segunda-feira, 19 de maio de 2014

REAÇÕES DE UMA COPA



O evento Copa do Mundo no Brasil está nos elevando à condição de sujeitos políticos, incapazes de deixarmos passar batida qualquer informação que envolva gastos públicos com estádios da copa. Nunca fomos tão fiscalizadores dos gastos públicos como agora. Até parece que a população, por conta própria, abriu uma CPI para investigar as obras superfaturadas, não só de construção dos estádios, mas principalmente de infraestrutura das sedes, que se multiplicam assustadoramente às vésperas da copa, quando se acendem as luzes do “grand” espetáculo e se apagam aquelas da indignação.
Essa saudável reação política da população com a copa não é inédita. Tivemos outras copas que também nos fizeram despertar do sono político. O brasileiro é como um jogador em campo; de repente sofre um apagão. Aí acontece um evento fortíssimo que o tira do lugar-comum, daquela sonolência absurda, e o põe numa situação de alerta total.
A reação é legítima, mas não é única. Na copa de 1970, quando fomos tricampeões mundiais de futebol, o cenário político não era dos mais agradáveis. Amargávamos uma ditadura militar sob muita tortura e repressão aos direitos políticos. A população não gozava de liberdade de expressão e era impedida de se opor ao governo Médici, que conduzia o país de forma autoritária por ser considerado um militar de “linha dura”, responsável pela tortura e morte de muitos civis. Mesmo assim, a sociedade brasileira não abriu mão de torcer, sofrer e, no final, comemorar a estupenda vitória da seleção em cima da Itália por 4 a 1. Foi um momento em que o povo, em plena crise política, exultou de alegria.
Inegavelmente, um evento copa, sobretudo quando ocorrido na sua própria casa, guarda um paradoxo sem precedentes. Por um lado, é um momento oportuno para os sanguessugas políticos e donos de empreiteiras aproveitarem os altos investimentos do governo com obras da copa para agenciar iniciativas de ordem político-eleitoral, visto estarmos em ano de eleições no Brasil. Por outro, é tempo de ficarmos ainda mais de olho no que estão fazendo com o dinheiro público e percebermos como os interesses são mesquinhos e cada vez menos coletivos. Daí, durante a copa, não pararmos de fazer a crítica.
O governo aproveita a copa para fazer propaganda eleitoral, responder a oposição na direção de que o país está avançando na economia, oferecendo empregos e melhorando a qualidade de vida, porém o povo também não fica atrás e aproveita para reclamar dos serviços públicos, cobrar de seus governantes o que muito ainda está por fazer na educação, na saúde, segurança e combate à corrupção com reformas políticas.
Infelizmente não correspondemos aos efeitos de um evento copa. Podíamos ter investido muito mais em mobilidade urbana, metrôs, outros meios de transportes, ampliação de aeroportos, modernização das cidades, turismo, etc. Tudo o que a imprensa vem falando faz sentido, embora seja agenciada também por interesses de ordem política e econômica. Por trás dela há muita gente influente.
Parece que só o futebol produz esse duplo movimento: reações contra e a favor da copa. Os que dizem não à copa são movidos por um sentimento politicamente correto de que é preciso não baixar a guarda e gritar as injustiças mesmo durante os jogos, certamente não se envolverão com os jogos, não torcerão. Os que são a favor, e esta é uma maioria afirmativa, irão procurar vivê-la de qualquer modo, com ou sem indignação, com ou sem senso do ridículo. Além disso, o que se espera de um país democrático é que as reações sejam pacíficas e ordeiras.
Para experimentar, de fato, a Copa do Mundo aqui no Brasil com todas as suas demandas é interessante considerar o que disse o escritor colombiano, Gabriel Garcia Márquez, num texto seu chamado “El juramento”, onde descreve a sensação de ter virado torcedor de um time de futebol: “O primeiro instante de lucidez em que me dei conta de que tinha virado um torcedor intempestivo foi quando percebi que durante toda a minha vida eu tive algo do qual sempre me orgulhei e que agora me incomodava: o senso do ridículo”.
Vale a dica: envolver-se com a copa implica desvencilhar-se do senso do ridículo.
Boa copa a todos.

Prof. Jackislandy Meira de M. Silva
Bel. e Licenciado em Filosofia, Bel. em Teologia, Esp. em Metafísica e em Estudos Clássicos


      



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segunda-feira, 19 de maio de 2014

REAÇÕES DE UMA COPA



O evento Copa do Mundo no Brasil está nos elevando à condição de sujeitos políticos, incapazes de deixarmos passar batida qualquer informação que envolva gastos públicos com estádios da copa. Nunca fomos tão fiscalizadores dos gastos públicos como agora. Até parece que a população, por conta própria, abriu uma CPI para investigar as obras superfaturadas, não só de construção dos estádios, mas principalmente de infraestrutura das sedes, que se multiplicam assustadoramente às vésperas da copa, quando se acendem as luzes do “grand” espetáculo e se apagam aquelas da indignação.
Essa saudável reação política da população com a copa não é inédita. Tivemos outras copas que também nos fizeram despertar do sono político. O brasileiro é como um jogador em campo; de repente sofre um apagão. Aí acontece um evento fortíssimo que o tira do lugar-comum, daquela sonolência absurda, e o põe numa situação de alerta total.
A reação é legítima, mas não é única. Na copa de 1970, quando fomos tricampeões mundiais de futebol, o cenário político não era dos mais agradáveis. Amargávamos uma ditadura militar sob muita tortura e repressão aos direitos políticos. A população não gozava de liberdade de expressão e era impedida de se opor ao governo Médici, que conduzia o país de forma autoritária por ser considerado um militar de “linha dura”, responsável pela tortura e morte de muitos civis. Mesmo assim, a sociedade brasileira não abriu mão de torcer, sofrer e, no final, comemorar a estupenda vitória da seleção em cima da Itália por 4 a 1. Foi um momento em que o povo, em plena crise política, exultou de alegria.
Inegavelmente, um evento copa, sobretudo quando ocorrido na sua própria casa, guarda um paradoxo sem precedentes. Por um lado, é um momento oportuno para os sanguessugas políticos e donos de empreiteiras aproveitarem os altos investimentos do governo com obras da copa para agenciar iniciativas de ordem político-eleitoral, visto estarmos em ano de eleições no Brasil. Por outro, é tempo de ficarmos ainda mais de olho no que estão fazendo com o dinheiro público e percebermos como os interesses são mesquinhos e cada vez menos coletivos. Daí, durante a copa, não pararmos de fazer a crítica.
O governo aproveita a copa para fazer propaganda eleitoral, responder a oposição na direção de que o país está avançando na economia, oferecendo empregos e melhorando a qualidade de vida, porém o povo também não fica atrás e aproveita para reclamar dos serviços públicos, cobrar de seus governantes o que muito ainda está por fazer na educação, na saúde, segurança e combate à corrupção com reformas políticas.
Infelizmente não correspondemos aos efeitos de um evento copa. Podíamos ter investido muito mais em mobilidade urbana, metrôs, outros meios de transportes, ampliação de aeroportos, modernização das cidades, turismo, etc. Tudo o que a imprensa vem falando faz sentido, embora seja agenciada também por interesses de ordem política e econômica. Por trás dela há muita gente influente.
Parece que só o futebol produz esse duplo movimento: reações contra e a favor da copa. Os que dizem não à copa são movidos por um sentimento politicamente correto de que é preciso não baixar a guarda e gritar as injustiças mesmo durante os jogos, certamente não se envolverão com os jogos, não torcerão. Os que são a favor, e esta é uma maioria afirmativa, irão procurar vivê-la de qualquer modo, com ou sem indignação, com ou sem senso do ridículo. Além disso, o que se espera de um país democrático é que as reações sejam pacíficas e ordeiras.
Para experimentar, de fato, a Copa do Mundo aqui no Brasil com todas as suas demandas é interessante considerar o que disse o escritor colombiano, Gabriel Garcia Márquez, num texto seu chamado “El juramento”, onde descreve a sensação de ter virado torcedor de um time de futebol: “O primeiro instante de lucidez em que me dei conta de que tinha virado um torcedor intempestivo foi quando percebi que durante toda a minha vida eu tive algo do qual sempre me orgulhei e que agora me incomodava: o senso do ridículo”.
Vale a dica: envolver-se com a copa implica desvencilhar-se do senso do ridículo.
Boa copa a todos.

Prof. Jackislandy Meira de M. Silva
Bel. e Licenciado em Filosofia, Bel. em Teologia, Esp. em Metafísica e em Estudos Clássicos


      



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