O evento Copa do Mundo no Brasil está nos elevando à
condição de sujeitos políticos, incapazes de deixarmos passar batida qualquer
informação que envolva gastos públicos com estádios da copa. Nunca fomos tão
fiscalizadores dos gastos públicos como agora. Até parece que a população, por
conta própria, abriu uma CPI para investigar as obras superfaturadas, não só de
construção dos estádios, mas principalmente de infraestrutura das sedes, que se
multiplicam assustadoramente às vésperas da copa, quando se acendem as luzes do
“grand” espetáculo e se apagam aquelas da indignação.
Essa saudável reação política da população com a copa
não é inédita. Tivemos outras copas que também nos fizeram despertar do sono
político. O brasileiro é como um jogador em campo; de repente sofre um apagão.
Aí acontece um evento fortíssimo que o tira do lugar-comum, daquela sonolência
absurda, e o põe numa situação de alerta total.
A reação é legítima, mas não é única. Na copa de
1970, quando fomos tricampeões mundiais de futebol, o cenário político não era
dos mais agradáveis. Amargávamos uma ditadura militar sob muita tortura e
repressão aos direitos políticos. A população não gozava de liberdade de
expressão e era impedida de se opor ao governo Médici, que conduzia o país de
forma autoritária por ser considerado um militar de “linha dura”, responsável
pela tortura e morte de muitos civis. Mesmo assim, a sociedade brasileira não
abriu mão de torcer, sofrer e, no final, comemorar a estupenda vitória da
seleção em cima da Itália por 4 a 1. Foi um momento em que o povo, em plena
crise política, exultou de alegria.
Inegavelmente, um evento copa, sobretudo quando
ocorrido na sua própria casa, guarda um paradoxo sem precedentes. Por um lado,
é um momento oportuno para os sanguessugas políticos e donos de empreiteiras
aproveitarem os altos investimentos do governo com obras da copa para agenciar
iniciativas de ordem político-eleitoral, visto estarmos em ano de eleições
no Brasil. Por outro, é tempo de ficarmos ainda mais de olho no que estão
fazendo com o dinheiro público e percebermos como os interesses são mesquinhos
e cada vez menos coletivos. Daí, durante a copa, não pararmos de fazer a
crítica.
O governo aproveita a copa para fazer propaganda
eleitoral, responder a oposição na direção de que o país está avançando na
economia, oferecendo empregos e melhorando a qualidade de vida, porém o povo
também não fica atrás e aproveita para reclamar dos serviços públicos, cobrar
de seus governantes o que muito ainda está por fazer na educação, na saúde,
segurança e combate à corrupção com reformas políticas.
Infelizmente não correspondemos aos efeitos de um
evento copa. Podíamos ter investido muito mais em mobilidade urbana, metrôs,
outros meios de transportes, ampliação de aeroportos, modernização das cidades,
turismo, etc. Tudo o que a imprensa vem falando faz sentido, embora seja
agenciada também por interesses de ordem política e econômica. Por trás dela há
muita gente influente.
Parece que só o futebol produz esse duplo movimento:
reações contra e a favor da copa. Os que dizem não à copa são movidos por um
sentimento politicamente correto de que é preciso não baixar a guarda e gritar
as injustiças mesmo durante os jogos, certamente não se envolverão com os
jogos, não torcerão. Os que são a favor, e esta é uma maioria afirmativa, irão
procurar vivê-la de qualquer modo, com ou sem indignação, com ou sem senso do
ridículo. Além disso, o que se espera de um país democrático é que as reações
sejam pacíficas e ordeiras.
Para experimentar, de fato, a Copa do Mundo aqui no
Brasil com todas as suas demandas é interessante considerar o que disse o
escritor colombiano, Gabriel Garcia Márquez, num texto seu chamado “El
juramento”, onde descreve a sensação de ter virado torcedor de um time de
futebol: “O primeiro instante de lucidez em que me dei conta de que tinha
virado um torcedor intempestivo foi quando percebi que durante toda a minha
vida eu tive algo do qual sempre me orgulhei e que agora me incomodava: o senso
do ridículo”.
Vale a dica: envolver-se com a copa implica
desvencilhar-se do senso do ridículo.
Boa copa a todos.
Prof.
Jackislandy Meira de M. Silva
Bel.
e Licenciado em Filosofia, Bel. em Teologia, Esp. em Metafísica e em Estudos
Clássicos
Páginas na net: www.umasreflexoes.blogspot.com
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