Obviamente que vivemos num mundo da “ecumene”, num mundo
habitado, cujas fronteiras estão cada vez mais invisíveis e podemos até nos
considerar cidadãos do mundo, quer pela realidade de uma aldeia global quer
pela forma como tratamos o outro, o estrangeiro, os de outra pátria ou sem
pátria, os andarilhos, forasteiros, enfim. No cenário atual, as discussões
diplomáticas a respeito de atos virtuais de espionagem estão quentíssimas,
deixando bastante conturbadas as relações éticas entre Brasil e EUA, o que prova
o quanto o mundo virtual tornou inseguras nossas fronteiras; a impressão é que
elas já não existem mais.
Ainda assim,
mesmo com toda a facilidade do que fazemos aqui respingue ali instantaneamente,
há recorrentes casos de extremo nacionalismo, acentuada xenofobia nos mais
variados rincões. Os preconceitos com o diferente se sucedem em toda parte.
Parece que sofremos de uma certa aversão ao diferente, ao que não é do nosso
grupo, ao que não pensa como nós.
Só que surgirão
os que não admitem ser preconceituosos, xenófobos ou coisa do gênero, etc., mas
consideram ser sociáveis, sem problema algum com os outros, tolerantes.
Contudo, a conversa muda no momento em que estas situações começam a interferir
na minha vida. Desde que determinados problemas não me afetem tudo bem.
Geralmente é assim, o tolerar tem limites e transparece superioridade por parte
de quem tolera. Bom quem tolera, coitadinho quem é tolerado.
O interessante
é que Emmanuel Lévinas, filósofo judeu, lituano, francês, que viveu o turbilhão
das guerras do século passado, é um exemplo crucial não de tolerância, e sim de
hospitalidade em seu pensamento. Isso é muito forte porque o exemplo de
tolerância ainda traz consigo algo de superioridade, pois ao dizer que sou
tolerante a você, a enunciação por si só já demonstra algo de superior.
Enquanto superior, traduzo a minha bondade sobre você. Ele diz que há algo
muito mais generoso, que é precisamente a hospitalidade, o acolher efetivamente
o outro, a alteridade, o diferente, e fazer disso um diálogo rico e fértil sob
vários aspectos.
Este diálogo se faz entre ideias, linguagens,
temas e assim por diante, tal como essa acolhida, essa hospitalidade que ele
concede a temas que vem dos apaixonados romances russos, sobretudo Dostoiévski,
depois com a leitura da Bíblia e por fim com uma crítica profunda ao espírito
do Totalitarismo presente no hitlerismo, por exemplo.
Nesse contexto,
a palavra hospitalidade guarda a ideia de duas outras palavras: atenção e
acolhimento, de modo que a hospitalidade expressa uma tensão em direção ao
outro, intenção também atenta, atenção intencional ao outro. O primeiro
movimento que acompanha o acontecimento da hospitalidade, para Lévinas, é o
acolhimento: “A noção de rosto significa a anterioridade filosófica do sendo
sobre o ser, uma exterioridade que não apela ao poder nem à posse, uma
exterioridade que não se reduz, como em Platão, à interioridade da recordação,
e que, contudo, protege o eu que o acolhe” (Totalidade e Infinito, p. 22).
Estamos diante
de uma hospitalidade infinita e incondicional, aberta à ética, por isso não
restrita simplesmente à ordem do político, mas que ultrapassa o pensamento
meramente político, do espaço político. O alcance da hospitalidade, segundo
Lévinas, está na afirmação de que “A intencionalidade é hospitalidade”.
Vejamos o momento de acolhimento à palavra para a decisão divina: “Decisão
do Eterno acolhendo a homenagem do Egito (O Eterno é hospedeiro [host]
acolhendo o hóspede [guest] que lhe traz sua homenagem numa cena clássica de
hospitalidade.). A Bíblia permite prevê-la no Deuteronômio 23. 8, versículo que
o próprio Messias, apesar de sua justiça, deve ter esquecido. Pertence-se à
ordem messiânica, quando se pode admitir o outro entre os seus. Que um povo
aceite aqueles que vêm instalar-se no seu seio, por mais estranhos que sejam,
com seus costumes e seus hábitos, com seu falar e seus odores, que ele lhe dê
uma akhsania como um lugar de albergue e de que respirar e viver – é um canto
de glória do Deus de Israel”(À l'heure des nations, p. 113).
Prof. Jackislandy Meira de Medeiros Silva
Bel. em Teologia, Licenciado em
Filosofia/UERN, Esp. em Metafísica/UFRN e Esp. em Estudos Clássicos
UnB/Archai/Unesco.
Nenhum comentário:
Postar um comentário