o
enigma de um dia – Giorgio de Chirico
Há dias que são mais generosos do
que outros. Tem dia que não sinto um só nó na garganta, mas tem
dia que os instantes são muito angustiantes. Há dias de ira, de
guerras e muito barulho, mas também dias
de muita paz, calmaria e silêncio.
Como nuvens escuras, alguns dias são carregados de
solidão e angústia. Mas, os dias não são todos assim. O que nos
consola é que os dias obedecem a uma lei de continuidade natural. Os
dias se sucedem, um após outro. Costumamos chamar os dias menos
generosos, mais cheios de contrariedades e aflições, de dias maus.
Aqueles mais amenos e cheios de graça são como nuvens
claras e luminosas carregadas de alegrias e menos tristezas,
chamamos, estes, de dias bons.
Por que chamá-los assim? Não são apenas dias? Os
mais otimistas se esforçam para que os dias sejam melhores, mesmo
que não sejam. Alimentados por um psicologismo da autoestima e da
motivação, os otimistas correm pra algum lugar longe das dores e
tristezas do mundo. Não suportam um dia infeliz. Não aceitam a
natureza dos dias. Temem a própria natureza das coisas, a natureza
humana nua.
Não é função do pessimista vestir a natureza,
tampouco escondê-la em trajes de preconceito e hipocrisia social. Os
mais pessimistas tendem a ser menos moralistas e primam pelo
despojamento de qualquer tipo de modelo politicamente correto. Não
ser politicamente correto nesse caso faz bem a alma. Livrar-se dos
preconceitos de uma mente escrupulosa e doente é a obsessão dos que
não miram somente no melhor para suas vidas. Quem disse que só o
melhor, assim como só o pior, existe?
O curioso é que, certa vez, um admirável professor
meu me disse: “Pense
sempre no pior para que o melhor aconteça”.
Como se o pensamento pior atraísse o melhor.
Esses dois modos de pensar parecem ser bem pertinentes,
uma vez que ambos nos ajudam a enxergar
possibilidades de leitura do
próprio mundo. Alinhar-se a um desses possíveis requer de nossa
parte dialogar com a sociedade e seus diferentes modelos de
comportamentos e de valores.
Como disse, talvez imbuídos de valores
judaico-cristãos, sejamos levados a ler nossos dias sob o paradigma do
bem ou do mal, da graça ou do pecado, da vida ou da morte, do melhor
ou do pior, quase sempre embalados de supostos melhoramentos. No
entanto, “a vida como ela é”,
pelas lentes de Nelson Rodrigues, cronista e “filósofo”
do cotidiano brasileiro, nos enchem de provocação, de espírito
crítico e de deboche em relação à pretensa seriedade com que
tratamos a vida: “Toda unanimidade é
burra”; “Deus só frequenta igrejas vazias”; “A dúvida é
autora das insônias mais cruéis”; “Nunca a mulher foi menos
amada do que em nossos dias”; “O desejo é triste”.
Quiçá, os nossos dias suscitem questões que nos
incomodem, nos façam pensar e nos provoquem, de tal modo que os
escrúpulos e moralismos não nos impeçam de refletir, de despir os
preconceitos em busca de uma
vida nua.
Prof. Jackislandy Meira de Medeiros Silva.
Especialista em Metafísica, Licenciado em Filosofia e
Bel. Em Teologia e Pós-graduando em Estudos Clássicos pela
UnB/Archai Unesco.
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