(capa
da obra Grande
Sertão: veredas)
Considerando
a tessitura ou a forma mesma, tal como se apresenta o texto Grande
sertão:
veredas,
como um fator de determinada interpretação filosófica do mundo,
concebemos uma fragmentação intensa, muito marcada por tensões,
por ambiguidades, por elementos acentuadamente trágicos.
Num gesto de rara ousadia,
Guimarães Rosa constrói, no interior de Grande
sertão: veredas, aforismas,
versos dispersos ao longo de toda a obra, de modo a pausar, a
silenciar, a dar um tom de mistério no ritmo do mote do narrador. À
medida que o enredo vai se desdobrando, o leitor é tomado pela
estranheza: “viver é muito
perigoso” (In
COSTA, Gilmário Guerreiro da. Parte II – Aforismos e abismos –
fragmentação e tragicidade no Grande sertão: veredas, p. 01).
Motes como este forçam o leitor a parar diante do texto, não
havendo alternativa a não ser pensar para uma tomada de posição.
Ao dialogar conosco, através
de uma linguagem fragmentada, não certinha e indiferente de capturar
o sofrimento e o trágico, o texto de Guimarães se faz como um ato
precisamente filosófico, como um modo filosófico de ver o mundo, em
que revisita uma série de temas peculiares à tragédia grega, dos
quais pretende sublinhar a esfera trágica de suas questões sobre a
condição humana. Uma questão que se levanta é a do julgamento.
A partir de um estudo de
Jean-Pierre Vernant, é muito recorrente a menção de um tribunal,
onde se julga a vida, a existência, como sentido das tensões e
ambiguidades na tragédia grega e em obras desse gênero. Algo
semelhante ocorre em Grande
sertão: veredas, seguindo a
tradição das tragédias, de obras clássicas como Apologia,
de Platão, onde o tribunal é marca diferencial. O corte
fragmentário e elucidativo a esse particular é o julgamento do
jagunço Zé Bebelo, bastante emblemático e profundo. Isso é
notório no diálogo entre Joca Ramiro e Zé Bebelo:
– “O senhor pediu
julgamento... – ele perguntou, com voz
cheia, em beleza de
calma.
– Toda hora eu
estou em julgamento.
Assim Zé Bebelo
respondeu. Aquilo fazia sentido? [ROSA,
1994, p. 168]” (idem, p.12).
Em seguida, compõe-se o
tribunal. O tom da narrativa é extremamente tenso e cheio de
intervenções recorrentes aos tópoi
da antiguidade clássica, dentre estes, as fortes referências à
areté
da Ilíada
de Homero que povoam nosso imaginário com homens semelhantes a
Ulisses, a Aquiles, a Heitor, enfim.
Questões como honra,
valentia, coragem, sofrimento, justiça, culpa, vingança, traição,
morte, vida, acolhidos pela inteligência do autor mineiro, ganham
proporções cada vez mais singulares e significativas, típicas do
interior do sertão brasileiro. Filosófica e artisticamente, mas com
proeza literária, Guimarães Rosa soube trazer à tona, em
circunstâncias totalmente adversas do sertão, elementos como
silêncio e serenidade, atitudes decorrentes de uma consciência
trágica. E, por ser trágica, sua obra é um ato extremamente
filosófico.
Portanto, não podemos deixar
de destacar a figura de Riobaldo e de Diadorim, cheios de amor um
pelo outro; amor também recorrente aos tópoi
trágicos, passando por Platão e por Shakespeare; amor instigante e
fecundo. No seu nome, Diadorim parece comunicar seu amor, dom e
errância, para Riobaldo, que assim a trata: “Qualquer
amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura[ROSA,
1994, p. 200]”
(idem, p.19). O aforisma
adiante é surpreendente: “Vivendo,
se aprende; mas o que se aprende, mais, é só a fazer outras maiores
perguntas[ROSA,
1994, p. 264]”
(idem).
Prof.
Jackislandy Meira de Medeiros Silva
Bel.
em Teologia, Licenciado em Filosofia, Esp. em Metafísica e
Pós-graduando em Estudos Clássicos pela UnB/Archai/Unesco.
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