“Se sentir
ou não se sentir culpado. Acho que tudo depende disso. A vida é uma luta de
todos contra todos. É sabido. Mas como essa luta acontece numa sociedade mais
ou menos civilizada? As pessoas não podem se atirar umas sobre as outras sempre
que se encontram. Em vez disso, tentam jogar no outro o constrangimento da
culpabilidade. Ganhará aquele que conseguir tornar o outro culpado. Perderá
aquele que reconhecer sua culpa. Você vai pela rua, mergulhado em pensamentos.
Em sua direção vem uma moça, como se estivesse sozinha no mundo, sem olhar nem
para a esquerda nem para a direita, indo direto em frente. Vocês se esbarram. Eis
o momento da verdade. Quem vai insultar o outro, e quem vai se desculpar? É uma
situação-modelo: na realidade, cada um dos dois é ao mesmo tempo o que sofreu o
esbarrão e o que esbarrou. E, no entanto, há os que se consideram,
imediatamente, espontaneamente, os que esbarraram, portanto culpados. E há os
outros, que se veem sempre, imediatamente, espontaneamente, como os que
sofreram o esbarrão, portanto no seu direito de acusar o outro e de fazer com
que este seja punido. Você, numa situação como essa, você se desculparia ou
acusaria?”
(KUNDERA,
Milan. A festa da insignificância. 1ª
ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2014. p. 54)
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