“ANTIGAMENTE,
lá em Minas, a política era coisa séria. Havia dois partidos com nome
registrado, programa de governo e tudo mais. Mas não era isso que
entusiasmava os eleitores. Eles não sabiam direito o nome do seu partido
nem se interessavam pelo programa de governo. O que fazia o sangue
ferver era o nome do bicho e correlatos por que seu partido era
conhecido.
Em Lavras, os partidos eram os “Gaviões” e as “Rolinhas”. Em Dores da
Boa Esperança, onde nasci, eram os “Ratos” e os “Queijos”. Os nomes
diziam tudo. Ratos querem mesmo é comer o queijo. E o queijo quer mesmo é
se colocar de isca na ratoeira para pegar o rato.
(…) Como já disse, os eleitores nada sabiam dos programas de governo
nem prestavam atenção nas promessas que eram feitas pelos chefões. Sua
relação com seus partidos não era ideológica. Nada tinha a ver com a
inteligência. Eles já sabiam que política não se faz com razão. Ganha
não é quem tem razão. Ganha quem provoca paixão. O entusiasmo que tomava
conta deles era igualzinho ao entusiasmo que toma conta do torcedor no
campo. (…) Naqueles tempos o entusiasmo não vinha nem da ideologia nem
do caráter dos coronéis. O que fazia o sangue ferver era o símbolo: “Eu
sou Rato”, Eu sou Queijo”.
Corria o boato de que coronel Sigismundo, fazendeiro, chefe dos
"Ratos", usava jagunços para matar seus desafetos. Não surtia efeito.
Era mentira deslavada dos "Queijos". Corria o boato de que o doutor
Alberto, médico rico, chefe dos "Queijos", praticava a agiotagem.
Mentira deslavada dos "Ratos". Os chefões, na cabeça dos eleitores, eram
semideuses, padrinhos, sempre inocentes. O que dava o entusiasmo era o
campeonato. Quem ganharia? Os "Ratos" ou os "Queijos"? Quem ganhasse a
eleição seria o campeão, dono do poder, nomeações dos afilhados, até a
próxima...
Mais de oitenta anos se passaram. Os nomes são outros. Mas nada mudou.
Política é a mesma paixão pelo futebol decidindo o destino do país. Os
torcedores se preparam para a finalíssima entre os “Ratos” e os
“Queijos”. É como era na cidadezinha de Dores da Boa Esperança, onde
nasci 73 anos atrás....
ALVES, Rubem. Os “Ratos” e os “Queijos”… Folha de São Paulo, 19 de set. 2006 apud TOMAZI, N. Dacio. Sociologia para o Ensino Médio. Atual Editora São Paulo, 2007
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