Aprendemos durante as entradas
e saídas do teatro ou do cinema que o poder da imagem, como
instrumento de produção de emoções em seus espectadores, é
articulado também pelo poder político e pela tragédia. Emoções
da natureza humana que são reconstruídas socialmente, a exemplo das
tragédias gregas, em espaços públicos, devem traduzir os anseios e
necessidades do contexto para o qual está falando.
Desprovidos de toda
parafernália tecnológica do mundo contemporâneo, o teatro antigo
se servia de elementos muito diretos e sensíveis do ponto de vista
social e político, tornando-se patente o modo pelo qual as pessoas
interagiam. O teatro se constituía, assim, como uma forma de ação
política.
As emoções produzidas hoje
pelo cinema são muito diferentes das produzidas ontem, há mais de
2000 anos, no théatron, onde
havia intensa dramatização dos elementos lírico, cênico e
recitativo. É indispensável que uma produção cinematográfica de
recepção de personagens, histórias, temas, problemas e diversos
assuntos do passado nos permita dialogar com a antiguidade através
de sons, imagens, linguagens e cores para revivermos valores sociais
e culturais daquela obra literária.
Assistir a um filme acerca do
passado não só resgata o passado, mas implica conhecê-lo de um
modo diferente, em que o espectador, ao invés de transpor o passado
para o presente, interaja e dialogue com o que lhe é fundamental
(2011: p. 104).
Nesse sentido, podemos dizer
que Poderosa Afrodite,
filme escrito e dirigido por Woody Allen em 1995, discute pontos
fundamentais nas tragédias de Édipo Rei e Medeia que ainda estão
em pauta para o homem contemporâneo, tais como: relação
problemática entre pais e filhos, o adultério e a culpa. Na
verdade, o filme nos possibilita conexões riquíssimas pela sua
abordagem temática, pois Woody Allen elege a culpa e o adultério
como acessos às narrativas míticas e aos dramaturgos gregos, sem
excluí-los ou subvertê-los (2011: p. 105).
A projeção narra a história
de um casal, Lenny Weinrib e Armanda Sloan, que adota uma criança.
Não se sabe de quem a criança é filha, até que um dia Lenny
resolve investigar e fica sabendo que a mãe, Linda Ash, é uma
prostituta. A maior pretensão da mãe, a “Afrodite” de Allen, é
ser atriz de filmes pornográficos.
No correr da trama, o diretor
mexe com os espectadores por tratar a história em dois espaços e
tempos diferentes: as ruínas de um anfiteatro, de um lado; e um
restaurante no qual se encontram casais, de outro. No centro da
narrativa está o drama de Lenny conectado ao de Édipo, simbolizado
no filme pela presença do fogo, poder encantatório e destrutivo.
Allen é original quando suspende o tom austero, mais adequado à
tragédia, para incluir o tom cômico. O cenário é marcante, bem
como o coro, que lembra a morte de Aquiles, os infortúnios de Édipo
e a má sorte de Medeia. As angústias dos pais, que saem em busca do
paradeiro da mãe biológica de seu filho adotivo, se assemelham às
de Édipo, que sofre para encontrar o assassino de Laio.
O poder do fogo representa,
no filme, o poder de Afrodite, deusa do amor. Se nos remontarmos a
Platão, no Banquete, vemos que o discurso de Pausânias, um dos
convivas e oradores da festa, engrandece e elogia o amor nas suas
duas diferentes naturezas: Afrodite urânia, filha de Urano sem a
participação feminina, e Afrodite pandêmia, filha de Zeus e de
Dione. Esta, por ser produto do masculino e do feminino, é acessível
a todos e leviana na maneira de dar amor, ao passo que aquela, por
nascer apenas do pai, é celestial, inatingível e extraordinária.
Aí está o duplo poder de Afrodite: Poderosa nos sentidos, poderosa
na Razão.
Bibliografia:
ARAÚJO,
L. A. (2011). Poderosa Afrodite:
uma tragédia cômica. Archai n.
7, jul-dez 2011, pp. 102-108.
Prof. Jackislandy Meira
de Medeiros Silva
Bel. em Teologia,
Licenciado em Filosofia, Esp. em Metafísica e Pós-graduando em
Estudos Clássicos pela UnB/Archai/Unesco.
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