LÉVINAS, Emmanuel. De Deus que vem à ideia. 2ª ed. Rio de Janeiro, Petrópolis: Vozes. 2008. p. 19-21.
A ideologia usurpa as aparências da ciência, mas o enunciado de seu conceito arruína o crédito da moral. A suspeita de ideologia desfere na moral o golpe mais duro que ela jamais recebeu; ela marca, provavelmente, o fim de toda uma ética dos homens, e em todo o caso, desconcerta a teoria do dever e dos valores.
Utilizada na crítica marxista do humanismo burguês, a noção de ideologia muito deve de sua força persuasiva a Nietzsche e a Freud.
Entretanto, pode-se pensar que a estranha noção de uma razão suspeita não surgiu de um discurso filosófico que simplesmente se deixou levar por suspeitas ao invés de produzir provas. Seu sentido impõe-se no “deserto que cresce”, na miséria moral crescente da era industrial. Sentido que significa no gemido ou no grito denunciador de um escândalo, ao qual a Razão – capaz de pensar como ordem um mundo onde se vende o “pobre por um par de sandálias” - ficaria insensível sem esse grito(Como a denúncia da Retórica por Platão supõe o escândalo moral da condenação de Sócrates). Grito profético, mal apenas discurso; voz que brada no deserto; revolta de Marx e dos marxistas para além da ciência marxista. Sentido dilacerante como um grito, que não é assimilado pelo sistema que absorve e onde não cessa de ressoar com voz diferente daquela que o discurso coerente manifesta. Não é sempre verdadeiro que o não-filosofar é ainda filosofar! A força de ruptura da ética não atesta um simples relaxamento da razão, mas o fato de pôr em questão o filosofar, questionamento que não pode recair em filosofia. Mas que singular reviravolta! Por sua relatividade histórica, por suas desenvolturas normativas que se diz regressivas, a ética é a primeira vítima da luta contra a ideologia que ela suscita. Ela perde seu estatuto de razão por uma condição precária na Astúcia. Ela passa por um esforço inconsciente, seguramente, mas suscetível também de tornar-se consciente e, consequentemente, corajoso ou negligente com a intenção de enganar os outros e seus próprios fiéis ou pregadores. Sua racionalidade, de puro disfarce, é astúcia de guerra de uma classe oposta à outra ou refúgio de seres frustrados, feixe de ilusões comandadas pelos interesses e necessidades de compensação.
Prof. Jackislandy Meira de M. Silva.
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