Acredita-se que o envolvimento de Platão
no séc. IV a.C. com a tragédia grega não o impediu de criticá-la,
sem deixar, de quando em vez, de recorrer a ela para fundar uma nova
concepção de pólis,
aquela da imitação das leis e dos costumes políades,
a única tragédia admitida como verdadeira, ao invés da ética
arcaica que exaltava o culto à coragem, à força, à honra, um
modelo do cratos(força)
e bia(violência)
legitimado pelos deuses olímpicos:
“Nós mesmos somos poetas de uma
tragédia, e, por quanto se possa, da melhor
de todas, da mais bela; a nossa
constituição inteira foi organizada como imitação
da vida mais nobre e mais elevada e
dizemos que esta é na realidade a tragédia
mais próxima da natureza da
verdade. Vocês são poetas, nós também somos
poetas, das mesmas coisas, rivais de
vocês na arte e na representação do drama
mais belo que somente a verdadeira
lei, por natureza, pode realizar, o que nos
esperamos neste momento. Não
pensem, portanto, que com tanta facilidade,
permitiremos a vocês de plantar
seus palcos em nossas praças e introduzir neles
atores de bela voz, que gritarão
mais do que nos, não pensem que permitiremos a
vocês falar aos jovens, às
mulheres e a todo o povo sobre os mesmos costumes
de maneira diferente da nossa.”
(Leis VII, 817 b-c)
A única tragédia que Platão aprovará
será portanto a tragédia verdadeira, aquela da imitação das leis
e dos costumes políades.
Seguindo os passos da tragédia, é
possível conceber, sim, a alma trágica da cidade. Daí nasce a
filosofia socrática, do confronto direto com a pólis
e suas estruturas simbólicas e reais de sustentação do poder sobre
o indivíduo, incluindo aí a própria filosofia. E nasce da recusa à
pólis,
uma vez que esta filosofia se define como uma descoberta da alma em
composição com a cidade. Uma reflexão da alma para a agorá,
como nos sugere Platão em Protágoras
313e.
Tal filosofia, ao dialogar com a sugestão
da duplicidade da alma e ao invés de afirmar simplesmente o
intelectualismo socrático ou a purificação órfico-pitagórica; a)
constrói um novo modelo de alma humana, que, por aceitar sua
“tragicidade”, resultará tripartida: Racional(logistikon),
Agressiva(thymoeides)
e Desejante(epithymetikon);
b) reafirma, porém, a necessária composição entre alma e cidade,
procurando para ambas, por homologia,
a justiça como sua forma ordenada de existir.
Portanto, embora contra a tragédia,
Platão acaba por aceitar e incorporar em sua reflexão à
alma trágica como dado antropológico a partir do qual procura, via
paideia,
uma salvação possível que fosse da alma e da cidade ao mesmo
tempo. Da alma trágica em tensão com a cidade, Platão concebe uma
nova cultura, um novo homem.
Bibliografia:
CORNELLI, G. (2010) Platão
Aprendiz do Teatro: a Construção Dramática da Filosofia
Política
de Platão. Revista VIS (UnB),
v. 9, p. 69-80.
Prof. Jackislandy Meira de Medeiros Silva
Especialista em Metafísica, Licenciado em
Filosofia, Bacharel em Teologia e Pós-graduando em Estudos Clássicos
pela UnB em parceria com Archai Unesco.
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