Não gosto da ideia de pensar
que a realidade é o único lugar que existe. A realidade é muito dura conosco,
algumas vezes até mentirosa, traiçoeira e cruel. Assusta-me o fato de estarmos
cercados somente de realidade, isto quer dizer que a vida parece ficar sem
respiração, sem fôlego para encontrar uma possibilidade para tantos dilemas e
contrariedades, presa aos limites da existência. Para muitos pontos cegos que a
realidade esconde, nada melhor do que encontrar pontos de claridade regados à
utopia.
Quando leio alguns livros e
textos onde a utopia é simplesmente restrita a situações políticas, noto aí
certo empobrecimento de sua riquíssima noção. É preciso reinventar a
utopia. Não mais a caduca noção de
imaginar uma sociedade ideal que, evidentemente, jamais será realizada,
tampouco aceitar a corriqueira utopia capitalista que desperta em nós os
instintos e desejos mais perversos. Os desejos que a utopia capitalista produz,
além de serem extremamente acessíveis, são impostos pela estrutura e acabam nos
obrigando a realizar.
Tenho a impressão de que a
utopia pode ser imaginada quando os problemas estão nos sufocando e a situação
está se tornando insuportável em qualquer instância da vida, e não somente na
dimensão política, muito embora saibamos que o verdadeiro sentido da política
abrange toda uma arte de viver e supõe uma incrível habilidade no modo de viver.
É mais ou menos por aí que se pode reinventar a utopia para Slavoj Zizek, pois
afirma que “a verdadeira utopia surge
quando a situação não pode ser pensada, quando não há um caminho que nos guie a
resolução de um problema, quando não há coordenadas possíveis, que nos tire da
pura urgência de sobreviver, temos que inventar um novo espaço. A utopia é uma
espécie de livre imaginação. A utopia é uma questão da mais profunda urgência,
quando somos forçados a imaginá-la como único caminho possível, e é isso que
precisamos hoje”.
Sugiro que, se a realidade
estiver mesmo muito insustentável, tenha senso de humor, brinque com ela e
divirta-se, depois imagine o que pode ser feito para torná-la suportável, leve
ou até feliz. Fernando Savater, na obra Política
para meu filho, faz uma
interessante diferença entre utopia e ideais políticos, assumindo uma posição
crítica em relação à utopia: “Gostaria
muito que você tivesse ideais políticos, porque as utopias fecham as cabeças,
mas os ideais as abrem; as utopias conduzem à inação ou ao desespero destrutivo
(porque nada é tão bom como deveria ser), ao passo que os ideais estimulam o
desejo de intervir e nos conservam perseverantemente ativos (...)”.
De qualquer modo, é preciso
subverter a antiga ideia de utopia para reinventá-la e não simplesmente
dispensá-la. A história é testemunha de que os projetos utópicos fracassaram,
mas, como a história progride e estamos ao seu serviço, ainda buscamos ideais e
utopias, afinal de contas há em nós sonhos, imagens, desejos possíveis e
realizáveis de um mundo melhor, de uma realidade cujo fardo é leve.
Prof. Jackislandy Meira de
Medeiros Silva
Licenciado em Filosofia,
Bacharel em Teologia, Especialista em Metafísica e Pós-graduando em Estudos Clássicos
pela UnB/Archai/Unesco
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