(hipócrates)
Não é incomum ouvirmos queixas do tipo: “Isso é tão caro!”. Sobretudo, quando vamos ao mercado, às lojas ou quando planejamos alguma viagem. Já disse por aqui, muitas vezes, que quase tudo nesse país esbarra em dinheiro, principalmente para aqueles que mais carecem dele; trabalhadores assalariados e os menos favorecidos socialmente.
A bem da
verdade, é que volta e meia somos flagrados, até involuntariamente, a certos
sobressaltos de admiração pelo alto custo das coisas. Porém, a muitos que andam
tão indignados com a inflação, é bom que se faça a seguinte reflexão: Se você
tivesse que deixar oitocentos reais ou mais do seu orçamento mensal numa
farmácia para manter-se vivo? Certamente, a situação seria outra e as queixas
não se repetiriam tanto. Pensando bem, antes de levantar qualquer indignação
nesse sentido, parece ser mais razoável agradecer. O ato de agradecer também
nos deixa mais resistentes, muito embora não concorde com toda esta exploração
financeira do mercado.
O que
pretendemos com essa simples demonstração de humanidade? De imediato, tirarmos
nosso foco existencial da economia, do capitalismo e da baboseira de que sem
dinheiro não somos nada. Não somos nada sem saúde. Este é o ponto de nosso
interesse aqui. Com o país em situação econômica estável, pelo menos até agora,
a indústria farmacêutica tende a acelerar-se cada vez mais, enriquecendo, em
função da prática de uma medicina paliativa e não preventiva, tampouco
educativa e filosófica. Contudo, tal prática vem mudando com a orientação
médica de caminhadas, exercícios físicos, regimes, dietas, práticas de higiene
e o cuidado com o corpo.
A medicina
antiga, dos tempos de Hipócrates, era extremamente preventiva, ética e, por
isso, filosófica. Estamos falando da segunda metade do séc. V a.C. e das
primeiras décadas do séc. IV a.C., o mundo era outro, a cultura também, os
valores eram diferentes, mas o corpo era o mesmo. Afinal, a medicina sempre
operou sobre ele. Hipócrates era contemporâneo de Sócrates, Platão e
Aristóteles que o consideraram como o grande médico.
Da mesma
linha ascendente a que se remetiam os médicos no passado, Hipócrates herdou um
ofício divinizado de Esculápio, o primeiro a ser chamado de “médico” ou
“salvador” por ter aprendido do centauro Quíron a arte de curar os males. Com
Hipócrates, a medicina alcança o status de ciência e passa a compreender as
doenças como causas naturais do homem. Assim como Sócrates na Filosofia,
Hipócrates com a medicina desenvolve toda uma observação racional acerca do ser
humano, seu corpo e alma. O “conhece-te a si mesmo” e o “meden agan”, isto é, o
nada em excesso, vão nortear os princípios sábios da medicina hipocrática.
Curiosamente,
os regimes, dietas, reeducação alimentar, passeios, atividades físicas, higiene
e tudo a que nos submetemos hoje para preservarmos uma boa saúde era observado
com precisão e justa “medida” por Hipócrates no IV livro das Epidemias: “os
exercícios (ponoi), os alimentos (sitia), as bebidas (pota), os sonos (hupnoi),
as relações sexuais (aphrodisia) – todas sendo coisas que devem ser 'medidas'.
A reflexão dietética desenvolveu essa enumeração. Dentre os exercícios
distingue-se aqueles que são naturais
(andar, passear), e aqueles que são violentos (a corrida, a luta); fixa-se quais
são os que convém praticar, e com que intensidade, em função da hora do dia, do
momento do ano, da idade do sujeito e da sua alimentação. Aos exercícios são
relacionados os banhos, mais ou menos quentes, e que também dependem da
estação, da idade, das atividades e das refeições que foram feitas ou que ainda
se vai fazer. O regime alimentar – comida e bebida – deve levar em conta a
natureza e a quantidade do que se absorve, o estado geral do corpo, o clima, as
atividades que se exercem...”(In FOUCAULT, M. História da Sexualidade: o
uso dos prazeres. Rio de Janeiro:
Edições Graal, 1998, p. 93).
Interessante
notar como a medicina, na aurora da Filosofia, exercia um papel de formidável
educação das pessoas, na medida em que ela levava a pensar a conduta humana; a
maneira pela qual se conduzia a própria existência, despertando um
comportamento em função de uma natureza, de modo que o homem compreendesse sua “physiologia”,
a fim de saber preservá-la e conformar-se a ela. A dietética hipocrática se
constituía, para os antigos, uma arte de viver.
As
práticas de cuidado com o corpo de Hipócrates eram tão presentes no modo de
vida, no cotidiano das pessoas da antiguidade que influenciaram fortemente a
Filosofia em seu nascimento, tanto é que Platão faz ressalvas, em seus
diálogos, aos excessivos exercícios e dietas que visam apenas à longevidade, e
não a uma vida útil e feliz. Relatos de Xenofonte, nas Memoráveis, traz
Sócrates orientando seus discípulos para serem “capazes de se bastarem a si
próprios”(IV, 7); “Que cada um se observe a si próprio e anote que
comida, que bebida, que exercício lhe convêm e de que maneira usá-los a fim de
conservar a mais perfeita saúde”(idem). Portanto, o mestre Sócrates ensina
a ter autonomia para com sua saúde: “Se vos observardes desse modo,
dificilmente encontrareis um médico que possa discernir melhor do que vós
próprios o que é favorável à vossa saúde”(idem).
Prof. Jackislandy Meira de Medeiros Silva
Bel. em Teologia, Licenciado em Filosofia, Esp. em
Metafísica e Pós-graduando em Estudos Clássicos pela UnB/Archai/Unesco.
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