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domingo, 6 de abril de 2014

Oh, o outro!



Às vezes até mesmo os filósofos cedem à facilidade. Quando estão totalmente perdidos, quando não sabem mais como imperar e se fazer ouvir, sacam suas formulazinhas mágicas. A mais “hype”, nos dias de hoje, é tão simples quanto “bom dia” ou “obrigado”; é “o Outro” ou ainda “Outrem”. Nosso filósofo, que no início da noite se apresentou modestamente como fenomenólogo, não fará uso dela senão com prudência. Aliás, o fenomenólogo é por natureza um sujeito circunspecto: é o cara que sabe que, sob o mapa rodoviário, há florestas, lagos, rios, em suma, que olha para a estrada e não confia exclusivamente no GPS. Eis por que ele saberá evitar pronunciar “o Outro” com demasiada ênfase, pois, se vocalizarmos pesadamente o O maiúsculo, a palavra fica ridícula. Mas tampouco a lançará com a displicência dos que dizem “o Outro” como se falassem dos “outros”, das “pessoas”, do “povo” ou dos “burgueses”, pois seu território é a terra escarpada da ética e não a sala de espera da banalidade social. Imporá a fórmula sem “pathos” e sem despudor. Apresentá-la no momento oportuno é fundamental. Cedo demais, o filósofo seria tomado por laborioso charlatão. Tarde demais, quando cada um só pensa em si, ninguém irá ouvi-lo. “O Outro” casa perfeitamente com uma salada, quando já comemos o suficiente para ansiar por um pouco de transcendência. Ele pode começara afirmando: “Temos que saber respeitar a alteridade do outro”(durante uma conversa sobre assimilação dos imigrantes); “O mais bonito é encontrar o Outro”(sobre férias na Tailândia); “Precisamos sair da ditadura do Mesmo e conseguir pensar no Outro” (sobre geopolítica); ou ainda: “É impossível apreender plenamente a alteridade do Outro” (sobre um caso de adultério). Que azar, nosso herói esbarra com uma dificuldade: um beócio fanático por fenomenologia transcendental. O qual está se lixando para a inobstante respeitável alteridade do Outro e rebate num tom de gangue de rua: “Oh, o outro!” O fenomenólogo não se desarma e aceita o diálogo (o que, em linguagem filosófica, significa o monólogo): “O que é o Outro? Nada. Porque não é uma coisa.” E abram alas! “Claro, podemos reificar o Outro homem, o outro eu, o alter ego, fazer dele um mero objeto, de prazer ou de ódio. É tão mais simples assimilar o outro a um papel social... Mas então você reduz um sujeito humano ao cognoscível. Ora, o Outro me escapa por princípio.” Se o intrometido não responder nada, é porque está desestabilizado. O fenomenólogo pode então pronunciar o nome do grande pensador do Outro sem temor de desencadear a hilaridade geral: Levinas, prenome Emmanuel, filósofo do século XX nascido na Lituânia (daí seu sobrenome esquisito) e naturalizado francês em 1930. “Para Levinas”, continua o alterófilo, “a ética não é uma seção entre outras da Filosofia, mas seu eixo principal. Por quê? Porque a ética não é fruto de uma reflexão abstrata sobre os nossos atos, mas da experiência perceptiva do Outro homem, de Outrem. Quem é o Outro? É alguém que possui todas as minhas características, um outro eu, com suas percepções, seus sentimentos, seus pensamentos. Mas que todavia escapa à inspeção geral promovida pelo Outro. Na experiência mais simples, o Outro me desafia. Descrever o que se passa permite, então, descobrir tesouros éticos. O Outro apresenta-se normalmente sob o aspecto de um rosto. Esse rosto não é uma coisa a ser analisada, mas um Outro encontrar. Claro, tenta-se frequentemente mascarar essa indigência do rosto conferindo-lhe conteúdo. Mas o rosto é a oferenda de uma vulnerabilidade essencial. Não são as religiões que fundam a moral, mas é a percepção do rosto do Outro que decreta regras, de maneira imanente: ‘O rosto é o que não podemos matar, ou pelo menos aquilo cujo sentido consiste em dizer: Não matarás’, escreve Levinas.” Se o chato não pagar uma penitência depois dessa bela tirada e continuar sem compreender a beleza do Outro, só resta ao nosso filósofo consolar-se dizendo que, decididamente, os Outros são sempre os Mesmos.

In ORTOLI, Sven. Pequeno Manual para Sobreviver a um Papo-cabeça. Trad. de André Telles. Rio de Janeiro: Agir, 2008. p. 89-92

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Uma dialética sobre o nada!



“O que antigamente, agora e sempre se tem buscado e tem sido objeto de dúvida, o que é o ser?”(Metafísica V, Aristóteles).
Por incrível que pareça todas as atenções hoje são voltadas para uma visão negativa do aspecto do não-ser. O não-ser se revela como um objeto de estudo e de análise positiva para entendermos o comportamento e o pensar modernos. Transformamos, em virtude de Nietzsche, o não-ser metafísico clássico no niilismo ético moderno. Ou seja, passamos de um estágio absoluto da filosofia para um outro relativo e superficial que aponta para o nada, desprovido de conceitos, de ideias, de valores, de sentido. Nietzsche reduziu o ser ao nada! Mas, deu a este nada grandes e incomparáveis poderes, capaz até de o personificar.
Voltemos aos antigos, Aristóteles dá margem para um outro problema na História da Filosofia que já vinha sido posto por Parmênides de Eléia, o não-ser. Quando um filósofo, um poeta, um artista ou um leigo como qualquer outro ou até o homem do vulgo se empenham, de fato, na busca pelo ser acabam dando conta de que há um limite para o ser que é o não-ser.
O saber dos antigos parece não encontrar muito respaldo para a geração atual, uma vez que não reconhecemos verdades ou convicções que nos prendam ou nos remetam ao que é duradouro, eterno, imutável, essencial, infinito, constante, profundo, desconhecido... Essas expressões são consideradas quase que obsoletas numa época de esvaziamento de todos os sentidos absolutos, de deserto, de dor, de falta de sentidos. Não por acaso a poesia de T. S. Eliot vem sendo afirmada: “Deserto e vazio. Deserto e vazio. E as trevas à beira do abismo”.
No entanto, o não-ser representa a fecundidade da idéia de ser, ou seja, o nada é uma espécie de limite de ser. Limite aqui deve ser entendido como simples negação do ser. Em sentido absoluto, o não-ser equivale ao nada que é a exclusão total de ser, o aniquilamento do ser.
O nada nem sequer pode ser pensado. O nada é, neste caso, uma destruição do ser e de toda inteligibilidade. Nessa direção continuamos com Parmênides em seu poema sobre o ser, quando assim se expressa: “Necessário é o dizer e pensar que o ente é; pois é ser. E nada não é. Isto eu te mando considerar.” Neste poema que só citamos o finalzinho, o filósofo admite também que a deusa lhe comunica uma verdade, o ser é, o não-ser não é, justificando assim pra toda história do pensamento o princípio de contradição. Toda vez que eu penso afirmo o ser. Toda vez que uso a inteligência dou imagem ao ser. Pensar em si mesmo significa afirmar o ser. Daí, pensar o nada significa não pensar. O nada é impensável. Este princípio passou pra história como princípio de Parmênides ou de Contradição. Ao mesmo tempo, não se pode ser e não ser. Tem que ser ou não ser.
Muito embora o princípio de Contradição de Parmênides se faça visível e pertinente em nosso filosofar e em nosso viver, é bem verdade que fugimos aqui e acolá da autêntica identidade de mostrarmos quem realmente somos! Pretos ou brancos, índios ou negros, pardos ou amarelos, homem ou mulher, magros ou gordos, altos ou baixos, pobres ou ricos, brasileiros ou não, trabalhadores ou não, crentes ou não, políticos ou não, violentos ou não... O certo é que nada disso importa, não somos nem uma coisa nem outra. Nada faz diferença. Não existe mais o princípio de contradição, de identidade e nem o do terceiro excluído. Tudo é incluído. Nada é excluído e a lógica clássica foi superada ou rompida. Enfim, não poucas vezes dizemos mais o que não somos a dizer o que, de fato, somos. Se isso importa em nossos dias, é melhor afirmarmos o que realmente somos, antes que algo venha a se levantar contra nós para nos denunciar, o não-ser. Pois, para o não-ser não existe a verdade, só existe o que posso dizer sobre ela. Não há mais identidade, só há pluralidade exposta pelo não-ser, uma vez que é bastante divertido dizer muitas “verdades” sobre mim do que dizer a única verdade pensada sobre mim.
Portanto, para ilustrar esse devaneio sobre o não-ser, gostaríamos de retomar Nietzsche em relação à Platão. O primeiro diz: “A mentira é o poder”(fragmentos póstumos). O segundo afirma: “A verdade jamais é refutada”(diálogo Górgias). À medida que a história prossegue, o peso do não-ser se torna maior do que o ser. E tome Filosofia!!!

Jackislandy Meira de M. Silva, professor e filósofo.
Confira os blogs:
www.umasreflexoes.blogspot.com
www.chegadootempo.blogspot.com

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domingo, 6 de abril de 2014

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Às vezes até mesmo os filósofos cedem à facilidade. Quando estão totalmente perdidos, quando não sabem mais como imperar e se fazer ouvir, sacam suas formulazinhas mágicas. A mais “hype”, nos dias de hoje, é tão simples quanto “bom dia” ou “obrigado”; é “o Outro” ou ainda “Outrem”. Nosso filósofo, que no início da noite se apresentou modestamente como fenomenólogo, não fará uso dela senão com prudência. Aliás, o fenomenólogo é por natureza um sujeito circunspecto: é o cara que sabe que, sob o mapa rodoviário, há florestas, lagos, rios, em suma, que olha para a estrada e não confia exclusivamente no GPS. Eis por que ele saberá evitar pronunciar “o Outro” com demasiada ênfase, pois, se vocalizarmos pesadamente o O maiúsculo, a palavra fica ridícula. Mas tampouco a lançará com a displicência dos que dizem “o Outro” como se falassem dos “outros”, das “pessoas”, do “povo” ou dos “burgueses”, pois seu território é a terra escarpada da ética e não a sala de espera da banalidade social. Imporá a fórmula sem “pathos” e sem despudor. Apresentá-la no momento oportuno é fundamental. Cedo demais, o filósofo seria tomado por laborioso charlatão. Tarde demais, quando cada um só pensa em si, ninguém irá ouvi-lo. “O Outro” casa perfeitamente com uma salada, quando já comemos o suficiente para ansiar por um pouco de transcendência. Ele pode começara afirmando: “Temos que saber respeitar a alteridade do outro”(durante uma conversa sobre assimilação dos imigrantes); “O mais bonito é encontrar o Outro”(sobre férias na Tailândia); “Precisamos sair da ditadura do Mesmo e conseguir pensar no Outro” (sobre geopolítica); ou ainda: “É impossível apreender plenamente a alteridade do Outro” (sobre um caso de adultério). Que azar, nosso herói esbarra com uma dificuldade: um beócio fanático por fenomenologia transcendental. O qual está se lixando para a inobstante respeitável alteridade do Outro e rebate num tom de gangue de rua: “Oh, o outro!” O fenomenólogo não se desarma e aceita o diálogo (o que, em linguagem filosófica, significa o monólogo): “O que é o Outro? Nada. Porque não é uma coisa.” E abram alas! “Claro, podemos reificar o Outro homem, o outro eu, o alter ego, fazer dele um mero objeto, de prazer ou de ódio. É tão mais simples assimilar o outro a um papel social... Mas então você reduz um sujeito humano ao cognoscível. Ora, o Outro me escapa por princípio.” Se o intrometido não responder nada, é porque está desestabilizado. O fenomenólogo pode então pronunciar o nome do grande pensador do Outro sem temor de desencadear a hilaridade geral: Levinas, prenome Emmanuel, filósofo do século XX nascido na Lituânia (daí seu sobrenome esquisito) e naturalizado francês em 1930. “Para Levinas”, continua o alterófilo, “a ética não é uma seção entre outras da Filosofia, mas seu eixo principal. Por quê? Porque a ética não é fruto de uma reflexão abstrata sobre os nossos atos, mas da experiência perceptiva do Outro homem, de Outrem. Quem é o Outro? É alguém que possui todas as minhas características, um outro eu, com suas percepções, seus sentimentos, seus pensamentos. Mas que todavia escapa à inspeção geral promovida pelo Outro. Na experiência mais simples, o Outro me desafia. Descrever o que se passa permite, então, descobrir tesouros éticos. O Outro apresenta-se normalmente sob o aspecto de um rosto. Esse rosto não é uma coisa a ser analisada, mas um Outro encontrar. Claro, tenta-se frequentemente mascarar essa indigência do rosto conferindo-lhe conteúdo. Mas o rosto é a oferenda de uma vulnerabilidade essencial. Não são as religiões que fundam a moral, mas é a percepção do rosto do Outro que decreta regras, de maneira imanente: ‘O rosto é o que não podemos matar, ou pelo menos aquilo cujo sentido consiste em dizer: Não matarás’, escreve Levinas.” Se o chato não pagar uma penitência depois dessa bela tirada e continuar sem compreender a beleza do Outro, só resta ao nosso filósofo consolar-se dizendo que, decididamente, os Outros são sempre os Mesmos.

In ORTOLI, Sven. Pequeno Manual para Sobreviver a um Papo-cabeça. Trad. de André Telles. Rio de Janeiro: Agir, 2008. p. 89-92

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Uma dialética sobre o nada!



“O que antigamente, agora e sempre se tem buscado e tem sido objeto de dúvida, o que é o ser?”(Metafísica V, Aristóteles).
Por incrível que pareça todas as atenções hoje são voltadas para uma visão negativa do aspecto do não-ser. O não-ser se revela como um objeto de estudo e de análise positiva para entendermos o comportamento e o pensar modernos. Transformamos, em virtude de Nietzsche, o não-ser metafísico clássico no niilismo ético moderno. Ou seja, passamos de um estágio absoluto da filosofia para um outro relativo e superficial que aponta para o nada, desprovido de conceitos, de ideias, de valores, de sentido. Nietzsche reduziu o ser ao nada! Mas, deu a este nada grandes e incomparáveis poderes, capaz até de o personificar.
Voltemos aos antigos, Aristóteles dá margem para um outro problema na História da Filosofia que já vinha sido posto por Parmênides de Eléia, o não-ser. Quando um filósofo, um poeta, um artista ou um leigo como qualquer outro ou até o homem do vulgo se empenham, de fato, na busca pelo ser acabam dando conta de que há um limite para o ser que é o não-ser.
O saber dos antigos parece não encontrar muito respaldo para a geração atual, uma vez que não reconhecemos verdades ou convicções que nos prendam ou nos remetam ao que é duradouro, eterno, imutável, essencial, infinito, constante, profundo, desconhecido... Essas expressões são consideradas quase que obsoletas numa época de esvaziamento de todos os sentidos absolutos, de deserto, de dor, de falta de sentidos. Não por acaso a poesia de T. S. Eliot vem sendo afirmada: “Deserto e vazio. Deserto e vazio. E as trevas à beira do abismo”.
No entanto, o não-ser representa a fecundidade da idéia de ser, ou seja, o nada é uma espécie de limite de ser. Limite aqui deve ser entendido como simples negação do ser. Em sentido absoluto, o não-ser equivale ao nada que é a exclusão total de ser, o aniquilamento do ser.
O nada nem sequer pode ser pensado. O nada é, neste caso, uma destruição do ser e de toda inteligibilidade. Nessa direção continuamos com Parmênides em seu poema sobre o ser, quando assim se expressa: “Necessário é o dizer e pensar que o ente é; pois é ser. E nada não é. Isto eu te mando considerar.” Neste poema que só citamos o finalzinho, o filósofo admite também que a deusa lhe comunica uma verdade, o ser é, o não-ser não é, justificando assim pra toda história do pensamento o princípio de contradição. Toda vez que eu penso afirmo o ser. Toda vez que uso a inteligência dou imagem ao ser. Pensar em si mesmo significa afirmar o ser. Daí, pensar o nada significa não pensar. O nada é impensável. Este princípio passou pra história como princípio de Parmênides ou de Contradição. Ao mesmo tempo, não se pode ser e não ser. Tem que ser ou não ser.
Muito embora o princípio de Contradição de Parmênides se faça visível e pertinente em nosso filosofar e em nosso viver, é bem verdade que fugimos aqui e acolá da autêntica identidade de mostrarmos quem realmente somos! Pretos ou brancos, índios ou negros, pardos ou amarelos, homem ou mulher, magros ou gordos, altos ou baixos, pobres ou ricos, brasileiros ou não, trabalhadores ou não, crentes ou não, políticos ou não, violentos ou não... O certo é que nada disso importa, não somos nem uma coisa nem outra. Nada faz diferença. Não existe mais o princípio de contradição, de identidade e nem o do terceiro excluído. Tudo é incluído. Nada é excluído e a lógica clássica foi superada ou rompida. Enfim, não poucas vezes dizemos mais o que não somos a dizer o que, de fato, somos. Se isso importa em nossos dias, é melhor afirmarmos o que realmente somos, antes que algo venha a se levantar contra nós para nos denunciar, o não-ser. Pois, para o não-ser não existe a verdade, só existe o que posso dizer sobre ela. Não há mais identidade, só há pluralidade exposta pelo não-ser, uma vez que é bastante divertido dizer muitas “verdades” sobre mim do que dizer a única verdade pensada sobre mim.
Portanto, para ilustrar esse devaneio sobre o não-ser, gostaríamos de retomar Nietzsche em relação à Platão. O primeiro diz: “A mentira é o poder”(fragmentos póstumos). O segundo afirma: “A verdade jamais é refutada”(diálogo Górgias). À medida que a história prossegue, o peso do não-ser se torna maior do que o ser. E tome Filosofia!!!

Jackislandy Meira de M. Silva, professor e filósofo.
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