Prof. Nei Alberto Pies
Ativista de Direitos Humanos
“A política não é a arte do que é possível fazer, mas sim de tornar possível o que é necessário fazer”.
(Augusto Boal, dramaturgo brasileiro)
Nem
a faxina e nem a corrupção são invenções femininas. A corrupção é um
evento de natureza essencialmente humana, que decorre como fruto das
oportunidades, elaboradas ou fortuitas, do caráter dos oportunistas ou
dos interesses escusos ou mal intencionados. Jamais acabaremos com a tão
disseminada “praga” da corrupção que corrompe os espaços da esfera
pública e privada. O que podemos fazer é “torná-la cada vez mais difícil
de ser praticada”, como pensa a nossa presidenta da República Dilma
Rousseff.
Quem
cunhou o termo “faxina” para denominar os esforços que governo,
parlamentares e organizações da sociedade estão empenhando pelo controle
da corrupção o fez sem considerar o significado do próprio conceito e
sem pensar nas conseqüências nele implicadas. A verdadeira faxina é
praticada todos os dias, nas nossas ruas e casas, por milhares de
mulheres e homens no Brasil que, de forma digna, fazem deste ofício o
sustento e alento de suas vidas. Estes, sim, “faxinam” os nossos lixos e
restos.
É
difícil falar de faxina sem recorrermos a uma casa. Ocorre que existem
implícitas em toda faxina diferentes modos de conceber a arrumação como a
limpeza de uma casa. Há quem prefira casas esterilizadas, semelhantes a
um centro cirúrgico ou cenário de novela. Há outros, no entanto, que
preferem casas que promovam a vida e a festa, muito antes da arrumação.
Carlos Drummond de Andrade, em seu poema “A casa arrumada” afirma que:
“casa
com vida é aquela em que os livros saem das prateleiras e os enfeites
brincam de trocar de lugar. Casa com vida tem fogão gasto pelo uso, pelo
abuso das refeições fartas, que chamam todo mundo pra mesa da cozinha.
Sofá sem mancha? Tapete sem fio puxado? Mesa sem marca de copo? Tá na
cara que é casa em festa”.
Faxinar
pressupõe, por isso mesmo, “limpar o ambiente” com a certeza de que o
mesmo logo mais estará sujo. E não é isto que se deve fazer para
combater a corrupção.
O
fato é que, no nosso jeito brasileiro, em cada momento histórico, vamos
fabricando expressões lingüísticas para deixar tudo como está ou para
zombar de quem está fazendo alguma coisa. Sempre arrumamos formas de não
assumir nossa responsabilidade individual diante dos problemas
enfrentados por todos. Fica muito mais fácil e cômodo ignorarmos a
“corrupção nossa de cada dia”, aquela que enxergamos e da qual temos
conhecimento, focando como se a mesma se concentrasse na Capital
Federal, Brasília. É sempre menos comprometedor faxinar do que combater.
No
Brasil, não vivemos a cultura da radicalidade. Pela radicalidade,
buscaríamos as soluções para nossos problemas a partir da raiz de sua
existência. Radicalidade é a nossa predisposição para a mudança efetiva
e comprometida das realidades. Mas será que temos alguma predisposição
para mudar o curso das coisas que movem a nossa vida social? A quem
interessa combater a corrupção?
A
corrupção gera-se em contextos circunstanciais, quando há oportunidades
reais para que alguém, a partir de sua posição ou poder, apodere-se
injustamente de algo que não lhe pertence. Não há como deter controle
absoluto sobre as condutas pessoais e nem sobre a corrupção, mas há
muito para fazer para resgatarmos valores como a ética, a justiça, a
responsabilidade social, o zelo e a consideração pelas coisas públicas, a
dignidade humana, o valor da política. Estes, sim, podem constituir uma
nação mais cidadã e mais livre. São o verdadeiro antídoto para combater
a corrupção.
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