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sábado, 27 de julho de 2013

A reinvenção da utopia

(imagem: Ponte de Heráclito, Magritte, fonte: www.espress451.wordpress.com
Não gosto da ideia de pensar que a realidade é o único lugar que existe. A realidade é muito dura conosco, algumas vezes até mentirosa, traiçoeira e cruel. Assusta-me o fato de estarmos cercados somente de realidade, isto quer dizer que a vida parece ficar sem respiração, sem fôlego para encontrar uma possibilidade para tantos dilemas e contrariedades, presa aos limites da existência. Para muitos pontos cegos que a realidade esconde, nada melhor do que encontrar pontos de claridade regados à utopia.
Quando leio alguns livros e textos onde a utopia é simplesmente restrita a situações políticas, noto aí certo empobrecimento de sua riquíssima noção. É preciso reinventar a utopia.  Não mais a caduca noção de imaginar uma sociedade ideal que, evidentemente, jamais será realizada, tampouco aceitar a corriqueira utopia capitalista que desperta em nós os instintos e desejos mais perversos. Os desejos que a utopia capitalista produz, além de serem extremamente acessíveis, são impostos pela estrutura e acabam nos obrigando a realizar.
Tenho a impressão de que a utopia pode ser imaginada quando os problemas estão nos sufocando e a situação está se tornando insuportável em qualquer instância da vida, e não somente na dimensão política, muito embora saibamos que o verdadeiro sentido da política abrange toda uma arte de viver e supõe uma incrível habilidade no modo de viver. É mais ou menos por aí que se pode reinventar a utopia para Slavoj Zizek, pois afirma que “a verdadeira utopia surge quando a situação não pode ser pensada, quando não há um caminho que nos guie a resolução de um problema, quando não há coordenadas possíveis, que nos tire da pura urgência de sobreviver, temos que inventar um novo espaço. A utopia é uma espécie de livre imaginação. A utopia é uma questão da mais profunda urgência, quando somos forçados a imaginá-la como único caminho possível, e é isso que precisamos hoje”.
Sugiro que, se a realidade estiver mesmo muito insustentável, tenha senso de humor, brinque com ela e divirta-se, depois imagine o que pode ser feito para torná-la suportável, leve ou até feliz. Fernando Savater, na obra Política para meu filho, faz uma interessante diferença entre utopia e ideais políticos, assumindo uma posição crítica em relação à utopia: “Gostaria muito que você tivesse ideais políticos, porque as utopias fecham as cabeças, mas os ideais as abrem; as utopias conduzem à inação ou ao desespero destrutivo (porque nada é tão bom como deveria ser), ao passo que os ideais estimulam o desejo de intervir e nos conservam perseverantemente ativos (...)”.
De qualquer modo, é preciso subverter a antiga ideia de utopia para reinventá-la e não simplesmente dispensá-la. A história é testemunha de que os projetos utópicos fracassaram, mas, como a história progride e estamos ao seu serviço, ainda buscamos ideais e utopias, afinal de contas há em nós sonhos, imagens, desejos possíveis e realizáveis de um mundo melhor, de uma realidade cujo fardo é leve.

Prof. Jackislandy Meira de Medeiros Silva
Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia, Especialista em Metafísica e Pós-graduando em Estudos Clássicos pela UnB/Archai/Unesco

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