Discutir um pouco sobre a mortalidade da Medusa é, no mínimo
intrigante, porque só ela entre as irmãs era mortal. Carregar a
marca da mortalidade em sua natureza parece ser paradoxal entre os
deuses, uma vez que surge naturalmente o clássico problema: Que te
parece pior ou melhor, viver como um deus entre os homens ou como um
homem entre os deuses? Parece-me que a questão da mortalidade de
Medusa guarda esse problema. Mesmo não participando do mundo dos
deuses e de seus privilégios por serem mais poderosos e gozarem da
imortalidade, enfim, Medusa tem um poder que é dado a ela, o de
assumir com autoridade as medidas apropriadas. Só ela é mortal, mas
só ela também é Górgona, pelo menos em tese, pois se serve de um
olhar habilidoso, feminino e terrível que petrifica, que mede e que
julga. Ela Joga sobre nós o peso da mortalidade, transformando-nos
em pó, mas também nos proporciona um alívio através do olhar
cortante de morte. A morte também é bela e indica libertação,
pois para Sócrates, bem mais tarde, a filosofia é um exercício
para a morte. A morte segundo Sócrates, no Fédon, é um
misto de prazer e dor. Aqui já estou conjecturando e nessa linha não
vejo o que é pior nem o que é melhor, mas vejo a cara da força da
vida que precisa de cuidado e de reflexão. A mortalidade não é
obstáculo algum para o grego, mas superação de seus limites
através dos jogos, das guerras, onde os heróis buscam assemelhar-se
aos deuses com as suas conquistas, as glórias e a honra em perpetuar
um nome. Talvez, para Medusa, a mortalidade não traga tanto enfado
quanto a imortalidade para um deus. Independentemente das narrativas
históricas que envolvem a figura de Medusa, o que mais me
impressiona nela é sua autonomia frente aos homens e aos deuses,
pois era temida. Os que são temidos geralmente sentem-se ameaçados.
Sem dúvida, pela história, Medusa tinha todas as qualidades para
ser uma grande ameaça que, por sinal, daí possa vir a razão da
trama de sua morte. A simbologia que cerca sua morte mereceria todo
um estudo, bem mais atenção e renderia belíssimas produções
textuais, assim eu penso.
No entanto, um aspecto que envolve a figura da Medusa é o senso de
justa medida, bastante divulgado pela expressão grega sophrosyne.
Essa noção é bastante comum entre os gregos, mas Medusa é
paradoxal em relação ao equilíbrio, à justiça, vejam o verbete:
“Só se pode combater a culpabilidade oriunda da exaltação
frívola dos desejos pelo esforço em realizar a harmonia, a justa
medida, que é, em última análise, exatamente a etimologia de
Medusa. Quem olha para a cabeça da Gorgo se petrifica. Não seria
por que ela reflete a autoimagem de uma culpabilidade pessoal? O
reconhecimento da falta, porém, baseado num justo conhecimento de si
mesmo pode se perverter em exasperação doentia, em consciência
escrupulosa e paralisante. Em síntese, Medusa simboliza a imagem
deformada, que petrifica pelo horror, em lugar de esclarecer com
equidade”(In BRANDÃO, Junito. Dicionário
Mítico-Etimológico. Vol I. Petrópolis, RJ: Vozes,
1991, p. 471).
Desculpe-me um pouco a divagação nesse tema, mas tentei fazer uma
aproximação com a Filosofia a fim de enxergar o lado dramático da
morte da Medusa. Fazendo a leitura apressada do mito da Medusa, a
Górgona por excelência, que espraia seu olhar de morte por onde
passa, podemos concluir que a tragédia de sua morte vem recheada de
beleza no momento em que ela é decapitada por Perseu, o sangue jorra
da asquerosa Górgona e evidencia seu poder criativo como se apenas a
morte desse-lhe de volta o que havia perdido para sua rival Atená,
sua beleza e seu orgulho. Portanto, a morte de Medusa é um encontro
consigo mesma, com sua beleza e orgulho perdidos.
Prof. Jackislandy Meira de M. Silva
Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Especialista em
Metafísica
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