A impressão que se tem
quando dormimos é que os sentidos e a razão perdem suas forças. A consciência e
o corpo parecem descansar para recuperar suas energias. Talvez o sono seja a
experiência humana mais próxima da suspensão da vida, um estado em que a
existência do eu se evade, sai de si e se refugia no nada, no tédio ou na
fadiga, de modo a percebermos que a verdadeira vida está ausente.
Nessa direção se abre
uma chave de leitura para o episódio bíblico narrado no livro de Jonas, onde a
personagem central que intitula o próprio livro desobedece ao seu Deus, achando
ele que poderia fugir ou evadir-se da presença de Deus. Mal sabia Jonas o que
estava para acontecer. Ao fugir para Társis, visto ser o lugar mais longe
possível para a época, sobretudo aos olhos dos hebreus, Jonas tenta renunciar à
sua missão: Ir a Nínive, a grande cidade, e anunciar contra ela sua maldade,
pois está desagradando a Deus (Cf. Jn 1. 2, in Bíblia de Jerusalém, impressão
de 1993).
Teimosamente e de modo
muito rebelde, Jonas não vai aos ninivitas para fazer o que Deus lhe pedira, no
entanto toma um navio e zarpa para Társis. Só que durante a viagem, algo de
sombrio e extraordinário acontece. Deus lança sobre o mar uma terrível
tempestade a ponto de a um só tempo, por consequência do vento violento, o
navio naufragar e os marinheiros a gritar assustadoramente. Pelo tom dramático
que o autor sagrado põe nessa história dá até para imaginar a cena de desespero
dos marinheiros implorando, cada qual ao seu deus e ao seu modo, socorro e
salvação.
Quanto tumulto,
desespero, medo e gritaria nesse ambiente! Porém nada disso incomodava o sono
de Jonas, que se encontrava no fundo do navio deitado e dormindo profundamente (Cf.
Jn 1. 5). Nem mesmo o mar bravio conseguia acordar Jonas.
Até que, finalmente, o
comandante do navio aproxima-se dele e diz: “Como podes dormir? Levanta-te,
invoca o teu Deus! Talvez Deus se lembre de nós e não pereceremos”(Jn 1. 6).
Depois de lançarem a
sorte e descobrirem que havia sido Jonas a causa daquela terrível tempestade,
os marinheiros foram obrigados a jogar Jonas no mar para que o mar acalmasse a
sua fúria. Daí segue-se o que mais se sabe da história de Jonas, Deus determina
que um peixe grandioso engula Jonas e que ele permaneça nas entranhas do peixe
três dias e três noites.
Somente quando Jonas
reconhece que Deus é Deus através da sua oração com clamores e súplicas é que,
de repente, o peixe o vomita sobre a terra.
Gostaria de chamar
atenção para duas coisas nessa preciosa história. Primeira, o sono de Jonas não
é como o sono de um justo trabalhador que, extenuado pela dura carga de
trabalho, faz uma humilde pausa de recuperação de energias, contudo, é “manter-se
no descumprimento do sono”(LEVINAS, Emmanuel. Da existência ao existente. In CINTRA, Benedito E. Leite. Pensar com Emmanuel Levinas. São Paulo: Paulus,
2009, p. 39-40). Segunda, ou o sono de Jonas quer significar a “epoché”, conforme
a qual o homem procura renunciar à certeza, interromper seu juízo sobre as
coisas e confrontar toda a afirmação a uma dúvida intensa (desgosto e rebeldia
do profeta Jonas) ou nos permite dialogar com a forte ideia bem representada na
obra do artista espanhol Francisco de Goya, O
Sono da Razão Produz Monstros (1796-1797).
Não nos esqueçamos do
final da história segundo a qual o profeta queria a todo o custo fazer justiça
aos ninivitas pelos males cometidos, ao passo que Deus teve misericórdia do povo.
Enquanto o homem leva até às últimas consequências o tribunal da razão, Deus e,
somente Ele, quebra a lógica fria da razão com a doce ternura do amor.
Prof. Jackislandy
Meira de Medeiros Silva
Bel. em Teologia, Bel.
e Licenciado em Filosofia, Esp. em Metafísica, Esp. em Estudos Clássicos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário