Busca-se explicitar a ética epicúrea a partir do sentido pleno do exercício da Filosofia como um saber para a vida, ou o equilíbrio próprio do sophós(sábio), que é autárkes, isto é, que tem o princípio da sua ação em si mesmo e, por isso, pode se considerar livre dos tormentos que afetam o comum dos mortais.
Vislumbra-se nesse particular, o modo de realização do télos(fim) do indivíduo, uma vez que o período helenístico da Filosofia antiga caracterizou-se sobretudo pelo deslocamento da problemática ética para o âmbito do indivíduo, onde a orientação para o agir no mundo tem o seu télos(fim) no bem-estar e na autárkeia do indivíduo, que já não deposita suas esperanças numa mudança substancial na ordem política e, por isso, volta-se para si e busca, através da Filosofia, o cuidado de si mesmo.
Epicuro enfoca o seu pensamento ético para o sophós(sábio), que é o modelo do homem feliz, por fazer da sua vida um exercício constante de realização da Filosofia, cujo sentido prático está em evitar os problemas advindos das relações estabelecidas no seio do corpo político, da sociedade de então.
Justifica-se, desse modo, o isolamento de Epicuro não como uma fuga da realidade, mas como uma característica do seu éthos que molda o homem sábio:
“Sua ética se caracteriza, sobretudo, pela autárkeia, isto é, por uma conduta na qual a ação fundada na compreensão da natureza supera a reação que tem por base o constante desgaste do indivíduo, que perdeu o domínio de si e vive a impossibilidade de criar o seu modo de vida segundo o que é natural e necessário. O afastamento do sophós em relação à insensatez das normas e valores cultivados em sociedade é, para Epicuro, o caminho para o exercício de um modo de vida autárquico”( SILVA, Markus Figueira da. Epicuro: sabedoria e jardim. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2003, p. 18).
O homem sábio se constitui como aquele que não vive na polis porque o pressuposto para a política é eminentemente ético. O seu éthos equivale a sua phýsis, pois são uma realidade só.
O equilíbrio então se mostra como sentido para a vida a partir da compreensão da natureza(physiología) e do modo de ser phýsis.Essa é uma das questões centrais do pensar epicúreo devido o sábio alcançar a plenitude no agir, o equilíbrio, a medida, tendo em si mesmo o princípio dessas ações. A ele cabe escolher o que lhe aprouver e recusar o que destoa da medida equilibrada que expressa o seu bem-estar.
Assim, o sophós é autárkes porque age a partir de si mesmo. A autárkeia consiste na implicação da compreensão do sentido de liberdade(eleuthería) que a justifica e ao mesmo tempo a fundamenta.Autárkeia é uma qualidade de quem se basta a si mesmo. Daí, o viver em equilíbrio não depende senão do modo como o homem vivencia a sua situação real de existir independente de qualquer outro “poder” que transcenda a sua dynamis de ação, desde que esse “poder” possa ser permitido ou evitado.
A autárkeia é a expressão da vida tornada independente das necessidades que a negam e a fazem re-agir ou sofrer.
Contudo, eis o grande prazer da sabedoria quando se expressa os ideais da ataraxía, da aponía, da eustatheía e da philía; quando aquele que goza a serenidade de uma vida filosófica, obtém o máximo de prazer em todas as ações refletidas, ao mesmo tempo que se livra de atender às necessidades não naturais.
O propósito maior do comportamento do sábio se define como viver de acordo com a natureza e se expressa pela autárkeia, o modelo de ação que caracteriza o modo de vida do sábio.
Tal propósito passa por um exercício que é a efetivação da sua compreensão da phýsis mediante o dimensionamento da sua conduta no mundo-realidade. Este exercício é ainda a definição da Filosofia enquanto um saber para a vida: “techné tis perì tón bíon”, afirmado por Epicuro.
Jackislandy Meira de Medeiros Silva, Professor e Filósofo.
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