Antes mesmo de encerrar algumas linhas sob o
aspecto da serenidade, é importante ressaltar que desde Epicuro até
Heidegger, o grande sábio é aquele que atinge a serenidade, a paz.
No correr desses dias, de altos assuntos
tecnológicos, principalmente pela morte recente de Steve Jobs,
acionista majoritário da “apple”, um gênio da informática e
idealista do “imac”, do “iphone” e do “ipad”, insurge-se
em torno de nós uma preocupação extrema com as próximas novidades
tecnológicas, uma vez que Steve era obcecado pelo novo, pelas
mudanças. A pergunta que não quer calar vem à tona: O que virá
agora? Muitos jovens, adolescentes e até adultos, bem como uma parte
considerável da população mundial, certamente, está se
perguntando agora. O que virá depois da morte de Steve Jobs? Mas,
pergunto-me, o que tem a ver a serenidade com tudo isso? Ah! Veremos.
Com tantos achados tecnológicos e a incrível
emancipação humana frente à ciência, será possível ainda que o
mundo venha a se perguntar por novidades tecnológicas? É... Não
estamos satisfeitos! Quanto mais entramos e nos infiltramos no
interior das máquinas de ponta do mundo contemporâneo, mais e mais
nos sentimos seduzidos por elas. Quem seduz quem? É a
inversão(confusão) do sistema capitalista. Nos relacionamos muito
mais com os nossos notbooks, iphones e ipads; do que com os nossos
irmãos, pais e amigos. Isso produz, compulsivamente, sujeitos de
desejos que se atraem por novas e cada vez mais novíssimas máquinas
com designers diferentes. As pessoas não se contêm e correm
avassaladoramente para as incríveis, não menos tentadoras,
invenções tecnológicas.
Dessa forma, dificilmente conseguimos pensar.
A esfera tecnológica, repleta de entretenimentos, nos faz suspender
o pensamento, ou pelo menos, pensar de outro modo. Porém, se
sentimos falta da reflexão, do pensamento, do verdadeiro pensar, é
porque precisamos repensar a serenidade. Coisa parecida escreve
Heidegger: “Há dois tipos de pensar, cada um dos quais é, por
sua vez e a sua maneira, justificado e necessário: o pensar
calculador (rechenende Denken) e a reflexão meditativa (besinnliche
Nachdenken). É a esta última a que nos referimos quando
dizemos que o homem de hoje foge ante o pensar”(Cf. M.
Heidegger, Serenidade, trad. M.M. Andrade e O. Santos, Lisboa,
Ed.Instituto Piaget, 1959, p.13-13).
Aí está o
caminho da reflexão. Nessa
direção se dá o anúncio dessa
estranha tendência
filosófica que supõe a
Serenidade no dizer de
Heidegger: “Podemos utilizar os objetos técnicos
tal como eles têm de ser utilizados. Mas podemos, simultaneamente,
deixar esses objetos descansar em si mesmos, como algo que não
interessa àquilo que temos de mais íntimo e de mais próprio.
Podemos dizer sim à utilização inevitável dos objetos técnicos e
podemos ao mesmo tempo dizer não impedindo que nos absorvam e, desse
modo, verguem, confundam e, por fim, esgotem a nossa natureza (...)
Deixemos os objetos técnicos entrar em nosso mundo cotidiano e ao
mesmo tempo deixemos-los repousar em si mesmos como coisas que não
são algo de absoluto, mas que dependem elas próprias de algo
superior”(idem, p. 22-23s).
Heidegger viveu numa época de deslumbramento
da técnica, ao ponto de reivindicar uma melhor relação da ciência
com a filosofia. Aliás, dificilmente se fazia filosofia sem ciência.
Nietzsche, Heidegger e outros foram o grande contraponto desse
momento. Mesmo assim, a ciência insistia em se impor. Os dias de
Heidegger não eram tão diferentes dos nossos. O início do séc. XX
provou ser o alvorecer dos encantos e desencantos da ciência:
Criação e testes da bomba atômica, criação de armas químicas,
guerras, fome no mundo, doenças... Um século que se mostrou
contraditório e por demais desumano que viu morrer 6 milhões, senão
mais, de judeus e outras inúmeras pessoas, submissas ao ódio de um
tirano no poder. Tempos horríveis que despertaram no humano uma
tremenda sede de paz, de serenidade. Fomos marcados,
injustificavelmente, por duas grandes guerras mundiais com
consequências terríveis de destruição em massa.
Os tempos são outros, mas com algumas
semelhanças. Como se não bastasse, já somos herdeiros de uma
ideologia norte-americana que tem ódio do terror do Oriente Médio.
Vimos o assustador 11 de setembro de 2001. Não obstante, há um
certo maravilhamento comparado à época de Heidegger, em que se
vislumbram inovações tecnológicas capazes de nos deixar perplexos
pelo conforto, pela praticidade, pela mobilidade e, mais que isso,
pelo entretenimento oferecido aos usuários das inventividades de
Steve Jobs. Este é o mundo de Bill Gates, Steve Jobs e de outros
mais. Querendo ou não, este é o nosso mundo!
Todavia, não é deste mundo que vem a nossa
paz, tal como afirma a Sagrada Escritura: “Deixo-vos a paz, a minha
paz vos dou; não vo-la dou como o mundo a dá”(Jo 14.27). Somente
com a experiência da serenidade é que podemos dizer sim ou não a
este mundo, pois a serenidade ou o estado sereno diante da vida ou
das coisas nos permite ascender a um outro estágio de mistério e
contemplação que é a sabedoria segundo Heidegger. Na linha da
natureza e da vida sem ascendê-las, Epicuro nos assegura que a
serenidade é uma espécie de impertubabilidade da alma que culmina
numa vida boa, não numa boa vida, chamando a isso também de vida
sábia. Portanto, serenidade é sim sabedoria.
Prof. Jackislandy Meira de Medeiros Silva
Bacharel em Teologia, Licenciado em Filosofia e
Especialista em Metafísica
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