quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Semana da Consciência negra 2012

Que tal trazer um estalo em nossas consciências e um rasgo em nossos corações, por ocasião do dia da consciência negra em nosso país, nos lampejos de um escritor negro com alma de brasileiro, Machado de Assis:

A abolição da escravatura (1888)
"Houve sol, e grande sol, naquele domingo de 1888, em que o Senado votou a lei, que a regente sancionou, e todos saímos à rua. Sim, também eu saí à rua, eu o mais encolhido dos caramujos, também eu entrei no préstito, em carruagem aberta (...) Verdadeiramente, foi o único dia de delírio público que me lembra ter visto."
Crônica de A SEMANA, de 14 de maio de 1893

"Nunca fui, nem o cargo me consentia ser propagandista da abolição, mas confesso que senti grande prazer quando soube da votação final do Senado e da sanção da Regente. Estava na Rua do Ouvidor, onde a agitação era grande e a alegria geral. Um conhecido meu, homem de imprensa, achando-me ali, ofereceu-me lugar no seu carro (...) Estive quase, quase a aceitar, tal era o meu atordoamento, mas os meus hábitos quietos, os costumes diplomáticos, a própria índole e a idade me retiveram."
MEMORIAL DE AIRES. O fim da escravatura foi capaz de levar o retraído escritor às celebrações de rua – mas não o reticente conselheiro Aires

"Era um preto que vergalhava outro na praça. O outro não se atrevia a fugir; gemia somente estas únicas palavras: — "Não, perdão meu senhor; meu senhor, perdão!" Mas o primeiro não fazia caso, e, a cada súplica, respondia com uma vergalhada nova. (...) Quem havia de ser o do vergalho? Nada menos que o meu moleque Prudêncio, – o que meu pai libertara alguns anos antes. (...) Era um modo que o Prudêncio tinha de se desfazer das pancadas recebidas, – transmitindo-as a outro."
MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS. É uma das páginas de ficção mais perturbadoras já escritas sobre a psicologia do escravismo: o liberto compra seu próprio escravo para tirar sua desforra
 

"A escravidão levou consigo ofícios e aparelhos, como terá sucedido a outras instituições sociais. Não cito alguns aparelhos senão por se ligarem a certo ofício. Um deles era o ferro ao pescoço, outro o ferro ao pé; havia também a máscara de folha-de-flandres. A máscara fazia perder o vício da embriaguez aos escravos, por lhes tapar a boca. (...) Era grotesca tal máscara, mas a ordem social e humana nem sempre se alcança sem o grotesco, e alguma vez o cruel."
Do conto PAI CONTRA MÃE. Publicado em 1905, depois da abolição, é um dos mais fortes que Machado escreveu sobre o tema
 

"O motivo da vinda do barão é consultar o desembargador sobre a alforria coletiva e imediata dos escravos de Santa-Pia. (...)
– Quero deixar provado que julgo o ato do governo uma exploração, por intervir no exercício de um direito que só pertence ao proprietário, e do qual uso com perda minha, porque assim o quero e posso."

MEMORIAL DE AIRES. O barão de Santa-Pia é a síntese da mentalidade senhorial: prefere libertar seus escravos para não deixar que o governo o faça
 

"Chamei o Pancrácio e disse-lhe com rara franqueza:
– Tu és livre, podes ir para onde quiseres. Aqui tens casa amiga, já conhecida e tens mais um ordenado, um ordenado que...
– Oh! meu senhô! fico.
(...) Pancrácio aceitou tudo; aceitou até um peteleco que lhe dei no dia seguinte, por me não escovar bem as botas; efeitos da liberdade."

Diálogo entre um escravo alforriado e seu senhor, em crônica de BONS DIAS!, 19 de maio de 1888. O texto ironiza a hipocrisia de alguns abolicionistas de fachada
 


Em 23 de novembro de 2012 às 3h38min 

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quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Semana da Consciência negra 2012

Que tal trazer um estalo em nossas consciências e um rasgo em nossos corações, por ocasião do dia da consciência negra em nosso país, nos lampejos de um escritor negro com alma de brasileiro, Machado de Assis:

A abolição da escravatura (1888)
"Houve sol, e grande sol, naquele domingo de 1888, em que o Senado votou a lei, que a regente sancionou, e todos saímos à rua. Sim, também eu saí à rua, eu o mais encolhido dos caramujos, também eu entrei no préstito, em carruagem aberta (...) Verdadeiramente, foi o único dia de delírio público que me lembra ter visto."
Crônica de A SEMANA, de 14 de maio de 1893

"Nunca fui, nem o cargo me consentia ser propagandista da abolição, mas confesso que senti grande prazer quando soube da votação final do Senado e da sanção da Regente. Estava na Rua do Ouvidor, onde a agitação era grande e a alegria geral. Um conhecido meu, homem de imprensa, achando-me ali, ofereceu-me lugar no seu carro (...) Estive quase, quase a aceitar, tal era o meu atordoamento, mas os meus hábitos quietos, os costumes diplomáticos, a própria índole e a idade me retiveram."
MEMORIAL DE AIRES. O fim da escravatura foi capaz de levar o retraído escritor às celebrações de rua – mas não o reticente conselheiro Aires

"Era um preto que vergalhava outro na praça. O outro não se atrevia a fugir; gemia somente estas únicas palavras: — "Não, perdão meu senhor; meu senhor, perdão!" Mas o primeiro não fazia caso, e, a cada súplica, respondia com uma vergalhada nova. (...) Quem havia de ser o do vergalho? Nada menos que o meu moleque Prudêncio, – o que meu pai libertara alguns anos antes. (...) Era um modo que o Prudêncio tinha de se desfazer das pancadas recebidas, – transmitindo-as a outro."
MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS. É uma das páginas de ficção mais perturbadoras já escritas sobre a psicologia do escravismo: o liberto compra seu próprio escravo para tirar sua desforra
 

"A escravidão levou consigo ofícios e aparelhos, como terá sucedido a outras instituições sociais. Não cito alguns aparelhos senão por se ligarem a certo ofício. Um deles era o ferro ao pescoço, outro o ferro ao pé; havia também a máscara de folha-de-flandres. A máscara fazia perder o vício da embriaguez aos escravos, por lhes tapar a boca. (...) Era grotesca tal máscara, mas a ordem social e humana nem sempre se alcança sem o grotesco, e alguma vez o cruel."
Do conto PAI CONTRA MÃE. Publicado em 1905, depois da abolição, é um dos mais fortes que Machado escreveu sobre o tema
 

"O motivo da vinda do barão é consultar o desembargador sobre a alforria coletiva e imediata dos escravos de Santa-Pia. (...)
– Quero deixar provado que julgo o ato do governo uma exploração, por intervir no exercício de um direito que só pertence ao proprietário, e do qual uso com perda minha, porque assim o quero e posso."

MEMORIAL DE AIRES. O barão de Santa-Pia é a síntese da mentalidade senhorial: prefere libertar seus escravos para não deixar que o governo o faça
 

"Chamei o Pancrácio e disse-lhe com rara franqueza:
– Tu és livre, podes ir para onde quiseres. Aqui tens casa amiga, já conhecida e tens mais um ordenado, um ordenado que...
– Oh! meu senhô! fico.
(...) Pancrácio aceitou tudo; aceitou até um peteleco que lhe dei no dia seguinte, por me não escovar bem as botas; efeitos da liberdade."

Diálogo entre um escravo alforriado e seu senhor, em crônica de BONS DIAS!, 19 de maio de 1888. O texto ironiza a hipocrisia de alguns abolicionistas de fachada
 


Em 23 de novembro de 2012 às 3h38min 

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