Joseph Ratzinger é um dos maiores teólogos vivos do cristianismo. Como papa Bento 16, fracassou.
Conservador,
um tanto liberal no começo de sua carreira, Bento 16 iniciou seu papado
com um projeto, já em curso quando era a eminência parda intelectual de
João Paulo 2º, de pôr “medida” na herança do Concílio Vaticano 2º,
verdadeira “revolução liberal” na Igreja Católica. Já nos anos 80
atacava a teologia da libertação latino-americana por considerá-la certa
quanto ao carisma profético bíblico de procurar justiça no mundo, mas
errada quanto a assumir o marxismo como ferramenta de realização desta
justiça.
Bento 16 foi
um duro crítico da ideia de que a igreja deva aceitar soluções modernas
para problemas modernos. Nesse sentido, apesar de ter resistido
bravamente, com a idade e a fraqueza que esta implica, acabou por ser um
papa acuado pelas demandas modernas feitas à igreja e por uma
incapacidade de pôr em marcha sua “infantaria”, que nunca aceitou
plenamente seu perfil de intelectual alemão eurocêntrico.
Sua ideia de
igreja é a de um pequeno grupo coeso de crentes, fiéis ao magistério da
igreja (conjunto de normas para condução moral da vida), distante das
“modas moderninhas”.
Quais seriam
algumas dessas demandas modernas? Diálogo simétrico com outros credos
(multiculturalismo), casamento gay, divórcio, sacerdócio das mulheres,
fim do celibato, uso de contraceptivos, aborto, punição pública de
padres pedófilos (a igreja deveria passar esses padres para a Justiça
comum), aceitação de avanços da medicina pré-natal como identificação de
fetos sem cérebro e consequente aborto, alinhamento político do clero
com causas sociais e políticas do terceiro mundo –enfim, desafios
típicos do contemporâneo.
Bento 16
esbarrou com o fato de que a maior parte dos católicos militantes hoje é
de países pobres (afora o caso dos EUA, o cristianismo é uma religião
de país pobre).
Os fiéis,
portanto, estão mais próximos de um discurso contaminado pelas teorias
políticas de esquerda, que fala de justiça social como um direito
“divino” e aproxima Jesus de Che Guevara, do que da complicada discussão
acerca dos excessos do iluminismo racionalista ou da crítica bíblica
que tende a humanizar Cristo excessivamente em detrimento de sua
divindade.
Seu próprio
clero (sua “infantaria”) ajudou no fracasso de seu papado, resistindo
sistematicamente à “romanização da igreja”, o que em jargão técnico
significa centralização das decisões relativas ao cotidiano da
instituição na lenta burocracia do Vaticano, com sua típica alienação
europeia, distante do “caos” do mundo real do Terceiro Mundo. O Vaticano
é muito europeu, inclusive em sua decadência como referência para o
mundo no século 21.
Mas há
dimensões que transcendem as dificuldades específicas de seu projeto
conservador e tocam dificuldades da Igreja Católica contemporânea como
um todo. A igreja hoje tem um sério problema de formação de quadros.
Antes era “um bom negócio” entrar para a igreja; hoje, quem o faz, salvo
casos de grande vocação mística e espiritual ou de revolta contra as
ditas “injustiças sociais”, é muitas vezes gente sem muita opção de
vida. Quando não, tal como é visto por parte da população secular, gente
com desvios sexuais graves.
Os cursos de
formação do clero, quando não totalmente contaminados pelos próprios
teóricos que João Paulo 2º chamava em sua encíclica “Fides et Ratio”
(“Fé e Razão”) de “pensadores da suspeita” contra a fé e a razão (Marx,
Nietzsche, Freud, Foucault), são fracos, com professores mal formados e
conteúdos vazios. Claro que existem exceções, que, como sempre, em sendo
exceções, confirmam a regra.
Enfim, o papado de Bento 16 fracassou, em grande parte, em razão do fogo amigo: sua própria infantaria.
A Igreja
Católica agoniza diante de um mundo que cada vez é mais opaco para quem
pensa, como ela, que a vida seja algo mais do que conforto, prazer e
liberdade pra transar com quem quisermos e quando quisermos.
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