É curioso, mas ainda não aprendemos a viver em sociedade, sobretudo
quando nem sequer somos capazes de admitir que outros pensam como nós
ou pensaram o que nós já pensamos. A pompa de ineditismo até nos
pensamentos pode nos levar ao triste e destrutivo isolamento. Começar
a reconhecer que até nossos pensamentos precisam ser compartilhados
é o início de uma convivência social necessária para os tempos de
hoje.
Além disso, ninguém chega a lugar nenhum sozinho. Os nossos
primeiros passos em solo firme foram dados com a ajuda indispensável
de outros. As primeiras colheradas de comida foram dadas com a ajuda
dos outros. As primeiras mudanças de roupas não foram feitas por
mim, mas por outras pessoas que conviviam comigo. Tudo parece fazer
parte de uma dimensão social que mexe conosco. Mexe mesmo!
Ora, quantas vezes não nos sentimos incomodados quando vemos outras
pessoas terem os mesmos sonhos que nós! Quantos desejos não são
comuns por aí, esbarrando uns nos outros! Imagine os pensamentos.
Inúmeros, infinitos pensamentos se chocam, talvez, todos os dias. É
intrigante, mas, de quando em vez, acabamos por encontrar gente
simples como nós com os mesmos ideais, com os mesmos objetivos.
Todavia, é aqui onde se desenha a dificuldade de se viver
socialmente ou até politicamente. Brigas e desavenças ocorrem
justamente por isso. André Comte-Sponville cita algo parecido com
isso em sua obra, que agora também é nossa, A Vida
Humana: “Somos seres de desejo, e nossos
desejos nos opõem. Porque são diferentes? Às vezes. Mais
frequentemente porque são idênticos ou convergentes. Vejam Hobbes,
Espinosa, Pascal... Se dois homens desejam a mesma coisa – o mesmo
campo, o mesmo poder, a mesma mulher... - , como poderiam não se
tornar rivais ou inimigos? Se 'o desejo é a própria essência do
homem', como dizia Espinosa, o conflito é a própria essência da
sociedade”(pág. 67).
Somos mesquinhos, invejosos, orgulhosos com as coisas, avalie então
com as pessoas, com as ideias, os pensamentos, os desejos. Ah, essa
ideia é minha, não é sua. Esse projeto é meu, não é seu. Essa
obra é minha, jamais foi sua. E tome aborrecimentos pra lá e pra
cá, brigas e violência. No entanto, para evitarmos toda essa
confusão social, preferimos defender publicamente algo que não
existe porque, só assim, ninguém entrará em conflito conosco.
Fugimos dos conflitos para viver numa falsa paz, isto é, alterando a
“Insociável sociabilidade” no dizer de Kant pela “Sociável
sociabilidade” no dizer de muitos ingênuos da política.
E quando tudo parece estar bem, quando na verdade não está, surgem
problemas ainda maiores do que os conflitos tão próprios à vida
política e social na qual estamos metidos. Nos esquecemos ou, ao
menos fingimos ter esquecido que precisamos dividir a mesma “ágora”,
a praça, o mesmo espaço público, a mesma cidade, as mesmas vias,
os mesmos caminhos. Para isso, é imprescindível um enfrentamento,
um choque, muitas vezes ideológico, entre as pessoas que circulam e
reivindicam seus direitos. Felizmente ou não, esse é o preço da
liberdade nas democracias. Esse é o quinhão da paz em qualquer
sociedade.
Temos que insistir em aprender a viver mais em sociedade. Que os
escândalos de corrupção não nos afaste da sociedade. Que os
radicalismos e extremismos políticos não nos afastem das pessoas.
Que a burocracia não nos vença pelo cansaço. Que ilegalidade no
Brasil não cegue de uma vez por todas as nossas ambições por
justiça. Que nada nos impeça de sonhar! A sociedade tem um espírito
incrivelmente comunitário de partilha de interesses, de sonhos e de
valores. Essas coisas precisam se abrir à comunidade humana que
pulsa crescimento e desenvolvimento. Ninguém nasceu para se atrofiar
na solidão. Ninguém vive só. Ninguém age só. Ninguém cresce
sozinho. Vamos crescer juntos! Esse, talvez, seja o grande
aprendizado da sociedade.
Para terminar, não poderia me privar de citar mais uma vez
Comte-Sponville em A Vida Humana: “Privar-se da
felicidade da união sagrada, como dizia Alain, não é
renunciar aos prazeres da festa, nem às exigências da justiça, nem
às necessidades da ação. Renunciar à Grande Noite não é
renunciar ao progresso ou à solidariedade. Romper com as utopias não
é romper com a política. Desconfiemos dos revolucionários
entusiastas demais. Mas, ainda mais talvez, dos conservadores
desiludidos de tudo, que gostariam de nos fazer desistir de
avançar”(pág. 71).
Prof. Jackislandy Meira
de M. Silva
Bacharel em Teologia,
Licenciado em Filosofia e Especialista em Metafísica
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