece um aspecto contraditório nessa relação com a filósofa: “Não me sinto parte, mas quero compreender”.
Por si, a matéria já anuncia o que poderá fruir dos nossos sentidos ao assistirmos a um filme tão impactante pelo conteúdo e certamente pela história de conhecimentos e descobertas da filósofa Hanna Arendt. Sem dúvida, o filme nos guarda belíssimas surpresas!
terça-feira, 6 de novembro de 2012
'Ser e Tempo', de Martin Heidegger, é tema de debate
Reprodução
O filósofo alemão Martin Heidegger
O caderno Sabático, do jornal O Estado de S. Paulo, a Editora Unicamp e a Livraria da Vila promovem nesta terça-feira, 6, o lançamento do livro Ser e Tempo, do filósofo alemão Martin Heidegger (1889- 1976) com um debate do qual participam o tradutor Fausto Castilho, o editor Rinaldo Gama, do Sabático, e o repórter especial Antonio Gonçalves Filho.
O tratado Ser e Tempo, que chega em tradução bilíngue (coedição Editora Unicamp e Vozes), é parte do conjunto das grandes obras filosóficas do século 20. Mesmo inacabado, não impediu Heidegger "que viesse a tratar fora do plano de um tratado, como escrito avulso, muitos dentre os temas que constariam da segunda parte não redigida", como bem explica Fausto Castilho, que foi aluno do próprio Heidegger, de Merleau-Ponty, Piaget e Bachelard.
A obra trata da questão do Dasein. Heidegger pretende repropor a chamada questão-do-ser já formulada pelos gregos. Nessa obra, a interrogação é formulada a partir da análise ontológica de um ente "exemplar", que tem por isso a função de ontologia fundamental. Esse ente exemplar é denominado por Heidegger de Dasein. É, portanto, a velha questão grega, o que é o ser?, que o filósofo crê ter sido feita incorretamente ao longo da história da filosofia. Em sua ontologia, propõe-se a diferenciar ser de ente - levando em conta a questão da temporalidade - para , então , recolocar de forma correta a pergunta radical de Leibniz (1646-1716): "Por que há algo em vez de nada?" A obra traz ainda reflexões sobre a angústia, a morte e a técnica, tendo influenciado o pensamento de filósofos como Jean-Paul Sartre, Hannah Arendt e Paul Ricoeur.
Herdeiro intelectual de Franz Brentano (1838-1917) e Edmund Husserl (1859-1938), que vinham à esteira do renascimento aristotélico promovido por Adolf Trendelemburg(1802-1872), Heidegger, lembra Castilho, "preconiza desde cedo uma interpretação original de Aristóteles em sua tese por muito tempo conhecida como Relatório Natorp, que lhe valeu em 1923 a nomeação como professor extraordinário em Marburgo".
O dilema entre "tecnofilia" e "tecnofobia" e as desilusões quanto ao caráter da ciência como uma panaceia universal haviam sido tratadas pelo aluno de Brentano, Edmund Husserl - por sua vez professor de Heidegger- em Krisis, espécie de manifesto contra a corrosão dos valores pela técnica. Crise, aliás, preconizada por Nietzsche.
Sobre essas influências, Castilho observa que "a de Husserl sobre Heidegger é mais do que ostensiva", não ocorrendo o mesmo no caso de Nietzsche, "já que essa relação direta e mais intensa com ele só acontece tardiamente, entre 1936 e 1940, durante a guerra e no momento preciso em que os nazistas procuram conferir àquele autor a condição de ideólogo preferencial do nazismo." Por sua vez "não é de modo algum clara qual seja a parte que Nietzsche pode ter tido na elaboração dos conceitos próprios de Heidegger, antes, e depois de Ser e Tempo".
SER E TEMPO
Livraria da Vila (Rua Fradique Coutinho, 915). Tel. (011) 3814-5811. Lançamento e debate terça, 06, às 18h30.
Fonte: http://www.estadao.com.br/noticias/arteelazer,ser-e-tempo-de-martin-heidegger-e-tema-de-debate,955875,0.htm
Assinar:
Postagens (Atom)
Atividade no Facebook
Mais vistas:
-
Um curta- metragem simplesmente espetacular, com a direção de Fáuston da Silva. A história de um garoto que conhece o poder transforma...
-
Nunca escrevi algo tão difícil, por outra belo, de se pensar e de se traduzir na existência mesma do homem. É a partir de uma leitura feita ...
-
"Se o homem no estado de natureza é tão livre, conforme dissemos, se é senhor absoluto da sua própria pessoa e posses, igual ao maior...
-
Florânia continua assistindo a um verdadeiro trabalho de investigação feito pelo Sr. Promotor Alysson Michel desta comarca. É de fato um tra...
-
A palavra mulher diz por ela mesma uma multidão de significados. Essa expressão, quando sai de nossas bocas, consegue reunir inúmeras q...
-
A passagem de Jesus nesta terra foi extremamente rápida do ponto de vista histórico, mas seus feitos e seus discursos, se...
-
Então você está confusa com seus sentimentos. Ele apareceu tão de repente na sua vida, com aquele brilho manso no olhar, com aquela meigui...
-
Convivemos com tanta exposição hoje em dia que, ao escolhermos uma vida simples e cada vez menos exibicionista...