Aquela
expressão muito feliz do Prof. Delfim Leão ainda ecoa em meus
ouvidos: HOMERO É UM MANANCIAL DE INFORMAÇÕES QUE NÃO PÁRA,
QUE NÃO CESSA DE NOS SURPREENDER(in Ulisses e o espírito agónico
grego: o herói da imaginação, do sacrifício e do conhecimento,
Universidade de Coimbra, 2011).
Permitam-me,
com isso, puxar um pouco a sardinha pro meu lado, já que tenho uma
formação filosófica.
Partindo
da ideia grega de Agon, de que a vida é como uma luta sem
fim, presente inclusive nas guerras descritas por Homero, o filósofo
moderno Nietzsche, pelo seu filtro filosófico e filológico, nos
brinda com um texto belíssimo de sustentação das qualidades
humanas e naturais dos gregos antigos, especialmente na epopeia e na
tragédia. "O Agon em Homero", in Cinco prefácios para
cinco livros não escritos. Nesse texto, Nietzsche aponta o
homem grego como sendo movido pela relação entre suas qualidades
humanas e qualidades profundamente naturais. Quer mostrar que o homem
grego é fiel aos seus instintos naturais, aos seus impulsos,
fazendo-o aproximar-se ainda mais das condições naturais de sua
existência. Segundo ele, os gestos violentos, impulsivos e
aterradores, a crueldade, os excessos todos são a fonte, o sólo
fértil de onde brotam as grandes ações e as grandes obras da
humanidade.
Para
ilustrar essa leitura de Nietzsche no que diz respeito ao Agon
grego, podemos citar Aquiles, o guerreiro mais amado e admirado da
Grécia que, guiando seu carro, profana o corpo de Heitor,
arrastando-o ao redor da cidade de Troia, para desespero da família,
que assistia a tudo do alto da muralha. Ou, de outro modo, para
exemplificar Ulisses, na leitura de Delfim Leão, como o "herói
dos mil artifícios"(polymetis ou polymechanos), o que faz
dele a ilustração mais paradigmática dos poderes da imaginação,
da capacidade inventiva, de uma diplomacia intuitiva. A imaginação
fulgurante de Ulisses, afirma Delfim, incarnada na curiosidade e no
espírito agónico da mentalidade grega e do ser humano em geral,
comporta de igual modo um processo de sujeição ao perigo, pois a
aventura do conhecimento pressupõe sempre uma exposição aos riscos
da incerteza, à experiência do sofrimento vivido. O Agon grego está
representado na figura engenhosa de Ulisses como o "herói
que muito sofreu"(polytlas).
A luta e o
prazer da vitória, bem como do regresso de Ulisses à Itaca, em si
mesmos, foram legitimados pelos gregos, que concebiam o ódio, a
inveja, a disputa, os artifícios humanos muito diferentes do nosso.
É da
natureza e de toda extensão da cultura do grego, sob expressões
diversas, como polemos, eris, meikos, esse poder de
confrontação, que Heráclito de Éfeso, filósofo grego, absorve
como princípio(arché) do universo. Heráclito, diretamente
influenciado pelo Agon da vida grega, faz dele o princípio do mundo.
Pensar o mundo como devir, vir-a-ser, é concebê-lo como uma luta
constante. Diz ele: "Nos mesmos rios entramos e não
entramos, somos e não somos"(Heráclito, Alegorias, 24).
O mesmo
sentimento de luta de Ulisses, certamente, tivera sido uma fonte
riquíssima, um legado precioso para o desenvolvimento ainda mais
próspero da cultura grega nas bases da Filosofia. Outro exemplo
disso é Sócrates, arraigado neste gosto(beleza também, estética)
pela disputa, inventa a dialética e dá os primeiros passos em
direção à Filosofia, propriamente dita.
Prof.
Jackislandy Meira de M. Silva
Especialista
em Metafísica, Licenciado em Filosofia e Bacharel em Teologia
Nenhum comentário:
Postar um comentário