Para nos
deleitarmos sob a leitura de Homero no que diz respeito ao Agon
grego, podemos citar ligeiramente Aquiles, o guerreiro mais amado e
admirado da Grécia que, guiando seu carro, profana o corpo de
Heitor, arrastando-o ao redor da cidade de Troia, para desespero da
família, que assistia a tudo do alto da muralha. Ou, de outro modo,
para exemplificar Ulisses, na leitura de Delfim Leão - (in
Ulisses e o espírito agónico grego: o herói da imaginação,
do sacrifício e do conhecimento, Universidade de Coimbra, 2011) - ,
como o "herói dos mil artifícios"(polymetis ou
polymechanos), o que faz dele a ilustração mais paradigmática
dos poderes da imaginação, da capacidade inventiva, de uma
diplomacia intuitiva. A imaginação fulgurante de Ulisses, afirma
Delfim, incarnada na curiosidade e no espírito agónico da
mentalidade grega e do ser humano em geral, comporta de igual modo um
processo de sujeição ao perigo, pois a aventura do conhecimento
pressupõe sempre uma exposição aos riscos da incerteza, à
experiência do sofrimento vivido. O Agon grego está representado na
figura engenhosa de Ulisses como o "herói que muito
sofreu"(polytlas).
A luta e o
prazer da vitória, bem como do regresso de Ulisses à Itaca, em si
mesmos, foram legitimados pelos gregos, que concebiam o ódio, a
inveja, a disputa, os artifícios humanos muito diferentes do nosso.
O povo
grego vive intensamente os conflitos ou as guerras a que se propõe
lutar quer por honra, glória ou conquista territorial. Certamente,
em Ulisses, tudo isso vem legitimado, somando-se as estratégias
gregas em combate.
Conforme a trama muito pessoal da nostalgia empreendida desde que
fora obrigado a deixar a sua ilha, a aventura junto aos Ciclopes, que
muito me impressiona, não faria sentido se não fosse um desvio à
rota simples de seu trajeto, provocado pelo próprio Ulisses. Sem
deixar de ser o que é, carregando consigo todas as suas boas e más
qualidades, procura mostrar que não é um tirano. Por isso, nada
melhor do que travar um “agon” com algo que aparece pra ele
caracterizado de tirânico, ou seja, do modo de ser dos seres com que
se vai confrontar. Ora, moradores desta ilha, os Ciclopes (“olho
circular”), como sendo seres “arrogantes e sem lei” (Canto IX,
v. 106), dependentes de um modo de vida bem provinciano e pastoril,
sem quaisquer labor agrícola, pois tiram toda a sobrevivência da
terra. Dissimulados, vivem da indiferença e desprezam a esfera
política da existência. Cada qual que dite a lei para si e para os
que de si dependem, sem deliberação em assembleia; habitam grutas,
nos píncaros das montanhas (vv. 106-115). No entanto, para
contrariar a tirania dessa gente, eis que surge Ulisses a fim de
triunfar sobre um modelo de vida descomprometido com a virtude e com
a excelência. O agon de Ulisses, portanto, reivindica sua arete,
sua humanidade, seu aner frente aos Ciclopes.
Daí, como se verá através da ação do Ciclope Polifemo, o
indivíduo escolhido para objeto agónico de Ulisses, é evidente que
o mono-ocular e suas investidas não serão suficientes para conter o
espírito de Ulisses, orientado por sua areté e seu logos,
os quais promovem o
agon muito mais superior. “Esta agonia representa um
confronto direto com o mínimo da inteligência propriamente humana
(se o não fosse, Polifemo teria sido aniquilado) e o máximo da
inteligência propriamente humana: o triunfador, Ulisses. Com o ato
de Ulisses junto de Polifemo nasce cruentamente e em agonia a
afirmação da liberdade do ser humano como ser ético e político,
senhor de seus atos, por via de uma agência inteligente, que nada
submete, que nada pode submeter”(PEREIRA, Américo. Ulisses
e Penélope. Da nova paradigmaticidade, a partir da Odisseia de
Homero. Covilhã, Lusosofia,
2011, p. 12-17).
A Odisseia bem que poderia se chamar As agonias de Ulisses,
haja vista seus intentos contra toda sorte de males nas guerras e em
meio ao seu regresso à Ítaca. Trava sempre combates de vida ou
morte. A sua sobrevivência é a sobrevivência e o triunfo do
paradigma que representa toda uma civilização com histórias
marcantes que influenciarão o progresso intelectual da humanidade.
Engraçado, mas vejam que trocadilho curioso: O regresso de Ulisses
que constrói todo o patrimônio do progresso civilizatório da
humanidade. O contraponto do regresso é o seu progresso e
vice-versa.
Prof. Jackislandy Meira
de M. Silva
Especialista em
Metafísica, Licenciado em Filosofia e Bacharel em Teologia
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