(foto: arquivo pessoal, bacalhoada de
minha esposa)
A cultura judaico-cristã é
intensamente presente no interior da cultura brasileira. Agora, sobretudo,
quando celebramos a páscoa, a simbologia que envolve os elementos daquele dia
cruento – para os judeus, a libertação do Egito, a travessia apressada pelo mar
vermelho com os cavalos e cavaleiros em seus calcanhares; para os cristãos, o
drama da dor, do sofrimento, paixão, morte e ressurreição de Jesus de Nazaré –
parece dialogar profundamente com o dia a dia do cidadão brasileiro nas mais
diferentes regiões, com os modos e peculiaridades de cada lugar.
Para começar, é feriado nacional.
Todos param e estabelece-se, quer queiramos ou não, uma ruptura no calendário
de nossas rotinas. Abrimos o tempo profano (cronos) para dialogar com o sagrado
(kairos) em nossas vidas. O curioso é que muita gente inverte a ordem das
coisas e acaba suspendendo o sagrado em função do profano dando margem a
inúmeros excessos.
Em meio à memória da paixão, morte e
ressurreição de Cristo, o que nos chama atenção é a variedade culinária que se
espalha pelo vasto território brasileiro nestes dias de preparação que
antecedem a grande festa da páscoa para nós cristãos. A semana santa que
culmina com a Ressurreição de Jesus no domingo se reveste de uma “santa comensalidade”.
Em cada canto do país, por causa da influência da cultura judaico-cristã, é
muito comum a criação de variados pratos alimentares que substituem
tradicionalmente nossos rotineiros hábitos alimentares, o forte costume de
todos os dias.
Engraçado que a carne de boi, a
famosa carne vermelha é substituída pelo peixe dos rios ou dos mares. É costume
inserirmos nas refeições o tão recomendado bacalhau; que pode ser incrementado
de muitos modos, cozido, como torta ao forno, bolinhos de bacalhau e etc. A quinta-feira
do tríduo sagrado é dia reservado para o aguardado arroz doce. Refeições como
estas, principalmente no interior do nordeste, são muito comuns e fáceis de ver
e de se fazer, basta vontade e muito amor. Não podemos esquecer as suculentas
umbuzadas feitas por nossos avós. O vinho ou suco de uvas é também acrescentado
à mesa.
As famílias se reúnem em volta de
uma mesa mais farta neste período do ano, pois os costumes são mais fortes do
que o bolso. Apesar dos ingredientes necessários para uma boa ceia pascal serem
um pouco caros, mesmo assim o cidadão brasileiro faz questão de comer bacalhau,
ova de peixe e outras iguarias tão tradicionais na semana santa. Ainda assim,
não podemos nos dar ao luxo de esquecer o ovo da páscoa com bastante chocolate para
afastarmos as tristes lembranças do sofrimento de Cristo e nos fixarmos somente
em sua glória, em sua vitória, visto que o consumo de chocolate aumenta o nível
do hormônio responsável pela sensação de bem-estar, de alegria, a “serotonina”,
bem como o hormônio da “feniletilamina”, conhecido como o hormônio da paixão.
Na verdade, conviver com todas estas
guloseimas da semana santa e ter que praticar algum tipo de abstinência ou
mortificação é um desafio e tanto, uma vez que os diferentes banquetes se sucedem
um após outro deixando sabores inesquecíveis de quero mais. O querer mais em
relação à comida e à bebida nos induz aos excessos, a comportamentos
desmedidos, distanciando-nos do sentido do evangelho: “Não só de pão vive o homem”(Mt 4.4). Talvez, aí esteja a razão
desta semana, compreender nossos paradoxos, contradições e ambiguidades.
Figuras trágicas como as de Pedro e Judas parecem ser chaves nesta leitura.
Negação e traição não faziam parte dos ingredientes. Ou faziam?
Contudo, os banquetes da época de Jesus
eram, certamente, mais sóbrios, modestos, regados a vinho ou suco de uvas. Os
elementos da ceia pascal dos judeus estavam muito além do pão ázimo e do vinho,
mas acrescia-se de carneiro assado, inteiro num espeto, geralmente um cabrito;
“Harósset”, uma mistura de maçãs picadas, nozes cortadas, canela, passas, que
serve como sobremesa; Ervas amargas, rabanete, chicória, “marór”; Ervas verdes,
agrião, alface, aipo; Salmoura. Atualmente inclui-se no cardápio um ovo cozido,
em memória da destruição do Templo, porém, é um elemento posterior à época de
Jesus.
Embora longe do modelo histórico de
ceia pascal vivido por Jesus de Nazaré, é importante que não deixemos de
adicionar ingredientes invisíveis ou pelo menos esquecidos às nossas
guloseimas: a partilha e o amor. Após a sua morte, os seus discípulos e as
comunidades cristãs colocavam tudo em comum e viviam como irmãos.
Prof.
Jackislandy Meira de Medeiros Silva
Bel. em
Teologia, Licenciado em Filosofia, Esp. em Metafísica e Pós-graduando em
Estudos Clássicos pela UnB/Archai/Unesco.
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