sábado, 31 de março de 2012

De que realmente somos feitos? Um pouco de ciência

Quando Shakespeare escreveu que “somos feitos da mesma matéria que nossos sonhos”, ele estava querendo dizer que a vida é um mistério. Não sabemos – como ainda não o conseguimos saber – quando e como a vida surgiu.

Somos feitos, sim, da poeira do Universo. Em nós estão todos os elementos que o compõem e, portanto, há uma conexão entre o Cosmos e o Homem. Uma ligação entre o micro e o macro em nós. Somos capazes de inalar um gás e demais compostos químicos que surgiram quando as estrelas nasceram desde o Big Bang.
Mas qual foi mesmo o fato mais surpreendente fato do Universo? Esta pergunta foi respondida pelo astrônomo norte-americano Neil deGrasse Tyson, Diretor do Planetário Hayden no Museu Americano de História Natural em Manhattan’s Upper West Side. Você pensa que não o conhece, certo? Sim, você o conhece. Uma de suas fotografias virou um meme na internet.


Veja, então, o vídeo feito por Max Schlickenmeyer em que ele, em belas imagens da Terra e do Universo, apresenta a resposta dada pelo astrônomo.
Visite o canal do Max Schlickenmeyer no Youtube e assine-o para ver mais vídeos bacanas.

Muito além do que somos

Armando Correa de Siqueira Neto*

Qual é o nosso verdadeiro tamanho em relação ao desenvolvimento humano? Será que somos potencialmente maiores e bem pouco se enxerga a respeito? Não ver o prêmio futuro pode causar desânimo e até oposição frente ao exigido e essencial exercício do crescimento que se tem no presente? Nada é de graça! O que pode nos levar a perceber tal possibilidade de avanço para que o estímulo resultante nos impulsione em direção a um nível evolutivo sem precedentes, superando as lentas passadas com as quais temos caminhado através da estrada da vida?

Para tratar sobre o processo evolutivo, é prudente lançar mão da teoria darwinista encontrada no livro “A origem das espécies”, a qual atribui ao tempo, o acaso e a seleção natural o resultado daquilo que hoje somos. A valiosa aptidão que se adquire faculta ao ser humano (e às outras espécies) a possibilidade de manter-se vivo e ainda transmitir tais informações à sua descendência. No entanto, esbarra-se em uma delicada e complexa questão: como foi possível ter-se dado a gênese de tudo que conhecemos sem se levar em conta um criador com a necessária capacidade de planejar e concretizar?

Alguns pontos permanecem obscuros sem a devida análise, tais como as capacidades de desenvolvimento preexistentes (semelhantes aos típicos softwares da informática): desenvolvimento do apego para o convívio; aquisição da linguagem; aprendizagem do saber e formação da inteligência; constituição do jeito ético de ser; eclosão das muitas consciências; noção e sentimento espiritual, por exemplo.

As discussões são travadas, infelizmente, em planos distintos e isolados, com rara chance de conciliação. Vê-se orgulho, teimosia, fanatismo e cegueira obstruírem o acesso ao merecido conhecimento. Tal sapiência é capaz, a propósito desta reflexão, de promover maior consciência e melhor desempenho na escalada rumo à maturidade pessoal que hoje é pobremente encontrada no convívio social.

Não obstante, é possível detectar algumas movimentações em prol de novas e interessantes perspectivas. Em 1993, o Professor Phillip Johnson, da Universidade da Califórnia, reuniu alguns estudiosos de diferentes áreas para que se debatesse o tão polêmico assunto. Dentre alguns aspectos lá refletidos, destacou-se que havia uma lacuna não preenchida por Charles Darwin. O fato é que, acerca da primeira vida primitiva, segundo o que se concluiu, não seria possível à seleção natural atuar antes da existência da primeira célula viva. A seleção natural só atua sobre organismos capazes de se reproduzirem. Então, o que causou, inteligentemente, o início da vida? A tal indagação, respondeu-se com o que se denominou de “Teoria do Design Inteligente”, condição anterior à existência. Assim, é possível atribuir, de modo mais equilibrado, à maneira de cada lado na ferrenha contenda, uma nova e mais justa explicação (ainda que temporária, pois sabemos muito pouco ainda a respeito de muita coisa) para a origem das espécies e sua evolução. Vale a pena, ainda, lembrar da afirmação de Darwin na qual não lhe parecia existir qualquer incompatibilidade entre a aceitação da teoria evolucionista e a crença em Deus. Será que há um esboço, ao menos, de harmonização entre as partes concorrentes?

Cabe, pois, ponderar exaustivamente acerca de tal proposta, repensando, portanto, o que somos verdadeiramente no aqui e agora, enquanto seres carecedores de considerável consciência e desenvolvimento. Mas cumpre-se salientar o gigantesco potencial a ser extraído através do necessário e pertinente exercício. Há muito mais dentro de nós do que se pode perceber, mas cabe a cada um se autoconhecer por meio da autoavaliação e tirar as próprias conclusões com o passar do tempo.

*Armando Correa de Siqueira Neto é psicólogo (CRP 06/69637), diretor da Self Consultoria, palestrante, professor e mestre em Liderança, coautor dos livros Gigantes da Motivação, Gigantes da Liderança e Educação.

http://boletimodiad.blogspot.com.br/ 


sexta-feira, 30 de março de 2012

Uma homenagem a Millôr: O pequenique das tartarugas

O piquenique das tartarugas

Uma família de tartarugas decidiu sair para um piquenique.

As tartarugas, sendo naturalmente lentas, levaram 7 anos preparando-se para o passeio.

Passados 6 meses, após acharem o lugar ideal,

ao desembalarem a cesta de piquenique descobriram que estavam sem sal.

Então, designaram a tartaruga mais nova para voltar para casa e pegar o sal, por ser a mais rápida.

A pequena tartaruga lamentou, chorou e esperneou, mas concordou em ir com uma condição:

que ninguém comeria até que ela retornasse.

Três anos se passaram... Seis anos... E a pequenina não tinha retornado.

Ao sétimo ano de sua ausência, a tartaruga mais velha já não suportando mais a fome,

decidiu desembalar um sanduíche.

Nesta hora, a pequena tartaruga saiu de trás de uma árvore e gritou:

- Viu! Eu sabia que vocês não iam me esperar. Agora que eu não vou mesmo buscar o sal.

quarta-feira, 28 de março de 2012

Pensar pelo estômago


                                              (Imagem acima: Cronos de Goya)

O 'espírito' se assemelha mais que tudo a um estômago”(Nietzsche, Além do bem e do mal, af. 230).


Nietzsche é visceral. É visceral na política, na educação, na arte, na ciência, na religião e, sobretudo, na filosofia. Essa impressão marcante de Nietzsche me veio ligeiramente agora porque sinto que a filosofia não pode abrir mão de um pensar tão significativo quanto este presente no Prefácio da Genealogia da Moral: “É verdade que, para praticar a leitura de uma 'arte', é necessário, antes de mais nada, possuir uma faculdade hoje muito esquecida (por isso há de passar muito tempo antes de meus escritos serem 'legíveis'), uma faculdade que exige qualidades bovinas e não as de um homem moderno, ou seja, a ruminação”(NIETZSCHE, A genealogia da moral. 2ª ed. São Paulo: Escala, 2007. p. 20). Daí ser imprescindível ao filósofo, ou ao homem simplesmente, que as qualidades bovinas devam nos guiar pelas veredas da vida do pensamento. Ora, atrelado às faculdades da imaginação e da memória, está a do ruminar. Que genialidade do filósofo, digo do poeta!
Observar o pasto. Se o pasto é verdejante ou não. Escolher o que se vai comer. Depois, ruminar, ruminar bastante como um boi ou uma vaca. Em seguida, digerir o alimento, o pasto, para não dar uma indigestão. Escolher bem o que se vai comer facilita a digestão e a consequente produção de conhecimento. Essa passagem da filosofia de Nietzsche, de certo modo, é uma reação à cultura do entretenimento que pouco pensa e reflete no que faz, pouco se esquece e muito se ressente.
Com que mais nos aborrecemos? Com uma dor de cabeça ou uma dor de estômago? Independentemente da resposta, “o homem que pune a si mesmo é o mesmo que acredita na dor como forma de engrandecimento e elevação”(MOSÉ, Viviane. O homem que sabe. 2ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011. p. 46). Dor de cabeça aqui é a dor da consciência por um malfeito praticado. Dor de estômago é a angústia, advinda dos conflitos internos ou até mesmo dos ressentimentos. Na linha da consciência está tudo que julga, escamoteia, racionaliza, limita, controla, conhece e que impede a força instintiva do ser, o poder ser. Na linha do estômago está tudo aquilo que do humano é instintivo, por exemplo, a natureza, a arte, a criação, a ousadia, o improviso, as paixões, enfim. Essas duas linhas são paralelas e a reação de ambas pode potencializá-las, é preciso então reconhecê-las e entender por que elas atravessam a história do pensamento e suas transformações.
A referência ao espírito como um estômago aparece no Zaratustra ressaltando a deterioração da vida produzida pela consciência: “Um estômago estragado, com efeito, é seu espírito: esse lhes aconselha a morte! Porque, na verdade, meus irmãos, o espírito é um estômago! A vida é uma nascente de prazer; mas, para aqueles em quem fala o estômago estragado, o pai das aflições, todas as fontes estão envenenadas”.
O interessante é que Nietzsche se apropria da imagem do estômago para nos mostrar o quanto é importante a função da consciência: “A consciência digere, na medida em que assimila ou rejeita, selecionando, simplificando, reduzindo, processando”(idem, p. 47). Uma linha explica a outra. A consciência se reflete no estômago e vice-versa. Por que não pensar pelo estômago? Pensar é também digerir com o aparelho da memória e do esquecimento. Segundo Nietzsche, a melhor forma de digestão é o esquecimento.
Engraçado... Mas o papel da consciência nos remete à cultura judaico-cristã que, distorcida e tendenciosamente, dimensiona as ações humanas ao aspecto padrão da mensagem de Cristo, dos seus atos e suas palavras por meio do medo e de suas superstições; uma cultura extremamente massificadora e autoritária das igrejas, segundo a qual constituem modelos de comportamento, de dominação e servidão. Reconhecer isso cria o homem ressentido.
Em contrapartida, o caráter filosófico do estômago, avesso à cultura de rebanho apontada acima, nos insere na perspectiva do novo, do reativo, do devir. Temos que reagir ao que aprendemos a negar por meio de uma cultura da morte e da inércia. É preciso reaprender, senão desaprender a viver. É preciso afirmar a natureza, a própria vida, os afetos, as paixões, as pulsões, o desconhecido, a pluralidade, a mudança e o tempo.
Por falar em tempo, o deus grego Cronos casou com sua irmã Reia e teve seis filhos: Zeus, Hades, Poseidon, Héstia, Deméter e Hera. Logo que nasciam, os filhos eram engolidos literalmente por Cronos. Só não conseguiu engolir Zeus porque sua mãe enganou Cronos ao colocar uma pedra enrolada em panos. Ao invés de comer Zeus, Cronos comeu uma pedra. Com essa história, estive pensando na indigestão que a pedra causou a Cronos, não pela pedra, claro, mas pelo que iria se suceder daí. Zeus se vingaria de Cronos e reinaria absoluto.

Prof. Jackislandy Meira de Medeiros Silva
Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Especialista em Metafísica

segunda-feira, 26 de março de 2012

As filhas da desgraça

por Luiz Felipe Pondé para Folha
"Eu sou um ex-covarde", escreveu Nelson Rodrigues, no "Globo", no dia 18/10/1968. E continua: "... o medo começa nos lares, e dos lares passa... para as universidades, e destas para as Redações... Sim, os pais têm medo dos filhos; os mestres, dos alunos".
Sobre Nelson, leia "Inteligência com Dor, Nelson Rodrigues Ensaísta", de Luís Augusto Fischer (ed. Arquipélago). Grande livro, rodriguiano até a medula: a inteligência é mesmo uma ferida aberta.

Paulo Francis dizia que um dia o mundo seria tomado pelos comissários do povo. Chegamos perto disso: os comissários dos ofendidos babam de vontade de tomar conta do pensamento público, esmagando tudo o que não concorda com sua autoestima.

Não conseguirão porque o pensamento público é como uma guerra. A arena do pensamento público cria valores na mesma medida em que enfrenta seus algozes.

Não ter medo é um tema mais filosófico do que parece. O filósofo alemão Nietzsche, crítico feroz do cristianismo e da metafísica, era na realidade um crítico do medo. A chave de sua crítica ao ressentimento é a identificação do medo como morte do Eros. E Eros é tesão pela vida.

Quando ele diz que o homem do futuro não necessitará de artigos de fé, ele não pensa apenas na religião, nível menor da sua crítica e onde muita gente fica, mas sim em artigos de fé menos evidentes como "meu eu", "meus valores", "minha dignidade", "minha concepção de vida" ou "meu direito a autoestima".

Enfim, toda essa parafernália brega em moda hoje em dia entre os puritanos seculares (aqueles que perderam Deus, mas continuam derretendo de medo dos seus demônios). Escondidos atrás de esquemas para garantir que seu "eu" não seja inundado pelo pânico da "hostilidade primitiva do mundo", da qual fala Camus.

Por isso basta falar de figuras malditas que o horror sobe à superfície. Uma das figuras que mais carrega esse halo de mal é a prostituta, essa filha da desgraça, como dizia Nelson. Basta mencioná-la e o atávico horror vem à tona.

E aí..., pânico na bancada da classe média. A classe que se define pelo medo, principalmente quando assume ares de rigor moral: treme em surtos de eterno puritanismo.

O problema com a classe média é seu espírito. Diria um marxista blasé que "espírito" é mero epifenômeno do "bolso", mas, como não sou marxista, dou o benefício da dúvida para classe média. O espírito da classe média é um ressentido, por isso teme qualquer abalo em seu mundo do bem. Para ele, enxergar o mundo de frente é fora do orçamento, como uma BMW para alguém que ganha salário mínimo.

Mas o que é a prostituta e por que ela é eterna? A prostituta não é apenas o sexo fácil, é a mulher fácil. É o "lugar" onde o homem descansa e, por isso, é parte essencial de toda civilização. Por isso é um mito.

Para mim, ver o mito da prostituta nos sonhos femininos mais misteriosos é um elogio ao Eros da mulher. Enfim, talvez nem todos os homens amem as prostitutas, só os normais. O amor à promiscuidade confessa é uma arte rara.

Às vezes, segundo as profissionais do ramo, o consumidor nem quer sexo, quer uma "namorada" que o ouça e que ele saiba exatamente quanto custa. Sem ter que pagar pelo "amor" dela (jantares, joias, discussões sobre a relação, cobranças, desempenho sexual, atenção).

Os homens temem as mulheres, e as prostitutas são aquelas de quem eles podem ter menos medo porque acham que as tem em suas mãos.

Mas é difícil para muitas mulheres entender isso. Quer ver?

Colaborei com um veículo importante da mídia numa pesquisa sobre garotas de programa de luxo. Meninas caras, mas nunca tão "caras" quanto namoradas e esposas de verdade.

O que disse acima aparece na pesquisa: a prostituta é a companheira fácil, por tempo determinado e custo previamente estabelecido.

Mas o incrível é que, mesmo essas profissionais, quando indagadas se achariam que seus futuros maridos precisariam de suas ex-colegas um dia, respondem: "Não, nós seríamos mais do que suficiente para eles".

Ignorance is bliss. A realidade é mesmo insuportável, e a verdade é uma ferida incurável.

Morre teólogo que defendeu que mundo secular é bom eticamente

por Juan G. Bedoya, do El País

Is God dead? (Time Magazine)
Na Time, uma questão
discutida desde Epicuro
Entre os filósofos que colocaram a ênfase na morte de Deus costuma citar-se, sobretudo, Nietzsche e também Hegel. Não tiveram uma ideia original. Já estava na lógica da tradição luterana, assim como na de Santo Agostinho e São Paulo. Junto com Hegel, foi este último que sublinhou, no entanto, que a morte de Deus em Jesus era um aspecto inevitável da humanidade de Deus. Respaldou sua afirmação apelando ao grito de “Deus mesmo está morto” procedente de um hino luterano, tão clássico que J. S. Bach o harmonizou e Brahms o converteu em tema de um prelúdio para órgão: O Traurigkeit, O Herzeleid (Oh tristeza! Oh pena do coração!). Nietzsche, simplesmente, inverteu a lógica da tradição paulina porque considerava que, com a peripécia de Cristo no calvário, Deus não apenas estava no banco, mas que havia sido condenado e executado.

Para os teólogos, a questão é mais dramática. A teologia é uma linguagem sobre Deus (um logos sobre theos), assim que não há nada mais raro do que ver um teólogo dizer que Deus está morto, que nunca existiu, ou que ele não o encontra. Naturalmente, se o teólogo está comprometido com o ser humano neste mundo, o problema é de fundo também para os crentes. Trata-se do debate sobre a incompatibilidade de dois atributos de Deus, de seu deus: o da bondade e o da onipotência.

A questão foi colocada primeiro por Epicuro, em uma formulação que sempre angustia os estudantes da disciplina que Leibniz batizou de teodiceia: Deus, diante do mal, ou quer eliminá-lo, mas não pode; ou não quer; ou não pode e não quer, ou pode e também quer. No primeiro caso, Deus não seria onipotente, no segundo não seria bondoso ou moralmente perfeito, no terceiro não seria nem onipotente nem bondoso ou moralmente perfeito, e no quarto Epicuro coloca a pergunta acerca de qual é a origem dos males e porque Deus não os elimina. Voltaire se perguntou a mesma coisa após o terremoto que destruiu Lisboa em 1755, e desde então não paramos de perguntá-lo aos teólogos diante de tanta tragédia.

William Hamilton (Evanston, Illinois, 1924) foi um dos teólogos com respostas contundentes, desde o polêmico movimento da teologia da morte de Deus, do qual foi um destacado representante (junto com Thomas Altizer, Paul van Buren e Gabriel Vahanian). Com o primeiro assinou um livro de sucesso: "Teologia radical e a morte de Deus", em 1966. Quatro anos antes havia publicado sozinho "A nova essência do cristianismo", obra também traduzida logo para o castelhano, primeira de uma dezena de obras filosóficas ou teológicas. Hamilton morreu no dia 13 passado em Portland (Oregon). Tinha 87 anos.

Um famoso artigo de capa na Time Magazine, publicado há mais de quatro décadas, dá uma ideia da difusão deste movimento. Hamilton conta que se fez a pergunta de Epicuro quando dois amigos seus – um episcopaliano e um católico – morreram em uma explosão de bomba, tanto assim que um terceiro – que era ateu – ficou ileso. 

Perguntou-se porque os inocentes sofrem e se Deus intervém nas vidas das pessoas. Respondeu: “Dizer que Deus morreu é dizer que deixou de existir como ser transcendental e se tornou imanente ao mundo. As explicações não teístas substituíram as teístas. É uma tendência irreversível; é preciso fazer-se a ideia da morte histórico-cultural de Deus. É preciso aceitar que Deus se foi e considerar o mundo secular como normativo intelectualmente e bom eticamente”.

Leia mais em http://www.paulopes.com.br/2012/03/morre-teologo-que-defendeu-que-mundo.html#ixzz1qGBZsibE

quinta-feira, 22 de março de 2012

A favor do sabor





Governos que se metem na vida dos outros são governos autoritários. Na história temos dois grandes exemplos: o fascismo e o comunismo.
Em nossa época existe uma outra tentação totalitária, aparentemente mais invisível e, por isso mesmo, talvez, mais perigosa: o “totalitarismo do bem”.
“Mas a saúde é um bem público!”, dirá o clero dos limpinhos. Mas, contra o que pensa o senso comum, em saúde, se você deixar de gastar dinheiro com X, você gastará com Y. Sabe-se que em medicina, fora acidentes de carro e semelhantes, se você não morrer de doenças metabólicas ou cardiovasculares, você morrerá de câncer. Evite a forma de câncer que você quiser, enfim.
A saúde sempre foi um dos substantivos preferidos das almas e dos governos autoritários. Quem estudar os governos autoritários verá que a “vida cientificamente saudável” sempre foi uma das suas maiores paixões.
E, aqui, o advérbio “cientificamente” é quase vago porque o que vem primeiro é mesmo o desejo de higienização de toda forma de vício, sujeira, enfim, de humanidade não correta.
Nosso maior pecado contemporâneo é não reconhecer que a humanidade do humano está além do modo “correto” de viver. E vamos pagar caro por isso porque um mundo só de gente “saudável” é um mundo sem Eros.
O filósofo Nietzsche já dizia que, depois da morte de Deus, o ressentimento dos covardes iria buscar aconchego na ciência — e, por que não, na saúde? O escritor inglês Aldous Huxley, autor da distopia “Admirável Mundo Novo“, via na obsessão totalitária do utilitarismo (escola ética que definia o bem como bem-estar da maioria) a tragédia da liberdade.
Em sua maravilhosa descrição de um futuro maníaco por saúde e felicidade, Huxley diagnostica a grande e insuspeita vítima do novo totalitarismo do bem: a morte da liberdade em nome da felicidade limpinha do mundo.
O governo deveria deixar as pessoas sentirem o gosto que quiserem em suas bocas.

LUIZ FELIPE PONDÉ (jornal FSP – 14.03.2012) 

quinta-feira, 15 de março de 2012

Filosofia e Ética

Um belo diálogo entre Calvin e Haroldo, sobre a questão da Ética. Criados por Bob Watterson. O nome original da dupla é Calvin e Hobbes. O menino de 6 anos, Calvin, é inspirado no reformador religioso João Calvino (John Calvin) (1509-1564), que discorreu sobre o homem estar naturalmente inclinado a promover o mal ao outro. O tigre de pelúcia, Hobbes, vem do filósofo inglês Thomas Hobbes (1588-1679), que segundo Watterson possuia uma visão obscura da natureza humana, autor da famosa máxima "O homem é o lobo do homem" ? ou seja, o homem é o predador de seu próximo.

quarta-feira, 14 de março de 2012

O silêncio das massas


O provérbio bíblico “as palavras são de prata, mas o silêncio vale ouro” tem muito a nos dizer. O silêncio, tantas vezes criticado, é a melhor maneira de não dar com a língua nos dentes. O “quem cala consente” não é verdade, principalmente quando o silêncio é uma presença de indignação. Uma indignação que exige respeito e tolerância do “tudo tem limite”. Às vezes, precisamos calar pra não sermos mal compreendidos ou pra reclamar, com ausência da voz, o limite do outro.
No entanto, lanço-me completamente em direção a quem se expressa, a quem tem atitude, a quem se manifesta. Numa democracia, mesmo disfarçada de outras coisas, não podemos abrir mão da fala, não devemos sublimar o grito das massas, o desengasgo daqueles que são reprimidos pela violência dos poderes acéfalos. Acontece também que tem muita gente se escondendo atrás do seu próprio silêncio, fingindo sensatez, mas não tem nada disso, é apenas oportunismo e covardia. Oportunismo para tirar vantagens em cima dos outros e covardia para não mostrar a cara, para não mostrar quem é, para não expor suas posições. Bobagem, uma hora ou outra tudo vem à tona.
Repare bem, a ditadura cerceou nossos direitos de defesa; declarou legítima a tortura e a indigência de inocentes; sufocou sonhos de jovens lideranças; arruinou centenas de milhares de vidas; disseminou o medo e o terror pelo mundo; destruiu inúmeras carreiras bem sucedidas. Passados mais de vinte cinco anos, ainda não aprendemos com a Democracia e continuamos a interferir onde não devemos. Queremos meter o nariz onde não nos convém. Por que temos que desgraçar o que é público em nome do privado? Por que as autoridades insistem em sufocar as liberdades individuais? Ora, se nem Deus se permite a isso, por que nos permitimos a um descalabro desses?
Quem não lembra da Alemanha nazista, da União Soviética stalinista e da Itália fascista! Guardando as devidas proporções, sem nenhum saudosismo, existem alguns focos espalhados no Brasil desse tipo cruel de regime político que vem favorecendo a classe dominadora e excluindo os dominados de uma sociedade esfacelada pela corrupção. Em nome da corrupção se mata, se esconde e se oprime muita gente no estado que se diz democrático de direito. Não é brincadeira o que se faz nas eleições brasileiras, de norte a sul, de leste a oeste do país. Se barganha quase nada pelo voto em tempos de eleição. É lamentável! Vivemos um certo esfriamento da consciência política, justamente por não vermos as transformações acontecerem com mais eficácia no campo social e político. No jurídico, as leis não são efetivamente cumpridas e isso facilita o aumento de casos de corrupção no país.
O problema da corrupção política no Brasil é crônico. Das pequenas às grandes cidades são inúmeros os casos de desvio de verba pública para fins particulares dos próprios políticos que exercem o governo. Um governo de si mesmo. Muitos governam para si mesmo. “Sua autoridade termina onde principia a autocracia da minoria dominante. Ela regula as oscilações de promessas falsas e de opressão real, incrustadas nas instituições quimericamente 'constitucionais'” (FERNANDES, Florestan. Herança maldita. Folha de S. Paulo, 10 out. 1994, p. 1).
Levantar a voz contra esse problema devia ser função legítima nossa, sem medo algum, até porque conquistamos efetivamente nossa democracia. Manifestar-se contra as arbitrariedades de um governo irresponsável é exercício nosso de cidadania e faz bem à consciência e ao patrimônio público. Infelizmente, o silêncio das massas nunca foi tão sentido quanto agora, talvez por um certo “conforto” econômico por que passa o país ou pela nova mentalidade ecológica de conservação do planeta, sinceramente não sei. E sei, sim, que o silêncio guarda algo que não quer calar. Vejam só o que dizem Chico Buarque e Gilberto Gil na música “cálice”, um tremendo trocadilho de “cale-se” para expressar a indignação popular contra a censura:
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue
Como beber dessa bebida amarga
Tragar a dor, engolir a labuta
Mesmo calada a boca, resta o peito
Silêncio na cidade não se escuta
De que me vale ser filho da santa
Melhor seria ser filho da outra
Outra realidade menos morta
Tanta mentira, tanta força bruta
Como é difícil acordar calado
Se na calada da noite eu me dano
Quero lançar um grito desumano
Que é uma maneira de ser escutado
Esse silêncio todo me atordoa
Atordoado eu permaneço atento
Na arquibancada pra a qualquer momento
Ver emergir o monstro da lagoa
De muito gorda a porca já não anda
De muito usada a faca já não corta
Como é difícil, pai, abrir a porta
Essa palavra presa na garganta
Esse pileque homérico no mundo
De que adianta ter boa vontade
Mesmo calado o peito, resta a cuca
Dos bêbados do centro da cidade
Talvez o mundo não seja pequeno
Nem seja a vida um fato consumado
Quero inventar o meu próprio pecado
Quero morrer do meu próprio veneno
Quero perder de vez tua cabeça
Minha cabeça perder teu juízo
Quero cheirar fumaça de óleo diesel
Me embriagar até que alguém me esqueça
Não se deixe calar, permita-se falar. Exerça um direito seu que já foi proibido!
Prof. Jackislandy Meira de M. Silva
Especialista em Metafísica, Licenciado em Filosofia e Bacharel em Teologia

O que será. Música de Chico Buarque


Chico Buarque, 1976.
 
O que será que me dá  
Que me bole por dentro, será que me dá  
Que brota à flor da pele, será que me dá  
E que me sobe às faces e me faz corar  
E que me salta aos olhos a me atraiçoar  
E que me aperta o peito e me faz confessar  
O que não tem mais jeito de dissimular  
E que nem é direito ninguém recusar  
E que me faz mendigo, me faz suplicar  
O que não tem medida, nem nunca terá  
O que não tem remédio, nem nunca terá  
O que não tem receita  
O que será que será  
Que dá dentro da gente e que não devia  
Que desacata a gente, que é revelia  
Que é feito uma aguardente que não sacia  
Que é feito estar doente de uma folia  
Que nem dez mandamentos vão conciliar  
Nem todos os ungüentos vão aliviar  
Nem todos os quebrantos, toda alquimia  
Que nem todos os santos, será que será  
O que não tem descanso, nem nunca terá  
O que não tem cansaço, nem nunca terá  
O que não tem limite  
O que será que me dá  
Que me queima por dentro, será que me dá  
Que me perturba o sono, será que me dá  
Que todos os tremores que vêm agitar  
Que todos os ardores me vêm atiçar  
Que todos os suores me vêm encharcar  
Que todos os meus órgãos estãos a clamar  
E uma aflição medonha me faz implorar  
O que não tem vergonha, nem nunca terá  
O que não tem governo, nem nunca terá  
O que não tem juízo 


terça-feira, 13 de março de 2012

Um país de contrastes: Economia e Educação

Enquanto compramos milhões de tablets para dar aos professores, precisamos lutar pelo cumprimento do Piso salarial nacional que agora é de 1.451,00R$ para nível médio. Muitos estados e municípios simplesmente não querem pagar o Piso alegando o impacto econômico na folha orçamentária. No entanto, mesmo com a economia brasileira em 6º lugar, ainda assim amargamos níveis baixíssimos de desenvolvimento em educação. Também, o que se investe em educação nesse país é irrisório, vergonhoso até! Gostaríamos que 10% do PIB fosse revertido para a educação.

A Erosão da “Relational Matrix”

Há muitos hoje no mundo inteiro, das mais diferentes procedências, preocupados com a crise atual que engloba um complexo de outras crises. Cada um traz luz. E toda luz é criadora. Mas, de minha parte, vindo da filosofia e da teologia, sinto necessidade de uma reflexão que vá mais fundo, às raizes, de onde lentamente ela se originou e que hoje eclode com toda a sua virulência. À diferença de outras crises anteriores, esta possui uma singularidade: nela está em jogo o futuro da vida e a continuidade de nossa civilização. Nossas práticas estão indo contra o curso evolucionário da Terra. Esta nos criou um lugar amigável para viver mas nós não estamos nos mostrando amigáveis para com ela. Movemos-lhe uma guerra sem trégua em todas as frentes, sem nenhuma chance de vencer. Ela pode continuar sem nós. Nós, no entando, precisamos dela.
Estimo que a origem próxima (não vamos retroceder até o homo faber de dois milhões de anos atrás) se encontra no paradigma da modernidade que fragmentou o real e o transformou num objeto de ciência e num campo de intervenção técnica. Até então a humanidade se entendia normalmente com parte de um cosmos vivente e cheio de propósito, sentindo-se filho e filha da Mãe Terra. Agora ela foi transformada num armazém de recursos. As coisas e os seres humanos estão desconectados entre si, cada qual seguindo um curso próprio. Essa virada produziu uma concepção mecanisista e atomizada da realidade que está erodindo a continuidade de nossas experiências e a integridade de nosso psiqué coletiva.
A secularização de todas as esferas da vida nos tirou o sentimento de pertença a um Todo maior. Estamos desenraizados e mergulhados numa profunda solidão. O oposto à uma visão espiritual do mundo não é o materialismo ou o ateismo. É o desenraizamento e o sentimento de que estamos sós no universo e perdidos, coisa que uma visão espiritual do mundo impedia. Esse complexo de questões subjaz à atual crise. Precisamos, para sair dela, reencantar o mundo e perceber a Matriz Relacional (Relational Matrix) em erosão, que nos envolve a todos. Somos urgidos a comprender o signficado do projeto humano no interior de um universo em evolução/criação. As novas ciências depois de Einstein, de Heisenberg/Bohr, de Prigogine e de Hawking nos mostraram que todas as coisas se encontram interconectadas umas com as outras de tal forma que formam um complexo Todo.
Os átomos e as partículas elementares não são mais consideradas inertes e sem vida. Os microcosmos emergem como um mundo altamente interativo, impossível e ser descrito pela linguagem humana, mas apenas por via da matemática. Forma uma unidade complexa na qual cada partícula é ligada a todas as outras e isso desde os primórdios da aventura cósmica há 13,7 bilhões de anos. Matéria e mente comparecem misteriosamente entrelaçadas, sendo difícil discernir se a mente surge da matéria ou a matéria da mente ou se elas surgem conjuntamente. A própria Terra se motra viva (Gaia) articulando todos os elementos para garantir as condições ideais para a vida. Nela mais que a competição, funciona a cooperação de todos com todos. Ela mostra um impulso para a complexidade, para a diversidade e para a irrupção da consciência em níveis cada vez mais complexos até a sua expressão atual pelas redes de conexões globais dentro de um processo de mundialização crescente.
Esta cosmovisão nos alimenta a esperança de um outro mundo possível, a partir de um cosmos em evolução que através de nós sente, pensa, cria, ama e busca permanente equilíbrio. As idéias-mestras como interdependência, comunidade de vida, reciprocidade, complementariedade, corresponsabilidade são chaves de leitura e nos alimentam uma nova visão mais harmoniosa das coisas.
Esta cosmologia é que falta hoje. Ela tem o condão de nos fornecer uma visão coerente do universo, da Terra e de nosso lugar no conjunto dos seres, como guardiães e cuidadores de todo o criado. Esta cosmovisão nos impedirá de cair num abismo sem retorno. Nas crises passadas, a Terra sempre se mostrou a nosso favor, nos salvando. E não será diferente agora. Juntos, nós e ela, sinergeticamente poderemos triunfar.

segunda-feira, 12 de março de 2012

Que educação!


"Fora da Educação não há salvação"(Alexandre Garcia)


"O povo quer vereador ou professor?". "Fora da educação não há salvação". Estas e outras expressões são marcantes na fala do jornalista da globo, Alexandre Garcia, que não abre mão de justificar com razão o novo reajuste salarial dos professores referente ao Piso deste ano de 1.451, 00R$. Ressalta também que o valor não é proporcional à importância da função de um professor, pois o professor é responsável por contruir o futuro das pessoas. "Esse aumento é ridículo! É baixíssimo", afirma o jornalista. Clique na gravação acima e assista.

Prof. Jackislandy

PARALISAÇÃO NACIONAL DA EDUCAÇÃO, DIAS 14, 15 e 16 DE MARÇO

CNTE divulga carta aberta à sociedade

Entre os dias 14 e 16 de março de 2012, as escolas públicas de nível básico, em todo Brasil, paralisarão suas atividades para protestar contra o descaso de grande parte dos gestores públicos em não garantir educação de qualidade socialmente referenciada para todos e todas.

Embora o Brasil, nos últimos anos, venha galgando importantes resultados socioeconômicos – já tendo alcançado o posto de 6ª economia do mundo -, a educação continua sendo um entrave para a inclusão de todos os brasileiros e brasileiras no processo de desenvolvimento sustentável.

Cada vez mais, os meios produtivos exigem maior e melhor qualificação profissional, e as relações socioculturais e ambientais, idem. Sendo que é papel da escola pública garantir o acesso e a permanência de todos ao conhecimento e à participação cidadã na vida política, social e econômica do país.

Leia mais em http://coisasdeflorania.com/

domingo, 11 de março de 2012

A sabedoria do Romance

O homem deseja um mundo em que o bem e o mal sejam nitidamente discerníveis, porque nele há o desejo, inato e indomável, de julgar antes de compreender. Sobre esse desejo são fundadas as religiões e as ideologias. Estas não se podem conciliar com o romance a não ser que traduzam a linguagem de relatividade e de ambiguidade dele para o seu discurso apodítico e dogmático. Exigem que alguém tenha razão: ou Anna Karenina é vítima de um déspota limitado, ou Karenine é vítima de uma mulher imoral; ou então K., inocente, é esmagado por um tribunal injusto, ou então, por trás do tribunal, está escondida a justiça divina e K. é culpado.
Neste «ou então-ou então» está contida a incapacidade de suportar a relatividade essencial das coisas humanas, a incapacidade de olhar de frente a ausência do Juiz supremo. Por causa desta incapacidade, a sabedoria do romance (a sabedoria da incerteza) é difícil de aceitar e de compreender.

Milan Kundera, in "A Arte do Romance"

A verdadeira bondade do homem

A verdadeira bondade do homem só pode manifestar-se em toda a sua pureza e em toda a sua liberdade com aqueles que não representam força nenhuma. O verdadeiro teste moral da humanidade (o teste mais radical, aquele que por se situar a um nível tão profundo nos escapa ao olhar) são as suas relações com quem se encontra à sua mercê: isto é, com os animais. E foi aí que se deu o maior fracasso do homem, o desaire fundamental que está na origem de todos os outros.

Milan Kundera, in "A Insustentável Leveza do Ser"

quinta-feira, 8 de março de 2012

A importância da MULHER para o desenvolvimento da civilização


Se na história não procurarmos só uma data ou um facto descarnado, mas tentarmos nela descobrir alguma coisa mais, um princípio harmônico e as leis que governam esses factos, ainda nas suas menores evoluções, veremos que a história da civilização da mulher, do seu desenvolvimento e da sua moralidade, anda sempre ligada aos factos do desenvolvimento da civilização e da moralidade dos povos: veremos que aonde a sua condição se amesquinha, onde desce em dignidade, onde a mulher em vez do triplo e sagrado caráter de amante, esposa e mãe passa a ser escrava sem liberdade nem vontade, só destinada a saciar as paixões brutais dum senhor devasso, aí também veremos descer o nível da civilização e moralidade: à doçura dos costumes suceder a fereza e a brutalidade; e em vez do amor, essa flor do sentimento pura e recatada, só apareceram a paixão instintiva e brutal, necessidade puramente física do animal que obedece à lei da reprodução, à devassidão e à poligamia!

Antero de Quental, in 'Prosas da Época de Coimbra'

Messi e Neymar: 8 gols em dois jogos, num só dia. Geniais!

Messi marca 5 gols contra o Bayer L. Liga dos Campeões da Europa e Neymar marca 3 com 2 gols brilhantes contra o Internacional pela Liberta. Os dois melhores times do mundo têm os dois melhores jogadores do mundo!

terça-feira, 6 de março de 2012

Tudo tem limite, até a lentidão


Aliança política


Conhece-te a ti mesmo

por Luiz Felipe Pondé para Folha

Decidi mudar. Não serei mais aquela pessoa que acha que as pessoas não mudam e que não há história, mas sim um eterno retorno do mesmo. Nietzsche nunca mais, só Rousseau e seu estado de natureza angelical.


Acredito agora nas primaveras que cortam o mundo. Fui à livraria mais próxima, ou melhor, ao iPad mais próximo, e comprei um livro que me indicaram: "Dez passos para ser um novo Pondé", autoria de um certo sábio chinês que talvez seja um neto de coreano nascido na Califórnia de pais porto-riquenhos.

O primeiro passo é aprender a respirar. Sou dono da minha respiração agora. Em seguida, alimentação. Nunca mais carne vermelha. De início, ainda frango e peixe, mas em breve pretendo me tornar um amante das rúculas e alfaces, mas sempre pedindo perdão por precisar tirá-las de sua vida doce e promissora fazendo fotossíntese. Coca-Cola, nem pensar. Além do mais, é americana! Vinho, só natural.

Um segredo: continuarei a ir aos EUA porque um tênis lá custa cinco dólares! Irei escondido e voltarei com dez malas. Mas, temos ou não direito a ter tênis baratos? Acho uma falta de respeito proibir as pessoas de comprar tênis e jogos eletrônicos baratos em Miami.

Amarei a África. Abraçarei todas as ONGs do mundo. Direi às pessoas que elas são lindas e que o mundo faz parte de uma confederação cósmica. Os maias foram o povo mais avançado da história e decidi frequentar escolas aborígenes para aprender seu complexo modo de criar sociedades mais justas.

Religião: nunca mais essa coisa pesada de judaísmo e cristianismo, religiões que nos estragam com sua moral "imposta". Candomblé também não. Claro, como é religião africana, seria aprovada pelo meu novo eu, mas em alguns terreiros baixam pombagiras, e elas foram prostitutas e adúlteras, e não quero nem chegar perto disso! Aliás, decidi que essas coisas não existem.

Minha nova religião será uma forma de budismo light, aquele tipo que cultua a energia do universo. Sei que existem outros tipos, mas aqueles são autoritários. Toco as plantas com mais cuidado e percebi que elas são mais sábias do que Freud. Claro, comprei uma estatueta de um golfinho e joguei fora aquela esfinge do Édipo horrorosa que minha irmã me deu em Londres.

Nunca mais tragédia grega, agora só revistas que nos ensinam como o mundo pode ser melhor se arrumarmos nossos sofás de forma mais harmônica com as estrelas. Contratei uma mestra em decoração oriental. Ela é uma mulher supermagra e equilibrada. Imagine que curou um câncer em seu gato com reiki.

Direi para todo mundo que não gosto de dinheiro e que gosto das pessoas pelo que elas são e não pelo que elas têm. Perguntarei aos artistas com consciência social o que posso dizer e fazer.

Vendi meu horroroso carro inglês. Estou aprendendo a andar de bike (já sabia andar de bicicleta, mas bike é outra vibe). Ainda que tenha que atravessar as ladeiras das Perdizes para ir trabalhar (pena que ainda tenha que fazer parte desse mundo terrível de pessoas que trocam sua dignidade por dinheiro), já me explicaram que cada pedalada evita duas moléculas de gás carbônico, o que faz de mim uma pessoa com pegada de carbono sustentável.

Sexo, agora, só verde. Se provarem que esperma polui o mundo, evitarei o orgasmo, assim como na Idade Média dizem que mulheres santas evitavam gozar para serem puras aos olhos de Deus. Enfim, sinto-me leve com meu novo eu. Provavelmente, serei mais amado, e isso é que conta, não? Acredito, agora, num mundo melhor.

De repente, acordei. Sentei na cama. Ao lado, minha mulher dormia, com seu corpo de pecadora.

Fui até a biblioteca e vi os livros de Nietzsche, Freud, Pascal, Dostoiévski, Cioran, Bernanos, Roth, Camus, Nelson Rodrigues me olhando com olhos de profetas.

Os dedos indicadores em riste apontavam para mim.

Ao lado de minha estatueta da esfinge de Édipo, lia-se: "Conhece-te a ti mesmo". Voltara a ser eu mesmo. Esse miserável escravo das moiras, de felicidade complicada, doçura rara, boca seca e olhos vermelhos. Reconheci-me: sou o mesmo pecador de sempre, sem esperança.

segunda-feira, 5 de março de 2012

As discordâncias


As escolas e outros espaços públicos de manifestação popular e de discussão de ideias deviam saber lidar muito mais com as discordâncias. É lamentável conversar com alguém que não aprendeu ainda a aceitar controvérsias, críticas e coisas do gênero. Tem muita gente boa indo e vindo em gabinetes de repartições públicas; assumindo cargos de gerência; dirigindo escolas; lecionando em Universidades; pregando em púlpitos de igrejas; ou legislando os municípios; e até gerindo o executivo das cidades... Gente de todo e qualquer tipo que precisa urgentemente de uma lição de filosofia, a discordância!
Se fôssemos mais flexíveis com as discordâncias, logo destruiríamos a soberba de que somos os donos da verdade e de que ninguém sabe mais do que nós. Não deveria ser tão estranho alguém discordar de nós, até porque ninguém é obrigado a concordar com tudo nem com todos. Ainda bem que o concordar é relativo à força da persuasão! Há de se convencer alguém a concordar com você, e isso não é tão simples assim. Posso até conviver com você, mas nunca estou obrigado a concordar com seus pensamentos.
Volta e meia, algumas pessoas se aproximam de nós – pelo menos eu já passei por experiência parecida – para dar uma opinião esperando apenas uma confirmação positiva acerca do assunto. Ou seja, o desejo de autoafirmação das pessoas é tão forte que o diálogo crítico e autêntico acaba se banalizando ou mesmo ficando em segundo plano. Muitas vezes, sufocamos o diálogo em virtude de uma acomodação simples e passiva às opiniões alheias, quando, na verdade, segundo Paulo Freire, o diálogo “é uma relação horizontal de A com B. Nasce de uma matriz crítica e gera criticidade (Jaspers). Nutre-se de amor, de humanidade, de esperança, de fé, de confiança. Por isso, somente o diálogo comunica. E quando os dois pólos do diálogo se ligam assim, com amor, com esperança, com fé no próximo, se fazem críticos na procura de algo e se produz uma relação de 'empatia' entre ambos”(FREIRE, Paulo. Educação e Mudança. 12ª ed. São Paulo: Paz e Terra, p. 39).
Conversar sobre futebol, novelas, religião, política, família e etc implica em temas que dividem a opinião da maior parte das pessoas. Muitas não têm argumentos plausíveis que fundamentem seus pontos de vista e acabam forçando os seus ouvintes a admitir, por bem da amizade, que estão certas. Mas é um equívoco e uma ilusão acharmos que preservamos nossas amizades ao não contra-argumentarmos a favor da verdade ou da riqueza de outros olhares. A minha visão é apenas uma em meio a outras tantas! Abrir-se ao novo é uma experiência irrenunciável!
Somente uma educação com base na ironia socrática ou na humildade pode nos levar a descobrir o valor das discordâncias. Discordar eleva a discussão ao grau de maturidade intelectual em que ambos estão suscetíveis a mudar de opinião. Discordar, com isso, tira o ranço de autoridade que há no diálogo entre duas pessoas que se dizem civilizadas. Discordar fortalece os argumentos que se pretendem afirmar. Discordar nos permite ir além do óbvio. Discordar põe à prova algumas verdades estabelecidas. Discordar quebra o gelo num grupo, numa palestra chata ou numa reunião burocrática. Discordar é também saber aceitar as discordâncias e contradições no seu discurso, até porque ninguém está totalmente certo nem totalmente errado. Aliás, quando discordamos, aprendemos que não somos suficientes, e sim necessários.
Aceitar, superar ou vencer as discordâncias é a meta de todo educador, pois é impossível continuar crescendo sem saber da sua incompletude, de que nunca se estará pronto. Educa-se educando, numa troca infinita de ideias que não se acabarão. “A educação crítica considera os homens como seres em devir, como seres inacabados, incompletos em uma realidade igualmente inacabada e juntamente com ela. Por oposição a outros animais, que são inacabados mas não históricos, os homens sabem-se incompletos. Os homens têm consciência de que são incompletos, e assim, nesse estar inacabados e na consciência que disso têm, encontram-se as raízes mesmas da educação como fenômeno puramente humano. O caráter inacabado dos homens e o caráter evolutivo da realidade exigem que a educação seja 'uma atividade contínua'. A educação é, deste modo, continuamente refeita pela práxis”(FREIRE, Paulo. Conscientização: teoria e prática da libertação: uma introdução ao pensamento de Paulo Freire. São Paulo: Cortez & Morais, 1979, p. 42).
É essa sensação de inacabamento que resulta das discordâncias. Daí, ser elas tão importantes para a transformação dos valores e do modo como é visto o mundo, do modo como se contam as histórias, do modo como se falam novas coisas. Discordar, minha gente, não é ofender ninguém, mas falar de um outro modo o que ninguém, talvez, tenha falado, permitir-se ao risco de pensar novamente o que já foi pensado.

Prof. Jackislandy Meira de Medeiros Silva
Especialista em Metafísica, Licenciado em Filosofia e Bacharel em Teologia

sábado, 3 de março de 2012

Escola, poder e democracia

“Os homens constroem paredes demais

e pontes de menos” (D.Pire)

 
             A escola pública e democrática é hoje uma conquista institucionalizada, mas que, na prática, ainda está longe de ser realidade plenamente vivenciada na escola. A escolha democrática das direções escolares ainda não permitiu condições democráticas de organizar as escolas a partir de uma base curricular, das propostas pedagógicas, das metas e da organização do quadro dos professores (distribuição da carga horária e disciplinas).   

A escola, lugar de significativas e distintas aprendizagens, é também um grande laboratório de exercício de poder. Cotidianamente, através das relações interpessoais, ela administra as suas tensões internas, fortemente influenciadas pelo poder externo (dos governos e da comunidade). E, o professor, uma peça fundamental, nem sempre é considerado em sua dimensão de pessoa humana e de sujeito, portador de desejos, direitos e dignidade.

            Além de sua estrutura administrativa, a escola é um lugar onde se constroem vínculos. Estes vínculos determinam a qualidade das relações entre professores, funcionários, equipe diretiva, alunos e pais. A maior diferença da escola pública, em relação às demais, reside no fato de sua gestão ser pública e democrática. E é nesta que, para além de professores, cresce a exigência por educadores. “Todo professor deve ser um verdadeiro educador. Um mestre da vida e do saber. É mestre porque é homem de fé, que acredita em si e nos outros, que confia e ama seus discípulos” (Maximiliano Menegolla)

             Professores não são números. Professores são sujeitos, seres humanos, com suas opções pedagógicas e ideológicas. Aliás, o exercício de seu ofício não lhes permite neutralidade, pois a educação é, por natureza, um ato político. Suas práticas pedagógicas resultam de suas trajetórias pessoais, de seus compromissos com o ser humano e de seus conhecimentos e aperfeiçoamento profissional.

            Algumas instituições de ensino público, por suas práticas contraditórias e autoritárias, minimizam o alcance e a importância das conquistas democráticas. É claro que exercitar cotidianamente a democracia, como se faz na escola, não é uma tarefa fácil. Por isso que, para muitos, ela não passa de “verborragia”. Para outros, incansável exercício, prática de inclusão e respeito a todos, mesmo enfrentando as contradições do discurso e da prática.

            Alguns colegas, agora diretores ou diretoras, “constroem paredes demais e pontes de menos”. Usam do poder que lhes foi delegado para desconsiderar seus professores e ofuscar a democracia, por todos pretendida e proclamada.“O lugar onde o professor não é visto como pessoa, mas simplesmente como um profissional qualquer, deve ser chamado de pensionato, refeitório..., mas não chamem de escola, onde se educa e se ensina”.(Menegolla)

            O exercício do poder democrático é um dever da escola e um legado que ela deve deixar para seus alunos e para a sociedade como um todo; esta é sua contribuição para a consolidação da democracia no Brasil. Qualidade na educação será uma realidade quando tratarmos gente como gente deve ser tratada e quando tomarmos a democracia como a base de nossas relações.


Nei Alberto Pies, professor e ativista de direitos humanos

Fotos no Facebook

sábado, 31 de março de 2012

De que realmente somos feitos? Um pouco de ciência

Quando Shakespeare escreveu que “somos feitos da mesma matéria que nossos sonhos”, ele estava querendo dizer que a vida é um mistério. Não sabemos – como ainda não o conseguimos saber – quando e como a vida surgiu.

Somos feitos, sim, da poeira do Universo. Em nós estão todos os elementos que o compõem e, portanto, há uma conexão entre o Cosmos e o Homem. Uma ligação entre o micro e o macro em nós. Somos capazes de inalar um gás e demais compostos químicos que surgiram quando as estrelas nasceram desde o Big Bang.
Mas qual foi mesmo o fato mais surpreendente fato do Universo? Esta pergunta foi respondida pelo astrônomo norte-americano Neil deGrasse Tyson, Diretor do Planetário Hayden no Museu Americano de História Natural em Manhattan’s Upper West Side. Você pensa que não o conhece, certo? Sim, você o conhece. Uma de suas fotografias virou um meme na internet.


Veja, então, o vídeo feito por Max Schlickenmeyer em que ele, em belas imagens da Terra e do Universo, apresenta a resposta dada pelo astrônomo.
Visite o canal do Max Schlickenmeyer no Youtube e assine-o para ver mais vídeos bacanas.

Muito além do que somos

Armando Correa de Siqueira Neto*

Qual é o nosso verdadeiro tamanho em relação ao desenvolvimento humano? Será que somos potencialmente maiores e bem pouco se enxerga a respeito? Não ver o prêmio futuro pode causar desânimo e até oposição frente ao exigido e essencial exercício do crescimento que se tem no presente? Nada é de graça! O que pode nos levar a perceber tal possibilidade de avanço para que o estímulo resultante nos impulsione em direção a um nível evolutivo sem precedentes, superando as lentas passadas com as quais temos caminhado através da estrada da vida?

Para tratar sobre o processo evolutivo, é prudente lançar mão da teoria darwinista encontrada no livro “A origem das espécies”, a qual atribui ao tempo, o acaso e a seleção natural o resultado daquilo que hoje somos. A valiosa aptidão que se adquire faculta ao ser humano (e às outras espécies) a possibilidade de manter-se vivo e ainda transmitir tais informações à sua descendência. No entanto, esbarra-se em uma delicada e complexa questão: como foi possível ter-se dado a gênese de tudo que conhecemos sem se levar em conta um criador com a necessária capacidade de planejar e concretizar?

Alguns pontos permanecem obscuros sem a devida análise, tais como as capacidades de desenvolvimento preexistentes (semelhantes aos típicos softwares da informática): desenvolvimento do apego para o convívio; aquisição da linguagem; aprendizagem do saber e formação da inteligência; constituição do jeito ético de ser; eclosão das muitas consciências; noção e sentimento espiritual, por exemplo.

As discussões são travadas, infelizmente, em planos distintos e isolados, com rara chance de conciliação. Vê-se orgulho, teimosia, fanatismo e cegueira obstruírem o acesso ao merecido conhecimento. Tal sapiência é capaz, a propósito desta reflexão, de promover maior consciência e melhor desempenho na escalada rumo à maturidade pessoal que hoje é pobremente encontrada no convívio social.

Não obstante, é possível detectar algumas movimentações em prol de novas e interessantes perspectivas. Em 1993, o Professor Phillip Johnson, da Universidade da Califórnia, reuniu alguns estudiosos de diferentes áreas para que se debatesse o tão polêmico assunto. Dentre alguns aspectos lá refletidos, destacou-se que havia uma lacuna não preenchida por Charles Darwin. O fato é que, acerca da primeira vida primitiva, segundo o que se concluiu, não seria possível à seleção natural atuar antes da existência da primeira célula viva. A seleção natural só atua sobre organismos capazes de se reproduzirem. Então, o que causou, inteligentemente, o início da vida? A tal indagação, respondeu-se com o que se denominou de “Teoria do Design Inteligente”, condição anterior à existência. Assim, é possível atribuir, de modo mais equilibrado, à maneira de cada lado na ferrenha contenda, uma nova e mais justa explicação (ainda que temporária, pois sabemos muito pouco ainda a respeito de muita coisa) para a origem das espécies e sua evolução. Vale a pena, ainda, lembrar da afirmação de Darwin na qual não lhe parecia existir qualquer incompatibilidade entre a aceitação da teoria evolucionista e a crença em Deus. Será que há um esboço, ao menos, de harmonização entre as partes concorrentes?

Cabe, pois, ponderar exaustivamente acerca de tal proposta, repensando, portanto, o que somos verdadeiramente no aqui e agora, enquanto seres carecedores de considerável consciência e desenvolvimento. Mas cumpre-se salientar o gigantesco potencial a ser extraído através do necessário e pertinente exercício. Há muito mais dentro de nós do que se pode perceber, mas cabe a cada um se autoconhecer por meio da autoavaliação e tirar as próprias conclusões com o passar do tempo.

*Armando Correa de Siqueira Neto é psicólogo (CRP 06/69637), diretor da Self Consultoria, palestrante, professor e mestre em Liderança, coautor dos livros Gigantes da Motivação, Gigantes da Liderança e Educação.

http://boletimodiad.blogspot.com.br/ 


sexta-feira, 30 de março de 2012

Uma homenagem a Millôr: O pequenique das tartarugas

O piquenique das tartarugas

Uma família de tartarugas decidiu sair para um piquenique.

As tartarugas, sendo naturalmente lentas, levaram 7 anos preparando-se para o passeio.

Passados 6 meses, após acharem o lugar ideal,

ao desembalarem a cesta de piquenique descobriram que estavam sem sal.

Então, designaram a tartaruga mais nova para voltar para casa e pegar o sal, por ser a mais rápida.

A pequena tartaruga lamentou, chorou e esperneou, mas concordou em ir com uma condição:

que ninguém comeria até que ela retornasse.

Três anos se passaram... Seis anos... E a pequenina não tinha retornado.

Ao sétimo ano de sua ausência, a tartaruga mais velha já não suportando mais a fome,

decidiu desembalar um sanduíche.

Nesta hora, a pequena tartaruga saiu de trás de uma árvore e gritou:

- Viu! Eu sabia que vocês não iam me esperar. Agora que eu não vou mesmo buscar o sal.

quarta-feira, 28 de março de 2012

Pensar pelo estômago


                                              (Imagem acima: Cronos de Goya)

O 'espírito' se assemelha mais que tudo a um estômago”(Nietzsche, Além do bem e do mal, af. 230).


Nietzsche é visceral. É visceral na política, na educação, na arte, na ciência, na religião e, sobretudo, na filosofia. Essa impressão marcante de Nietzsche me veio ligeiramente agora porque sinto que a filosofia não pode abrir mão de um pensar tão significativo quanto este presente no Prefácio da Genealogia da Moral: “É verdade que, para praticar a leitura de uma 'arte', é necessário, antes de mais nada, possuir uma faculdade hoje muito esquecida (por isso há de passar muito tempo antes de meus escritos serem 'legíveis'), uma faculdade que exige qualidades bovinas e não as de um homem moderno, ou seja, a ruminação”(NIETZSCHE, A genealogia da moral. 2ª ed. São Paulo: Escala, 2007. p. 20). Daí ser imprescindível ao filósofo, ou ao homem simplesmente, que as qualidades bovinas devam nos guiar pelas veredas da vida do pensamento. Ora, atrelado às faculdades da imaginação e da memória, está a do ruminar. Que genialidade do filósofo, digo do poeta!
Observar o pasto. Se o pasto é verdejante ou não. Escolher o que se vai comer. Depois, ruminar, ruminar bastante como um boi ou uma vaca. Em seguida, digerir o alimento, o pasto, para não dar uma indigestão. Escolher bem o que se vai comer facilita a digestão e a consequente produção de conhecimento. Essa passagem da filosofia de Nietzsche, de certo modo, é uma reação à cultura do entretenimento que pouco pensa e reflete no que faz, pouco se esquece e muito se ressente.
Com que mais nos aborrecemos? Com uma dor de cabeça ou uma dor de estômago? Independentemente da resposta, “o homem que pune a si mesmo é o mesmo que acredita na dor como forma de engrandecimento e elevação”(MOSÉ, Viviane. O homem que sabe. 2ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011. p. 46). Dor de cabeça aqui é a dor da consciência por um malfeito praticado. Dor de estômago é a angústia, advinda dos conflitos internos ou até mesmo dos ressentimentos. Na linha da consciência está tudo que julga, escamoteia, racionaliza, limita, controla, conhece e que impede a força instintiva do ser, o poder ser. Na linha do estômago está tudo aquilo que do humano é instintivo, por exemplo, a natureza, a arte, a criação, a ousadia, o improviso, as paixões, enfim. Essas duas linhas são paralelas e a reação de ambas pode potencializá-las, é preciso então reconhecê-las e entender por que elas atravessam a história do pensamento e suas transformações.
A referência ao espírito como um estômago aparece no Zaratustra ressaltando a deterioração da vida produzida pela consciência: “Um estômago estragado, com efeito, é seu espírito: esse lhes aconselha a morte! Porque, na verdade, meus irmãos, o espírito é um estômago! A vida é uma nascente de prazer; mas, para aqueles em quem fala o estômago estragado, o pai das aflições, todas as fontes estão envenenadas”.
O interessante é que Nietzsche se apropria da imagem do estômago para nos mostrar o quanto é importante a função da consciência: “A consciência digere, na medida em que assimila ou rejeita, selecionando, simplificando, reduzindo, processando”(idem, p. 47). Uma linha explica a outra. A consciência se reflete no estômago e vice-versa. Por que não pensar pelo estômago? Pensar é também digerir com o aparelho da memória e do esquecimento. Segundo Nietzsche, a melhor forma de digestão é o esquecimento.
Engraçado... Mas o papel da consciência nos remete à cultura judaico-cristã que, distorcida e tendenciosamente, dimensiona as ações humanas ao aspecto padrão da mensagem de Cristo, dos seus atos e suas palavras por meio do medo e de suas superstições; uma cultura extremamente massificadora e autoritária das igrejas, segundo a qual constituem modelos de comportamento, de dominação e servidão. Reconhecer isso cria o homem ressentido.
Em contrapartida, o caráter filosófico do estômago, avesso à cultura de rebanho apontada acima, nos insere na perspectiva do novo, do reativo, do devir. Temos que reagir ao que aprendemos a negar por meio de uma cultura da morte e da inércia. É preciso reaprender, senão desaprender a viver. É preciso afirmar a natureza, a própria vida, os afetos, as paixões, as pulsões, o desconhecido, a pluralidade, a mudança e o tempo.
Por falar em tempo, o deus grego Cronos casou com sua irmã Reia e teve seis filhos: Zeus, Hades, Poseidon, Héstia, Deméter e Hera. Logo que nasciam, os filhos eram engolidos literalmente por Cronos. Só não conseguiu engolir Zeus porque sua mãe enganou Cronos ao colocar uma pedra enrolada em panos. Ao invés de comer Zeus, Cronos comeu uma pedra. Com essa história, estive pensando na indigestão que a pedra causou a Cronos, não pela pedra, claro, mas pelo que iria se suceder daí. Zeus se vingaria de Cronos e reinaria absoluto.

Prof. Jackislandy Meira de Medeiros Silva
Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Especialista em Metafísica

segunda-feira, 26 de março de 2012

As filhas da desgraça

por Luiz Felipe Pondé para Folha
"Eu sou um ex-covarde", escreveu Nelson Rodrigues, no "Globo", no dia 18/10/1968. E continua: "... o medo começa nos lares, e dos lares passa... para as universidades, e destas para as Redações... Sim, os pais têm medo dos filhos; os mestres, dos alunos".
Sobre Nelson, leia "Inteligência com Dor, Nelson Rodrigues Ensaísta", de Luís Augusto Fischer (ed. Arquipélago). Grande livro, rodriguiano até a medula: a inteligência é mesmo uma ferida aberta.

Paulo Francis dizia que um dia o mundo seria tomado pelos comissários do povo. Chegamos perto disso: os comissários dos ofendidos babam de vontade de tomar conta do pensamento público, esmagando tudo o que não concorda com sua autoestima.

Não conseguirão porque o pensamento público é como uma guerra. A arena do pensamento público cria valores na mesma medida em que enfrenta seus algozes.

Não ter medo é um tema mais filosófico do que parece. O filósofo alemão Nietzsche, crítico feroz do cristianismo e da metafísica, era na realidade um crítico do medo. A chave de sua crítica ao ressentimento é a identificação do medo como morte do Eros. E Eros é tesão pela vida.

Quando ele diz que o homem do futuro não necessitará de artigos de fé, ele não pensa apenas na religião, nível menor da sua crítica e onde muita gente fica, mas sim em artigos de fé menos evidentes como "meu eu", "meus valores", "minha dignidade", "minha concepção de vida" ou "meu direito a autoestima".

Enfim, toda essa parafernália brega em moda hoje em dia entre os puritanos seculares (aqueles que perderam Deus, mas continuam derretendo de medo dos seus demônios). Escondidos atrás de esquemas para garantir que seu "eu" não seja inundado pelo pânico da "hostilidade primitiva do mundo", da qual fala Camus.

Por isso basta falar de figuras malditas que o horror sobe à superfície. Uma das figuras que mais carrega esse halo de mal é a prostituta, essa filha da desgraça, como dizia Nelson. Basta mencioná-la e o atávico horror vem à tona.

E aí..., pânico na bancada da classe média. A classe que se define pelo medo, principalmente quando assume ares de rigor moral: treme em surtos de eterno puritanismo.

O problema com a classe média é seu espírito. Diria um marxista blasé que "espírito" é mero epifenômeno do "bolso", mas, como não sou marxista, dou o benefício da dúvida para classe média. O espírito da classe média é um ressentido, por isso teme qualquer abalo em seu mundo do bem. Para ele, enxergar o mundo de frente é fora do orçamento, como uma BMW para alguém que ganha salário mínimo.

Mas o que é a prostituta e por que ela é eterna? A prostituta não é apenas o sexo fácil, é a mulher fácil. É o "lugar" onde o homem descansa e, por isso, é parte essencial de toda civilização. Por isso é um mito.

Para mim, ver o mito da prostituta nos sonhos femininos mais misteriosos é um elogio ao Eros da mulher. Enfim, talvez nem todos os homens amem as prostitutas, só os normais. O amor à promiscuidade confessa é uma arte rara.

Às vezes, segundo as profissionais do ramo, o consumidor nem quer sexo, quer uma "namorada" que o ouça e que ele saiba exatamente quanto custa. Sem ter que pagar pelo "amor" dela (jantares, joias, discussões sobre a relação, cobranças, desempenho sexual, atenção).

Os homens temem as mulheres, e as prostitutas são aquelas de quem eles podem ter menos medo porque acham que as tem em suas mãos.

Mas é difícil para muitas mulheres entender isso. Quer ver?

Colaborei com um veículo importante da mídia numa pesquisa sobre garotas de programa de luxo. Meninas caras, mas nunca tão "caras" quanto namoradas e esposas de verdade.

O que disse acima aparece na pesquisa: a prostituta é a companheira fácil, por tempo determinado e custo previamente estabelecido.

Mas o incrível é que, mesmo essas profissionais, quando indagadas se achariam que seus futuros maridos precisariam de suas ex-colegas um dia, respondem: "Não, nós seríamos mais do que suficiente para eles".

Ignorance is bliss. A realidade é mesmo insuportável, e a verdade é uma ferida incurável.

Morre teólogo que defendeu que mundo secular é bom eticamente

por Juan G. Bedoya, do El País

Is God dead? (Time Magazine)
Na Time, uma questão
discutida desde Epicuro
Entre os filósofos que colocaram a ênfase na morte de Deus costuma citar-se, sobretudo, Nietzsche e também Hegel. Não tiveram uma ideia original. Já estava na lógica da tradição luterana, assim como na de Santo Agostinho e São Paulo. Junto com Hegel, foi este último que sublinhou, no entanto, que a morte de Deus em Jesus era um aspecto inevitável da humanidade de Deus. Respaldou sua afirmação apelando ao grito de “Deus mesmo está morto” procedente de um hino luterano, tão clássico que J. S. Bach o harmonizou e Brahms o converteu em tema de um prelúdio para órgão: O Traurigkeit, O Herzeleid (Oh tristeza! Oh pena do coração!). Nietzsche, simplesmente, inverteu a lógica da tradição paulina porque considerava que, com a peripécia de Cristo no calvário, Deus não apenas estava no banco, mas que havia sido condenado e executado.

Para os teólogos, a questão é mais dramática. A teologia é uma linguagem sobre Deus (um logos sobre theos), assim que não há nada mais raro do que ver um teólogo dizer que Deus está morto, que nunca existiu, ou que ele não o encontra. Naturalmente, se o teólogo está comprometido com o ser humano neste mundo, o problema é de fundo também para os crentes. Trata-se do debate sobre a incompatibilidade de dois atributos de Deus, de seu deus: o da bondade e o da onipotência.

A questão foi colocada primeiro por Epicuro, em uma formulação que sempre angustia os estudantes da disciplina que Leibniz batizou de teodiceia: Deus, diante do mal, ou quer eliminá-lo, mas não pode; ou não quer; ou não pode e não quer, ou pode e também quer. No primeiro caso, Deus não seria onipotente, no segundo não seria bondoso ou moralmente perfeito, no terceiro não seria nem onipotente nem bondoso ou moralmente perfeito, e no quarto Epicuro coloca a pergunta acerca de qual é a origem dos males e porque Deus não os elimina. Voltaire se perguntou a mesma coisa após o terremoto que destruiu Lisboa em 1755, e desde então não paramos de perguntá-lo aos teólogos diante de tanta tragédia.

William Hamilton (Evanston, Illinois, 1924) foi um dos teólogos com respostas contundentes, desde o polêmico movimento da teologia da morte de Deus, do qual foi um destacado representante (junto com Thomas Altizer, Paul van Buren e Gabriel Vahanian). Com o primeiro assinou um livro de sucesso: "Teologia radical e a morte de Deus", em 1966. Quatro anos antes havia publicado sozinho "A nova essência do cristianismo", obra também traduzida logo para o castelhano, primeira de uma dezena de obras filosóficas ou teológicas. Hamilton morreu no dia 13 passado em Portland (Oregon). Tinha 87 anos.

Um famoso artigo de capa na Time Magazine, publicado há mais de quatro décadas, dá uma ideia da difusão deste movimento. Hamilton conta que se fez a pergunta de Epicuro quando dois amigos seus – um episcopaliano e um católico – morreram em uma explosão de bomba, tanto assim que um terceiro – que era ateu – ficou ileso. 

Perguntou-se porque os inocentes sofrem e se Deus intervém nas vidas das pessoas. Respondeu: “Dizer que Deus morreu é dizer que deixou de existir como ser transcendental e se tornou imanente ao mundo. As explicações não teístas substituíram as teístas. É uma tendência irreversível; é preciso fazer-se a ideia da morte histórico-cultural de Deus. É preciso aceitar que Deus se foi e considerar o mundo secular como normativo intelectualmente e bom eticamente”.

Leia mais em http://www.paulopes.com.br/2012/03/morre-teologo-que-defendeu-que-mundo.html#ixzz1qGBZsibE

quinta-feira, 22 de março de 2012

A favor do sabor





Governos que se metem na vida dos outros são governos autoritários. Na história temos dois grandes exemplos: o fascismo e o comunismo.
Em nossa época existe uma outra tentação totalitária, aparentemente mais invisível e, por isso mesmo, talvez, mais perigosa: o “totalitarismo do bem”.
“Mas a saúde é um bem público!”, dirá o clero dos limpinhos. Mas, contra o que pensa o senso comum, em saúde, se você deixar de gastar dinheiro com X, você gastará com Y. Sabe-se que em medicina, fora acidentes de carro e semelhantes, se você não morrer de doenças metabólicas ou cardiovasculares, você morrerá de câncer. Evite a forma de câncer que você quiser, enfim.
A saúde sempre foi um dos substantivos preferidos das almas e dos governos autoritários. Quem estudar os governos autoritários verá que a “vida cientificamente saudável” sempre foi uma das suas maiores paixões.
E, aqui, o advérbio “cientificamente” é quase vago porque o que vem primeiro é mesmo o desejo de higienização de toda forma de vício, sujeira, enfim, de humanidade não correta.
Nosso maior pecado contemporâneo é não reconhecer que a humanidade do humano está além do modo “correto” de viver. E vamos pagar caro por isso porque um mundo só de gente “saudável” é um mundo sem Eros.
O filósofo Nietzsche já dizia que, depois da morte de Deus, o ressentimento dos covardes iria buscar aconchego na ciência — e, por que não, na saúde? O escritor inglês Aldous Huxley, autor da distopia “Admirável Mundo Novo“, via na obsessão totalitária do utilitarismo (escola ética que definia o bem como bem-estar da maioria) a tragédia da liberdade.
Em sua maravilhosa descrição de um futuro maníaco por saúde e felicidade, Huxley diagnostica a grande e insuspeita vítima do novo totalitarismo do bem: a morte da liberdade em nome da felicidade limpinha do mundo.
O governo deveria deixar as pessoas sentirem o gosto que quiserem em suas bocas.

LUIZ FELIPE PONDÉ (jornal FSP – 14.03.2012) 

quinta-feira, 15 de março de 2012

Filosofia e Ética

Um belo diálogo entre Calvin e Haroldo, sobre a questão da Ética. Criados por Bob Watterson. O nome original da dupla é Calvin e Hobbes. O menino de 6 anos, Calvin, é inspirado no reformador religioso João Calvino (John Calvin) (1509-1564), que discorreu sobre o homem estar naturalmente inclinado a promover o mal ao outro. O tigre de pelúcia, Hobbes, vem do filósofo inglês Thomas Hobbes (1588-1679), que segundo Watterson possuia uma visão obscura da natureza humana, autor da famosa máxima "O homem é o lobo do homem" ? ou seja, o homem é o predador de seu próximo.

quarta-feira, 14 de março de 2012

O silêncio das massas


O provérbio bíblico “as palavras são de prata, mas o silêncio vale ouro” tem muito a nos dizer. O silêncio, tantas vezes criticado, é a melhor maneira de não dar com a língua nos dentes. O “quem cala consente” não é verdade, principalmente quando o silêncio é uma presença de indignação. Uma indignação que exige respeito e tolerância do “tudo tem limite”. Às vezes, precisamos calar pra não sermos mal compreendidos ou pra reclamar, com ausência da voz, o limite do outro.
No entanto, lanço-me completamente em direção a quem se expressa, a quem tem atitude, a quem se manifesta. Numa democracia, mesmo disfarçada de outras coisas, não podemos abrir mão da fala, não devemos sublimar o grito das massas, o desengasgo daqueles que são reprimidos pela violência dos poderes acéfalos. Acontece também que tem muita gente se escondendo atrás do seu próprio silêncio, fingindo sensatez, mas não tem nada disso, é apenas oportunismo e covardia. Oportunismo para tirar vantagens em cima dos outros e covardia para não mostrar a cara, para não mostrar quem é, para não expor suas posições. Bobagem, uma hora ou outra tudo vem à tona.
Repare bem, a ditadura cerceou nossos direitos de defesa; declarou legítima a tortura e a indigência de inocentes; sufocou sonhos de jovens lideranças; arruinou centenas de milhares de vidas; disseminou o medo e o terror pelo mundo; destruiu inúmeras carreiras bem sucedidas. Passados mais de vinte cinco anos, ainda não aprendemos com a Democracia e continuamos a interferir onde não devemos. Queremos meter o nariz onde não nos convém. Por que temos que desgraçar o que é público em nome do privado? Por que as autoridades insistem em sufocar as liberdades individuais? Ora, se nem Deus se permite a isso, por que nos permitimos a um descalabro desses?
Quem não lembra da Alemanha nazista, da União Soviética stalinista e da Itália fascista! Guardando as devidas proporções, sem nenhum saudosismo, existem alguns focos espalhados no Brasil desse tipo cruel de regime político que vem favorecendo a classe dominadora e excluindo os dominados de uma sociedade esfacelada pela corrupção. Em nome da corrupção se mata, se esconde e se oprime muita gente no estado que se diz democrático de direito. Não é brincadeira o que se faz nas eleições brasileiras, de norte a sul, de leste a oeste do país. Se barganha quase nada pelo voto em tempos de eleição. É lamentável! Vivemos um certo esfriamento da consciência política, justamente por não vermos as transformações acontecerem com mais eficácia no campo social e político. No jurídico, as leis não são efetivamente cumpridas e isso facilita o aumento de casos de corrupção no país.
O problema da corrupção política no Brasil é crônico. Das pequenas às grandes cidades são inúmeros os casos de desvio de verba pública para fins particulares dos próprios políticos que exercem o governo. Um governo de si mesmo. Muitos governam para si mesmo. “Sua autoridade termina onde principia a autocracia da minoria dominante. Ela regula as oscilações de promessas falsas e de opressão real, incrustadas nas instituições quimericamente 'constitucionais'” (FERNANDES, Florestan. Herança maldita. Folha de S. Paulo, 10 out. 1994, p. 1).
Levantar a voz contra esse problema devia ser função legítima nossa, sem medo algum, até porque conquistamos efetivamente nossa democracia. Manifestar-se contra as arbitrariedades de um governo irresponsável é exercício nosso de cidadania e faz bem à consciência e ao patrimônio público. Infelizmente, o silêncio das massas nunca foi tão sentido quanto agora, talvez por um certo “conforto” econômico por que passa o país ou pela nova mentalidade ecológica de conservação do planeta, sinceramente não sei. E sei, sim, que o silêncio guarda algo que não quer calar. Vejam só o que dizem Chico Buarque e Gilberto Gil na música “cálice”, um tremendo trocadilho de “cale-se” para expressar a indignação popular contra a censura:
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue
Como beber dessa bebida amarga
Tragar a dor, engolir a labuta
Mesmo calada a boca, resta o peito
Silêncio na cidade não se escuta
De que me vale ser filho da santa
Melhor seria ser filho da outra
Outra realidade menos morta
Tanta mentira, tanta força bruta
Como é difícil acordar calado
Se na calada da noite eu me dano
Quero lançar um grito desumano
Que é uma maneira de ser escutado
Esse silêncio todo me atordoa
Atordoado eu permaneço atento
Na arquibancada pra a qualquer momento
Ver emergir o monstro da lagoa
De muito gorda a porca já não anda
De muito usada a faca já não corta
Como é difícil, pai, abrir a porta
Essa palavra presa na garganta
Esse pileque homérico no mundo
De que adianta ter boa vontade
Mesmo calado o peito, resta a cuca
Dos bêbados do centro da cidade
Talvez o mundo não seja pequeno
Nem seja a vida um fato consumado
Quero inventar o meu próprio pecado
Quero morrer do meu próprio veneno
Quero perder de vez tua cabeça
Minha cabeça perder teu juízo
Quero cheirar fumaça de óleo diesel
Me embriagar até que alguém me esqueça
Não se deixe calar, permita-se falar. Exerça um direito seu que já foi proibido!
Prof. Jackislandy Meira de M. Silva
Especialista em Metafísica, Licenciado em Filosofia e Bacharel em Teologia

O que será. Música de Chico Buarque


Chico Buarque, 1976.
 
O que será que me dá  
Que me bole por dentro, será que me dá  
Que brota à flor da pele, será que me dá  
E que me sobe às faces e me faz corar  
E que me salta aos olhos a me atraiçoar  
E que me aperta o peito e me faz confessar  
O que não tem mais jeito de dissimular  
E que nem é direito ninguém recusar  
E que me faz mendigo, me faz suplicar  
O que não tem medida, nem nunca terá  
O que não tem remédio, nem nunca terá  
O que não tem receita  
O que será que será  
Que dá dentro da gente e que não devia  
Que desacata a gente, que é revelia  
Que é feito uma aguardente que não sacia  
Que é feito estar doente de uma folia  
Que nem dez mandamentos vão conciliar  
Nem todos os ungüentos vão aliviar  
Nem todos os quebrantos, toda alquimia  
Que nem todos os santos, será que será  
O que não tem descanso, nem nunca terá  
O que não tem cansaço, nem nunca terá  
O que não tem limite  
O que será que me dá  
Que me queima por dentro, será que me dá  
Que me perturba o sono, será que me dá  
Que todos os tremores que vêm agitar  
Que todos os ardores me vêm atiçar  
Que todos os suores me vêm encharcar  
Que todos os meus órgãos estãos a clamar  
E uma aflição medonha me faz implorar  
O que não tem vergonha, nem nunca terá  
O que não tem governo, nem nunca terá  
O que não tem juízo 


terça-feira, 13 de março de 2012

Um país de contrastes: Economia e Educação

Enquanto compramos milhões de tablets para dar aos professores, precisamos lutar pelo cumprimento do Piso salarial nacional que agora é de 1.451,00R$ para nível médio. Muitos estados e municípios simplesmente não querem pagar o Piso alegando o impacto econômico na folha orçamentária. No entanto, mesmo com a economia brasileira em 6º lugar, ainda assim amargamos níveis baixíssimos de desenvolvimento em educação. Também, o que se investe em educação nesse país é irrisório, vergonhoso até! Gostaríamos que 10% do PIB fosse revertido para a educação.

A Erosão da “Relational Matrix”

Há muitos hoje no mundo inteiro, das mais diferentes procedências, preocupados com a crise atual que engloba um complexo de outras crises. Cada um traz luz. E toda luz é criadora. Mas, de minha parte, vindo da filosofia e da teologia, sinto necessidade de uma reflexão que vá mais fundo, às raizes, de onde lentamente ela se originou e que hoje eclode com toda a sua virulência. À diferença de outras crises anteriores, esta possui uma singularidade: nela está em jogo o futuro da vida e a continuidade de nossa civilização. Nossas práticas estão indo contra o curso evolucionário da Terra. Esta nos criou um lugar amigável para viver mas nós não estamos nos mostrando amigáveis para com ela. Movemos-lhe uma guerra sem trégua em todas as frentes, sem nenhuma chance de vencer. Ela pode continuar sem nós. Nós, no entando, precisamos dela.
Estimo que a origem próxima (não vamos retroceder até o homo faber de dois milhões de anos atrás) se encontra no paradigma da modernidade que fragmentou o real e o transformou num objeto de ciência e num campo de intervenção técnica. Até então a humanidade se entendia normalmente com parte de um cosmos vivente e cheio de propósito, sentindo-se filho e filha da Mãe Terra. Agora ela foi transformada num armazém de recursos. As coisas e os seres humanos estão desconectados entre si, cada qual seguindo um curso próprio. Essa virada produziu uma concepção mecanisista e atomizada da realidade que está erodindo a continuidade de nossas experiências e a integridade de nosso psiqué coletiva.
A secularização de todas as esferas da vida nos tirou o sentimento de pertença a um Todo maior. Estamos desenraizados e mergulhados numa profunda solidão. O oposto à uma visão espiritual do mundo não é o materialismo ou o ateismo. É o desenraizamento e o sentimento de que estamos sós no universo e perdidos, coisa que uma visão espiritual do mundo impedia. Esse complexo de questões subjaz à atual crise. Precisamos, para sair dela, reencantar o mundo e perceber a Matriz Relacional (Relational Matrix) em erosão, que nos envolve a todos. Somos urgidos a comprender o signficado do projeto humano no interior de um universo em evolução/criação. As novas ciências depois de Einstein, de Heisenberg/Bohr, de Prigogine e de Hawking nos mostraram que todas as coisas se encontram interconectadas umas com as outras de tal forma que formam um complexo Todo.
Os átomos e as partículas elementares não são mais consideradas inertes e sem vida. Os microcosmos emergem como um mundo altamente interativo, impossível e ser descrito pela linguagem humana, mas apenas por via da matemática. Forma uma unidade complexa na qual cada partícula é ligada a todas as outras e isso desde os primórdios da aventura cósmica há 13,7 bilhões de anos. Matéria e mente comparecem misteriosamente entrelaçadas, sendo difícil discernir se a mente surge da matéria ou a matéria da mente ou se elas surgem conjuntamente. A própria Terra se motra viva (Gaia) articulando todos os elementos para garantir as condições ideais para a vida. Nela mais que a competição, funciona a cooperação de todos com todos. Ela mostra um impulso para a complexidade, para a diversidade e para a irrupção da consciência em níveis cada vez mais complexos até a sua expressão atual pelas redes de conexões globais dentro de um processo de mundialização crescente.
Esta cosmovisão nos alimenta a esperança de um outro mundo possível, a partir de um cosmos em evolução que através de nós sente, pensa, cria, ama e busca permanente equilíbrio. As idéias-mestras como interdependência, comunidade de vida, reciprocidade, complementariedade, corresponsabilidade são chaves de leitura e nos alimentam uma nova visão mais harmoniosa das coisas.
Esta cosmologia é que falta hoje. Ela tem o condão de nos fornecer uma visão coerente do universo, da Terra e de nosso lugar no conjunto dos seres, como guardiães e cuidadores de todo o criado. Esta cosmovisão nos impedirá de cair num abismo sem retorno. Nas crises passadas, a Terra sempre se mostrou a nosso favor, nos salvando. E não será diferente agora. Juntos, nós e ela, sinergeticamente poderemos triunfar.

segunda-feira, 12 de março de 2012

Que educação!


"Fora da Educação não há salvação"(Alexandre Garcia)


"O povo quer vereador ou professor?". "Fora da educação não há salvação". Estas e outras expressões são marcantes na fala do jornalista da globo, Alexandre Garcia, que não abre mão de justificar com razão o novo reajuste salarial dos professores referente ao Piso deste ano de 1.451, 00R$. Ressalta também que o valor não é proporcional à importância da função de um professor, pois o professor é responsável por contruir o futuro das pessoas. "Esse aumento é ridículo! É baixíssimo", afirma o jornalista. Clique na gravação acima e assista.

Prof. Jackislandy

PARALISAÇÃO NACIONAL DA EDUCAÇÃO, DIAS 14, 15 e 16 DE MARÇO

CNTE divulga carta aberta à sociedade

Entre os dias 14 e 16 de março de 2012, as escolas públicas de nível básico, em todo Brasil, paralisarão suas atividades para protestar contra o descaso de grande parte dos gestores públicos em não garantir educação de qualidade socialmente referenciada para todos e todas.

Embora o Brasil, nos últimos anos, venha galgando importantes resultados socioeconômicos – já tendo alcançado o posto de 6ª economia do mundo -, a educação continua sendo um entrave para a inclusão de todos os brasileiros e brasileiras no processo de desenvolvimento sustentável.

Cada vez mais, os meios produtivos exigem maior e melhor qualificação profissional, e as relações socioculturais e ambientais, idem. Sendo que é papel da escola pública garantir o acesso e a permanência de todos ao conhecimento e à participação cidadã na vida política, social e econômica do país.

Leia mais em http://coisasdeflorania.com/

domingo, 11 de março de 2012

A sabedoria do Romance

O homem deseja um mundo em que o bem e o mal sejam nitidamente discerníveis, porque nele há o desejo, inato e indomável, de julgar antes de compreender. Sobre esse desejo são fundadas as religiões e as ideologias. Estas não se podem conciliar com o romance a não ser que traduzam a linguagem de relatividade e de ambiguidade dele para o seu discurso apodítico e dogmático. Exigem que alguém tenha razão: ou Anna Karenina é vítima de um déspota limitado, ou Karenine é vítima de uma mulher imoral; ou então K., inocente, é esmagado por um tribunal injusto, ou então, por trás do tribunal, está escondida a justiça divina e K. é culpado.
Neste «ou então-ou então» está contida a incapacidade de suportar a relatividade essencial das coisas humanas, a incapacidade de olhar de frente a ausência do Juiz supremo. Por causa desta incapacidade, a sabedoria do romance (a sabedoria da incerteza) é difícil de aceitar e de compreender.

Milan Kundera, in "A Arte do Romance"

A verdadeira bondade do homem

A verdadeira bondade do homem só pode manifestar-se em toda a sua pureza e em toda a sua liberdade com aqueles que não representam força nenhuma. O verdadeiro teste moral da humanidade (o teste mais radical, aquele que por se situar a um nível tão profundo nos escapa ao olhar) são as suas relações com quem se encontra à sua mercê: isto é, com os animais. E foi aí que se deu o maior fracasso do homem, o desaire fundamental que está na origem de todos os outros.

Milan Kundera, in "A Insustentável Leveza do Ser"

quinta-feira, 8 de março de 2012

A importância da MULHER para o desenvolvimento da civilização


Se na história não procurarmos só uma data ou um facto descarnado, mas tentarmos nela descobrir alguma coisa mais, um princípio harmônico e as leis que governam esses factos, ainda nas suas menores evoluções, veremos que a história da civilização da mulher, do seu desenvolvimento e da sua moralidade, anda sempre ligada aos factos do desenvolvimento da civilização e da moralidade dos povos: veremos que aonde a sua condição se amesquinha, onde desce em dignidade, onde a mulher em vez do triplo e sagrado caráter de amante, esposa e mãe passa a ser escrava sem liberdade nem vontade, só destinada a saciar as paixões brutais dum senhor devasso, aí também veremos descer o nível da civilização e moralidade: à doçura dos costumes suceder a fereza e a brutalidade; e em vez do amor, essa flor do sentimento pura e recatada, só apareceram a paixão instintiva e brutal, necessidade puramente física do animal que obedece à lei da reprodução, à devassidão e à poligamia!

Antero de Quental, in 'Prosas da Época de Coimbra'

Messi e Neymar: 8 gols em dois jogos, num só dia. Geniais!

Messi marca 5 gols contra o Bayer L. Liga dos Campeões da Europa e Neymar marca 3 com 2 gols brilhantes contra o Internacional pela Liberta. Os dois melhores times do mundo têm os dois melhores jogadores do mundo!

terça-feira, 6 de março de 2012

Tudo tem limite, até a lentidão


Aliança política


Conhece-te a ti mesmo

por Luiz Felipe Pondé para Folha

Decidi mudar. Não serei mais aquela pessoa que acha que as pessoas não mudam e que não há história, mas sim um eterno retorno do mesmo. Nietzsche nunca mais, só Rousseau e seu estado de natureza angelical.


Acredito agora nas primaveras que cortam o mundo. Fui à livraria mais próxima, ou melhor, ao iPad mais próximo, e comprei um livro que me indicaram: "Dez passos para ser um novo Pondé", autoria de um certo sábio chinês que talvez seja um neto de coreano nascido na Califórnia de pais porto-riquenhos.

O primeiro passo é aprender a respirar. Sou dono da minha respiração agora. Em seguida, alimentação. Nunca mais carne vermelha. De início, ainda frango e peixe, mas em breve pretendo me tornar um amante das rúculas e alfaces, mas sempre pedindo perdão por precisar tirá-las de sua vida doce e promissora fazendo fotossíntese. Coca-Cola, nem pensar. Além do mais, é americana! Vinho, só natural.

Um segredo: continuarei a ir aos EUA porque um tênis lá custa cinco dólares! Irei escondido e voltarei com dez malas. Mas, temos ou não direito a ter tênis baratos? Acho uma falta de respeito proibir as pessoas de comprar tênis e jogos eletrônicos baratos em Miami.

Amarei a África. Abraçarei todas as ONGs do mundo. Direi às pessoas que elas são lindas e que o mundo faz parte de uma confederação cósmica. Os maias foram o povo mais avançado da história e decidi frequentar escolas aborígenes para aprender seu complexo modo de criar sociedades mais justas.

Religião: nunca mais essa coisa pesada de judaísmo e cristianismo, religiões que nos estragam com sua moral "imposta". Candomblé também não. Claro, como é religião africana, seria aprovada pelo meu novo eu, mas em alguns terreiros baixam pombagiras, e elas foram prostitutas e adúlteras, e não quero nem chegar perto disso! Aliás, decidi que essas coisas não existem.

Minha nova religião será uma forma de budismo light, aquele tipo que cultua a energia do universo. Sei que existem outros tipos, mas aqueles são autoritários. Toco as plantas com mais cuidado e percebi que elas são mais sábias do que Freud. Claro, comprei uma estatueta de um golfinho e joguei fora aquela esfinge do Édipo horrorosa que minha irmã me deu em Londres.

Nunca mais tragédia grega, agora só revistas que nos ensinam como o mundo pode ser melhor se arrumarmos nossos sofás de forma mais harmônica com as estrelas. Contratei uma mestra em decoração oriental. Ela é uma mulher supermagra e equilibrada. Imagine que curou um câncer em seu gato com reiki.

Direi para todo mundo que não gosto de dinheiro e que gosto das pessoas pelo que elas são e não pelo que elas têm. Perguntarei aos artistas com consciência social o que posso dizer e fazer.

Vendi meu horroroso carro inglês. Estou aprendendo a andar de bike (já sabia andar de bicicleta, mas bike é outra vibe). Ainda que tenha que atravessar as ladeiras das Perdizes para ir trabalhar (pena que ainda tenha que fazer parte desse mundo terrível de pessoas que trocam sua dignidade por dinheiro), já me explicaram que cada pedalada evita duas moléculas de gás carbônico, o que faz de mim uma pessoa com pegada de carbono sustentável.

Sexo, agora, só verde. Se provarem que esperma polui o mundo, evitarei o orgasmo, assim como na Idade Média dizem que mulheres santas evitavam gozar para serem puras aos olhos de Deus. Enfim, sinto-me leve com meu novo eu. Provavelmente, serei mais amado, e isso é que conta, não? Acredito, agora, num mundo melhor.

De repente, acordei. Sentei na cama. Ao lado, minha mulher dormia, com seu corpo de pecadora.

Fui até a biblioteca e vi os livros de Nietzsche, Freud, Pascal, Dostoiévski, Cioran, Bernanos, Roth, Camus, Nelson Rodrigues me olhando com olhos de profetas.

Os dedos indicadores em riste apontavam para mim.

Ao lado de minha estatueta da esfinge de Édipo, lia-se: "Conhece-te a ti mesmo". Voltara a ser eu mesmo. Esse miserável escravo das moiras, de felicidade complicada, doçura rara, boca seca e olhos vermelhos. Reconheci-me: sou o mesmo pecador de sempre, sem esperança.

segunda-feira, 5 de março de 2012

As discordâncias


As escolas e outros espaços públicos de manifestação popular e de discussão de ideias deviam saber lidar muito mais com as discordâncias. É lamentável conversar com alguém que não aprendeu ainda a aceitar controvérsias, críticas e coisas do gênero. Tem muita gente boa indo e vindo em gabinetes de repartições públicas; assumindo cargos de gerência; dirigindo escolas; lecionando em Universidades; pregando em púlpitos de igrejas; ou legislando os municípios; e até gerindo o executivo das cidades... Gente de todo e qualquer tipo que precisa urgentemente de uma lição de filosofia, a discordância!
Se fôssemos mais flexíveis com as discordâncias, logo destruiríamos a soberba de que somos os donos da verdade e de que ninguém sabe mais do que nós. Não deveria ser tão estranho alguém discordar de nós, até porque ninguém é obrigado a concordar com tudo nem com todos. Ainda bem que o concordar é relativo à força da persuasão! Há de se convencer alguém a concordar com você, e isso não é tão simples assim. Posso até conviver com você, mas nunca estou obrigado a concordar com seus pensamentos.
Volta e meia, algumas pessoas se aproximam de nós – pelo menos eu já passei por experiência parecida – para dar uma opinião esperando apenas uma confirmação positiva acerca do assunto. Ou seja, o desejo de autoafirmação das pessoas é tão forte que o diálogo crítico e autêntico acaba se banalizando ou mesmo ficando em segundo plano. Muitas vezes, sufocamos o diálogo em virtude de uma acomodação simples e passiva às opiniões alheias, quando, na verdade, segundo Paulo Freire, o diálogo “é uma relação horizontal de A com B. Nasce de uma matriz crítica e gera criticidade (Jaspers). Nutre-se de amor, de humanidade, de esperança, de fé, de confiança. Por isso, somente o diálogo comunica. E quando os dois pólos do diálogo se ligam assim, com amor, com esperança, com fé no próximo, se fazem críticos na procura de algo e se produz uma relação de 'empatia' entre ambos”(FREIRE, Paulo. Educação e Mudança. 12ª ed. São Paulo: Paz e Terra, p. 39).
Conversar sobre futebol, novelas, religião, política, família e etc implica em temas que dividem a opinião da maior parte das pessoas. Muitas não têm argumentos plausíveis que fundamentem seus pontos de vista e acabam forçando os seus ouvintes a admitir, por bem da amizade, que estão certas. Mas é um equívoco e uma ilusão acharmos que preservamos nossas amizades ao não contra-argumentarmos a favor da verdade ou da riqueza de outros olhares. A minha visão é apenas uma em meio a outras tantas! Abrir-se ao novo é uma experiência irrenunciável!
Somente uma educação com base na ironia socrática ou na humildade pode nos levar a descobrir o valor das discordâncias. Discordar eleva a discussão ao grau de maturidade intelectual em que ambos estão suscetíveis a mudar de opinião. Discordar, com isso, tira o ranço de autoridade que há no diálogo entre duas pessoas que se dizem civilizadas. Discordar fortalece os argumentos que se pretendem afirmar. Discordar nos permite ir além do óbvio. Discordar põe à prova algumas verdades estabelecidas. Discordar quebra o gelo num grupo, numa palestra chata ou numa reunião burocrática. Discordar é também saber aceitar as discordâncias e contradições no seu discurso, até porque ninguém está totalmente certo nem totalmente errado. Aliás, quando discordamos, aprendemos que não somos suficientes, e sim necessários.
Aceitar, superar ou vencer as discordâncias é a meta de todo educador, pois é impossível continuar crescendo sem saber da sua incompletude, de que nunca se estará pronto. Educa-se educando, numa troca infinita de ideias que não se acabarão. “A educação crítica considera os homens como seres em devir, como seres inacabados, incompletos em uma realidade igualmente inacabada e juntamente com ela. Por oposição a outros animais, que são inacabados mas não históricos, os homens sabem-se incompletos. Os homens têm consciência de que são incompletos, e assim, nesse estar inacabados e na consciência que disso têm, encontram-se as raízes mesmas da educação como fenômeno puramente humano. O caráter inacabado dos homens e o caráter evolutivo da realidade exigem que a educação seja 'uma atividade contínua'. A educação é, deste modo, continuamente refeita pela práxis”(FREIRE, Paulo. Conscientização: teoria e prática da libertação: uma introdução ao pensamento de Paulo Freire. São Paulo: Cortez & Morais, 1979, p. 42).
É essa sensação de inacabamento que resulta das discordâncias. Daí, ser elas tão importantes para a transformação dos valores e do modo como é visto o mundo, do modo como se contam as histórias, do modo como se falam novas coisas. Discordar, minha gente, não é ofender ninguém, mas falar de um outro modo o que ninguém, talvez, tenha falado, permitir-se ao risco de pensar novamente o que já foi pensado.

Prof. Jackislandy Meira de Medeiros Silva
Especialista em Metafísica, Licenciado em Filosofia e Bacharel em Teologia

sábado, 3 de março de 2012

Escola, poder e democracia

“Os homens constroem paredes demais

e pontes de menos” (D.Pire)

 
             A escola pública e democrática é hoje uma conquista institucionalizada, mas que, na prática, ainda está longe de ser realidade plenamente vivenciada na escola. A escolha democrática das direções escolares ainda não permitiu condições democráticas de organizar as escolas a partir de uma base curricular, das propostas pedagógicas, das metas e da organização do quadro dos professores (distribuição da carga horária e disciplinas).   

A escola, lugar de significativas e distintas aprendizagens, é também um grande laboratório de exercício de poder. Cotidianamente, através das relações interpessoais, ela administra as suas tensões internas, fortemente influenciadas pelo poder externo (dos governos e da comunidade). E, o professor, uma peça fundamental, nem sempre é considerado em sua dimensão de pessoa humana e de sujeito, portador de desejos, direitos e dignidade.

            Além de sua estrutura administrativa, a escola é um lugar onde se constroem vínculos. Estes vínculos determinam a qualidade das relações entre professores, funcionários, equipe diretiva, alunos e pais. A maior diferença da escola pública, em relação às demais, reside no fato de sua gestão ser pública e democrática. E é nesta que, para além de professores, cresce a exigência por educadores. “Todo professor deve ser um verdadeiro educador. Um mestre da vida e do saber. É mestre porque é homem de fé, que acredita em si e nos outros, que confia e ama seus discípulos” (Maximiliano Menegolla)

             Professores não são números. Professores são sujeitos, seres humanos, com suas opções pedagógicas e ideológicas. Aliás, o exercício de seu ofício não lhes permite neutralidade, pois a educação é, por natureza, um ato político. Suas práticas pedagógicas resultam de suas trajetórias pessoais, de seus compromissos com o ser humano e de seus conhecimentos e aperfeiçoamento profissional.

            Algumas instituições de ensino público, por suas práticas contraditórias e autoritárias, minimizam o alcance e a importância das conquistas democráticas. É claro que exercitar cotidianamente a democracia, como se faz na escola, não é uma tarefa fácil. Por isso que, para muitos, ela não passa de “verborragia”. Para outros, incansável exercício, prática de inclusão e respeito a todos, mesmo enfrentando as contradições do discurso e da prática.

            Alguns colegas, agora diretores ou diretoras, “constroem paredes demais e pontes de menos”. Usam do poder que lhes foi delegado para desconsiderar seus professores e ofuscar a democracia, por todos pretendida e proclamada.“O lugar onde o professor não é visto como pessoa, mas simplesmente como um profissional qualquer, deve ser chamado de pensionato, refeitório..., mas não chamem de escola, onde se educa e se ensina”.(Menegolla)

            O exercício do poder democrático é um dever da escola e um legado que ela deve deixar para seus alunos e para a sociedade como um todo; esta é sua contribuição para a consolidação da democracia no Brasil. Qualidade na educação será uma realidade quando tratarmos gente como gente deve ser tratada e quando tomarmos a democracia como a base de nossas relações.


Nei Alberto Pies, professor e ativista de direitos humanos

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