... o que nós chamamos ordinariamente amigos e
amizades, não são acomodações e familiaridades nascidas de uma ocasião
qualquer ou da comodidade com a qual se entretêm nossas almas. Na
amizade de que falo, as almas misturam-se e confundem-se uma na outra,
de tão universal mistura, que apagam e já não encontram a costura que as
juntou. Se me pressionassem para dizer porque o amaria, sinto que isso
não se pode exprimir senão respondendo: "Porque estou nele; porque ele
está em mim."
Há, por detrás do meu discurso e do que
particularmente posso dizer, não sei que força inexplicável e fatal,
mediatriz desta união. Não procuramos senão antes de nós, ser vós, e
pelas relações que temos um ao outro, que faz na nossa afecção mais
força do que a razão das relações, creio que por causa de qualquer ordem
divina; nós abraçamo-nos pelos nomes. E no nosso primeiro encontro, que aconteceu, por acaso numa grande festa
na comunidade da vila, encontramo-nos tão próximos, tão reconhecíveis,
tão comprometidos entre nós, que nada nos é doravante, tão próximo um ao
outro.
Montaigne, Essais, Livre I, Garnier-Flammarion, Paris, 1969
Tradução do Francês antigo de Helena Serrão
Fonte: http://filosofialogos.blogspot.com.br/search/label/Montaigne
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