Repare bem cautelosamente se você já se viu em alguém. Pode ser
alguém da família, seus pares ou membros de um grupo; alguém com
quem você desenvolveu seus afetos, sua intimidade, cuja
reciprocidade fora aumentando pouco a pouco até não parar mais.
Geralmente, além de pessoas, nos identificamos também com lugares,
profissões, estudos. Mas, os que marcam mesmo nossas vidas, a bem da
verdade, são nossos pais, irmãos, tios, tias e avós, sem desmerecer,
claro, a descoberta de um amigo ou de uma pessoa amada.
Ver-se em alguém é identificar-se com este alguém, ultrapassando
os limites da aparência. Via de regra, a aparência da identidade
está fixa e inerte em registros de identidade, onde cada qual apenas
estampa no papel sua face para fins burocráticos e sociais. A
identidade não é simplesmente um documento de papel que carrega sua
impressão digital e foto, bem como o nome bastante apresentável,
aprisionada numa carteira ao bolso, senão guardada e abandonada em
gavetas ou pastas.
Perder a identidade para a cultura grega significa perder a vida,
equivale a estar realmente morto: “Para os gregos, o que
caracteriza a morte é a perda da identidade. Os mortos são, antes
de mais nada, sem-nome ou mesmo sem-rosto. Todos que deixam a vida se
tornam anônimos, perdem a individualidade.(...) É essa
despersonalização que caracteriza a morte aos olhos dos
gregos(...)”(In FERRY, Luc. A sabedoria dos mitos gregos. Aprender
a viver II. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009, p. 145).
Descobrir seu eu no mundo, seu lugar no tempo/espaço da história é
ver-se na mais translúcida imagem de sua subjetividade; é
descobrir-se para si mesmo e habitar um mundo possível, crescente,
dinâmico e infinito, movido pelo despertar semelhante ao do filho de
Ulisses, Telêmaco, quando da sua busca incessante por notícias do
pai que estava a vaguear pelo mundo, perdido e com saudades de casa.
As primeiras quatro partes ou capítulos da clássica obra de
Homero, a Odisseia, revelam essa busca incansável do jovem pela
confirmação dos belos feitos do seu pai, rei de Ítaca. A saída de
Telêmaco da ilha ao encontro do pai representa sua saída ao
encontro de si mesmo. Assim como Telêmaco, um homem precisa de
aventuras ou precisa satisfazer o desejo da maravilha, da curiosidade
de querer ver as coisas para forjar, no sofrimento e na nostalgia de
casa, a personalidade, construir o caráter e, definitivamente,
encontrar seu lugar mundo, quem você é e por que está aqui.
Todos temos uma identidade, quando sufocada e presa, grita de dentro
de nós. É o grito da alma humana pelo reconhecimento de sua própria
identidade.
Como não acenar aqui para a tão reconhecida obra de Milan Kundera,
a identidade, em que Chantal, personagem central da trama, reclama
repetidamente por identidade quando pensa: “Vivo num mundo onde os
homens nunca mais irão se virar para olhar para mim”. Só que, ao
saber quem, de fato, era Chantal, pouco antes de declarar que havia
se enganado, Jean-Marc saboreia o prazer de olhar para ela e percebe
que Chantal é o “seu único vínculo sentimental com o mundo”,
pois “só ela, e mais ninguém, o liberta de sua indiferença. Só
por intermédio dela é capaz de se compadecer”. Acordada de seu
sonho, pelo “grito” de Jean-Marc, a bela Chantal não quer perder
de vista a identidade de seu amor: “Não vou mais tirar os olhos de
você. Vou olhar para você sem parar”.
Prof. Jackislandy Meira
de M. Silva
Especialista em
Metafísica, Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e
Pós-graduando em Estudos Clássicos pela UNB e Archai Unesco.
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