Para que servem os cientistas políticos? Para muita coisa talvez, mas não para prever fatos que deveriam ser da sua alçada, nos diz o artigo “Sobre Raposas e Porcos-Espinhos“, de Nate Silver, na “Ilustríssima” de 12/5/2013. Neste terreno, pessoas menos obcecadas com sua própria “verdade” teriam mais sucesso.
O autor cita
a derrocada da União Soviética como exemplo de fracasso dessa classe.
Nenhum “especialista” foi capaz de prever o fim do “socialismo real”. O
texto aponta o risco de irrelevância da ciência política, pelo menos
quando pautada por concepções de como o mundo deveria ser, ou, dito de
outra forma, quando pautada por ideologias, praga comum no mundo
acadêmico. Não se trata de dizer que cientistas políticos não servem
para nada, mas de perceber, entre outras coisas, o problema que se
esconde por detrás de tal fracasso. Logo voltarei a este problema.
O estranho termo que dá título ao artigo citado vem do ensaio de Isaiah Berlin, “O Porco-Espinho e a Raposa“, da coletânea “Pensadores Russos“,
entre nós publicado pela Cia. das Letras em 1988. O ensaio não visa
falar da irrelevância dos cientistas políticos, mas sim dos diferentes
modos como se constituem o pensamento e a vida de um grande autor. Ele
mesmo, Berlin, podendo ser elencado entre as raposas.
Shakespeare,
Montaigne e Aristóteles seriam raposas (eu acrescentaria o grande
crítico Carpeaux a este grupo), Freud, Hegel e Marx, porcos-espinhos,
portanto, para Berlin, não se trata de reduzir estes à nulidade. Para o
ensaísta britânico (judeu do Leste Europeu), raposas são flexíveis, não
precisam de coerência ou unidade interna entre os elementos e teorias
manipuladas pelo pensamento (ou vividas no dia a dia) porque não operam a
partir de uma visão de mundo que supõe “um centro de sentido” do mundo.
O “sentido
da realidade”, título de um dos seus maiores ensaios, é a pluralidade
desta, sem nenhuma unidade última descritível por uma teoria da
realidade ou da história. Eu posso, por exemplo, concordar com a teoria
da mercadoria de Adorno e ao mesmo tempo achar que ela não esgota o
entendimento do mundo. O “método” da raposa é não ter método.
O
porco-espinho trabalha com a ideia de que ele descobriu o conjunto de
teorias que explica o mundo (a “unidade do mundo” foi descoberta por
ele), como o inconsciente de Freud, a dialética de Hegel ou o capital de
Marx.
Mas,
voltando ao problema que leva ao fracasso do modo de agir do
porco-espinho (este, segundo Nate Silver, é menos eficaz na análise do
mundo, e eu concordo com Silver aqui), é que, como diz Berlin, “os
professores simplesmente tendem a exagerar a importância de suas
atividades pessoais, como se fossem a ‘força’ central que impele o
mundo”.
Portanto,
não se trata de negar o valor de porcos-espinhos (como negar o
inconsciente, a dialética ou o capital como formas válidas de pensar o
mundo?), mas, sim, de revelar o risco quando professores se fazem
oráculos da verdade do mundo a partir de sua sala de aula, negando tudo
mais que contradiga suas teorias de mundo. O que Silver aponta é este
vício na mídia e como ele fica ridículo quando especialistas recusam o
mundo em favor de “seu mundinho ideológico”.
Outro livro
essencial para pensarmos as causas da irrelevância das ciências humanas
na lida com o mundo “que desencoraja especulações” (Gertrude Himmelfarb,
historiadora americana) é “Envolvimento e Alienação“, ed. Bertrand Brasil, 1998, do sociólogo Norbert Elias.
Neste livro, Elias opõe o envolvimento à alienação como modo de ação
dos cientistas sociais e defende a alienação como sendo o mais eficaz, e
dá uma razão para as ciências sociais não serem capazes de evitar um
único massacre étnico.
Claro,
alienação, aqui, não é alienação marxista, mas o distanciamento que o
cientista social deveria ter de suas preferências teóricas e “afetivas”
quando investiga a realidade a sua volta. O envolvimento, seu contrário,
infelizmente, é a atitude mais comum em minha casta intelectual:
tornar-se oráculo de um “mundinho”, aquele que eu tenho na minha cabeça.
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