A reflexão a respeito dos 50 anos do golpe
de 64 começou. E estão demonstrados com clareza os malefícios da
transição à brasileira. Sua maior característica é o fato de ela nunca
acabar. Vende-se a falsa versão de que o Brasil seria um país de
reconciliação fácil, capaz de mobilizar todos os setores da sociedade
para uma superação de traumas passados. Na verdade, somos uma nação onde
os traumas nunca são superados, pois eles sequer são nomeados. Dessa
forma, somos obrigados a conviver com fantasmas que parecem sair do
nada, mas são, na verdade, a expressão de visões que nunca morreram de
fato.
Há pouco, o jornal O Estado de S. Paulo decidiu publicar um artigo do general Rômulo Bini Pereira a respeito da grandeza do que esse senhor chama de “Revolução de 64”. Não consigo imaginar nenhuma nação do mundo na qual cidadãos sofreriam o insulto de ver um militar criticar governos democráticos e elogiar ditaduras, sem passar por nada minimamente parecido a um mea culpa a respeito de seus crimes e do fato de a ditadura ter instalado no Brasil um Estado ilegal comandado por bandidos. Na Argentina, no Chile, no Uruguai ou Espanha, seria inimaginável. Um senhor como este, mesmo na reserva, seria destituído de suas patentes e processado por apologia do crime contra o Estado democrático. O Exército emitiria nota para deixar claro seu repúdio a tal opinião. Mas estamos no Brasil e aqui elogiar nosso período ditatorial, com seus assassinos e torturadores, é tratado como um “direito de opinião”.
Há pouco, o jornal O Estado de S. Paulo decidiu publicar um artigo do general Rômulo Bini Pereira a respeito da grandeza do que esse senhor chama de “Revolução de 64”. Não consigo imaginar nenhuma nação do mundo na qual cidadãos sofreriam o insulto de ver um militar criticar governos democráticos e elogiar ditaduras, sem passar por nada minimamente parecido a um mea culpa a respeito de seus crimes e do fato de a ditadura ter instalado no Brasil um Estado ilegal comandado por bandidos. Na Argentina, no Chile, no Uruguai ou Espanha, seria inimaginável. Um senhor como este, mesmo na reserva, seria destituído de suas patentes e processado por apologia do crime contra o Estado democrático. O Exército emitiria nota para deixar claro seu repúdio a tal opinião. Mas estamos no Brasil e aqui elogiar nosso período ditatorial, com seus assassinos e torturadores, é tratado como um “direito de opinião”.
É de se admirar ainda que uma empresa de comunicação
que participou ativamente do golpe e que o defendeu até a última hora,
principalmente por meio de editoriais nos quais criticava movimentos
democráticos como as Diretas Já, não tenha sensibilidade para evitar
esse constrangimento.
Ainda no quesito “o passado nunca passa”, há pouco os correntistas do Banco Itaú receberam uma agenda na qual o dia 31 de março estava marcado como “aniversário da revolução de 64”. Não custa lembrar: Olavo Setubal, fundador da instituição financeira, por suas boas relações com o regime, foi prefeito biônico de São Paulo. Se o governo brasileiro tivesse exposto com clareza os vínculos do empresariado nacional com a ditadura, vínculos que chegaram ao incrível financiamento de casas de tortura, certamente bancos, empresas e construtoras teriam feito pedidos públicos de desculpas e aplicado políticas de controle para impedir que afrontas como essa ocorressem.
Tudo isso demonstra quão falsa é a história de a ditadura brasileira ser um assunto encerrado. O que poderíamos esperar de um país no qual nenhum torturador, absolutamente nenhum, foi preso ou simplesmente julgado? O Brasil não pode continuar a farsa da reconciliação nacional sem que as Forças Armadas mostrem minimamente terem entendido o que fizeram e ofereçam publicamente um pedido de perdão à população brasileira por terem destruído nossa democracia. Enquanto isso não ocorrer, elas serão vistas por vários setores da sociedade brasileira como um corpo estranho, uma corporação pronta a desordenar, mais uma vez, a nação por meio da força e do arbítrio.
Ainda no quesito “o passado nunca passa”, há pouco os correntistas do Banco Itaú receberam uma agenda na qual o dia 31 de março estava marcado como “aniversário da revolução de 64”. Não custa lembrar: Olavo Setubal, fundador da instituição financeira, por suas boas relações com o regime, foi prefeito biônico de São Paulo. Se o governo brasileiro tivesse exposto com clareza os vínculos do empresariado nacional com a ditadura, vínculos que chegaram ao incrível financiamento de casas de tortura, certamente bancos, empresas e construtoras teriam feito pedidos públicos de desculpas e aplicado políticas de controle para impedir que afrontas como essa ocorressem.
Tudo isso demonstra quão falsa é a história de a ditadura brasileira ser um assunto encerrado. O que poderíamos esperar de um país no qual nenhum torturador, absolutamente nenhum, foi preso ou simplesmente julgado? O Brasil não pode continuar a farsa da reconciliação nacional sem que as Forças Armadas mostrem minimamente terem entendido o que fizeram e ofereçam publicamente um pedido de perdão à população brasileira por terem destruído nossa democracia. Enquanto isso não ocorrer, elas serão vistas por vários setores da sociedade brasileira como um corpo estranho, uma corporação pronta a desordenar, mais uma vez, a nação por meio da força e do arbítrio.
A mesma exigência vale, e com urgência parecida,
para a classe empresarial brasileira. Basta de o empresariado nacional
fingir não ter sido o elemento propulsor da ditadura, com relações de
simbiose com o governo. De não ter herdado e manter de pé até os dias
atuais práticas de corrupção do poder público. E de não estimular
preconceitos que vez por outra explodem de maneira aparentemente
irracional. O que se espera deste momento de reflexão a respeito dos 50
anos do golpe é, ao menos, o fim dessa prática medonha de nunca colocar
claramente como objetos de repúdio público aqueles que destruíram não
apenas 20 anos da história brasileira, mas contribuíram para um presente
ainda assombrado pelos piores fantasmas. O Brasil merece Forças Armadas
defensoras da democracia, não um clube dedicado a abrigar os defensores
de estupradores, torturadores, assassinos e ocultadores de cadáveres.
Por Vladimir Safatle in http://www.cartacapital.com.br/politica/a-eterna-transicao-7263.html
Por Vladimir Safatle in http://www.cartacapital.com.br/politica/a-eterna-transicao-7263.html
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