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domingo, 7 de dezembro de 2014

Walter Benjamim e a "Angelus Novus" de Klee


De Gershom Scholem, poema sobre a "Saudação do Angelus", escrito a partir do quadro de Paul Klee, "Angelus Novus" e que foi enviado para o filósofo Walter Benjamin no dia de seu aniversário em 15 de julho de 1921.
"Aqui da parede, nobre, / não pouso o olhar em ninguém, / venho do céu que vos cobre / sou homem-anjo do Além // No meu reino o homem é bom / mas não é nele seu aposto / recebo do Alto o dom / e não preciso de rosto // A região de onde vim / tem medida e luz sem fundo: / o que me faz ser assim / é prodígio do vosso mundo // Dentro de mim está a urbe / para onde Deus me mandou / o anjo com este selo / nunca ela o deslumbrou // Minha asa está pronta para o voo altivo: / se pudesse, voltaria / pois ainda que ficasse tempo vivo / pouca sorte teria // Os meus olhos são negros e fundos / e nunca se esvazia o meu olhar / sei muita coisa deste mundo / sei o que venho anunciar // Não sou simbólico nem trágico /significo o que sou, é tudo / em vão giras o anel mágico / pois em mim não há sentido". (in BENJAMIN, Walter. O anjo da história. Trad. de João Barreto. 2ª ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2013, p. 14, [N.T.])

quarta-feira, 16 de abril de 2014

Jesus, um homem da periferia


Diferente do que aponta radicalmente a tradição sobre a figura fascinante de Jesus; sem muita teologia; sem tantos adornos majestosos, fantásticos; entretanto, resgatar a referência de Jesus como um homem da periferia implica reter em sua história um contexto que lhe é próprio, modesto, mas que lhe fora negado por séculos. Somente agora nos últimos vinte ou trinta anos estamos reconstruindo um modo novo de revisitar os textos bíblicos à luz da historiografia em diálogo com a Arqueologia.
Trata-se, na verdade, de redescobrir em nossa vida o Jesus histórico. Do contrário, parece que legamos um cristianismo extremamente ideológico, moralista e autoritário sem abertura para o diferente de si, porém sistemático, fechado num esquema de autodefesa ortodoxa de algumas instituições religiosas que nos impedem de pensar um Jesus humano, trabalhador, atrelado à sua terra, aos seus valores e pronto a confrontar as estruturas econômicas, políticas, culturais e religiosas de sua época.
Os últimos estudos históricos de Jesus afirmam que era um homem do séc. I EC, um galileu situado numa região geograficamente delimitada na Palestina, sendo a Galileia este lugar no extremo norte dessa região, muito próxima às fronteiras explosivas de conflito em contato com outros impérios. É oportuno distinguir aqui um judeu nascido em Nazaré da Galileia de outro judeu nascido em Jerusalém da Judeia, visto serem duas regiões muito diferentes; de matrizes geográficas, econômicas, políticas e culturais muito diversas. Porque Nazaré encontra-se situada na periferia da Galileia e esta, por sua vez, na periferia da Palestina e do Império Romano, Jesus é historicamente um homem da periferia.
A partir dessa reflexão que ora fazemos, precisamos continuar avançando e reelaborando conceitos e valores. O que a tradição cristã elaborou sobre o Jesus “revelado” nos Evangelhos durante mais de dois mil anos se cristalizou em nossas cabeças pensantes, de tal modo que nos fez distanciar da tamanha riqueza de informações das origens de Jesus e do tipo de judaísmo que ele retinha. Ficamos refém de um discurso dogmático ou ortodoxo sobre Jesus por muito tempo, ao ponto de não nos interessarmos tanto por esse assunto.
Pressupondo que Jesus é basicamente um homem da periferia, mais precisamente um camponês de origens extremamente pobres, somando-se a isso o fato de ser carpinteiro, mas não um carpinteiro que tinha casa, um lugar para trabalhar, terras para cultivar, é possível pensá-lo de um contexto simples, concreto; de homens comuns. Embora a carpintaria na época fosse um ofício de “status” social, a de Jesus era diferente porque “as raposas têm tocas e as aves do céu, ninhos; mas o filho do homem não tem onde reclinar a cabeça” (Mt 8.20). No caso de Jesus, o trabalho de carpinteiro era inferior ao do camponês, pois fazia ferramentas para a manutenção do campesinato. Não tendo nada, Jesus precisava andar, sair, migrar para outros lugares à procura de casas para construir. Provavelmente, devia ser um construtor em constante caminhar, pronto para trabalhar; um reino a desbravar.
Se nos deixarmos guiar por essa ideia catalisadora de um Jesus da periferia, veremos claramente seu projeto de salvação a caminho para a cruz e configurando-se como modelo para toda a humanidade. Ao pegarmos os movimentos, as ações e palavras de Jesus nos textos que nos alcançaram, certamente entenderemos a preocupação de Jesus com os mais pobres, doentes e excluídos. E somente quando recuperamos a figura histórica de Jesus como um camponês da periferia, carpinteiro ou artesão, de Nazaré da Galileia que andou e pregou para muita gente é que, de fato, conseguimos ver a autenticidade e a coerência de seu discurso político, econômico, ético, religioso e cultural.
Lembremos: “Mostrai-me um denário. De quem traz a imagem e a inscrição? Responderam: De César. Ele disse então: Devolvei, pois, o que é de César a César, e o que é de Deus a Deus” (Lc 20. 24-25); “Em verdade vos digo que um rico dificilmente entrará no Reino dos Céus. E vos digo ainda: é mais fácil um camelo entrar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus” (Mt 19. 23-24); “Tudo aquilo, portanto, que quereis que os homens vos façam, fazei-o vós a eles, pois esta é a Lei e os Profetas” (Mt 7. 12); “Destruí este templo, e em três dias eu o levantarei” (Jo 2. 19); “Uma mulher da Samaria chegou para tirar água. Jesus lhe disse: Dá-me de beber!(...) Diz-lhe então a Samaritana: Como, sendo judeu, tu me pedes de beber, a mim que sou samaritana?” (Jo 4. 7-8).
Especialmente nesta semana santa, possamos reconstruir uma imagem diferente e inovadora de um Jesus que experimenta a vasta onda do helenismo de seu tempo; um Jesus que coexiste com o judaísmo e com toda a cultura Greco-macedônica; um Jesus inserido em seu contexto histórico-cultural bastante diverso e plural; um Jesus que nasceu judeu, viveu judeu e morreu judeu. Mas tudo que conhecemos de Jesus está em grego, porém só falou aramaico, provavelmente não leria nada do que fora escrito sobre ele. Esse Jesus, fonte das pesquisas recentes da História, da Antropologia e da Arqueologia desconstrói toda aquela grandeza de um Jesus quase intocável, herdeiro de um discurso glorioso, mágico e fabuloso de algumas culturas religiosas.

Prof. Jackislandy Meira de M. Silva
Bel. e Licenciado em Filosofia, Bel. em Teologia, Esp. em Metafísica e em Estudos Clássicos



sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Em cartaz: A MENINA QUE ROUBAVA LIVROS.

"A Menina Que Roubava Livros": uma adaptação fiel para agradar a todos os gostos

Antes de começar esse texto, eu já gostaria de deixar uma coisa bem clara: sou exigente com adaptações. Sempre que leio um livro, e, principalmente, quando gosto muito dele, vou para o cinema assistir à respectiva adaptação com mais temor que empolgação. E eu amei A Menina Que Roubava Livros, lançado em 2006 por Markus Zusak. Um tanto quanto exótico, o livro é narrado por ninguém menos que a própria Morte, e conta a história de Liesel Meminger, uma menina que cresceu na Alemanha nazista, e que encontrava na sua paixão pela literatura forças para conservar sua alegria e suas esperanças. O sucesso mundial do livro prova que a narrativa extremamente original, a história emocionante (confesso, chorei mais de uma vez enquanto lia) e os personagens, um mais bem construído que o outro, conquistaram mesmo o público. E foi por todo esse histórico que eu levei comigo um pouco de medo ao ir ao cinema assistir A Menina Que Roubava Livros, agora um filme.
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Mas confesso: adorei. Brian Percival, o diretor, é mais conhecido por trabalhos na TV, como Downton Abbey. O roteirista, Michael Petroni, já trabalhou em um filme de As Crônicas de Nárnia. E os dois se uniram para criar uma adaptação fiel, onde todos os personagens e pontos importantes citados no livro estão presentes e conectados. As mudanças são bem poucas, sem chegar a incomodar os fãs da obra de Zusak; e, ao mesmo tempo, a história e o elenco competente cativam mesmo os “novatos”, recém apresentados a Liesel e seu universo. Ao longo de todo o filme, foi possível ouvir discretas fungadas, de gente chorando ao se emocionar com as passagens mais tocantes. E, claro, os momentos divertidos também rendiam suas risadas.
Liesel é interpretada pela ainda pouco conhecida Sophie Nélisse, que convence no papel – assim como Nico Liersch, que recria com perfeição o vizinho e melhor amigo de Liesel, Rudy. Se o elenco jovem cumpre sua missão sem deixar nada a desejar, o adulto merece nada menos que palmas: Geoffrey Rush encarna Hans Hubermann, o carinhoso pai adotivo de Liesel; e Emily Watson é sua durona esposa Rosa – grande parte das cenas que arrancam lágrimas do público podem ser creditadas aos dois. A fotografia, linda, lembra os ares surreais com que as cores do mundo são descritas no livro: uma Alemanha monocromática, dominada pelo ódio e pela neve (a única exceção é o vermelho da bandeira nazista); colorida apenas por raros momentos de alegria, como a conversa de Liesel e Rudy em um bosque florido e ensolarado. E a trilha sonora, composta por John Williams, dá o tom de “quase-conto-de-fadas” que a história, narrada pela Morte e sob a perspectiva da menina Liesel, exige.
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Talvez apenas dois detalhes tenham me incomodado no filme: o primeiro é a alternância arbitrária entre os idiomas inglês e alemão, ou a frequente mistura dos dois, ou ainda o inglês falado com um sotaque alemão proposital, que chama a atenção, de um modo esquisito, desde o início do filme. O ideal, é claro, seria um filme totalmente falado em alemão, caso a história quisesse se mostrar mais realista; mas, como a mistura entre os dois idiomas foi opção do próprio Zusak, no livro mesmo, é compreensível que tenha sido mantido assim. Só causa estranheza. E o segundo é a narrativa direta da Morte, que aparece aqui e ali – desnecessária, na minha opinião. Se não é para aparecer ao longo de todo o filme, a Morte poderia ter ganhado voz apenas na introdução, ou então não ganhado voz alguma (e ganhou uma voz masculina, quando eu tinha imaginado uma vez feminina. Opinião pessoal. Fui a única?). Da forma como foi feita, a narrativa ficou um pouco desconexa; e poderia talvez ter se mantido apenas de forma indireta, como o ponto de vista através do qual o filme todo é mostrado.
De qualquer forma, a nota é bem positiva. A Menina Que Roubava Livros vale tanto para quem leu e quer ver a história contada em outro formato, quanto para quem ainda não leu e está precisando de um incentivo. Eu, se fosse você, iria assistir. Só não esqueça de levar um lencinho. 
por Marina Lopes
Itapema FM SC
Assista ao trailer do filme em http://youtu.be/J24AlOYHpVU

segunda-feira, 27 de maio de 2013

O sapo filosófico: Por que o sapo não lava o pé?

Como o pensamento filosófico pode ser aprendido de modo divertido, atraente e criativo sem perder sua peculiaridade. É possível passear por importantes filósofos a partir da seguinte questão:


POR QUE O SAPO NÃO LAVA O PÉ?


Olavo de Carvalho: O sapo não lava o pé. Não lava porque não quer. Ele mora lá na lagoa, não lava o pé porque não quer e ainda culpa o sistema, quando a culpa é da PREGUIÇA. Este tipo de atitude é que infesta o Brasil e o Mundo, um tipo de atitude oriundo de uma complexa conspiração moscovita contra a livre-iniciativa e os valores humanos da educação e da higiene!

Marx: A lavagem do pé, enquanto atividade vital do anfíbio, encontra-se alterada no panorama capitalista. O sapo, obviamente um proletário, tendo que vender sua força de trabalho para um sistema de produção baseado na detenção da propriedade privada pelas classes dominantes, gasta em atividade produtiva o tempo que deveria ter para si próprio. Em conseqüência, a miséria domina os campos, e o sapo não tem acesso à própria lagoa, que em tempos imemoriais fazia parte do sistema comum de produção.

Engels: isso mesmo.

Foucault: Em primeiro lugar, creio que deveríamos começar a análise do poder a partir de suas extremidades menos visíveis, a partir dos discursos médicos de saúde, por exemplo. Por que deveria o sapo lavar o pé? Se analisarmos os hábitos higiênicos e sanitários da Europa no século XII, veremos que os sapos possuíam uma menor preocupação em relação à higiene do pé – bem como de outras áreas do corpo. Somente com a preocupação burguesa em relação às disciplinas – domesticação do corpo do indivíduo, sem a qual o sistema capitalista jamais seria possível – é que surge a preocupação com a lavagem do pé. Portanto, temos o discurso da lavagem do pé como sinal sintomático da sociedade disciplinar.

Weber: A conduta do sapo só poderá ser compreendida em termos de ação social racional orientada por valores. A crescente racionalização e o desencantamento do mundo provocaram, no pensamento ocidental, uma preocupação excessiva na orientação racional com relação a fins. Eis que, portanto, parece absurdo à maior parte das pessoas o sapo não lavar o pé. Entretanto, é fundamental que seja compreendido que, se o sapo não lava o pé, é porque tal atitude encontra-se perfeitamente coerente com seu sistema valorativo – a vida na lagoa.

Nietzsche: Um espírito astucioso e camuflado, um gosto anfíbio pela dissimulação – herança de povos mediterrâneos, certamente – uma incisividade de espírito ainda não encontrada nas mais ermas redondezas de quaisquer lagoas do mundo dito civilizado. Um animal que, livrando-se de qualquer metafísica, e que, aprimorando seu instinto de realidade, com a dolcezza audaciosa já perdida pelo europeu moderno, nega o ato supremo, o ato cuja negação configura a mais nítida – e difícil – fronteira entre o Sapo e aquele que está por vir, o Além- do-Sapo: a lavagem do pé.

Filmer: Podemos ver que, desde a época de Adão, os sapos têm lavado os pés. Aliás, os seres, em geral, têm lavado os pés à beira da lagoa. Sendo o sapo um descendente do sapo ancestral, é legitimo, obrigatório e salutar que ele lave seus pés todos os dias à beira do lago ou lagoa. Caso contrário, estará incorrendo duplamente em pecado e infração.

Locke: Em primeiro lugar, faz-se mister refutar a tese de Filmer sobre a lavagem bíblica dos pés. Se fosse assim, eu próprio seria obrigado a lavar meus pés na lagoa, o que, sustento, não é o caso. Cada súdito contrata com o Soberano para proteger sua propriedade, e entendo contido nesse ideal o conceito de liberdade. Se o sapo não quer lavar o pé, o Soberano não pode obrigá-lo, tampouco recriminá-lo pelo chulé. E, ainda afirmo: caso o Soberano queira, incorrendo em erro, obrigá-lo, o sapo possuirá legítimo direito de resistência contra esta reconhecida injustiça e opressão.

Kant: O sapo age moralmente, pois, ao deixar de lavar seu pé, nada faz além de que atuar segundo sua lei moral universal apriorística, que prescreve atitudes consoantes com o que o sujeito cognoscente possa querer que se torne uma ação universal.

Nota de Freud: Kant jamais lavou seus pés.

Freud: Um superego exacerbado pode ser a causa da falta de higiene do sapo. Quando analisava o caso de Dora, há vinte anos, pude perceber alguns dos traços deste problema. De fato, em meus numerosos estudos posteriores, pude constatar que a aversão pela limpeza, do mesmo modo que a obsessão por ela, podem constituir-se num desejo de autopunição. A causa disso encontra-se, sem dúvida, na construção do superego a partir das figuras perdidas dos pais, que antes representavam a fonte de todo conteúdo moral do girino.

Jung: O mito do sapo do deserto, presente no imaginário semita, vem a calhar para a compreensão do fenômeno. O inconsciente coletivo do sapo, em outras épocas desenvolvido, guardou em sua composição mais íntima a idéia da seca, da privação, da necessidade. Por isso, mesmo quando colocado frente a uma lagoa, em época de abundância, o sapo não lava o pé.

Hegel: podemos observar na lavagem do pé a manifestação da Dialética. Observando a História, constatamos uma evolução gradativa da ignorância absoluta do sapo – em relação à higiene – para uma preocupação maior em relação a esta. Ao longo da evolução do Espírito da História, vemos os sapos se aproximando cada vez mais das lagoas, cada vez mais comprando esponjas e sabões. O que falta agora é, tão somente, lavar o pé, coisa que, quando concluída, representará o fim da História e o ápice do progresso.

Comte: O sapo deve lavar o pé, posto que a higiene é imprescindível. A lavagem do pé deve ser submetida a procedimentos científicos universal e atemporalmente válidos. Só assim poder-se-á obter um conhecimento verdadeiro a respeito.

Schopenhauer: O sapo cujo pé vejo lavar é nada mais que uma representação, um fenômeno, oriundo da ilusão fundamental que é o meu princípio de razão. A Vontade, que o velho e grande filósofo de Königsberg chamou de Coisa-em si, e que Platão localizava no mundo das idéias, essa força cega que está por trás de qualquer fenômeno, jamais poderá ser capturada por nós, seres individuados, através do princípio da razão, conforme já demonstrado por mim em uma série de trabalhos, entre os quais o que considero o maior livro de filosofia já escrito no passado, no presente e no futuro: O mundo como vontade e representação.

Aristóteles: O [sapo] lava de acordo com sua natureza! Se imitasse, estaria fazendo arte. Como [a arte] é digna somente do homem, é forçoso reconhecer que o sapo lava segundo sua natureza de sapo, passando da potência ao ato. O sapo que não lava o pé é o ser que não consegue realizar [essa] transição da potência ao ato.

Platão: O sapo que vemos é nada além da corruptela do sapo ideal, que a alma conheceu antes da Queda. O sapo ideal lava seus pés eternos com esponjas imutáveis, num mundo sem movimento. O sapo imperfeito, porém, jamais lava os pés.

Diógenes de Laércio: Foda-se o sapo, eu só quero tomar meu sol.

Parmênides de Eléia: Como poderia o sapo lavar os pés, ó deuses, se o movimento não existe?

Heráclito de Éfeso: Quando o sapo lava o pé, nem ele nem o pé são mais os mesmos, pois ambos se modificam na lavagem, devido à impermanência das coisas.

Epicuro: O sapo deve alcançar o prazer, que é o Bem supremo, mas sem excessos. Que lave ou não o pé, decida-se de acordo com a circunstância. O vital é que mantenha a serenidade de espírito e fuja da dor.

Estóicos: O sapo deve lavar seu pé segundo as estações do ano. No inverno, mantenha-o sujo, que é de acordo com a natureza. No verão, lave-o delicadamente à beira das fontes, mas sem exageros. E que pare de comer tantas moscas, a comida só serve para o sustento do corpo.

Descartes: nada distingo na lavagem do pé senão figura, movimento e extensão. O sapo é nada mais que um autômato, um mecanismo. Deve lavar seus pés para promover a autoconservação, como um relógio precisa de corda.

Bobbio: existem três tipos de teoria sobre o sapo não lavar o pé. O primeiro tipo aceita a não-lavagem do pé como natural, nada existindo a reprovar nesse ato. O segundo tipo acredita que ela seja moral ou axiologicamente errada. A terceira espécie limita-se a descrever o fenômeno, procurando uma certa neutralidade.

Fonte: http://oficinadefilosofiacap.wordpress.com/o-sapo-filosofico/

terça-feira, 7 de maio de 2013

Crítica: Obra de Tomás de Aquino ilumina Idade Média


Tomás de Aquino (1225-1274), um dos principais filosofos da Idade Media

O mundo medieval é distante do nosso. Aquele banhado pelas sombras, este pelas luzes dos iPhones. Mesmo a espiritualidade se faz prestadora de serviço e Jesus, um consultor de sucesso.
A metafísica, antes uma elegante ciência do intelecto, torna-se, a cada dia, mero imaginário a serviço de nossas pequenas neuroses instantâneas: hoje sou budista, amanhã seguidor de algum neocacique aborígene.
Pensamos na Idade Média como um esgoto grande cheio de peste, mulheres queimadas, anjos e demônios.



Tomás de Aquino (1225-1274), um dos principais filosofos da Idade Media (foto)

Mas não, a Idade Média foi uma época de grande atividade intelectual, com grande diversidade de interesses e concepções, ao contrário da nossa época, uma hora obcecada pelo cérebro, outra pelos genes, outra ainda pelo "social".
Uma das formas de conhecer a Idade Média, ultrapassando o "nosso senso comum de esgoto" sobre ela, é conhecer sua filosofia e o santo italiano Tomás de Aquino (1225-1274), que foi um dos seus maiores expoentes.
O Aquinate, como ficou conhecido seu conjunto de ideias, buscou pôr em diálogo a tradição bíblica e a filosofia grega, elaborando um sofisticado sistema filosófico de difícil redução a algum conjunto limitado de manias. Essas duas tradições são "costuradas" de modo sutil ao longo de sua obra.
Um belo exemplo desse percurso é "Questões Disputadas Sobre a Alma", que a editora É Realizações nos traz agora, numa elegante edição bilíngue latim-português, com excelente prefácio de Carlos Augusto Casanova Guerra, doutor pela Universidade de Navarra.
GRANDES TEMAS
A edição é um presente não só para o grande público erudito, interessado em conhecer mais a "mente medieval", mas também, e principalmente, para o público especializado, que agora dispõe de uma peça com tradução em português para seus estudos acadêmicos.
Tomás de Aquino arrola várias fontes na obra --Bíblia, Platão, Aristóteles, patrística, neoplatonismo--, todas organizadas de modo escolástico, ou seja, buscando clareza no encadeamento dos argumentos e conclusões.
O repertório erudito de sua época está todo ali, a serviço do esclarecimento de 21 questões sobre a alma que podem ser resumidas em alguns grandes temas.
Por exemplo, o que é o ser, o que é a essência da alma e qual seu lugar no mundo visível e invisível? Qual sua relação com o corpo? Somos imortais? E como é essa imortalidade?
O filósofo responde com esse elenco de temas algumas das questões de sua época, as inquietações do dia e da noite e do cotidiano. Será que essas questões mudaram tanto de lá pra cá?

QUESTÕES DISPUTADAS SOBRE A ALMA
AUTOR Tomás de Aquino
TRADUÇÃO Luiz Astorga
EDITORA É Realizações
QUANTO R$ 59 (464 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Semana da Consciência negra 2012

Que tal trazer um estalo em nossas consciências e um rasgo em nossos corações, por ocasião do dia da consciência negra em nosso país, nos lampejos de um escritor negro com alma de brasileiro, Machado de Assis:

A abolição da escravatura (1888)
"Houve sol, e grande sol, naquele domingo de 1888, em que o Senado votou a lei, que a regente sancionou, e todos saímos à rua. Sim, também eu saí à rua, eu o mais encolhido dos caramujos, também eu entrei no préstito, em carruagem aberta (...) Verdadeiramente, foi o único dia de delírio público que me lembra ter visto."
Crônica de A SEMANA, de 14 de maio de 1893

"Nunca fui, nem o cargo me consentia ser propagandista da abolição, mas confesso que senti grande prazer quando soube da votação final do Senado e da sanção da Regente. Estava na Rua do Ouvidor, onde a agitação era grande e a alegria geral. Um conhecido meu, homem de imprensa, achando-me ali, ofereceu-me lugar no seu carro (...) Estive quase, quase a aceitar, tal era o meu atordoamento, mas os meus hábitos quietos, os costumes diplomáticos, a própria índole e a idade me retiveram."
MEMORIAL DE AIRES. O fim da escravatura foi capaz de levar o retraído escritor às celebrações de rua – mas não o reticente conselheiro Aires

"Era um preto que vergalhava outro na praça. O outro não se atrevia a fugir; gemia somente estas únicas palavras: — "Não, perdão meu senhor; meu senhor, perdão!" Mas o primeiro não fazia caso, e, a cada súplica, respondia com uma vergalhada nova. (...) Quem havia de ser o do vergalho? Nada menos que o meu moleque Prudêncio, – o que meu pai libertara alguns anos antes. (...) Era um modo que o Prudêncio tinha de se desfazer das pancadas recebidas, – transmitindo-as a outro."
MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS. É uma das páginas de ficção mais perturbadoras já escritas sobre a psicologia do escravismo: o liberto compra seu próprio escravo para tirar sua desforra
 

"A escravidão levou consigo ofícios e aparelhos, como terá sucedido a outras instituições sociais. Não cito alguns aparelhos senão por se ligarem a certo ofício. Um deles era o ferro ao pescoço, outro o ferro ao pé; havia também a máscara de folha-de-flandres. A máscara fazia perder o vício da embriaguez aos escravos, por lhes tapar a boca. (...) Era grotesca tal máscara, mas a ordem social e humana nem sempre se alcança sem o grotesco, e alguma vez o cruel."
Do conto PAI CONTRA MÃE. Publicado em 1905, depois da abolição, é um dos mais fortes que Machado escreveu sobre o tema
 

"O motivo da vinda do barão é consultar o desembargador sobre a alforria coletiva e imediata dos escravos de Santa-Pia. (...)
– Quero deixar provado que julgo o ato do governo uma exploração, por intervir no exercício de um direito que só pertence ao proprietário, e do qual uso com perda minha, porque assim o quero e posso."

MEMORIAL DE AIRES. O barão de Santa-Pia é a síntese da mentalidade senhorial: prefere libertar seus escravos para não deixar que o governo o faça
 

"Chamei o Pancrácio e disse-lhe com rara franqueza:
– Tu és livre, podes ir para onde quiseres. Aqui tens casa amiga, já conhecida e tens mais um ordenado, um ordenado que...
– Oh! meu senhô! fico.
(...) Pancrácio aceitou tudo; aceitou até um peteleco que lhe dei no dia seguinte, por me não escovar bem as botas; efeitos da liberdade."

Diálogo entre um escravo alforriado e seu senhor, em crônica de BONS DIAS!, 19 de maio de 1888. O texto ironiza a hipocrisia de alguns abolicionistas de fachada
 


Em 23 de novembro de 2012 às 3h38min 

sábado, 17 de novembro de 2012

XIX Congresso da SBEC - I Simpósio Luso-Brasileiro de Estudos Clássicos

O XIX Congresso da SBEC será realizado na cidade de Brasília, entre os dias 8 e 12 de Julho de 2013, e será sediado no Conjunto Cultural da República. Esta será a primeira vez que a Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos realizará seu encontro bienal na Capital do País e na região Centro-Oeste do Brasil.
Também pela primeira vez em sua história a SBEC firmou no evento uma parceria científica com a sociedade-irmã Associação Portuguesa de Estudos Clássicos (APEC), acrescentando assim ao seu XIX Congresso Nacional a nomenclatura de I Simpósio Luso-brasileiro de Estudos Clássicos. A parceria com a APEC reforça a colaboração entre pesquisadores lusófonos e a integração dos estudos clássicos produzidos em língua portuguesa, cuja tradição e herança secular despenham no cenário cultural internacional um papel certamente inferior àquele que lhe cabe de direito.
Por sugestão da atual Diretoria e eleição do Conselho Consultivo e Deliberativo da entidade, o XIX Congresso da SBEC terá por tema central O FUTURO DO PASSADO.
O tema do Futuro do Passado remete ao menos para a duas questões centrais, entre as muitas que o tema poderá sugerir aos pesquisadores:
(a)  De que maneira o futuro é objeto das mais diversas manifestações culturais do mundo antigo? Como o futuro é esperado, temido, pensado, representado, traçado na iconografia, no teatro, na literatura, na filosofia, na história, na música?
(b)  O que o passado tem a oferecer ao presente, que é, em todas as instâncias, o responsável por construir o futuro? Isto é, que relação o presente estabelece com o passado, de modo que as ações pretéritas sejam o ponto de partida do hoje para pensar o amanhã?
Se a escolha do tema foi motivada pela ocasião de realizar o congresso na Capital, projeto modernista que já, depois de 50 anos, se tornou clássico, há nela explícita também a intenção de convidar a comunidade lusófona de classicistas a pensar seu próprio futuro. Diante dos desafios de uma pesquisa globalizada e do constante enfoque e valorização da velocidade e tecnologia na produção do conhecimento, o congresso deseja provocar uma reflexão: qual o futuro dos estudos clássicos? A partir dessa questão a ideia central desse Congresso é um convite para pensarmos não só a importância do presente na definição do/s passado/s que os classicistas discutem em seus trabalhos, como também nos sensibilizarmos da urgência de uma revisão epistemológica para a abertura de novos caminhos ao nos aproximarmos da Antiguidade e seu legado.
Ao pensar os estudos clássicos na perspectiva do futuro o evento quer dar  mais um passo em direção da retirada do ‘clássico’ de seu pedestal, de seu inabalável lugar de neutralidade, aproximando-se dele em suas inúmeras facetas e possibilidades de atuação. Os estudos clássicos assim desenhados, multiformes e transformadores, podem aperceber-se da complexidade dos povos que fizeram parte da formação da cultura dos antigos e, também, as diferentes formas de recepção e apropriação de seu legado em outros momentos históricos. Essa perspectiva permite pensar o lugar do ‘clássico’ na educação e cultura contemporâneas, sua recepção no cinema e na literatura – de maneira especial naquelas de língua portuguesa – abrindo diálogo com diferentes públicos: educadores interessados em pensar maneiras alternativas de se ensinar a Antiguidade na escola, estudiosos da cultura material e textos clássicos, historiadores da arte, arqueólogos, formadores de opinião e pessoas interessadas em discutir patrimônio, identidade, alteridade e memória. Em resumo,  todos aqueles que buscam uma abordagem crítica acerca do papel dos clássicos nos dias de hoje. 
O evento, que será sediado no cenário modernista do Museu Nacional e da Biblioteca Nacional de Brasília, será marcado por palestras, mesas-redondas, mini-cursos, sessões de apresentação de pesquisas em andamento, apresentação e discussão das novidades editoriais, apresentação de peças teatrais e outras atividades científicas e culturais.
Esperamos vê-los em breve em Brasília.

Créditos da imagem: Phalera, Museu Nacional do Rio de Janeiro.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

A vida rural refletida na Cerimônia de Abertura dos jogos de Londres


"Não tenhas medo; esta ilha é sempre cheia de sons, ruídos e agradáveis árias, que só deleitam, sem causar-nos dano. Muitas vezes estrondam-me aos ouvidos mil instrumentos de possante bulha; outras vezes são vozes, que me fazem dormir de novo, embora despertado tenha de um longo sono. Então, em sonhos presumo ver as nuvens que se afastam, mostrando seus tesouros, como prestes a sobre mim choverem, de tal modo que, ao acordar, choro porque desejo prosseguir a sonhar"(Shakespeare, cena II de A tempestade, voz de Calibã).

Estas palavras foram o ponto alto da Cerimônia porque ganharam vida pela força da transformação que a Revolução Industrial provocou na sociedade britânica. O diretor e cineasta Danny Boyle, uma das maiores autoridades na dramaturgia de Shakespeare, soube como ninguém encarnar esse texto sobre as origens e potencialidades da Grã-Bretanha, antes uma ilha, mas que se agigantou na literatura, na indústria, na economia, nos esportes, no cinema,  na música, enfim...

"A cerimônia é uma tentativa de capturar a nós mesmos(Reino Unido) como país, de onde viemos e onde queremos estar"(Danny Boyle).

A pira olímpica que finalmente é acesa no centro de Londres, declarando oficialmente a abertura dos jogos.

Olimpíadas e Revolução Industrial

Do cenário campesino, surgem gigantescos chaminés que dão ideia ao público do que realmente foi a Revolução Industrial para esses povos.

Homenagem a Harry Potter


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domingo, 7 de dezembro de 2014

Walter Benjamim e a "Angelus Novus" de Klee


De Gershom Scholem, poema sobre a "Saudação do Angelus", escrito a partir do quadro de Paul Klee, "Angelus Novus" e que foi enviado para o filósofo Walter Benjamin no dia de seu aniversário em 15 de julho de 1921.
"Aqui da parede, nobre, / não pouso o olhar em ninguém, / venho do céu que vos cobre / sou homem-anjo do Além // No meu reino o homem é bom / mas não é nele seu aposto / recebo do Alto o dom / e não preciso de rosto // A região de onde vim / tem medida e luz sem fundo: / o que me faz ser assim / é prodígio do vosso mundo // Dentro de mim está a urbe / para onde Deus me mandou / o anjo com este selo / nunca ela o deslumbrou // Minha asa está pronta para o voo altivo: / se pudesse, voltaria / pois ainda que ficasse tempo vivo / pouca sorte teria // Os meus olhos são negros e fundos / e nunca se esvazia o meu olhar / sei muita coisa deste mundo / sei o que venho anunciar // Não sou simbólico nem trágico /significo o que sou, é tudo / em vão giras o anel mágico / pois em mim não há sentido". (in BENJAMIN, Walter. O anjo da história. Trad. de João Barreto. 2ª ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2013, p. 14, [N.T.])

quarta-feira, 16 de abril de 2014

Jesus, um homem da periferia


Diferente do que aponta radicalmente a tradição sobre a figura fascinante de Jesus; sem muita teologia; sem tantos adornos majestosos, fantásticos; entretanto, resgatar a referência de Jesus como um homem da periferia implica reter em sua história um contexto que lhe é próprio, modesto, mas que lhe fora negado por séculos. Somente agora nos últimos vinte ou trinta anos estamos reconstruindo um modo novo de revisitar os textos bíblicos à luz da historiografia em diálogo com a Arqueologia.
Trata-se, na verdade, de redescobrir em nossa vida o Jesus histórico. Do contrário, parece que legamos um cristianismo extremamente ideológico, moralista e autoritário sem abertura para o diferente de si, porém sistemático, fechado num esquema de autodefesa ortodoxa de algumas instituições religiosas que nos impedem de pensar um Jesus humano, trabalhador, atrelado à sua terra, aos seus valores e pronto a confrontar as estruturas econômicas, políticas, culturais e religiosas de sua época.
Os últimos estudos históricos de Jesus afirmam que era um homem do séc. I EC, um galileu situado numa região geograficamente delimitada na Palestina, sendo a Galileia este lugar no extremo norte dessa região, muito próxima às fronteiras explosivas de conflito em contato com outros impérios. É oportuno distinguir aqui um judeu nascido em Nazaré da Galileia de outro judeu nascido em Jerusalém da Judeia, visto serem duas regiões muito diferentes; de matrizes geográficas, econômicas, políticas e culturais muito diversas. Porque Nazaré encontra-se situada na periferia da Galileia e esta, por sua vez, na periferia da Palestina e do Império Romano, Jesus é historicamente um homem da periferia.
A partir dessa reflexão que ora fazemos, precisamos continuar avançando e reelaborando conceitos e valores. O que a tradição cristã elaborou sobre o Jesus “revelado” nos Evangelhos durante mais de dois mil anos se cristalizou em nossas cabeças pensantes, de tal modo que nos fez distanciar da tamanha riqueza de informações das origens de Jesus e do tipo de judaísmo que ele retinha. Ficamos refém de um discurso dogmático ou ortodoxo sobre Jesus por muito tempo, ao ponto de não nos interessarmos tanto por esse assunto.
Pressupondo que Jesus é basicamente um homem da periferia, mais precisamente um camponês de origens extremamente pobres, somando-se a isso o fato de ser carpinteiro, mas não um carpinteiro que tinha casa, um lugar para trabalhar, terras para cultivar, é possível pensá-lo de um contexto simples, concreto; de homens comuns. Embora a carpintaria na época fosse um ofício de “status” social, a de Jesus era diferente porque “as raposas têm tocas e as aves do céu, ninhos; mas o filho do homem não tem onde reclinar a cabeça” (Mt 8.20). No caso de Jesus, o trabalho de carpinteiro era inferior ao do camponês, pois fazia ferramentas para a manutenção do campesinato. Não tendo nada, Jesus precisava andar, sair, migrar para outros lugares à procura de casas para construir. Provavelmente, devia ser um construtor em constante caminhar, pronto para trabalhar; um reino a desbravar.
Se nos deixarmos guiar por essa ideia catalisadora de um Jesus da periferia, veremos claramente seu projeto de salvação a caminho para a cruz e configurando-se como modelo para toda a humanidade. Ao pegarmos os movimentos, as ações e palavras de Jesus nos textos que nos alcançaram, certamente entenderemos a preocupação de Jesus com os mais pobres, doentes e excluídos. E somente quando recuperamos a figura histórica de Jesus como um camponês da periferia, carpinteiro ou artesão, de Nazaré da Galileia que andou e pregou para muita gente é que, de fato, conseguimos ver a autenticidade e a coerência de seu discurso político, econômico, ético, religioso e cultural.
Lembremos: “Mostrai-me um denário. De quem traz a imagem e a inscrição? Responderam: De César. Ele disse então: Devolvei, pois, o que é de César a César, e o que é de Deus a Deus” (Lc 20. 24-25); “Em verdade vos digo que um rico dificilmente entrará no Reino dos Céus. E vos digo ainda: é mais fácil um camelo entrar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus” (Mt 19. 23-24); “Tudo aquilo, portanto, que quereis que os homens vos façam, fazei-o vós a eles, pois esta é a Lei e os Profetas” (Mt 7. 12); “Destruí este templo, e em três dias eu o levantarei” (Jo 2. 19); “Uma mulher da Samaria chegou para tirar água. Jesus lhe disse: Dá-me de beber!(...) Diz-lhe então a Samaritana: Como, sendo judeu, tu me pedes de beber, a mim que sou samaritana?” (Jo 4. 7-8).
Especialmente nesta semana santa, possamos reconstruir uma imagem diferente e inovadora de um Jesus que experimenta a vasta onda do helenismo de seu tempo; um Jesus que coexiste com o judaísmo e com toda a cultura Greco-macedônica; um Jesus inserido em seu contexto histórico-cultural bastante diverso e plural; um Jesus que nasceu judeu, viveu judeu e morreu judeu. Mas tudo que conhecemos de Jesus está em grego, porém só falou aramaico, provavelmente não leria nada do que fora escrito sobre ele. Esse Jesus, fonte das pesquisas recentes da História, da Antropologia e da Arqueologia desconstrói toda aquela grandeza de um Jesus quase intocável, herdeiro de um discurso glorioso, mágico e fabuloso de algumas culturas religiosas.

Prof. Jackislandy Meira de M. Silva
Bel. e Licenciado em Filosofia, Bel. em Teologia, Esp. em Metafísica e em Estudos Clássicos



sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Em cartaz: A MENINA QUE ROUBAVA LIVROS.

"A Menina Que Roubava Livros": uma adaptação fiel para agradar a todos os gostos

Antes de começar esse texto, eu já gostaria de deixar uma coisa bem clara: sou exigente com adaptações. Sempre que leio um livro, e, principalmente, quando gosto muito dele, vou para o cinema assistir à respectiva adaptação com mais temor que empolgação. E eu amei A Menina Que Roubava Livros, lançado em 2006 por Markus Zusak. Um tanto quanto exótico, o livro é narrado por ninguém menos que a própria Morte, e conta a história de Liesel Meminger, uma menina que cresceu na Alemanha nazista, e que encontrava na sua paixão pela literatura forças para conservar sua alegria e suas esperanças. O sucesso mundial do livro prova que a narrativa extremamente original, a história emocionante (confesso, chorei mais de uma vez enquanto lia) e os personagens, um mais bem construído que o outro, conquistaram mesmo o público. E foi por todo esse histórico que eu levei comigo um pouco de medo ao ir ao cinema assistir A Menina Que Roubava Livros, agora um filme.
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Mas confesso: adorei. Brian Percival, o diretor, é mais conhecido por trabalhos na TV, como Downton Abbey. O roteirista, Michael Petroni, já trabalhou em um filme de As Crônicas de Nárnia. E os dois se uniram para criar uma adaptação fiel, onde todos os personagens e pontos importantes citados no livro estão presentes e conectados. As mudanças são bem poucas, sem chegar a incomodar os fãs da obra de Zusak; e, ao mesmo tempo, a história e o elenco competente cativam mesmo os “novatos”, recém apresentados a Liesel e seu universo. Ao longo de todo o filme, foi possível ouvir discretas fungadas, de gente chorando ao se emocionar com as passagens mais tocantes. E, claro, os momentos divertidos também rendiam suas risadas.
Liesel é interpretada pela ainda pouco conhecida Sophie Nélisse, que convence no papel – assim como Nico Liersch, que recria com perfeição o vizinho e melhor amigo de Liesel, Rudy. Se o elenco jovem cumpre sua missão sem deixar nada a desejar, o adulto merece nada menos que palmas: Geoffrey Rush encarna Hans Hubermann, o carinhoso pai adotivo de Liesel; e Emily Watson é sua durona esposa Rosa – grande parte das cenas que arrancam lágrimas do público podem ser creditadas aos dois. A fotografia, linda, lembra os ares surreais com que as cores do mundo são descritas no livro: uma Alemanha monocromática, dominada pelo ódio e pela neve (a única exceção é o vermelho da bandeira nazista); colorida apenas por raros momentos de alegria, como a conversa de Liesel e Rudy em um bosque florido e ensolarado. E a trilha sonora, composta por John Williams, dá o tom de “quase-conto-de-fadas” que a história, narrada pela Morte e sob a perspectiva da menina Liesel, exige.
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Talvez apenas dois detalhes tenham me incomodado no filme: o primeiro é a alternância arbitrária entre os idiomas inglês e alemão, ou a frequente mistura dos dois, ou ainda o inglês falado com um sotaque alemão proposital, que chama a atenção, de um modo esquisito, desde o início do filme. O ideal, é claro, seria um filme totalmente falado em alemão, caso a história quisesse se mostrar mais realista; mas, como a mistura entre os dois idiomas foi opção do próprio Zusak, no livro mesmo, é compreensível que tenha sido mantido assim. Só causa estranheza. E o segundo é a narrativa direta da Morte, que aparece aqui e ali – desnecessária, na minha opinião. Se não é para aparecer ao longo de todo o filme, a Morte poderia ter ganhado voz apenas na introdução, ou então não ganhado voz alguma (e ganhou uma voz masculina, quando eu tinha imaginado uma vez feminina. Opinião pessoal. Fui a única?). Da forma como foi feita, a narrativa ficou um pouco desconexa; e poderia talvez ter se mantido apenas de forma indireta, como o ponto de vista através do qual o filme todo é mostrado.
De qualquer forma, a nota é bem positiva. A Menina Que Roubava Livros vale tanto para quem leu e quer ver a história contada em outro formato, quanto para quem ainda não leu e está precisando de um incentivo. Eu, se fosse você, iria assistir. Só não esqueça de levar um lencinho. 
por Marina Lopes
Itapema FM SC
Assista ao trailer do filme em http://youtu.be/J24AlOYHpVU

segunda-feira, 27 de maio de 2013

O sapo filosófico: Por que o sapo não lava o pé?

Como o pensamento filosófico pode ser aprendido de modo divertido, atraente e criativo sem perder sua peculiaridade. É possível passear por importantes filósofos a partir da seguinte questão:


POR QUE O SAPO NÃO LAVA O PÉ?


Olavo de Carvalho: O sapo não lava o pé. Não lava porque não quer. Ele mora lá na lagoa, não lava o pé porque não quer e ainda culpa o sistema, quando a culpa é da PREGUIÇA. Este tipo de atitude é que infesta o Brasil e o Mundo, um tipo de atitude oriundo de uma complexa conspiração moscovita contra a livre-iniciativa e os valores humanos da educação e da higiene!

Marx: A lavagem do pé, enquanto atividade vital do anfíbio, encontra-se alterada no panorama capitalista. O sapo, obviamente um proletário, tendo que vender sua força de trabalho para um sistema de produção baseado na detenção da propriedade privada pelas classes dominantes, gasta em atividade produtiva o tempo que deveria ter para si próprio. Em conseqüência, a miséria domina os campos, e o sapo não tem acesso à própria lagoa, que em tempos imemoriais fazia parte do sistema comum de produção.

Engels: isso mesmo.

Foucault: Em primeiro lugar, creio que deveríamos começar a análise do poder a partir de suas extremidades menos visíveis, a partir dos discursos médicos de saúde, por exemplo. Por que deveria o sapo lavar o pé? Se analisarmos os hábitos higiênicos e sanitários da Europa no século XII, veremos que os sapos possuíam uma menor preocupação em relação à higiene do pé – bem como de outras áreas do corpo. Somente com a preocupação burguesa em relação às disciplinas – domesticação do corpo do indivíduo, sem a qual o sistema capitalista jamais seria possível – é que surge a preocupação com a lavagem do pé. Portanto, temos o discurso da lavagem do pé como sinal sintomático da sociedade disciplinar.

Weber: A conduta do sapo só poderá ser compreendida em termos de ação social racional orientada por valores. A crescente racionalização e o desencantamento do mundo provocaram, no pensamento ocidental, uma preocupação excessiva na orientação racional com relação a fins. Eis que, portanto, parece absurdo à maior parte das pessoas o sapo não lavar o pé. Entretanto, é fundamental que seja compreendido que, se o sapo não lava o pé, é porque tal atitude encontra-se perfeitamente coerente com seu sistema valorativo – a vida na lagoa.

Nietzsche: Um espírito astucioso e camuflado, um gosto anfíbio pela dissimulação – herança de povos mediterrâneos, certamente – uma incisividade de espírito ainda não encontrada nas mais ermas redondezas de quaisquer lagoas do mundo dito civilizado. Um animal que, livrando-se de qualquer metafísica, e que, aprimorando seu instinto de realidade, com a dolcezza audaciosa já perdida pelo europeu moderno, nega o ato supremo, o ato cuja negação configura a mais nítida – e difícil – fronteira entre o Sapo e aquele que está por vir, o Além- do-Sapo: a lavagem do pé.

Filmer: Podemos ver que, desde a época de Adão, os sapos têm lavado os pés. Aliás, os seres, em geral, têm lavado os pés à beira da lagoa. Sendo o sapo um descendente do sapo ancestral, é legitimo, obrigatório e salutar que ele lave seus pés todos os dias à beira do lago ou lagoa. Caso contrário, estará incorrendo duplamente em pecado e infração.

Locke: Em primeiro lugar, faz-se mister refutar a tese de Filmer sobre a lavagem bíblica dos pés. Se fosse assim, eu próprio seria obrigado a lavar meus pés na lagoa, o que, sustento, não é o caso. Cada súdito contrata com o Soberano para proteger sua propriedade, e entendo contido nesse ideal o conceito de liberdade. Se o sapo não quer lavar o pé, o Soberano não pode obrigá-lo, tampouco recriminá-lo pelo chulé. E, ainda afirmo: caso o Soberano queira, incorrendo em erro, obrigá-lo, o sapo possuirá legítimo direito de resistência contra esta reconhecida injustiça e opressão.

Kant: O sapo age moralmente, pois, ao deixar de lavar seu pé, nada faz além de que atuar segundo sua lei moral universal apriorística, que prescreve atitudes consoantes com o que o sujeito cognoscente possa querer que se torne uma ação universal.

Nota de Freud: Kant jamais lavou seus pés.

Freud: Um superego exacerbado pode ser a causa da falta de higiene do sapo. Quando analisava o caso de Dora, há vinte anos, pude perceber alguns dos traços deste problema. De fato, em meus numerosos estudos posteriores, pude constatar que a aversão pela limpeza, do mesmo modo que a obsessão por ela, podem constituir-se num desejo de autopunição. A causa disso encontra-se, sem dúvida, na construção do superego a partir das figuras perdidas dos pais, que antes representavam a fonte de todo conteúdo moral do girino.

Jung: O mito do sapo do deserto, presente no imaginário semita, vem a calhar para a compreensão do fenômeno. O inconsciente coletivo do sapo, em outras épocas desenvolvido, guardou em sua composição mais íntima a idéia da seca, da privação, da necessidade. Por isso, mesmo quando colocado frente a uma lagoa, em época de abundância, o sapo não lava o pé.

Hegel: podemos observar na lavagem do pé a manifestação da Dialética. Observando a História, constatamos uma evolução gradativa da ignorância absoluta do sapo – em relação à higiene – para uma preocupação maior em relação a esta. Ao longo da evolução do Espírito da História, vemos os sapos se aproximando cada vez mais das lagoas, cada vez mais comprando esponjas e sabões. O que falta agora é, tão somente, lavar o pé, coisa que, quando concluída, representará o fim da História e o ápice do progresso.

Comte: O sapo deve lavar o pé, posto que a higiene é imprescindível. A lavagem do pé deve ser submetida a procedimentos científicos universal e atemporalmente válidos. Só assim poder-se-á obter um conhecimento verdadeiro a respeito.

Schopenhauer: O sapo cujo pé vejo lavar é nada mais que uma representação, um fenômeno, oriundo da ilusão fundamental que é o meu princípio de razão. A Vontade, que o velho e grande filósofo de Königsberg chamou de Coisa-em si, e que Platão localizava no mundo das idéias, essa força cega que está por trás de qualquer fenômeno, jamais poderá ser capturada por nós, seres individuados, através do princípio da razão, conforme já demonstrado por mim em uma série de trabalhos, entre os quais o que considero o maior livro de filosofia já escrito no passado, no presente e no futuro: O mundo como vontade e representação.

Aristóteles: O [sapo] lava de acordo com sua natureza! Se imitasse, estaria fazendo arte. Como [a arte] é digna somente do homem, é forçoso reconhecer que o sapo lava segundo sua natureza de sapo, passando da potência ao ato. O sapo que não lava o pé é o ser que não consegue realizar [essa] transição da potência ao ato.

Platão: O sapo que vemos é nada além da corruptela do sapo ideal, que a alma conheceu antes da Queda. O sapo ideal lava seus pés eternos com esponjas imutáveis, num mundo sem movimento. O sapo imperfeito, porém, jamais lava os pés.

Diógenes de Laércio: Foda-se o sapo, eu só quero tomar meu sol.

Parmênides de Eléia: Como poderia o sapo lavar os pés, ó deuses, se o movimento não existe?

Heráclito de Éfeso: Quando o sapo lava o pé, nem ele nem o pé são mais os mesmos, pois ambos se modificam na lavagem, devido à impermanência das coisas.

Epicuro: O sapo deve alcançar o prazer, que é o Bem supremo, mas sem excessos. Que lave ou não o pé, decida-se de acordo com a circunstância. O vital é que mantenha a serenidade de espírito e fuja da dor.

Estóicos: O sapo deve lavar seu pé segundo as estações do ano. No inverno, mantenha-o sujo, que é de acordo com a natureza. No verão, lave-o delicadamente à beira das fontes, mas sem exageros. E que pare de comer tantas moscas, a comida só serve para o sustento do corpo.

Descartes: nada distingo na lavagem do pé senão figura, movimento e extensão. O sapo é nada mais que um autômato, um mecanismo. Deve lavar seus pés para promover a autoconservação, como um relógio precisa de corda.

Bobbio: existem três tipos de teoria sobre o sapo não lavar o pé. O primeiro tipo aceita a não-lavagem do pé como natural, nada existindo a reprovar nesse ato. O segundo tipo acredita que ela seja moral ou axiologicamente errada. A terceira espécie limita-se a descrever o fenômeno, procurando uma certa neutralidade.

Fonte: http://oficinadefilosofiacap.wordpress.com/o-sapo-filosofico/

terça-feira, 7 de maio de 2013

Crítica: Obra de Tomás de Aquino ilumina Idade Média


Tomás de Aquino (1225-1274), um dos principais filosofos da Idade Media

O mundo medieval é distante do nosso. Aquele banhado pelas sombras, este pelas luzes dos iPhones. Mesmo a espiritualidade se faz prestadora de serviço e Jesus, um consultor de sucesso.
A metafísica, antes uma elegante ciência do intelecto, torna-se, a cada dia, mero imaginário a serviço de nossas pequenas neuroses instantâneas: hoje sou budista, amanhã seguidor de algum neocacique aborígene.
Pensamos na Idade Média como um esgoto grande cheio de peste, mulheres queimadas, anjos e demônios.



Tomás de Aquino (1225-1274), um dos principais filosofos da Idade Media (foto)

Mas não, a Idade Média foi uma época de grande atividade intelectual, com grande diversidade de interesses e concepções, ao contrário da nossa época, uma hora obcecada pelo cérebro, outra pelos genes, outra ainda pelo "social".
Uma das formas de conhecer a Idade Média, ultrapassando o "nosso senso comum de esgoto" sobre ela, é conhecer sua filosofia e o santo italiano Tomás de Aquino (1225-1274), que foi um dos seus maiores expoentes.
O Aquinate, como ficou conhecido seu conjunto de ideias, buscou pôr em diálogo a tradição bíblica e a filosofia grega, elaborando um sofisticado sistema filosófico de difícil redução a algum conjunto limitado de manias. Essas duas tradições são "costuradas" de modo sutil ao longo de sua obra.
Um belo exemplo desse percurso é "Questões Disputadas Sobre a Alma", que a editora É Realizações nos traz agora, numa elegante edição bilíngue latim-português, com excelente prefácio de Carlos Augusto Casanova Guerra, doutor pela Universidade de Navarra.
GRANDES TEMAS
A edição é um presente não só para o grande público erudito, interessado em conhecer mais a "mente medieval", mas também, e principalmente, para o público especializado, que agora dispõe de uma peça com tradução em português para seus estudos acadêmicos.
Tomás de Aquino arrola várias fontes na obra --Bíblia, Platão, Aristóteles, patrística, neoplatonismo--, todas organizadas de modo escolástico, ou seja, buscando clareza no encadeamento dos argumentos e conclusões.
O repertório erudito de sua época está todo ali, a serviço do esclarecimento de 21 questões sobre a alma que podem ser resumidas em alguns grandes temas.
Por exemplo, o que é o ser, o que é a essência da alma e qual seu lugar no mundo visível e invisível? Qual sua relação com o corpo? Somos imortais? E como é essa imortalidade?
O filósofo responde com esse elenco de temas algumas das questões de sua época, as inquietações do dia e da noite e do cotidiano. Será que essas questões mudaram tanto de lá pra cá?

QUESTÕES DISPUTADAS SOBRE A ALMA
AUTOR Tomás de Aquino
TRADUÇÃO Luiz Astorga
EDITORA É Realizações
QUANTO R$ 59 (464 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Semana da Consciência negra 2012

Que tal trazer um estalo em nossas consciências e um rasgo em nossos corações, por ocasião do dia da consciência negra em nosso país, nos lampejos de um escritor negro com alma de brasileiro, Machado de Assis:

A abolição da escravatura (1888)
"Houve sol, e grande sol, naquele domingo de 1888, em que o Senado votou a lei, que a regente sancionou, e todos saímos à rua. Sim, também eu saí à rua, eu o mais encolhido dos caramujos, também eu entrei no préstito, em carruagem aberta (...) Verdadeiramente, foi o único dia de delírio público que me lembra ter visto."
Crônica de A SEMANA, de 14 de maio de 1893

"Nunca fui, nem o cargo me consentia ser propagandista da abolição, mas confesso que senti grande prazer quando soube da votação final do Senado e da sanção da Regente. Estava na Rua do Ouvidor, onde a agitação era grande e a alegria geral. Um conhecido meu, homem de imprensa, achando-me ali, ofereceu-me lugar no seu carro (...) Estive quase, quase a aceitar, tal era o meu atordoamento, mas os meus hábitos quietos, os costumes diplomáticos, a própria índole e a idade me retiveram."
MEMORIAL DE AIRES. O fim da escravatura foi capaz de levar o retraído escritor às celebrações de rua – mas não o reticente conselheiro Aires

"Era um preto que vergalhava outro na praça. O outro não se atrevia a fugir; gemia somente estas únicas palavras: — "Não, perdão meu senhor; meu senhor, perdão!" Mas o primeiro não fazia caso, e, a cada súplica, respondia com uma vergalhada nova. (...) Quem havia de ser o do vergalho? Nada menos que o meu moleque Prudêncio, – o que meu pai libertara alguns anos antes. (...) Era um modo que o Prudêncio tinha de se desfazer das pancadas recebidas, – transmitindo-as a outro."
MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS. É uma das páginas de ficção mais perturbadoras já escritas sobre a psicologia do escravismo: o liberto compra seu próprio escravo para tirar sua desforra
 

"A escravidão levou consigo ofícios e aparelhos, como terá sucedido a outras instituições sociais. Não cito alguns aparelhos senão por se ligarem a certo ofício. Um deles era o ferro ao pescoço, outro o ferro ao pé; havia também a máscara de folha-de-flandres. A máscara fazia perder o vício da embriaguez aos escravos, por lhes tapar a boca. (...) Era grotesca tal máscara, mas a ordem social e humana nem sempre se alcança sem o grotesco, e alguma vez o cruel."
Do conto PAI CONTRA MÃE. Publicado em 1905, depois da abolição, é um dos mais fortes que Machado escreveu sobre o tema
 

"O motivo da vinda do barão é consultar o desembargador sobre a alforria coletiva e imediata dos escravos de Santa-Pia. (...)
– Quero deixar provado que julgo o ato do governo uma exploração, por intervir no exercício de um direito que só pertence ao proprietário, e do qual uso com perda minha, porque assim o quero e posso."

MEMORIAL DE AIRES. O barão de Santa-Pia é a síntese da mentalidade senhorial: prefere libertar seus escravos para não deixar que o governo o faça
 

"Chamei o Pancrácio e disse-lhe com rara franqueza:
– Tu és livre, podes ir para onde quiseres. Aqui tens casa amiga, já conhecida e tens mais um ordenado, um ordenado que...
– Oh! meu senhô! fico.
(...) Pancrácio aceitou tudo; aceitou até um peteleco que lhe dei no dia seguinte, por me não escovar bem as botas; efeitos da liberdade."

Diálogo entre um escravo alforriado e seu senhor, em crônica de BONS DIAS!, 19 de maio de 1888. O texto ironiza a hipocrisia de alguns abolicionistas de fachada
 


Em 23 de novembro de 2012 às 3h38min 

sábado, 17 de novembro de 2012

XIX Congresso da SBEC - I Simpósio Luso-Brasileiro de Estudos Clássicos

O XIX Congresso da SBEC será realizado na cidade de Brasília, entre os dias 8 e 12 de Julho de 2013, e será sediado no Conjunto Cultural da República. Esta será a primeira vez que a Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos realizará seu encontro bienal na Capital do País e na região Centro-Oeste do Brasil.
Também pela primeira vez em sua história a SBEC firmou no evento uma parceria científica com a sociedade-irmã Associação Portuguesa de Estudos Clássicos (APEC), acrescentando assim ao seu XIX Congresso Nacional a nomenclatura de I Simpósio Luso-brasileiro de Estudos Clássicos. A parceria com a APEC reforça a colaboração entre pesquisadores lusófonos e a integração dos estudos clássicos produzidos em língua portuguesa, cuja tradição e herança secular despenham no cenário cultural internacional um papel certamente inferior àquele que lhe cabe de direito.
Por sugestão da atual Diretoria e eleição do Conselho Consultivo e Deliberativo da entidade, o XIX Congresso da SBEC terá por tema central O FUTURO DO PASSADO.
O tema do Futuro do Passado remete ao menos para a duas questões centrais, entre as muitas que o tema poderá sugerir aos pesquisadores:
(a)  De que maneira o futuro é objeto das mais diversas manifestações culturais do mundo antigo? Como o futuro é esperado, temido, pensado, representado, traçado na iconografia, no teatro, na literatura, na filosofia, na história, na música?
(b)  O que o passado tem a oferecer ao presente, que é, em todas as instâncias, o responsável por construir o futuro? Isto é, que relação o presente estabelece com o passado, de modo que as ações pretéritas sejam o ponto de partida do hoje para pensar o amanhã?
Se a escolha do tema foi motivada pela ocasião de realizar o congresso na Capital, projeto modernista que já, depois de 50 anos, se tornou clássico, há nela explícita também a intenção de convidar a comunidade lusófona de classicistas a pensar seu próprio futuro. Diante dos desafios de uma pesquisa globalizada e do constante enfoque e valorização da velocidade e tecnologia na produção do conhecimento, o congresso deseja provocar uma reflexão: qual o futuro dos estudos clássicos? A partir dessa questão a ideia central desse Congresso é um convite para pensarmos não só a importância do presente na definição do/s passado/s que os classicistas discutem em seus trabalhos, como também nos sensibilizarmos da urgência de uma revisão epistemológica para a abertura de novos caminhos ao nos aproximarmos da Antiguidade e seu legado.
Ao pensar os estudos clássicos na perspectiva do futuro o evento quer dar  mais um passo em direção da retirada do ‘clássico’ de seu pedestal, de seu inabalável lugar de neutralidade, aproximando-se dele em suas inúmeras facetas e possibilidades de atuação. Os estudos clássicos assim desenhados, multiformes e transformadores, podem aperceber-se da complexidade dos povos que fizeram parte da formação da cultura dos antigos e, também, as diferentes formas de recepção e apropriação de seu legado em outros momentos históricos. Essa perspectiva permite pensar o lugar do ‘clássico’ na educação e cultura contemporâneas, sua recepção no cinema e na literatura – de maneira especial naquelas de língua portuguesa – abrindo diálogo com diferentes públicos: educadores interessados em pensar maneiras alternativas de se ensinar a Antiguidade na escola, estudiosos da cultura material e textos clássicos, historiadores da arte, arqueólogos, formadores de opinião e pessoas interessadas em discutir patrimônio, identidade, alteridade e memória. Em resumo,  todos aqueles que buscam uma abordagem crítica acerca do papel dos clássicos nos dias de hoje. 
O evento, que será sediado no cenário modernista do Museu Nacional e da Biblioteca Nacional de Brasília, será marcado por palestras, mesas-redondas, mini-cursos, sessões de apresentação de pesquisas em andamento, apresentação e discussão das novidades editoriais, apresentação de peças teatrais e outras atividades científicas e culturais.
Esperamos vê-los em breve em Brasília.

Créditos da imagem: Phalera, Museu Nacional do Rio de Janeiro.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

A vida rural refletida na Cerimônia de Abertura dos jogos de Londres


"Não tenhas medo; esta ilha é sempre cheia de sons, ruídos e agradáveis árias, que só deleitam, sem causar-nos dano. Muitas vezes estrondam-me aos ouvidos mil instrumentos de possante bulha; outras vezes são vozes, que me fazem dormir de novo, embora despertado tenha de um longo sono. Então, em sonhos presumo ver as nuvens que se afastam, mostrando seus tesouros, como prestes a sobre mim choverem, de tal modo que, ao acordar, choro porque desejo prosseguir a sonhar"(Shakespeare, cena II de A tempestade, voz de Calibã).

Estas palavras foram o ponto alto da Cerimônia porque ganharam vida pela força da transformação que a Revolução Industrial provocou na sociedade britânica. O diretor e cineasta Danny Boyle, uma das maiores autoridades na dramaturgia de Shakespeare, soube como ninguém encarnar esse texto sobre as origens e potencialidades da Grã-Bretanha, antes uma ilha, mas que se agigantou na literatura, na indústria, na economia, nos esportes, no cinema,  na música, enfim...

"A cerimônia é uma tentativa de capturar a nós mesmos(Reino Unido) como país, de onde viemos e onde queremos estar"(Danny Boyle).

A pira olímpica que finalmente é acesa no centro de Londres, declarando oficialmente a abertura dos jogos.

Olimpíadas e Revolução Industrial

Do cenário campesino, surgem gigantescos chaminés que dão ideia ao público do que realmente foi a Revolução Industrial para esses povos.

Homenagem a Harry Potter


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