(fotos do jardim de Claude Monet, um colírio para os olhos)
De pronto, ponho-me a escrever. É fascinante o mistério que envolve as coisas. Assim o é com a beleza, pois há muita beleza no mundo. A beleza é fascinante, é divina, é encantadora, mas é preciso ouvir a voz das coisas, admirar-se com a vida, admitir o mistério. Há algo escondido na imensa vastidão da aparência. As pessoas querem ouvir geralmente o que lhes agrada, o que faz bem aos ouvidos, às suas necessidades e o que as colocam novamente na dinâmica da vida. Isso faz sentido porque elas estão tentando alimentar sua subjetividade. Talvez, por isso, as pessoas sejam constantemente mais seduzidas pela beleza do que pela verdade. A beleza está mais ao alcance dos olhos do que a verdade. A beleza parece ser mais acessível, talvez não, mas o que importa é que ela está em algum lugar, em algum estalo da natureza. Ela se esconde e se mostra rasgadamente aos sentidos. Alguém já disse que a beleza é filha do olhar. Eu acrescento... de um olhar periférico e profundo, aparente e imanente, geral e singular. Ela é filha de um olhar cuidadoso, atencioso. Às vezes, nem é preciso olhar, mas sentir, imaginar talvez.
Mas, definitivamente, de uma coisa eu esteja certo, em tudo isso será preciso recolher o olhar e voltar a cultivar uma admiração irrestrita por um jardim. Como encontrar um jardim nas cidades movimentadas e poluídas? Como encontrar um jardim no deserto da vida? Como encontrar um jardim nos gélidos edifícios das grandes cidades? Como cultivar um jardim nas cidades pervertidas pelo consumo e pelas drogas? Como cultivar um jardim em nós? Deus, Epicuro, Francis Bacon, Rubem Alves... Quantos não falaram em jardins! Quando estou só caminhando em meus pensamentos utópicos, penso em jardins!
Não é assim a experiência de um nômade perdido na imensidão do deserto! Os povos do oriente vivem mais do que nós em contato com o deserto, talvez por isso vivam obcecados à procura de um jardim, de um oásis. Tal convivência com o deserto provoca nessas pessoas uma necessidade cortante de água, de verde, de plantas, de flores, de comida, de frescura, de abrigo, de proteção, de um lugar... As areias e o sol do deserto deixam essas pessoas não só extenuadas fisicamente, mas as deixam com uma sensibilidade e imaginação de tudo que é contrário ao deserto à flor da pele. Seria quase impossível não pensar em água de coco no deserto, não pensar num poço se excedendo de água ou numa fonte de água fresca jorrando sem parar. Se no deserto a terra não é fértil, a imaginação compensa esta falta. Não foi à toa que Saint-Exupéry falou tão maravilhosamente do deserto em seu livro “O Pequeno Príncipe”, numa certa altura ele diz como ninguém que o deserto é belo porque esconde, em algum lugar, uma fonte. Isto quer dizer que em algum lugar do deserto pode haver beleza. Em algum lugar do deserto há um jardim.
Vejam como é magnífico, muitos em seus pensamentos buscaram jardins, falaram bem dos jardins, das flores, da frescura dos perfumes que emanam delas, da beleza com a qual se veste, das inúmeras espécies que se estendem pelo mundo afora; como também da necessidade da natureza de se viver num jardim filosoficamente, para bem viver, para uma vida boa. Deus criou um jardim e nos colocou lá. Desde o início, diz Rubem Alves, “somos destinados ao jardim, somos destinados a ser jardineiros. O sonho do jardim apareceu entre os hebreus, porque eram nômades que moravam no deserto. Deserto é areia, é terra estéril, é escorpião, é cobra, é pedra, é secura, é sede”. Daí o sonho que lateja em nós à procura do jardim. Epicuro comprou um jardim em oposição à pólis desacreditada pelos gregos. Ele viu sabiamente que os homens queriam se recolher em comunidade num jardim. E assim formou, em pleno declínio da democracia, um jardim. “Compraram, então, um jardim na vizinhança, um pouco fora dos limites da porta de Dipylon, e passaram a cultivar alguns vegetais, provavelmente bliton(repolho), krommyon(cebola) e kinara(um ancestral da moderna alcachofra, cuja base era comestível, mas não as escamas). Sua dieta não era luxuosa nem abundante, e sim saborosa e nutritiva. Como Epicuro explicou a seu amigo Meneceu, 'O sábio não escolhe a maior quantidade de comida, mas a mais agradável'”(In DE BOTTON, Alain. As Consolações da Filosofia. Rio de Janeiro: Rocco, 2001. p. 71-72) . No intuito de viver conforme a natureza é que se buscou morar num jardim: “Portanto, sendo tal caminho útil a todos os que se familiarizaram com a investigação da natureza e desse modo de viver, tiro principalmente a minha calma, preparei para teu uso uma espécie de epítome e um sumário de elementos fundamentais de minha filosofia em sua totalidade”(D.L.,X,37).
É praticamente unânime a opinião de que o jardim é o lugar de maior repouso para o espírito do homem. O jardim é lugar de sossego, descanso e refrigério para a alma. No jardim, à sombra das árvores, em meio aos perfumes das orquídeas e margaridas, com borboletas esvoaçando suas asas por sobre as flores numa policromia admirável de cores e beleza, retomamos o rumo certo de nossas vidas e nos permitimos sonhar, pensar, filosofar. Não sei se disse o que tive intenção de dizer, no entanto, reforço a ideia de que no jardim podemos nos lembrar de onde viemos e de que estamos em harmonia com o todo, somos partes do todo; pensamos também o quanto é saboroso mexer com a terra e sentir o cheiro do mato; respirar ar puro, bem como ter a consciência de que a natureza é perfeita e precisa ser preservada, cuidada, porque se emancipa a todos nós. “Deus Todo-Poderoso foi quem primeiro plantou um jardim. Na verdade, plantar jardins é o mais puro dos prazeres humanos, isto é, aquele que constitui maior repouso para o espírito do homem; sem jardins, edifícios e palácios não passam de construções grosseiras”(Francis Bacon).
Prof. Jackislandy Meira de Medeiros Silva
Licenciado em Filosofia pela UERN e Especialista em Metafísica pela UFRN
www.umasreflexoes.blogspot.com
www.chegadootempo.blogspot.com
www.twitter.com/filoflorania
De pronto, ponho-me a escrever. É fascinante o mistério que envolve as coisas. Assim o é com a beleza, pois há muita beleza no mundo. A beleza é fascinante, é divina, é encantadora, mas é preciso ouvir a voz das coisas, admirar-se com a vida, admitir o mistério. Há algo escondido na imensa vastidão da aparência. As pessoas querem ouvir geralmente o que lhes agrada, o que faz bem aos ouvidos, às suas necessidades e o que as colocam novamente na dinâmica da vida. Isso faz sentido porque elas estão tentando alimentar sua subjetividade. Talvez, por isso, as pessoas sejam constantemente mais seduzidas pela beleza do que pela verdade. A beleza está mais ao alcance dos olhos do que a verdade. A beleza parece ser mais acessível, talvez não, mas o que importa é que ela está em algum lugar, em algum estalo da natureza. Ela se esconde e se mostra rasgadamente aos sentidos. Alguém já disse que a beleza é filha do olhar. Eu acrescento... de um olhar periférico e profundo, aparente e imanente, geral e singular. Ela é filha de um olhar cuidadoso, atencioso. Às vezes, nem é preciso olhar, mas sentir, imaginar talvez.
Mas, definitivamente, de uma coisa eu esteja certo, em tudo isso será preciso recolher o olhar e voltar a cultivar uma admiração irrestrita por um jardim. Como encontrar um jardim nas cidades movimentadas e poluídas? Como encontrar um jardim no deserto da vida? Como encontrar um jardim nos gélidos edifícios das grandes cidades? Como cultivar um jardim nas cidades pervertidas pelo consumo e pelas drogas? Como cultivar um jardim em nós? Deus, Epicuro, Francis Bacon, Rubem Alves... Quantos não falaram em jardins! Quando estou só caminhando em meus pensamentos utópicos, penso em jardins!
Não é assim a experiência de um nômade perdido na imensidão do deserto! Os povos do oriente vivem mais do que nós em contato com o deserto, talvez por isso vivam obcecados à procura de um jardim, de um oásis. Tal convivência com o deserto provoca nessas pessoas uma necessidade cortante de água, de verde, de plantas, de flores, de comida, de frescura, de abrigo, de proteção, de um lugar... As areias e o sol do deserto deixam essas pessoas não só extenuadas fisicamente, mas as deixam com uma sensibilidade e imaginação de tudo que é contrário ao deserto à flor da pele. Seria quase impossível não pensar em água de coco no deserto, não pensar num poço se excedendo de água ou numa fonte de água fresca jorrando sem parar. Se no deserto a terra não é fértil, a imaginação compensa esta falta. Não foi à toa que Saint-Exupéry falou tão maravilhosamente do deserto em seu livro “O Pequeno Príncipe”, numa certa altura ele diz como ninguém que o deserto é belo porque esconde, em algum lugar, uma fonte. Isto quer dizer que em algum lugar do deserto pode haver beleza. Em algum lugar do deserto há um jardim.
Vejam como é magnífico, muitos em seus pensamentos buscaram jardins, falaram bem dos jardins, das flores, da frescura dos perfumes que emanam delas, da beleza com a qual se veste, das inúmeras espécies que se estendem pelo mundo afora; como também da necessidade da natureza de se viver num jardim filosoficamente, para bem viver, para uma vida boa. Deus criou um jardim e nos colocou lá. Desde o início, diz Rubem Alves, “somos destinados ao jardim, somos destinados a ser jardineiros. O sonho do jardim apareceu entre os hebreus, porque eram nômades que moravam no deserto. Deserto é areia, é terra estéril, é escorpião, é cobra, é pedra, é secura, é sede”. Daí o sonho que lateja em nós à procura do jardim. Epicuro comprou um jardim em oposição à pólis desacreditada pelos gregos. Ele viu sabiamente que os homens queriam se recolher em comunidade num jardim. E assim formou, em pleno declínio da democracia, um jardim. “Compraram, então, um jardim na vizinhança, um pouco fora dos limites da porta de Dipylon, e passaram a cultivar alguns vegetais, provavelmente bliton(repolho), krommyon(cebola) e kinara(um ancestral da moderna alcachofra, cuja base era comestível, mas não as escamas). Sua dieta não era luxuosa nem abundante, e sim saborosa e nutritiva. Como Epicuro explicou a seu amigo Meneceu, 'O sábio não escolhe a maior quantidade de comida, mas a mais agradável'”(In DE BOTTON, Alain. As Consolações da Filosofia. Rio de Janeiro: Rocco, 2001. p. 71-72) . No intuito de viver conforme a natureza é que se buscou morar num jardim: “Portanto, sendo tal caminho útil a todos os que se familiarizaram com a investigação da natureza e desse modo de viver, tiro principalmente a minha calma, preparei para teu uso uma espécie de epítome e um sumário de elementos fundamentais de minha filosofia em sua totalidade”(D.L.,X,37).
É praticamente unânime a opinião de que o jardim é o lugar de maior repouso para o espírito do homem. O jardim é lugar de sossego, descanso e refrigério para a alma. No jardim, à sombra das árvores, em meio aos perfumes das orquídeas e margaridas, com borboletas esvoaçando suas asas por sobre as flores numa policromia admirável de cores e beleza, retomamos o rumo certo de nossas vidas e nos permitimos sonhar, pensar, filosofar. Não sei se disse o que tive intenção de dizer, no entanto, reforço a ideia de que no jardim podemos nos lembrar de onde viemos e de que estamos em harmonia com o todo, somos partes do todo; pensamos também o quanto é saboroso mexer com a terra e sentir o cheiro do mato; respirar ar puro, bem como ter a consciência de que a natureza é perfeita e precisa ser preservada, cuidada, porque se emancipa a todos nós. “Deus Todo-Poderoso foi quem primeiro plantou um jardim. Na verdade, plantar jardins é o mais puro dos prazeres humanos, isto é, aquele que constitui maior repouso para o espírito do homem; sem jardins, edifícios e palácios não passam de construções grosseiras”(Francis Bacon).
Prof. Jackislandy Meira de Medeiros Silva
Licenciado em Filosofia pela UERN e Especialista em Metafísica pela UFRN
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