segunda-feira, 22 de abril de 2013

A filosofia e o clássico em Grande Sertão: veredas


(capa da obra Grande Sertão: veredas)

Considerando a tessitura ou a forma mesma, tal como se apresenta o texto Grande sertão: veredas, como um fator de determinada interpretação filosófica do mundo, concebemos uma fragmentação intensa, muito marcada por tensões, por ambiguidades, por elementos acentuadamente trágicos.
Num gesto de rara ousadia, Guimarães Rosa constrói, no interior de Grande sertão: veredas, aforismas, versos dispersos ao longo de toda a obra, de modo a pausar, a silenciar, a dar um tom de mistério no ritmo do mote do narrador. À medida que o enredo vai se desdobrando, o leitor é tomado pela estranheza: “viver é muito perigoso” (In COSTA, Gilmário Guerreiro da. Parte II – Aforismos e abismos – fragmentação e tragicidade no Grande sertão: veredas, p. 01). Motes como este forçam o leitor a parar diante do texto, não havendo alternativa a não ser pensar para uma tomada de posição.
Ao dialogar conosco, através de uma linguagem fragmentada, não certinha e indiferente de capturar o sofrimento e o trágico, o texto de Guimarães se faz como um ato precisamente filosófico, como um modo filosófico de ver o mundo, em que revisita uma série de temas peculiares à tragédia grega, dos quais pretende sublinhar a esfera trágica de suas questões sobre a condição humana. Uma questão que se levanta é a do julgamento.
A partir de um estudo de Jean-Pierre Vernant, é muito recorrente a menção de um tribunal, onde se julga a vida, a existência, como sentido das tensões e ambiguidades na tragédia grega e em obras desse gênero. Algo semelhante ocorre em Grande sertão: veredas, seguindo a tradição das tragédias, de obras clássicas como Apologia, de Platão, onde o tribunal é marca diferencial. O corte fragmentário e elucidativo a esse particular é o julgamento do jagunço Zé Bebelo, bastante emblemático e profundo. Isso é notório no diálogo entre Joca Ramiro e Zé Bebelo:

– “O senhor pediu julgamento... – ele perguntou, com voz
cheia, em beleza de calma.
Toda hora eu estou em julgamento.
Assim Zé Bebelo respondeu. Aquilo fazia sentido? [ROSA, 1994, p. 168]” (idem, p.12).

Em seguida, compõe-se o tribunal. O tom da narrativa é extremamente tenso e cheio de intervenções recorrentes aos tópoi da antiguidade clássica, dentre estes, as fortes referências à areté da Ilíada de Homero que povoam nosso imaginário com homens semelhantes a Ulisses, a Aquiles, a Heitor, enfim.
Questões como honra, valentia, coragem, sofrimento, justiça, culpa, vingança, traição, morte, vida, acolhidos pela inteligência do autor mineiro, ganham proporções cada vez mais singulares e significativas, típicas do interior do sertão brasileiro. Filosófica e artisticamente, mas com proeza literária, Guimarães Rosa soube trazer à tona, em circunstâncias totalmente adversas do sertão, elementos como silêncio e serenidade, atitudes decorrentes de uma consciência trágica. E, por ser trágica, sua obra é um ato extremamente filosófico.
Portanto, não podemos deixar de destacar a figura de Riobaldo e de Diadorim, cheios de amor um pelo outro; amor também recorrente aos tópoi trágicos, passando por Platão e por Shakespeare; amor instigante e fecundo. No seu nome, Diadorim parece comunicar seu amor, dom e errância, para Riobaldo, que assim a trata: “Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura[ROSA, 1994, p. 200]” (idem, p.19). O aforisma adiante é surpreendente: “Vivendo, se aprende; mas o que se aprende, mais, é só a fazer outras maiores perguntas[ROSA, 1994, p. 264]” (idem).


Prof. Jackislandy Meira de Medeiros Silva
Bel. em Teologia, Licenciado em Filosofia, Esp. em Metafísica e Pós-graduando em Estudos Clássicos pela UnB/Archai/Unesco.

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segunda-feira, 22 de abril de 2013

A filosofia e o clássico em Grande Sertão: veredas


(capa da obra Grande Sertão: veredas)

Considerando a tessitura ou a forma mesma, tal como se apresenta o texto Grande sertão: veredas, como um fator de determinada interpretação filosófica do mundo, concebemos uma fragmentação intensa, muito marcada por tensões, por ambiguidades, por elementos acentuadamente trágicos.
Num gesto de rara ousadia, Guimarães Rosa constrói, no interior de Grande sertão: veredas, aforismas, versos dispersos ao longo de toda a obra, de modo a pausar, a silenciar, a dar um tom de mistério no ritmo do mote do narrador. À medida que o enredo vai se desdobrando, o leitor é tomado pela estranheza: “viver é muito perigoso” (In COSTA, Gilmário Guerreiro da. Parte II – Aforismos e abismos – fragmentação e tragicidade no Grande sertão: veredas, p. 01). Motes como este forçam o leitor a parar diante do texto, não havendo alternativa a não ser pensar para uma tomada de posição.
Ao dialogar conosco, através de uma linguagem fragmentada, não certinha e indiferente de capturar o sofrimento e o trágico, o texto de Guimarães se faz como um ato precisamente filosófico, como um modo filosófico de ver o mundo, em que revisita uma série de temas peculiares à tragédia grega, dos quais pretende sublinhar a esfera trágica de suas questões sobre a condição humana. Uma questão que se levanta é a do julgamento.
A partir de um estudo de Jean-Pierre Vernant, é muito recorrente a menção de um tribunal, onde se julga a vida, a existência, como sentido das tensões e ambiguidades na tragédia grega e em obras desse gênero. Algo semelhante ocorre em Grande sertão: veredas, seguindo a tradição das tragédias, de obras clássicas como Apologia, de Platão, onde o tribunal é marca diferencial. O corte fragmentário e elucidativo a esse particular é o julgamento do jagunço Zé Bebelo, bastante emblemático e profundo. Isso é notório no diálogo entre Joca Ramiro e Zé Bebelo:

– “O senhor pediu julgamento... – ele perguntou, com voz
cheia, em beleza de calma.
Toda hora eu estou em julgamento.
Assim Zé Bebelo respondeu. Aquilo fazia sentido? [ROSA, 1994, p. 168]” (idem, p.12).

Em seguida, compõe-se o tribunal. O tom da narrativa é extremamente tenso e cheio de intervenções recorrentes aos tópoi da antiguidade clássica, dentre estes, as fortes referências à areté da Ilíada de Homero que povoam nosso imaginário com homens semelhantes a Ulisses, a Aquiles, a Heitor, enfim.
Questões como honra, valentia, coragem, sofrimento, justiça, culpa, vingança, traição, morte, vida, acolhidos pela inteligência do autor mineiro, ganham proporções cada vez mais singulares e significativas, típicas do interior do sertão brasileiro. Filosófica e artisticamente, mas com proeza literária, Guimarães Rosa soube trazer à tona, em circunstâncias totalmente adversas do sertão, elementos como silêncio e serenidade, atitudes decorrentes de uma consciência trágica. E, por ser trágica, sua obra é um ato extremamente filosófico.
Portanto, não podemos deixar de destacar a figura de Riobaldo e de Diadorim, cheios de amor um pelo outro; amor também recorrente aos tópoi trágicos, passando por Platão e por Shakespeare; amor instigante e fecundo. No seu nome, Diadorim parece comunicar seu amor, dom e errância, para Riobaldo, que assim a trata: “Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura[ROSA, 1994, p. 200]” (idem, p.19). O aforisma adiante é surpreendente: “Vivendo, se aprende; mas o que se aprende, mais, é só a fazer outras maiores perguntas[ROSA, 1994, p. 264]” (idem).


Prof. Jackislandy Meira de Medeiros Silva
Bel. em Teologia, Licenciado em Filosofia, Esp. em Metafísica e Pós-graduando em Estudos Clássicos pela UnB/Archai/Unesco.

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