Como filhos do Ocidente no séc. XXI, não mais herdeiros saudosistas
de um tonto racionalismo que nos levou à duas grandes guerras
mundiais, menos ainda dispostos a zombar de uma ciência que quis
ilusoriamente exterminar a doença e a fome no mundo, mas
descendentes da máscara do terror disseminado pelos EUA, pós-11 de
setembro de 2001, de onde partiu para o mundo todo imagens
fortíssimas de desabamento de uma das mais poderosas potências
econômicas da terra, mostrando a nossa real fragilidade, estamos
sendo agora tentados a perpetuar a espécie em vários campos da
atividade humana. Na ciência ou na política, na ecologia ou na
religião, nas artes ou na culinária, na filosofia ou no mundo do
trabalho, o discurso é o mesmo: “Que mundo queremos deixar para
os nossos filhos?” Isso gera
conformismo, passividade política e, ao mesmo tempo, subestima
outros povos ao risco, uma vez que odiamos o risco. Queremos
controlar a vida, não mais arriscá-la!
A notícia de que assumimos
a colocação de 6ª economia mundial nos deixou meio tontos, senão
bestas. O tão almejado sonho
de viver uma realidade econômica semelhante ao dos países mais
desenvolvidos sempre foi uma marca presa ao imaginário cultural
coletivo de nosso povo. A cultura do conforto e da pasmaceira
ideológica de que está tudo bem, três refeições ao dia, salário
no final do mês, estabilidade econômica, casa própria, emprego e
renda sendo criados, dinheiro
no bolso 24 horas, “nunca
antes na história desse país”,
enfim, toda essa zona de conforto e “calmaria” apenas nos afoga
numa dimensão de “sobrevivencialismo” , cuja ideia importo aqui
da filosofia de Zizek: “(...) Parece que a divisão
entre o Primeiro Mundo e o Terceiro está mais na oposição entre
viver uma vida longa e satisfatória cheia de riqueza material e
cultural e viver uma vida dedicada a uma Causa transcendente(...).
Duas referências filosóficas se apresentam imediatamente a
propósito do antagonismo ideológico entre o modo de vida consumista
do Ocidente e o radicalismo muçulmano: Hegel e Nietzsche. Não
seria esse antagonismo o que existe entre o niilismo 'passivo' e o
'ativo' de Nietzsche? Nós, no Ocidente, somos os Últimos Homens de
Nietzsche, imersos na estupidez dos prazeres diários, ao passo que
os radicais muçulmanos engajados na luta estão prontos a arriscar
tudo, até a autodestruição(...)”(S. Zizek, Bem-vindo
ao Deserto do Real, São Paulo, Boitempo, 2003, p. 57).
Segundo
Zizek, paira sobre nós uma distorcida ideologia de que o bom mesmo é
prolongar a
vida, conservá-la ao máximo e purificá-la. Esse
falso clima de sustentabilidade econômica e tudo mais é gritante em
nossos dias. As pessoas estão estagnadas no conforto e na
burocracia. A fajuta ideia de zona de conforto econômico pelo estado
brasileiro está produzindo pessoas não só sedentárias, cômodas e
preguiçosas, mas indivíduos bestas que renunciaram sua
subjetividade em função de um estado de coisas prontas, dotadas do
espírito do capitalismo, cheias de fantasias, insensíveis ao que há
em volta, amargas com a realidade, seduzidas pelo virtual. É
tão patente essa mentalidade que o próprio Zizek expressou-se assim
sobre a importância que damos ao virtual: “Hoje
encontramos no mercado uma série de produtos desprovidos de suas
propriedades malignas: café sem cafeína, creme de leite sem
gordura, cerveja sem álcool, sexo sem sexo, guerra sem guerra, a
realidade virtual é sentida como a realidade sem o ser. Mas o que
acontece no final desse processo de virtualização é que começamos
a sentir a própria 'realidade real' como uma entidade virtual”(idem,
p. 24-25). É
o que está acontecendo conosco no Brasil. Vivemos uma certa
satisfação econômica sem saber até quando e qual a real
implicação que tem tudo isso para a totalidade da população e não
apenas para uma parte.
O mais engraçado disso é que
achamos que conquistamos algo. Não conquistamos nada ainda, basta
olharmos o nosso mais recente IDH, a infraestrutura de nossos
municípios, as estradas, a educação que não avança, os serviços
públicos à saúde que sucumbem diariamente, altos gastos em
campanhas eleitoreiras para políticos corruptos e analfabetos,
pousando de letrados. Além de acharmos que somos a 6ª, porém falsa
economia mundial, ainda criamos o engodo de que vivemos o melhor dos
mundos possíveis. Não temos
vida boa coisa nenhuma. Estamos sendo enganados o tempo todo por
discursos políticos desgastados e por índices de pesquisa que não
sabemos se correspondem aos fatos.
Somos esses homens prenunciados por
Nietzsche, o “homo otarius”, que não sabe realmente a vida que
tem, a vida que leva, a vida sem vida talvez. Vejamos o que diz
Slavoj Zizek ao retomar a pergunta paulina, “Quem está realmente
vivo hoje?”: “E não se percebe claramente a mesma
reversão no impasse dos Últimos Homens, indivíduos pós-modernos
que rejeitam como terroristas todos os objetivos mais altos e dedicam
a própria vida a sobreviver, a uma vida cheia de prazeres menores
cada vez mais refinados e artificialmente excitados?(...) O
que torna a vida digna de ser vivida é o próprio excesso de vida: a
consciência da existência de algo pelo que alguém se dispõe a
arriscar a vida(podemos chamar esse excesso de liberdade, honra,
dignidade, autonomia, etc.). Somente quando prontos a assumir esse
risco estamos realmente vivos”(idem, p. 108-109).
Deixamos o risco de vida pra
lá e optamos por essa pasmaceira econômica que camufla a vida até
a raiz da sua realidade, de tal modo que está anestesiando as nossas
condições subjetivas de fazer a clínica, a análise da existência
com toda sua carga de dramaticidade, transformando-nos em “homo
otarius”.
Prof. Jackislandy Meira de M. Silva
Especialista em Metafísica, Licenciado em Filosofia, Bacharel em
Teologia
Nenhum comentário:
Postar um comentário