Pelas
evidências da vasta produção literária sobre o assunto, pude perceber que
Platão ainda continua mexendo conosco, o caráter poliédrico ou polivalente de
sua filosofia, segundo Reale(1990: 133) fora capaz de incomodar muita gente,
inclusive o próprio Popper. Se Popper provocou todo esse rebuliço na dimensão
política de Platão, é porque algo mexeu com ele, alguma coisa que veio de
Platão o instigou.
O
texto “Defender Platão de
Popper (ou de si mesmo?)” de Vegetti(2010: 193-230) é muito
sugestivo para nos ajudar a tirar Platão do estado de crisálida e alçar voo em
sua dimensão política, tão mal compreendida por Popper. Quero dizer que para
defender Platão até de si mesmo quanto mais de Popper exige-se despertar os
estudiosos do século XX para uma análise do Platão clássico, historiográfico e
autêntico, ligado às suas fontes literárias.
Certamente,
as provocações de Popper serviram até certo ponto para nos tirar de uma posição
confortável quanto a um Platão de absoluta autoridade com que a tradição cristã
e boa parte da histórica do Ocidente o haviam considerado. Platão não é
dogmático e nunca poderá se esquivar de qualquer contrassenso. Platão responde
a si mesmo em suas obras.
Ao
sugerir pelo silogismo: “que
o pensamento liberal-democrata fosse o único modo aceitável de conceber a
política”(Vegetti, 2010: 193), Popper não só abre um forte
precedente para tirar Platão do pedestal teórico/doutrinário em que o haviam
colocado, como também é possível admitir que motivava estudiosos, filólogos,
filósofos e hermeneutas a desconfiar que “Platão
estava errado”.
Parece,
e aqui estou conjecturando, que Platão começa a ser amplamente revisado. O mais
ousado de Popper é que, na posição de filósofo, em pleno séc XX, sua tentativa
de atacar o criador da Academia provoca um efeito contrário ao esperado por
ele. Suas críticas efusivas ao aspecto político liberal-democrata de Platão não
apenas põem em evidência o pensamento clássico do contexto histórico ao qual
vivia Platão, como também são responsáveis pelas abundantes produções no
tocante à “coisa política” do
“multifacetado”(Reale,
1990: 133) pensamento do filósofo, conhecido por sua alegoria da caverna e por
sua temática política, ou melhor, ético-político-educativa(Reale, 1990: 133).
Dessas
produções que nos fazem olhar para o Platão político, Vegetti é certeiro:
Primeiro, “Platão era
verdadeiramente, de alguma forma, um pensador político liberal-democrata”(2010:
194); Segundo, contrário a uma tradição milenar de Aristóteles a
Popper, “Platão
verdadeiramente não defendia que as posições expressadas nos seus diálogos
políticos fossem, na realidade, desejáveis e de certa forma
realizáveis”(Vegetti, 2010: 194), uma vez que “a) seus textos são do gênero
literário da utopia e não apresentam nenhum aspecto projetual” e “b) seus diálogos políticos têm uma
intenção irônica, que consiste em defender o contrário do que aparece à
superfície do texto”(Vegetti, 2010: 194); Terceiro, “não obstante as aparências e o
consenso quase unânime da tradição exegética, os ditos diálogos políticos de
Platão não pertencem absolutamente ao âmbito da filosofia política, pois visam
exclusivamente os problemas da moral individual(a polis é, quando muito uma
metáfora da alma)”(Vegetti, 2010: 194).
Decorre
daí, então, que o silogismo ou estratagema lógico de Popper não resistiu à
panóplia de argumentos emanados dos textos políticos de Platão, sobretudo em
larga escala a partir da segunda metade do séc. XX em diante, mostrando
claramente que Popper, e não Platão, estava errado.
Curioso,
pois “de Platão disse
Montaigne: 'Queiram sacudir e agitar Platão: cada qual, orgulhando-se de
apossar-se dele, coloca-o do lado que quer'”(Reale, 1990: 124).
Muito feliz essa expressiva citação de Montaigne feita por Reale em sua
clássica obra que revigora os nervos da filosofia antiga de Platão em constante
diálogo com o presente.
Na
esteira do texto de Vegetti, é possível discutir ainda mais o Platão da “coisa política” em três
dimensões importantíssimas: Platão liberal-democrata; Platão Utópico; e Platão
irônico.
Prof.
Jackislandy Meira de Medeiros Silva
Bel. em
Teologia, Licenciado em Filosofia, Esp. em Metafísica e Pós-graduando em
Estudos Clássicos pela UnB/Archai/Unesco.
Bibliografia:
REALE, Giovanni.(1990).História da filosofia: Antiguidade e
Idade Média/Giovanni Reale, Dario Antiseri. São Paulo: Paulinas.
VEGETTI, Mário.(2010). Um paradigma no céu. Platão político
de Aristóteles ao século xx. São Paulo: Annablume, p. 193-230.
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