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terça-feira, 6 de novembro de 2012

'Ser e Tempo', de Martin Heidegger, é tema de debate


O filósofo alemão Martin Heidegger  - Reprodução
Reprodução
O filósofo alemão Martin Heidegger

O caderno Sabático, do jornal O Estado de S. Paulo, a Editora Unicamp e a Livraria da Vila promovem nesta terça-feira, 6, o lançamento do livro Ser e Tempo, do filósofo alemão Martin Heidegger (1889- 1976) com um debate do qual participam o tradutor Fausto Castilho, o editor Rinaldo Gama, do Sabático, e o repórter especial Antonio Gonçalves Filho.

O tratado Ser e Tempo, que chega em tradução bilíngue (coedição Editora Unicamp e Vozes), é parte do conjunto das grandes obras filosóficas do século 20. Mesmo inacabado, não impediu Heidegger "que viesse a tratar fora do plano de um tratado, como escrito avulso, muitos dentre os temas que constariam da segunda parte não redigida", como bem explica Fausto Castilho, que foi aluno do próprio Heidegger, de Merleau-Ponty, Piaget e Bachelard.

A obra trata da questão do Dasein. Heidegger pretende repropor a chamada questão-do-ser já formulada pelos gregos. Nessa obra, a interrogação é formulada a partir da análise ontológica de um ente "exemplar", que tem por isso a função de ontologia fundamental. Esse ente exemplar é denominado por Heidegger de Dasein. É, portanto, a velha questão grega, o que é o ser?, que o filósofo crê ter sido feita incorretamente ao longo da história da filosofia. Em sua ontologia, propõe-se a diferenciar ser de ente - levando em conta a questão da temporalidade - para , então , recolocar de forma correta a pergunta radical de Leibniz (1646-1716): "Por que há algo em vez de nada?" A obra traz ainda reflexões sobre a angústia, a morte e a técnica, tendo influenciado o pensamento de filósofos como Jean-Paul Sartre, Hannah Arendt e Paul Ricoeur.

Herdeiro intelectual de Franz Brentano (1838-1917) e Edmund Husserl (1859-1938), que vinham à esteira do renascimento aristotélico promovido por Adolf Trendelemburg(1802-1872), Heidegger, lembra Castilho, "preconiza desde cedo uma interpretação original de Aristóteles em sua tese por muito tempo conhecida como Relatório Natorp, que lhe valeu em 1923 a nomeação como professor extraordinário em Marburgo".

O dilema entre "tecnofilia" e "tecnofobia" e as desilusões quanto ao caráter da ciência como uma panaceia universal haviam sido tratadas pelo aluno de Brentano, Edmund Husserl - por sua vez professor de Heidegger- em Krisis, espécie de manifesto contra a corrosão dos valores pela técnica. Crise, aliás, preconizada por Nietzsche.

Sobre essas influências, Castilho observa que "a de Husserl sobre Heidegger é mais do que ostensiva", não ocorrendo o mesmo no caso de Nietzsche, "já que essa relação direta e mais intensa com ele só acontece tardiamente, entre 1936 e 1940, durante a guerra e no momento preciso em que os nazistas procuram conferir àquele autor a condição de ideólogo preferencial do nazismo." Por sua vez "não é de modo algum clara qual seja a parte que Nietzsche pode ter tido na elaboração dos conceitos próprios de Heidegger, antes, e depois de Ser e Tempo".

SER E TEMPO
Livraria da Vila (Rua Fradique Coutinho, 915). Tel. (011) 3814-5811. Lançamento e debate terça, 06, às 18h30.

Fonte: http://www.estadao.com.br/noticias/arteelazer,ser-e-tempo-de-martin-heidegger-e-tema-de-debate,955875,0.htm

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

El Heidegger enamorado

  



«...sólo tenemos el derecho de existir si somos capaces de que nos importe...»


Q
ueridísima! Gracias por tu carta. Si solamente pudiera decirte cómo soy feliz contigo, acompáñándote mientras tu vida y tu mundo se abren de nuevo. Apenas puedo ver cuánto has entendido y cómo todo es providencial. Nadie aprecia jamás cómo es la experimentación consigo mismo, por esa circusntancia, todos los compromisos, técnicas, moralización, escapismo, cierran nuestro crecimiento, inhibiendo y torciendo la providencia de Ser. Y esta distorsión gira en torno a cómo, a pesar de todos nuestros sustitutos para la "fe," no tenemos ninguna fe genuina en la existencia en sí misma y no entendemos cómo sostener cualquier cosa como ésa por nosotros mismos. Esta fe en la providencia no excusa nada, y no es un escape que me permita terminar conmigo de una manera fácil. Solamente esa fe -que como fe en en el otro es amor- puede realmente aceptar al "otro" totalmente. Cuando veo que mi alegría en ti es grande y creciente, es que también tengo fe en todo lo que sea tu historia. No estoy erigiendo un ideal ni me estoy dejando caer en la tencación de educarte, o a cualquier cosa que se asemeja a eso. Por suerte, a ti -tal y como eres y seguirás siendo con tu historia- así es cómo te quiero. Sólo así es el amor fuerte para el futuro, y no sólo el placer efímero de un momento: sólo entonces es el potencial del otro también movido y consolidado para las crisis y las luchas que siempre se presentan. Pero tal fe también se guarda de emplear mal la confianza del otro en el amor. El amor que pueda ser feliz en el futuro es el amor que ha echado raíz. El efecto de la mujer y su ser es mucho más cercano a los orígenes para nosotros, menos transparentes, es más providencial, pero también más fundamental. Tenemos un efecto solamente en cuanto somos capaces de dar: si el regalo es aceptado siempre inmediatamente, o en su totalidad, es una cuestión de poca importancia. Y nosotros, cuanto mucho, sólo tenemos el derecho de existir si somos capaces de que nos importe. Nosotros podemos dar solamente lo que pedimos de nosotros mismos. Y es la profundidad con la cual yo mismo puedo buscar mi propio Ser, que determina la naturaleza de mi ser hacia otros. Y ese amor es la herencia gratificante de la existencia, que puede ser. Y así es que la nueva paz se desprende de tu rostro, el reflejo no de una felicidad que flota libremente, pero sí de la resolución y la bondad en las que tú eres enteramente tú.


Tu Martin.


http://filosofianews.blogspot.com/2011/09/el-heidegger-enamorado.html

quinta-feira, 5 de maio de 2011

As palavras e os males da crise

Tradução: Flávia Gouveia

A crise atual é talvez antes de tudo societal. Os grandes valores sobre os quais se edificou a sociedade moderna parecem não mais serem convenientes ao tempo. Eles seriam progressivamente substituídos por novos valores, constitutivos de um paradigma pós-moderno.
Cada época tem sua "episteme" - conceito caro ao filósofo Michel Foucault - isto é, um discurso sobre a representação do mundo que se traduz por uma determinada organização da sociedade. Na Antiguidade greco-romana, por exemplo, essa "episteme" foi a mitologia e suas interpretações diferenciadas através da cidade ateniense ou do modelo espartano. Na Idade Média, foi a teologia, com suas abadias, dioceses, corporações. Desde os tempos modernos até os anos 1950-1960, quatro palavras-chave constituíram, pouco a pouco, a arquitetura da cultura moderna: o valor do trabalho, nascido no início do século XIX, valor pivô fundamento de todas as instituições; a razão erigida como sistema a partir do século XVII, ou seja, o racionalismo, na origem do desencantamento do mundo, segundo o economista e sociólogo Max Weber; o utilitarismo, em nome do qual somente o que é útil faz sentido, mesmo "a utensiliaridade" assim denominada pelo filósofo Heidegger; enfim, o futuro, marca temporal da modernidade, com seu corolário de mito do progresso, que se concilia com a revolução hegeliana (a filosofia da História). A palavra "projeto" resume bem essa episteme. Hoje, ele parece ter se esgotado.
Se os valores da modernidade continuam a existir no plano institucional, eles, de fato, não têm mais força atrativa. Eles se saturam, no sentido químico do termo, eles se desagregam em benefício de outros valores cuja emergência se observa particularmente na prática das gerações jovens.
A criação, a criatividade, com o jogo, o sonho, o imaginário, tomariam o lugar do valor "trabalho" como realização de si, como objeto de mobilização de energia. Um indício: o hedonismo ambiente que percorre transversalmente o conjunto da vida social.
Depois da valorização da razão, do cognitivo, o corpo vivido por si mesmo torna-se um elemento central. Paul Valéry dizia: "Em certos momentos, a profundidade se esconde na superfície das coisas.".
Ultrapassando o simples utilitarismo, a estética (no sentido etimológico) coloca em primeiro plano as emoções coletivas, as paixões compartilhadas, o festivo, o desejo de estar junto, o preço das coisas sem preço, até o caritativo.
Enfim, a partir de agora só contaria o presente. Aqui e agora. Carpe diem.
Assim deslizam as palavras. As palavras que cessam, as palavras que nascem... Falta ainda reconhecer esses deslizamentos, esses valores nascentes, para livrar-se dos males resultantes dos desfuncionamentos induzidos na organização social. "Cada época sonha a seguinte", escrevia Michelet. Se soubermos acompanhar o sonho em gestação, evitaremos que ele se torne um pesadelo.


Texto inédito para a revista Luz.
A tradução do título original - Les mots et les maux de la crise - para a língua portuguesa esconde o jogo lingüístico baseado na semelhança sonora entre mots (palavras) e maux (males), em francês.
Termo traduzido assim nos textos de Maffesoli em português. O adjetivo societal, apesar de não se encontrar em dicionários da língua portuguesa, possui registro no francês - sociétal - (e também no inglês: societal) e significa ser relativo à sociedade humana. Note-se que o radical latino societ- existe em português, na palavra societário, por exemplo, presente na maioria dos dicionários.
NT: Foucault aborda o assunto em suas obras: Les mots et les choses. Une archaéologie des sciences humaines (1966) e L´Archaéologie du savoir (1969).

*Michel Maffesoli é membro do Instituto Universitário da França e professor da Universidade de Sorbonne.

domingo, 10 de abril de 2011

III Jornada Heidegger - última chamada

Em sua terceira edição, a Jornada Heidegger propõe como tema central de seus trabalhos “Entre Nietzsche e Sartre – Pensar a Liberdade”.

Em memória do trigésimo-quinto aniversário do falecimento de Martin Heidegger, convidamos toda a comunidade acadêmica a participar da III Jornada Heidegger, a ser realizada nos dias 31 de maio, 1 e 2 de junho de 2011, na cidade de Natal. (Local a confirmar)

Conferencistas confirmados:
Prof. Dr. Marco Antônio Casanova (UERJ)
Prof. Dr. Róbson Ramos dos Reis (UFSM)
Prof. Dr. Paulo César Duque-Estrada (PUC-Rio)

Organização:
Prof. Ms. Dax Moraes – Curso de Filosofia do CAS/UERN / NEXT-Núcleo de Estudos sobre Existência (UERN) / Grupo de Estudos em Metafísica e Tradição (UFRN)
Prof. Dr. Oscar Federico Bauchwitz – PPGFIL/UFRN / Grupo de Estudos em Metafísica e Tradição (UFRN)


 Visite: jornadaheidegger.wordpress.com

domingo, 14 de novembro de 2010

DISSIMULAÇÃO...


O que fazer para desconversar algo que pode nos afetar emocionalmente? O que respondemos quando ouvimos algumas perguntas cujas respostas poderão constranger as pessoas ou até mesmo envergonhá-las? Eis algumas questões delicadas para nossa reflexão. Não seria melhor dissimular algumas verdades para o bem da convivência social, para a saúde emocional e para a ética!?

A dissimulação nos círculos de conversas nem sempre é o mais desejável, visto que ficamos com a resposta engasgada, temendo às vezes incomodar a paz do outro com uma verdade mal colocada. Quando o assunto é irritante, a resposta vem de imediato com palavras as mais violentas possíveis. Palavras estas carregadas de raiva podem ferir sem piedade nossos oponentes, bem como expressões cheias de verdades que os constrange, que os envergonha, de modo que a prudência é o melhor caminho nessas horas. Manter a serenidade; escolher bem as palavras; pesar cuidadosamente cada termo pode ser a saída mais sábia que merecidamente não trarão piores consequências para os espíritos comoventes e sensíveis.

É óbvio que não há só espíritos dessa natureza, no entanto, para estes, requer de quando em quando não economizar as dissimulações. Vejo aqui a dissimulação não como uma fuga do assunto em vigor, tampouco uma simples saída de retirada, porém uma estratégia sábia e interessante para amenizar os ânimos exaltados acerca dos problemas delicados do dia a dia.

Preservar as amizades e a saudável convivência social por meio de dissimulações parece-me também, razoavelmente, uma atitude inteligente, na medida em que preservamos nossa integridade e simultaneamente a do outro, do ponto de vista ético, emocional e pessoal.

Gostaria de me fazer entender um pouco mais aqui, se possível, pensando o termo “dissimulação” como indiferença, apatia, imparcialidade e autodomínio em relação a tudo que possa nos afetar negativa e injustamente.

Há um texto do filósofo alemão Heidegger, um dos baluartes da fenomenologia, que escreve sobre a dissimulação a partir da ontologia da verdade. A dissimulação teria uma relação com o “deixar-ser desvelador”. Uma espécie de não-verdade original ou, como segue Heidegger ao dizer: O velamento do ente em sua totalidade”. De fato, como alude este filósofo, a dissimulação dá brechas ao “mistério” que é a dissimulação do que está velado. (Cf. HEIDEGGER. Sobre a Essência da Verdade. Col. Os Pensadores. São Paulo. Nova Cultural, 1991. p. 131).

Todavia, parece-me que aproveito a ideia de dissimulação em Heidegger para forçar um pouco a aproximação psicológica e ética que muitas vezes emana de nós, seja em discussões de ordem familiar, religiosa ou política que de algum modo mexem com nossas emoções provocando as mais diversas reações de raiva, ódio, alteração da voz, alteração do humor, etc...

Certamente, esta não é a ideia exata de Heidegger ao falar da dissimulação, mas não nos custa ouvir o que ele nos diz um pouco mais sobre o assunto. Pois, enquanto não-verdade que domina o homem e o ser-aí, o filósofo afirma a dissimulação: “Nada menos que a dissimulação do ente como tal, velado em sua totalidade, isto é, o mistério. Não se trata absolutamente de um mistério particular referente a isto ou àquilo, mas deste fato único que o mistério – a dissimulação do que está velado – como tal domina o ser-aí do homem”(Ibidem).

Portanto, não há mal algum para os que hão de dissimular sempre que necessário ao bom senso, haja vista que “até o tolo, quando se cala, será reputado por sábio; e o que cerrar os seus lábios, por sábio”(Pv. 17.28).


Prof. Jackislandy Meira de Medeiros Silva

Licenciado em Filosofia pela UERN e

Especialista em Metafísica pela UFRN


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sexta-feira, 20 de agosto de 2010

A verdade(alétheia em grego) para Heidegger...

Daí, a ética, segundo este filósofo, vir acompanha de uma noção de ética originária, e não simplesmente normativa, nem tampouco moralista. O “Dasein” sabe que sua implicação na vida deve ser sem qualquer norma, pois é constituído dessa liberdade. Esta é a essência da verdade, o “ser aí” dotado de mostração e manifestação, mas que preserva sua ocultação. A verdade é o desvelamento do ser conforme um movimento por dentro da idéia do mundo. “A essência da verdade se desvelou como liberdade. Esta é o deixar-ser ek-sistente que desvela o ente. Todo comportamento aberto se movimenta no deixar-ser do ente e se relaciona com este ou aquele ente particular. A liberdade já colocou previamente o comportamento em harmonia com o ente em sua totalidade...”(HEIDEGGER. Conferências e escritos filosóficos. In Col. Os Pensadores. São Paulo, Nova Cultural, 1991. p. 130)

Verdade é o desoculto, aquilo que se mostra. Desocultar e ocultar não são separáveis, mas aquilo que no aparecer se oculta. Revelação. É o jogo luz e sombra na cultura barroca. Na arte, as obras se manifestam nesse tom, nessa linha. É um jogo de mostração e de ocultamento. “Justamente, na medida em que o deixar-ser sempre deixa o ente, a que se refere, ser, em cada comportamento individual, e com isto o desoculta, dissimula ele o ente em sua totalidade. O deixar-ser é, em si mesmo, simultaneamente, um dissimulação. Na liberdade ek-sistente do ser-aí acontece a dissimulação do ente em sua totalidade, é o desvelamento”(ibidem, p. 131).

O homem está sempre na verdade e na inverdade, para Heidegger. Ouvir e escutar são duas formas de dizer. O silêncio é uma forma de discurso. Este é originariamente silêncio. É radicalmente a fala que fala. Somos nós que falamos a fala que nos fala. A linguagem do silêncio está fora da razão. Através do silêncio é possível encontrar a verdade.

O ser mesmo é abertura, como vimos na analítica do Dasein.

Falar da verdade não é outra coisa senão expressar o Dasein. O lugar da verdade não é o juízo, mas o juízo que está na verdade. O fato de julgar não me diz a verdade, é absolutamente o contrário, a verdade é quem me diz o ato de julgar.

Heidegger desconstrói o tradicional conceito de verdade. O Dasein é transcendente a todas as possibilidades intramundanas de mudar. As coisas que estão aí são puras possibilidades de mudar.

Sem querer mudar de assunto, qual é o motivo da vontade humana? A vontade age sempre em função do bem. O que faz com que a vontade permaneça livre em escolher o bem? Não é o bem maior que determina a minha vontade de escolha, mas a vontade que escolhe o bem maior. Quanto mais um ato escolhe, mais totalmente envolve a existência e mais facilmente será livre.

Se a vontade estiver diante da totalidade do bem, ela não escolhe, mas necessariamente vai querê-lo. Mas só há um bem capaz de determinar a liberdade, Deus, Ser perfeitíssimo. Os outros bens particulares são livres para que o homem escolha ou não.

“O homem é uma paixão inútil”(Sartre).

“Nasce sem razão, vive sem sentido e morre inutilmente”(Heidegger).

“Seja como for, uma coisa se torna clara: a questão da Alétheia, a questão do desvelamento como tal, não é a questão da verdade. Foi por isso inadequado e, por conseguinte, enganoso denominar a Alétheia, no sentido da clareira, de verdade. O discurso sobre a Verdade do ser tem seu sentido justificado na ciência da lógica de Hegel, porque nela verdade significa a certeza do saber absoluto. Mas tampouco Hegel como Husserl questionam, como também não faz qualquer metafísica, o ser do ente, isto é, não perguntam em que medida pode haver presença como tal. Só há presença quando impera clareira. Esta, não há dúvida, é nomeada com a Alétheia, com o desvelamento, mas não como tal pensada”(ibidem, p. 80).

Ser clareira aqui, viver na clareira não tem nada a ver com luz, iluminação, mas mostração, desocultamento, verdade. O homem é apenas o lugar desta mostração.


Prof.: Jackislandy Meira de M. Silva

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sexta-feira, 23 de outubro de 2009

O rosto no dizer de Lévinas...


Não é sem demora que, lá pelo mês de novembro, nas vésperas das festas de fim de ano, se possa sentir embalado por fortes e amenos sentimentos de ternura pelos outros, pela família, pelos amigos, pelos colegas, os quais compartilham o fabuloso fato de existir. Corre nas veias o sangue do atrevimento para se permitir subverter aquilo que Sartre fazia questão de afirmar: “o inferno são os outros” por “o céu – na sua dimensão de infinito – é o outro!” na brilhante visão de Emanuel Lévinas.
Caro leitor, as pessoas marcadamente têm a força expressiva de um rosto. Rosto que por mais íntimo que seja, é um rosto de outrem. Para Lévinas, o rosto não é a simples mostração da aparência, ou melhor, não é o que está na frente da cabeça ou aquilo que a envolve, não. O rosto não se desvela somente pela relação com o Outro ao observá-lo, descobrir-lhe o contorno dos narizes, a feitura das sobrancelhas, o piscar e a cor dos olhos, o espontâneo sorriso da boca, enfim. O rosto não é restrito apenas à percepção, mas é pura exposição, revela-se nu, desprovido, destituído de uma pobreza essencial. Mas, simultaneamente o rosto é quem nos proíbe de matar. Ele não precisa estar em contato com algo mais para ter significado, “o rosto significa tudo por si mesmo”. Nada o contém. É excesso, infinito, vastidão.
A relação que se estabelece com o rosto é de desinteresse, de entrega e de desprendimento. É pura fruição definida por Agostinho. Sua relação não é de conhecimento, mas de desejo. Quanto maior a satisfação, mais longe está de ser satisfeito. Ao contrário da visão, que absorve o ser, o rosto lhe escapa. O outro é rosto(aquilo que não pode ser reduzido à compreensão, contrariando as expectativas de Descartes e de Kant) e o rosto é “aquilo que não se pode matar”(Lévinas). Somos orientados, comandados por esse rosto, que só deseja vida. O rosto é, portanto, responsabilidade. Diante do rosto, no entanto, não se contempla, mas se responde a ele, se responde ao chamado: o rosto é ao mesmo tempo riqueza e pobreza, domesticação e submissão, frágil e poderoso. Interagir com o outro implica se antecipar à consciência. Ser ético é a interrupção do ser pelo Outro, por isso é possível uma atitude de sacrifício ou apenas afirmar: “Depois de você”, dou-lhe tudo, devo-lhe tudo. Não é bem assim, pois Lévinas tem um alcance mais apurado sobre a alteridade que deve ser moderado, sua relação com o outro deve ser sábia. Numa multiplicidade de homens, não posso dar tudo ao outro, pois há alguém mais: devo “medir, pensar, julgar, comparar o incomparável”. Se o rosto é “significação sem contexto”, se poderia dizer que o rosto é um deserto: o nada que preenche todo o espaço. Assume-se aqui quase uma direção niilista do rosto de Lévinas, o que não é tão confortante.
A direção é outra, a que se aproxima de Heidegger talvez. Segundo Lévinas, o rosto do outro comporta a dimensão de abertura. A visão desse rosto é a visão da abertura do ser, que o afirma mais do que nega. A relação de alteridade o conduz para uma dimensão de experiência que não se refere a ele próprio, ao seu egoísmo e ao seu relativismo. O rosto é terno e promissor. O rosto é desinteresse total. Quando vejo o rosto de minha esposa pela manhã na perspectiva dele mesmo, é inevitável uma reação de estar diante de uma “coisa dada”, de um presente. Como o rosto recusa se identificar com o conteúdo, ele se propõe, segundo Lévinas, a uma alteridade independente de qualquer qualidade que o diferencie do eu, porque tal diferença imporia entre o eu e o outro uma comunidade de gênero, que anularia a alteridade.
Assim, o rosto se derrama, se extravasa na forma que o delimita, que o circunscreve. O rosto não tem fronteiras. O rosto fala ao eu. “Compreender uma pessoa é já falar-lhe.”(Lévinas). O rosto opõe ao eu o infinito da sua transcendência em relação ao todo. Esse infinito, para Lévinas, é expressão original. O rosto se desemboca no infinito. O rosto não se dilui no infinito, mas se afirma nele. É o infinito que responde totalmente ao outro, ao rosto – e vice-versa.
Como se avizinha de nós as festas de fim de ano, não é por acaso que nos encontramos inseridos na cultura cristã, envolvidos por uma atmosfera de gratidão a Deus, a Cristo e ao Espírito Santo a fim de que sejamos tomados por sentimentos eivados de verdade. Daí ser mais do que oportuno, aproveitarmos dessa época tão especial para nós, uma vez que nossos corações desejam ardentemente fruir para infinitas relações com outros eus, no dizer do poeta português Fernando Pessoa, “eu e os outros eus”. Fiem-se, todos, nisso: na relação estreita e incontida do seu eu com os outros eus.

Jackislandy Meira de M. Silva. Professor e filósofo.
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quarta-feira, 16 de setembro de 2009

A cura(sorge em Heidegger), no sentido da existência, a partir da fábula de Higino.


Nunca escrevi algo tão difícil, por outra belo, de se pensar e de se traduzir na existência mesma do homem. É a partir de uma leitura feita em “Ser e Tempo”, na qual Heidegger, com muita proeza e espírito atinado às questões da existência, presenteia sua época acerca da compreensão da “cura” aliada ao conceito de cuidado.
Na medida em que Heidegger, na altura dos anos vinte do século passado, desdobra sua Filosofia metafísica sobre o “Dasein”, “o ser-aí”, o sentido da palavra “cura” parece ganhar corpo em sua estrutura filosófica. Como conseqüência da certeza de que o “Dasein” não pretende dar conta de todos os existenciais – abertura, facticidade, decadência -, Heidegger aposta todo o desenrolar da obra em um movimento extraordinário do ser para a “cura” ou “sorge”, cuidado.
“Cura” no sentido de ser cuidado, do ponto de vista da existência vem a ser entendido como tal, numa atitude de serenidade. O problema dessa abordagem sobre o conceito de “sorge” em Heidegger recai nisto: serenidade.
Na essência das palavras de Heidegger, o “ser-no-mundo é cura”( Martin Heidegger. Ser e tempo, p. 257. 5.) e que “a angústia, como disposição fundamental, pertence à constituição essencial da presença como ser-no-mundo”(idem, ibidem, p. 253). Cura, cuidado, angústia e serenidade, portanto, integram-se à constituição essencial do ser-aí como ser-no-mundo.
Assim, é difícil acreditar que a utilização da fábula a ser apresentada em seguida, do autor latino Caius Julius Hyginus, tenha de fato o sentido a que se pretende alcançar aqui, uma vez que ela servirá como metáfora indispensável para a dimensão e o alcance do termo cura não só como cuidado, mas também como angústia. É bem verdade que a palavra latina empregada no texto original da fábula não é angústia, mas “cura”, cujo significado principal é indiscutivelmente “cuidado”. Mas como, em latim, a palavra “cura” pode também ser traduzida por “inquietação” e “preocupação”, confesso que não é despropositado traduzir o termo “cura” por “Sorge” e não por angústia. Além do que, no cuidado existe sempre uma dimensão de preocupação e de angústia(Cf. Zeferino Rocha. A guisa de uma conclusão: uma fábula. In: ____ Os destinos da angústia na psicanálise freudiana. São Paulo: Escuta, 2000. p. 157-162).
A fábula de Higino posta a seguir também fora descoberta por Heidegger que sugeriu apropriar-se dela para o exercício do “Dasein” no tocante aos vocábulos cuidado e preocupação. Segundo ele, a fábula tem a força de um testemunho como interpretação pré-ontológica do ser-aí no mundo.
Eis a fábula na sua versão brasileira:
“ Angústia, ao atravessar um rio, viu uma massa de argila e, mergulhada nos seus pensamentos, apanhou-a e começou a modelar uma figura.
Quando deliberava sobre o que fizera, Júpiter apareceu. Angústia pediu que ele desse uma alma à figura que modelara, e, facilmente, conseguiu o que pediu.
Como Angústia quisesse, de si própria, dar um nome à figura que modelara, Júpiter proibiu e prescreveu que lhe fosse dado o seu. Enquanto Angústia e Júpiter discutiam, Terra apareceu e quis que fosse dado o seu nome a quem ela fornecera o corpo.
Saturno foi escolhido como árbitro. E este, equitativamente, assim julgou a questão:
‘ Tu, Júpiter, porque lhe deste alma, tu a terás depois da morte. E tu, Terra, porque lhe deste o corpo, tu o receberás após a morte. Todavia, porque foi Angústia quem primeiramente a modelou, que ela a tenha, enquanto a figura viver.’
Mas, uma vez que existe entre vós uma controvérsia sobre o nome, que ela seja chamada ‘homem’, porque feita do humus”.
Portanto, o ser-aí, que é o homem, enquanto viver, pertencerá a Cuidado(Sorge). Cura prima finxit: o que vale a dizer, o Cuidado(Sorge) modelou o ente que é o homem na sua origem e o seu signo o marcará durante toda a trajetória de seu viver no tempo. O homem pertencerá a Cuidado(Sorge) enquanto viver – quamdiu vixerit.


Jackislandy Meira de Medeiros Silva, Professor e Filósofo.
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sexta-feira, 25 de abril de 2008

Especulações acerca do mito



(a imagem ao lado nos reporta às narrativas dos trabalhos e os dias de Hesíodo – a caixa de Pandora – presente para todos os deuses)


“O mito é o nada que é tudo” (Fernando Pessoa).
O momento em que vivemos está sendo chamado por demais de Século do conhecimento. Só que nos esquecemos de discernir bem o que é, de fato, conhecimento, uma vez que conhecer, do latim cognoscere, significa trabalhar com nous, com a inteligência a ponto de estabelecer a diferença de uma coisa da outra. Ter noção de alguma coisa. Não é apenas assimilar ou ler informações rapidamente, onde a razão parece mais demente com o entra e sai de dados, de informações, do que com o refletir das causas em torno da realidade. O conhecimento tem que estar na direção da busca pelo saber, na medida do possível atrelado à Filosofia, em comunhão com a cogitação do pensamento, numa espécie de jogo do pensamento.
O modo como as coisas vieram a ser o que são ou como fora dado o ser ainda permanece sob suspenso na linha do conhecimento. Os limites da razão não nos deixam desvendar como, no fundo, são as coisas, pois nos diz Heidegger que nunca chegaremos a conhecer o que são as coisas, no máximo, chegaremos a dizer a sua aparência, jamais saberemos a sua essência. Para Wittgenstein, também não podemos mais ser filósofos porque não conseguimos mais trabalhar os conceitos de totalidade e essência. Esses conceitos não vão nos ajudar mais em nosso mundo. Daí o mundo ser caótico e desesperado.
No entanto, ousamos a denominar este tempo, de tempo do conhecimento. Onde estão as culturas que fundamentaram a linguagem e a escrita? Que lugar elas ocupam na dimensão do nosso conhecimento? Tivemos a petulância de tatuar as coisas, de imprimir-lhes significados, mas não lhes damos o devido valor. Os nossos ancestrais, no seu estado de natureza, como diria Rousseau, eram peritos em botânica, ecologia, geometria, agricultura, artes, enfim... Mas não foram honrados como gente do conhecimento. Souberam como ninguém a explorar racionalmente a natureza e a cantar as suas conquistas, glórias e paixões através do mito.
Anterior a qualquer tentativa de convenção categórica racional, o mito vem a ser a forma mais acabada de expressão humana sobre a vida, aquém e além dela. O que há de mais interessante é o fato de, com o mito, abraçarmos o que a razão, o logos não pode alcançar.
O vôo que se tem com a narrativa mitológica é extraordinário. Saborear o dizer de alguma coisa sem qualquer motivo de racionalização deve inserir-nos na dimensão do mistério, do sagrado, do religioso.
Platão nos oferece, depois de avançar nos níveis de conhecimento, uma maneira de descobrir também a verdade, a beleza e a idéia, o mito.
No pensar de Platão, não há uma separação entre mito e logos, no máximo pode haver uma distinção, o que não favorece a um e a outro.
Se o logos tende a explicar o surgimento de todas as coisas, isto não quer dizer que seja maior ou melhor que o mito, até porque este surge como tentativa de explicar a morte, o nascimento, a vida, os conflitos... O mito pretende muito mais do que podemos alcançar. O mito é sugestivo e um estímulo para o conhecer, pois não é um sistema pronto ou acabado, sem nada a acrescentar. O mito é responsável por provocar perguntas novas a respeito de tudo que nos cerca.
Em virtude disso, o pensador contemporâneo Edgar Morin afirma que “o mistério do mito invade o que o considera do exterior, enquanto, do interior, o mito é vivido não como mito, mas como verdade”.

Jackislandy Meira de M. Silva, professor e filósofo.
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segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Heidegger e a questão do ser...

(Martim Heidegger nasceu no dia 26/09/l889 em Messkinch, Alemanha, onde sua família já estava radicada há vários séculos. Com o passar dos anos tornou-se um dos filósofos mais importantes do século XX, vindo a trabalhar como Professor honorário até a morte, em 26/06/l976).

Há muito que a Filosofia se pergunta pela questão do ser. O que significa o ser? Em Parmênides encontramos a definição lapidar: “Pois existe o ser”. Também Aristóteles em sua Metafísica propõe a questão do ser. Pergunta-se sempre somente pelo ente com referência ao seu ser. Quando questionamos o ente assim como ente, vemos não em relação ao fato de ele estar simplesmente presente, por exemplo, como uma cadeira, uma mesa ou uma árvore, mas sim como ente: vemos, pois em relação ao seu ser. Esta é a questão fundamental de toda a Metafísica[1].
Para Heidegger, fora do ente não há ser. O ser não é o ente, mas o ser do ente. Afirma pensar o ser como tal: o ente enquanto ente. Enquanto o que é se identifica com o ser. Ser enquanto ser.
A Analítica existencial de Heidegger tem uma estrutura ontológica da existência que desconstroi a tradicional concepção metafísica da subjetividade, por meio de uma verdadeira compreensão dos aspectos da Existência, da Facticidade e do Ser-no-mundo.
A existência do ponto de vista geral é o que está aí. Um fato bruto e incondicionado de estar presente, o Dasein. No sentido humano é vida, biologia, biografia. Narrativa dos acontecimentos da vida decidida, a história como o modo de ser humano na sua temporalidade(passado, presente, futuro). Heidegger admite aqui uma quarta instância do tempo: o agora como transcendência intra-temporal, incluindo o homem, de modo a ser o horizonte possível através do qual podemos compreender a existência.
A temporalidade nos permite compreender o ser na sua totalidade, enquanto conjunto de todas as possibilidades. Assim, é inevitável a influência do tema morte nessa discussão, porque ela está o tempo todo atrás de nós mesmos. A morte é constituição ontológica, pura possibilidade. Existe aqui a possibilidade da impossibilidade, a morte. Somos todos constituídos como um ser pra morte desde sempre.
A respeito da facticidade em Heidegger, permite-nos sublinhar que se opõe a factualidade porque é um projeto lançado de tal e tal modo(“meu já-ser”). Ser-no-mundo, e não no ar, mas numa conjuntura. O ser humano como pura compreensão de ser. Um ser posto pra fora. Lançado(Dasein) significa ser o “aí” do ser, presença e abertura de ser ou estar voltado para o ser.
A compreensão do Ser-no-mundo nos leva à estrutura ontológica fundamental do Dasein. Toda a história da Metafísica considerou a diferença metafísica entre os entes. Fundacionismo como onto-teologia. Assim, não se pensa o ser em si mesmo. Fizeram do ser um ente. Deus não é um ser, porém um ente que contrapõe a outros entes.
Destarte, observamos que a desconstrução do ser feita por Heidegger constitui o pulsar de sua Filosofia ao afirmar que o ser é abertura e pura possibilidade de ser.
Ser pura possibilidade significa ser coisa alguma, nada. Pura nulidade. Por que ser possibilidade incomoda? Por que ser finitude incomoda? Se somos um conjunto de nossas possibilidades, e a mais radical e extrema é a morte, significa dizer que a morte é luz da compreensão de todas as totalidades. O ser pra morte constitui o guia de compreensão do ser. Antecipar-se à morte. Viver como mortal. Assumir-se como mortalidade já. Serenidade!
Dessa forma, pontua-se aqui o que é Análise da existência própria. Analisar os existenciais. Heidegger contrapõe os existenciais às categorias. Os existenciais são os modos possíveis de ser. A essência do homem consiste em não ter essência. A essência é o que já era ser para Aristóteles, equivalente aqui à idéia, “eidos”. Do ponto de vista da existência, a essência é pura possibilidade, pode ou não existe. A essência independe da existência.
O ser homem consiste em nunca ser. “Ek-sistencia” – ser pura compreensão do ser poder-ser, o ainda não-ser.

Jackislandy Meira de M. Silva, Professor e Filósofo.
[1] Cf. HEIDEGGER, Martin. Seminário de Zollikon. São Paulo: EDUC; Petrópolis, RJ: Vozes. 2001, p. 142-143.

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terça-feira, 6 de novembro de 2012

'Ser e Tempo', de Martin Heidegger, é tema de debate


O filósofo alemão Martin Heidegger  - Reprodução
Reprodução
O filósofo alemão Martin Heidegger

O caderno Sabático, do jornal O Estado de S. Paulo, a Editora Unicamp e a Livraria da Vila promovem nesta terça-feira, 6, o lançamento do livro Ser e Tempo, do filósofo alemão Martin Heidegger (1889- 1976) com um debate do qual participam o tradutor Fausto Castilho, o editor Rinaldo Gama, do Sabático, e o repórter especial Antonio Gonçalves Filho.

O tratado Ser e Tempo, que chega em tradução bilíngue (coedição Editora Unicamp e Vozes), é parte do conjunto das grandes obras filosóficas do século 20. Mesmo inacabado, não impediu Heidegger "que viesse a tratar fora do plano de um tratado, como escrito avulso, muitos dentre os temas que constariam da segunda parte não redigida", como bem explica Fausto Castilho, que foi aluno do próprio Heidegger, de Merleau-Ponty, Piaget e Bachelard.

A obra trata da questão do Dasein. Heidegger pretende repropor a chamada questão-do-ser já formulada pelos gregos. Nessa obra, a interrogação é formulada a partir da análise ontológica de um ente "exemplar", que tem por isso a função de ontologia fundamental. Esse ente exemplar é denominado por Heidegger de Dasein. É, portanto, a velha questão grega, o que é o ser?, que o filósofo crê ter sido feita incorretamente ao longo da história da filosofia. Em sua ontologia, propõe-se a diferenciar ser de ente - levando em conta a questão da temporalidade - para , então , recolocar de forma correta a pergunta radical de Leibniz (1646-1716): "Por que há algo em vez de nada?" A obra traz ainda reflexões sobre a angústia, a morte e a técnica, tendo influenciado o pensamento de filósofos como Jean-Paul Sartre, Hannah Arendt e Paul Ricoeur.

Herdeiro intelectual de Franz Brentano (1838-1917) e Edmund Husserl (1859-1938), que vinham à esteira do renascimento aristotélico promovido por Adolf Trendelemburg(1802-1872), Heidegger, lembra Castilho, "preconiza desde cedo uma interpretação original de Aristóteles em sua tese por muito tempo conhecida como Relatório Natorp, que lhe valeu em 1923 a nomeação como professor extraordinário em Marburgo".

O dilema entre "tecnofilia" e "tecnofobia" e as desilusões quanto ao caráter da ciência como uma panaceia universal haviam sido tratadas pelo aluno de Brentano, Edmund Husserl - por sua vez professor de Heidegger- em Krisis, espécie de manifesto contra a corrosão dos valores pela técnica. Crise, aliás, preconizada por Nietzsche.

Sobre essas influências, Castilho observa que "a de Husserl sobre Heidegger é mais do que ostensiva", não ocorrendo o mesmo no caso de Nietzsche, "já que essa relação direta e mais intensa com ele só acontece tardiamente, entre 1936 e 1940, durante a guerra e no momento preciso em que os nazistas procuram conferir àquele autor a condição de ideólogo preferencial do nazismo." Por sua vez "não é de modo algum clara qual seja a parte que Nietzsche pode ter tido na elaboração dos conceitos próprios de Heidegger, antes, e depois de Ser e Tempo".

SER E TEMPO
Livraria da Vila (Rua Fradique Coutinho, 915). Tel. (011) 3814-5811. Lançamento e debate terça, 06, às 18h30.

Fonte: http://www.estadao.com.br/noticias/arteelazer,ser-e-tempo-de-martin-heidegger-e-tema-de-debate,955875,0.htm

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

El Heidegger enamorado

  



«...sólo tenemos el derecho de existir si somos capaces de que nos importe...»


Q
ueridísima! Gracias por tu carta. Si solamente pudiera decirte cómo soy feliz contigo, acompáñándote mientras tu vida y tu mundo se abren de nuevo. Apenas puedo ver cuánto has entendido y cómo todo es providencial. Nadie aprecia jamás cómo es la experimentación consigo mismo, por esa circusntancia, todos los compromisos, técnicas, moralización, escapismo, cierran nuestro crecimiento, inhibiendo y torciendo la providencia de Ser. Y esta distorsión gira en torno a cómo, a pesar de todos nuestros sustitutos para la "fe," no tenemos ninguna fe genuina en la existencia en sí misma y no entendemos cómo sostener cualquier cosa como ésa por nosotros mismos. Esta fe en la providencia no excusa nada, y no es un escape que me permita terminar conmigo de una manera fácil. Solamente esa fe -que como fe en en el otro es amor- puede realmente aceptar al "otro" totalmente. Cuando veo que mi alegría en ti es grande y creciente, es que también tengo fe en todo lo que sea tu historia. No estoy erigiendo un ideal ni me estoy dejando caer en la tencación de educarte, o a cualquier cosa que se asemeja a eso. Por suerte, a ti -tal y como eres y seguirás siendo con tu historia- así es cómo te quiero. Sólo así es el amor fuerte para el futuro, y no sólo el placer efímero de un momento: sólo entonces es el potencial del otro también movido y consolidado para las crisis y las luchas que siempre se presentan. Pero tal fe también se guarda de emplear mal la confianza del otro en el amor. El amor que pueda ser feliz en el futuro es el amor que ha echado raíz. El efecto de la mujer y su ser es mucho más cercano a los orígenes para nosotros, menos transparentes, es más providencial, pero también más fundamental. Tenemos un efecto solamente en cuanto somos capaces de dar: si el regalo es aceptado siempre inmediatamente, o en su totalidad, es una cuestión de poca importancia. Y nosotros, cuanto mucho, sólo tenemos el derecho de existir si somos capaces de que nos importe. Nosotros podemos dar solamente lo que pedimos de nosotros mismos. Y es la profundidad con la cual yo mismo puedo buscar mi propio Ser, que determina la naturaleza de mi ser hacia otros. Y ese amor es la herencia gratificante de la existencia, que puede ser. Y así es que la nueva paz se desprende de tu rostro, el reflejo no de una felicidad que flota libremente, pero sí de la resolución y la bondad en las que tú eres enteramente tú.


Tu Martin.


http://filosofianews.blogspot.com/2011/09/el-heidegger-enamorado.html

quinta-feira, 5 de maio de 2011

As palavras e os males da crise

Tradução: Flávia Gouveia

A crise atual é talvez antes de tudo societal. Os grandes valores sobre os quais se edificou a sociedade moderna parecem não mais serem convenientes ao tempo. Eles seriam progressivamente substituídos por novos valores, constitutivos de um paradigma pós-moderno.
Cada época tem sua "episteme" - conceito caro ao filósofo Michel Foucault - isto é, um discurso sobre a representação do mundo que se traduz por uma determinada organização da sociedade. Na Antiguidade greco-romana, por exemplo, essa "episteme" foi a mitologia e suas interpretações diferenciadas através da cidade ateniense ou do modelo espartano. Na Idade Média, foi a teologia, com suas abadias, dioceses, corporações. Desde os tempos modernos até os anos 1950-1960, quatro palavras-chave constituíram, pouco a pouco, a arquitetura da cultura moderna: o valor do trabalho, nascido no início do século XIX, valor pivô fundamento de todas as instituições; a razão erigida como sistema a partir do século XVII, ou seja, o racionalismo, na origem do desencantamento do mundo, segundo o economista e sociólogo Max Weber; o utilitarismo, em nome do qual somente o que é útil faz sentido, mesmo "a utensiliaridade" assim denominada pelo filósofo Heidegger; enfim, o futuro, marca temporal da modernidade, com seu corolário de mito do progresso, que se concilia com a revolução hegeliana (a filosofia da História). A palavra "projeto" resume bem essa episteme. Hoje, ele parece ter se esgotado.
Se os valores da modernidade continuam a existir no plano institucional, eles, de fato, não têm mais força atrativa. Eles se saturam, no sentido químico do termo, eles se desagregam em benefício de outros valores cuja emergência se observa particularmente na prática das gerações jovens.
A criação, a criatividade, com o jogo, o sonho, o imaginário, tomariam o lugar do valor "trabalho" como realização de si, como objeto de mobilização de energia. Um indício: o hedonismo ambiente que percorre transversalmente o conjunto da vida social.
Depois da valorização da razão, do cognitivo, o corpo vivido por si mesmo torna-se um elemento central. Paul Valéry dizia: "Em certos momentos, a profundidade se esconde na superfície das coisas.".
Ultrapassando o simples utilitarismo, a estética (no sentido etimológico) coloca em primeiro plano as emoções coletivas, as paixões compartilhadas, o festivo, o desejo de estar junto, o preço das coisas sem preço, até o caritativo.
Enfim, a partir de agora só contaria o presente. Aqui e agora. Carpe diem.
Assim deslizam as palavras. As palavras que cessam, as palavras que nascem... Falta ainda reconhecer esses deslizamentos, esses valores nascentes, para livrar-se dos males resultantes dos desfuncionamentos induzidos na organização social. "Cada época sonha a seguinte", escrevia Michelet. Se soubermos acompanhar o sonho em gestação, evitaremos que ele se torne um pesadelo.


Texto inédito para a revista Luz.
A tradução do título original - Les mots et les maux de la crise - para a língua portuguesa esconde o jogo lingüístico baseado na semelhança sonora entre mots (palavras) e maux (males), em francês.
Termo traduzido assim nos textos de Maffesoli em português. O adjetivo societal, apesar de não se encontrar em dicionários da língua portuguesa, possui registro no francês - sociétal - (e também no inglês: societal) e significa ser relativo à sociedade humana. Note-se que o radical latino societ- existe em português, na palavra societário, por exemplo, presente na maioria dos dicionários.
NT: Foucault aborda o assunto em suas obras: Les mots et les choses. Une archaéologie des sciences humaines (1966) e L´Archaéologie du savoir (1969).

*Michel Maffesoli é membro do Instituto Universitário da França e professor da Universidade de Sorbonne.

domingo, 10 de abril de 2011

III Jornada Heidegger - última chamada

Em sua terceira edição, a Jornada Heidegger propõe como tema central de seus trabalhos “Entre Nietzsche e Sartre – Pensar a Liberdade”.

Em memória do trigésimo-quinto aniversário do falecimento de Martin Heidegger, convidamos toda a comunidade acadêmica a participar da III Jornada Heidegger, a ser realizada nos dias 31 de maio, 1 e 2 de junho de 2011, na cidade de Natal. (Local a confirmar)

Conferencistas confirmados:
Prof. Dr. Marco Antônio Casanova (UERJ)
Prof. Dr. Róbson Ramos dos Reis (UFSM)
Prof. Dr. Paulo César Duque-Estrada (PUC-Rio)

Organização:
Prof. Ms. Dax Moraes – Curso de Filosofia do CAS/UERN / NEXT-Núcleo de Estudos sobre Existência (UERN) / Grupo de Estudos em Metafísica e Tradição (UFRN)
Prof. Dr. Oscar Federico Bauchwitz – PPGFIL/UFRN / Grupo de Estudos em Metafísica e Tradição (UFRN)


 Visite: jornadaheidegger.wordpress.com

domingo, 14 de novembro de 2010

DISSIMULAÇÃO...


O que fazer para desconversar algo que pode nos afetar emocionalmente? O que respondemos quando ouvimos algumas perguntas cujas respostas poderão constranger as pessoas ou até mesmo envergonhá-las? Eis algumas questões delicadas para nossa reflexão. Não seria melhor dissimular algumas verdades para o bem da convivência social, para a saúde emocional e para a ética!?

A dissimulação nos círculos de conversas nem sempre é o mais desejável, visto que ficamos com a resposta engasgada, temendo às vezes incomodar a paz do outro com uma verdade mal colocada. Quando o assunto é irritante, a resposta vem de imediato com palavras as mais violentas possíveis. Palavras estas carregadas de raiva podem ferir sem piedade nossos oponentes, bem como expressões cheias de verdades que os constrange, que os envergonha, de modo que a prudência é o melhor caminho nessas horas. Manter a serenidade; escolher bem as palavras; pesar cuidadosamente cada termo pode ser a saída mais sábia que merecidamente não trarão piores consequências para os espíritos comoventes e sensíveis.

É óbvio que não há só espíritos dessa natureza, no entanto, para estes, requer de quando em quando não economizar as dissimulações. Vejo aqui a dissimulação não como uma fuga do assunto em vigor, tampouco uma simples saída de retirada, porém uma estratégia sábia e interessante para amenizar os ânimos exaltados acerca dos problemas delicados do dia a dia.

Preservar as amizades e a saudável convivência social por meio de dissimulações parece-me também, razoavelmente, uma atitude inteligente, na medida em que preservamos nossa integridade e simultaneamente a do outro, do ponto de vista ético, emocional e pessoal.

Gostaria de me fazer entender um pouco mais aqui, se possível, pensando o termo “dissimulação” como indiferença, apatia, imparcialidade e autodomínio em relação a tudo que possa nos afetar negativa e injustamente.

Há um texto do filósofo alemão Heidegger, um dos baluartes da fenomenologia, que escreve sobre a dissimulação a partir da ontologia da verdade. A dissimulação teria uma relação com o “deixar-ser desvelador”. Uma espécie de não-verdade original ou, como segue Heidegger ao dizer: O velamento do ente em sua totalidade”. De fato, como alude este filósofo, a dissimulação dá brechas ao “mistério” que é a dissimulação do que está velado. (Cf. HEIDEGGER. Sobre a Essência da Verdade. Col. Os Pensadores. São Paulo. Nova Cultural, 1991. p. 131).

Todavia, parece-me que aproveito a ideia de dissimulação em Heidegger para forçar um pouco a aproximação psicológica e ética que muitas vezes emana de nós, seja em discussões de ordem familiar, religiosa ou política que de algum modo mexem com nossas emoções provocando as mais diversas reações de raiva, ódio, alteração da voz, alteração do humor, etc...

Certamente, esta não é a ideia exata de Heidegger ao falar da dissimulação, mas não nos custa ouvir o que ele nos diz um pouco mais sobre o assunto. Pois, enquanto não-verdade que domina o homem e o ser-aí, o filósofo afirma a dissimulação: “Nada menos que a dissimulação do ente como tal, velado em sua totalidade, isto é, o mistério. Não se trata absolutamente de um mistério particular referente a isto ou àquilo, mas deste fato único que o mistério – a dissimulação do que está velado – como tal domina o ser-aí do homem”(Ibidem).

Portanto, não há mal algum para os que hão de dissimular sempre que necessário ao bom senso, haja vista que “até o tolo, quando se cala, será reputado por sábio; e o que cerrar os seus lábios, por sábio”(Pv. 17.28).


Prof. Jackislandy Meira de Medeiros Silva

Licenciado em Filosofia pela UERN e

Especialista em Metafísica pela UFRN


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sexta-feira, 20 de agosto de 2010

A verdade(alétheia em grego) para Heidegger...

Daí, a ética, segundo este filósofo, vir acompanha de uma noção de ética originária, e não simplesmente normativa, nem tampouco moralista. O “Dasein” sabe que sua implicação na vida deve ser sem qualquer norma, pois é constituído dessa liberdade. Esta é a essência da verdade, o “ser aí” dotado de mostração e manifestação, mas que preserva sua ocultação. A verdade é o desvelamento do ser conforme um movimento por dentro da idéia do mundo. “A essência da verdade se desvelou como liberdade. Esta é o deixar-ser ek-sistente que desvela o ente. Todo comportamento aberto se movimenta no deixar-ser do ente e se relaciona com este ou aquele ente particular. A liberdade já colocou previamente o comportamento em harmonia com o ente em sua totalidade...”(HEIDEGGER. Conferências e escritos filosóficos. In Col. Os Pensadores. São Paulo, Nova Cultural, 1991. p. 130)

Verdade é o desoculto, aquilo que se mostra. Desocultar e ocultar não são separáveis, mas aquilo que no aparecer se oculta. Revelação. É o jogo luz e sombra na cultura barroca. Na arte, as obras se manifestam nesse tom, nessa linha. É um jogo de mostração e de ocultamento. “Justamente, na medida em que o deixar-ser sempre deixa o ente, a que se refere, ser, em cada comportamento individual, e com isto o desoculta, dissimula ele o ente em sua totalidade. O deixar-ser é, em si mesmo, simultaneamente, um dissimulação. Na liberdade ek-sistente do ser-aí acontece a dissimulação do ente em sua totalidade, é o desvelamento”(ibidem, p. 131).

O homem está sempre na verdade e na inverdade, para Heidegger. Ouvir e escutar são duas formas de dizer. O silêncio é uma forma de discurso. Este é originariamente silêncio. É radicalmente a fala que fala. Somos nós que falamos a fala que nos fala. A linguagem do silêncio está fora da razão. Através do silêncio é possível encontrar a verdade.

O ser mesmo é abertura, como vimos na analítica do Dasein.

Falar da verdade não é outra coisa senão expressar o Dasein. O lugar da verdade não é o juízo, mas o juízo que está na verdade. O fato de julgar não me diz a verdade, é absolutamente o contrário, a verdade é quem me diz o ato de julgar.

Heidegger desconstrói o tradicional conceito de verdade. O Dasein é transcendente a todas as possibilidades intramundanas de mudar. As coisas que estão aí são puras possibilidades de mudar.

Sem querer mudar de assunto, qual é o motivo da vontade humana? A vontade age sempre em função do bem. O que faz com que a vontade permaneça livre em escolher o bem? Não é o bem maior que determina a minha vontade de escolha, mas a vontade que escolhe o bem maior. Quanto mais um ato escolhe, mais totalmente envolve a existência e mais facilmente será livre.

Se a vontade estiver diante da totalidade do bem, ela não escolhe, mas necessariamente vai querê-lo. Mas só há um bem capaz de determinar a liberdade, Deus, Ser perfeitíssimo. Os outros bens particulares são livres para que o homem escolha ou não.

“O homem é uma paixão inútil”(Sartre).

“Nasce sem razão, vive sem sentido e morre inutilmente”(Heidegger).

“Seja como for, uma coisa se torna clara: a questão da Alétheia, a questão do desvelamento como tal, não é a questão da verdade. Foi por isso inadequado e, por conseguinte, enganoso denominar a Alétheia, no sentido da clareira, de verdade. O discurso sobre a Verdade do ser tem seu sentido justificado na ciência da lógica de Hegel, porque nela verdade significa a certeza do saber absoluto. Mas tampouco Hegel como Husserl questionam, como também não faz qualquer metafísica, o ser do ente, isto é, não perguntam em que medida pode haver presença como tal. Só há presença quando impera clareira. Esta, não há dúvida, é nomeada com a Alétheia, com o desvelamento, mas não como tal pensada”(ibidem, p. 80).

Ser clareira aqui, viver na clareira não tem nada a ver com luz, iluminação, mas mostração, desocultamento, verdade. O homem é apenas o lugar desta mostração.


Prof.: Jackislandy Meira de M. Silva

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sexta-feira, 23 de outubro de 2009

O rosto no dizer de Lévinas...


Não é sem demora que, lá pelo mês de novembro, nas vésperas das festas de fim de ano, se possa sentir embalado por fortes e amenos sentimentos de ternura pelos outros, pela família, pelos amigos, pelos colegas, os quais compartilham o fabuloso fato de existir. Corre nas veias o sangue do atrevimento para se permitir subverter aquilo que Sartre fazia questão de afirmar: “o inferno são os outros” por “o céu – na sua dimensão de infinito – é o outro!” na brilhante visão de Emanuel Lévinas.
Caro leitor, as pessoas marcadamente têm a força expressiva de um rosto. Rosto que por mais íntimo que seja, é um rosto de outrem. Para Lévinas, o rosto não é a simples mostração da aparência, ou melhor, não é o que está na frente da cabeça ou aquilo que a envolve, não. O rosto não se desvela somente pela relação com o Outro ao observá-lo, descobrir-lhe o contorno dos narizes, a feitura das sobrancelhas, o piscar e a cor dos olhos, o espontâneo sorriso da boca, enfim. O rosto não é restrito apenas à percepção, mas é pura exposição, revela-se nu, desprovido, destituído de uma pobreza essencial. Mas, simultaneamente o rosto é quem nos proíbe de matar. Ele não precisa estar em contato com algo mais para ter significado, “o rosto significa tudo por si mesmo”. Nada o contém. É excesso, infinito, vastidão.
A relação que se estabelece com o rosto é de desinteresse, de entrega e de desprendimento. É pura fruição definida por Agostinho. Sua relação não é de conhecimento, mas de desejo. Quanto maior a satisfação, mais longe está de ser satisfeito. Ao contrário da visão, que absorve o ser, o rosto lhe escapa. O outro é rosto(aquilo que não pode ser reduzido à compreensão, contrariando as expectativas de Descartes e de Kant) e o rosto é “aquilo que não se pode matar”(Lévinas). Somos orientados, comandados por esse rosto, que só deseja vida. O rosto é, portanto, responsabilidade. Diante do rosto, no entanto, não se contempla, mas se responde a ele, se responde ao chamado: o rosto é ao mesmo tempo riqueza e pobreza, domesticação e submissão, frágil e poderoso. Interagir com o outro implica se antecipar à consciência. Ser ético é a interrupção do ser pelo Outro, por isso é possível uma atitude de sacrifício ou apenas afirmar: “Depois de você”, dou-lhe tudo, devo-lhe tudo. Não é bem assim, pois Lévinas tem um alcance mais apurado sobre a alteridade que deve ser moderado, sua relação com o outro deve ser sábia. Numa multiplicidade de homens, não posso dar tudo ao outro, pois há alguém mais: devo “medir, pensar, julgar, comparar o incomparável”. Se o rosto é “significação sem contexto”, se poderia dizer que o rosto é um deserto: o nada que preenche todo o espaço. Assume-se aqui quase uma direção niilista do rosto de Lévinas, o que não é tão confortante.
A direção é outra, a que se aproxima de Heidegger talvez. Segundo Lévinas, o rosto do outro comporta a dimensão de abertura. A visão desse rosto é a visão da abertura do ser, que o afirma mais do que nega. A relação de alteridade o conduz para uma dimensão de experiência que não se refere a ele próprio, ao seu egoísmo e ao seu relativismo. O rosto é terno e promissor. O rosto é desinteresse total. Quando vejo o rosto de minha esposa pela manhã na perspectiva dele mesmo, é inevitável uma reação de estar diante de uma “coisa dada”, de um presente. Como o rosto recusa se identificar com o conteúdo, ele se propõe, segundo Lévinas, a uma alteridade independente de qualquer qualidade que o diferencie do eu, porque tal diferença imporia entre o eu e o outro uma comunidade de gênero, que anularia a alteridade.
Assim, o rosto se derrama, se extravasa na forma que o delimita, que o circunscreve. O rosto não tem fronteiras. O rosto fala ao eu. “Compreender uma pessoa é já falar-lhe.”(Lévinas). O rosto opõe ao eu o infinito da sua transcendência em relação ao todo. Esse infinito, para Lévinas, é expressão original. O rosto se desemboca no infinito. O rosto não se dilui no infinito, mas se afirma nele. É o infinito que responde totalmente ao outro, ao rosto – e vice-versa.
Como se avizinha de nós as festas de fim de ano, não é por acaso que nos encontramos inseridos na cultura cristã, envolvidos por uma atmosfera de gratidão a Deus, a Cristo e ao Espírito Santo a fim de que sejamos tomados por sentimentos eivados de verdade. Daí ser mais do que oportuno, aproveitarmos dessa época tão especial para nós, uma vez que nossos corações desejam ardentemente fruir para infinitas relações com outros eus, no dizer do poeta português Fernando Pessoa, “eu e os outros eus”. Fiem-se, todos, nisso: na relação estreita e incontida do seu eu com os outros eus.

Jackislandy Meira de M. Silva. Professor e filósofo.
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quarta-feira, 16 de setembro de 2009

A cura(sorge em Heidegger), no sentido da existência, a partir da fábula de Higino.


Nunca escrevi algo tão difícil, por outra belo, de se pensar e de se traduzir na existência mesma do homem. É a partir de uma leitura feita em “Ser e Tempo”, na qual Heidegger, com muita proeza e espírito atinado às questões da existência, presenteia sua época acerca da compreensão da “cura” aliada ao conceito de cuidado.
Na medida em que Heidegger, na altura dos anos vinte do século passado, desdobra sua Filosofia metafísica sobre o “Dasein”, “o ser-aí”, o sentido da palavra “cura” parece ganhar corpo em sua estrutura filosófica. Como conseqüência da certeza de que o “Dasein” não pretende dar conta de todos os existenciais – abertura, facticidade, decadência -, Heidegger aposta todo o desenrolar da obra em um movimento extraordinário do ser para a “cura” ou “sorge”, cuidado.
“Cura” no sentido de ser cuidado, do ponto de vista da existência vem a ser entendido como tal, numa atitude de serenidade. O problema dessa abordagem sobre o conceito de “sorge” em Heidegger recai nisto: serenidade.
Na essência das palavras de Heidegger, o “ser-no-mundo é cura”( Martin Heidegger. Ser e tempo, p. 257. 5.) e que “a angústia, como disposição fundamental, pertence à constituição essencial da presença como ser-no-mundo”(idem, ibidem, p. 253). Cura, cuidado, angústia e serenidade, portanto, integram-se à constituição essencial do ser-aí como ser-no-mundo.
Assim, é difícil acreditar que a utilização da fábula a ser apresentada em seguida, do autor latino Caius Julius Hyginus, tenha de fato o sentido a que se pretende alcançar aqui, uma vez que ela servirá como metáfora indispensável para a dimensão e o alcance do termo cura não só como cuidado, mas também como angústia. É bem verdade que a palavra latina empregada no texto original da fábula não é angústia, mas “cura”, cujo significado principal é indiscutivelmente “cuidado”. Mas como, em latim, a palavra “cura” pode também ser traduzida por “inquietação” e “preocupação”, confesso que não é despropositado traduzir o termo “cura” por “Sorge” e não por angústia. Além do que, no cuidado existe sempre uma dimensão de preocupação e de angústia(Cf. Zeferino Rocha. A guisa de uma conclusão: uma fábula. In: ____ Os destinos da angústia na psicanálise freudiana. São Paulo: Escuta, 2000. p. 157-162).
A fábula de Higino posta a seguir também fora descoberta por Heidegger que sugeriu apropriar-se dela para o exercício do “Dasein” no tocante aos vocábulos cuidado e preocupação. Segundo ele, a fábula tem a força de um testemunho como interpretação pré-ontológica do ser-aí no mundo.
Eis a fábula na sua versão brasileira:
“ Angústia, ao atravessar um rio, viu uma massa de argila e, mergulhada nos seus pensamentos, apanhou-a e começou a modelar uma figura.
Quando deliberava sobre o que fizera, Júpiter apareceu. Angústia pediu que ele desse uma alma à figura que modelara, e, facilmente, conseguiu o que pediu.
Como Angústia quisesse, de si própria, dar um nome à figura que modelara, Júpiter proibiu e prescreveu que lhe fosse dado o seu. Enquanto Angústia e Júpiter discutiam, Terra apareceu e quis que fosse dado o seu nome a quem ela fornecera o corpo.
Saturno foi escolhido como árbitro. E este, equitativamente, assim julgou a questão:
‘ Tu, Júpiter, porque lhe deste alma, tu a terás depois da morte. E tu, Terra, porque lhe deste o corpo, tu o receberás após a morte. Todavia, porque foi Angústia quem primeiramente a modelou, que ela a tenha, enquanto a figura viver.’
Mas, uma vez que existe entre vós uma controvérsia sobre o nome, que ela seja chamada ‘homem’, porque feita do humus”.
Portanto, o ser-aí, que é o homem, enquanto viver, pertencerá a Cuidado(Sorge). Cura prima finxit: o que vale a dizer, o Cuidado(Sorge) modelou o ente que é o homem na sua origem e o seu signo o marcará durante toda a trajetória de seu viver no tempo. O homem pertencerá a Cuidado(Sorge) enquanto viver – quamdiu vixerit.


Jackislandy Meira de Medeiros Silva, Professor e Filósofo.
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sexta-feira, 25 de abril de 2008

Especulações acerca do mito



(a imagem ao lado nos reporta às narrativas dos trabalhos e os dias de Hesíodo – a caixa de Pandora – presente para todos os deuses)


“O mito é o nada que é tudo” (Fernando Pessoa).
O momento em que vivemos está sendo chamado por demais de Século do conhecimento. Só que nos esquecemos de discernir bem o que é, de fato, conhecimento, uma vez que conhecer, do latim cognoscere, significa trabalhar com nous, com a inteligência a ponto de estabelecer a diferença de uma coisa da outra. Ter noção de alguma coisa. Não é apenas assimilar ou ler informações rapidamente, onde a razão parece mais demente com o entra e sai de dados, de informações, do que com o refletir das causas em torno da realidade. O conhecimento tem que estar na direção da busca pelo saber, na medida do possível atrelado à Filosofia, em comunhão com a cogitação do pensamento, numa espécie de jogo do pensamento.
O modo como as coisas vieram a ser o que são ou como fora dado o ser ainda permanece sob suspenso na linha do conhecimento. Os limites da razão não nos deixam desvendar como, no fundo, são as coisas, pois nos diz Heidegger que nunca chegaremos a conhecer o que são as coisas, no máximo, chegaremos a dizer a sua aparência, jamais saberemos a sua essência. Para Wittgenstein, também não podemos mais ser filósofos porque não conseguimos mais trabalhar os conceitos de totalidade e essência. Esses conceitos não vão nos ajudar mais em nosso mundo. Daí o mundo ser caótico e desesperado.
No entanto, ousamos a denominar este tempo, de tempo do conhecimento. Onde estão as culturas que fundamentaram a linguagem e a escrita? Que lugar elas ocupam na dimensão do nosso conhecimento? Tivemos a petulância de tatuar as coisas, de imprimir-lhes significados, mas não lhes damos o devido valor. Os nossos ancestrais, no seu estado de natureza, como diria Rousseau, eram peritos em botânica, ecologia, geometria, agricultura, artes, enfim... Mas não foram honrados como gente do conhecimento. Souberam como ninguém a explorar racionalmente a natureza e a cantar as suas conquistas, glórias e paixões através do mito.
Anterior a qualquer tentativa de convenção categórica racional, o mito vem a ser a forma mais acabada de expressão humana sobre a vida, aquém e além dela. O que há de mais interessante é o fato de, com o mito, abraçarmos o que a razão, o logos não pode alcançar.
O vôo que se tem com a narrativa mitológica é extraordinário. Saborear o dizer de alguma coisa sem qualquer motivo de racionalização deve inserir-nos na dimensão do mistério, do sagrado, do religioso.
Platão nos oferece, depois de avançar nos níveis de conhecimento, uma maneira de descobrir também a verdade, a beleza e a idéia, o mito.
No pensar de Platão, não há uma separação entre mito e logos, no máximo pode haver uma distinção, o que não favorece a um e a outro.
Se o logos tende a explicar o surgimento de todas as coisas, isto não quer dizer que seja maior ou melhor que o mito, até porque este surge como tentativa de explicar a morte, o nascimento, a vida, os conflitos... O mito pretende muito mais do que podemos alcançar. O mito é sugestivo e um estímulo para o conhecer, pois não é um sistema pronto ou acabado, sem nada a acrescentar. O mito é responsável por provocar perguntas novas a respeito de tudo que nos cerca.
Em virtude disso, o pensador contemporâneo Edgar Morin afirma que “o mistério do mito invade o que o considera do exterior, enquanto, do interior, o mito é vivido não como mito, mas como verdade”.

Jackislandy Meira de M. Silva, professor e filósofo.
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segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Heidegger e a questão do ser...

(Martim Heidegger nasceu no dia 26/09/l889 em Messkinch, Alemanha, onde sua família já estava radicada há vários séculos. Com o passar dos anos tornou-se um dos filósofos mais importantes do século XX, vindo a trabalhar como Professor honorário até a morte, em 26/06/l976).

Há muito que a Filosofia se pergunta pela questão do ser. O que significa o ser? Em Parmênides encontramos a definição lapidar: “Pois existe o ser”. Também Aristóteles em sua Metafísica propõe a questão do ser. Pergunta-se sempre somente pelo ente com referência ao seu ser. Quando questionamos o ente assim como ente, vemos não em relação ao fato de ele estar simplesmente presente, por exemplo, como uma cadeira, uma mesa ou uma árvore, mas sim como ente: vemos, pois em relação ao seu ser. Esta é a questão fundamental de toda a Metafísica[1].
Para Heidegger, fora do ente não há ser. O ser não é o ente, mas o ser do ente. Afirma pensar o ser como tal: o ente enquanto ente. Enquanto o que é se identifica com o ser. Ser enquanto ser.
A Analítica existencial de Heidegger tem uma estrutura ontológica da existência que desconstroi a tradicional concepção metafísica da subjetividade, por meio de uma verdadeira compreensão dos aspectos da Existência, da Facticidade e do Ser-no-mundo.
A existência do ponto de vista geral é o que está aí. Um fato bruto e incondicionado de estar presente, o Dasein. No sentido humano é vida, biologia, biografia. Narrativa dos acontecimentos da vida decidida, a história como o modo de ser humano na sua temporalidade(passado, presente, futuro). Heidegger admite aqui uma quarta instância do tempo: o agora como transcendência intra-temporal, incluindo o homem, de modo a ser o horizonte possível através do qual podemos compreender a existência.
A temporalidade nos permite compreender o ser na sua totalidade, enquanto conjunto de todas as possibilidades. Assim, é inevitável a influência do tema morte nessa discussão, porque ela está o tempo todo atrás de nós mesmos. A morte é constituição ontológica, pura possibilidade. Existe aqui a possibilidade da impossibilidade, a morte. Somos todos constituídos como um ser pra morte desde sempre.
A respeito da facticidade em Heidegger, permite-nos sublinhar que se opõe a factualidade porque é um projeto lançado de tal e tal modo(“meu já-ser”). Ser-no-mundo, e não no ar, mas numa conjuntura. O ser humano como pura compreensão de ser. Um ser posto pra fora. Lançado(Dasein) significa ser o “aí” do ser, presença e abertura de ser ou estar voltado para o ser.
A compreensão do Ser-no-mundo nos leva à estrutura ontológica fundamental do Dasein. Toda a história da Metafísica considerou a diferença metafísica entre os entes. Fundacionismo como onto-teologia. Assim, não se pensa o ser em si mesmo. Fizeram do ser um ente. Deus não é um ser, porém um ente que contrapõe a outros entes.
Destarte, observamos que a desconstrução do ser feita por Heidegger constitui o pulsar de sua Filosofia ao afirmar que o ser é abertura e pura possibilidade de ser.
Ser pura possibilidade significa ser coisa alguma, nada. Pura nulidade. Por que ser possibilidade incomoda? Por que ser finitude incomoda? Se somos um conjunto de nossas possibilidades, e a mais radical e extrema é a morte, significa dizer que a morte é luz da compreensão de todas as totalidades. O ser pra morte constitui o guia de compreensão do ser. Antecipar-se à morte. Viver como mortal. Assumir-se como mortalidade já. Serenidade!
Dessa forma, pontua-se aqui o que é Análise da existência própria. Analisar os existenciais. Heidegger contrapõe os existenciais às categorias. Os existenciais são os modos possíveis de ser. A essência do homem consiste em não ter essência. A essência é o que já era ser para Aristóteles, equivalente aqui à idéia, “eidos”. Do ponto de vista da existência, a essência é pura possibilidade, pode ou não existe. A essência independe da existência.
O ser homem consiste em nunca ser. “Ek-sistencia” – ser pura compreensão do ser poder-ser, o ainda não-ser.

Jackislandy Meira de M. Silva, Professor e Filósofo.
[1] Cf. HEIDEGGER, Martin. Seminário de Zollikon. São Paulo: EDUC; Petrópolis, RJ: Vozes. 2001, p. 142-143.

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