quarta-feira, 31 de julho de 2013

Pobres e o que mais...



Os diferentes aí estão: enfermos, paralíticos, machucados, engordados, magros demais, cegos, inteligentes em excesso, bons demais para aquele cargo, excepcionais, narigudos, barrigudos, joelhudos, de pé grande, de roupas erradas, cheio de espinhas, de mumunha, de malícia ou de baba. Aí estão, doendo e doendo, mas procurando ser, conseguindo ser, sendo muito mais”.(Artur da Távola)



Escrever e pensar a partir dos pobres não gera status social, nem dividendos econômicos. Lutar com eles e por eles gera reações raivosas e incomoda aqueles que desejam manter privilégios. Aqueles que lutam com e pelos pobres sabem que estes precisam ser defendidos não porque sejam bons ou maus, mas porque são vítimas de um sistema econômico e político de exclusão, que não gera oportunidades em igualdade de condições para todos. Para quem ainda duvida disto, eis o que foi anunciado pela ONU: “90 milhões de pessoas devem cair em condição de pobreza extrema até o fim deste ano no mundo por causa da crise econômica mundial”.

Difícil crer que as pessoas pobres e excluídas não sejam vítimas; autores é que não os são; não escolheram viver na indignidade. Vítimas necessitam de defesa, ajuda e amparo, para que se lhes resgate a condição de dignidade. Dignidade confunde-se com liberdade, na busca que cada ser humano faz para constituir-se gente. Como disse Cecília Meirelles, “liberdade é uma palavra que o sonho humano alimenta e não há ninguém que não a busque e ninguém que não a entenda”.

Muitos perderam a noção de pertença à humanidade e não cultivam mais valores solidários. São moldados pela ideologia dominante que sugere que “a cada um é concedido conforme o seu empenho, o seu esforço, o seu talento”. Logo, a conclusão de que pobres são pobres porque assim o desejam. Ou que a condição de pobreza é resultado da falta de esforços e de vontade de cada um e cada uma. Outros desejam “enquadrar” os excluídos a partir de dados e estudos estatísticos, supondo que todos respondem do mesmo modo, mesmo nas diferentes adversidades e peculiaridades de vida de cada um.

A inclusão dos pobres na sociedade não é nada natural. Inclusão pressupõe reconhecimento recíproco da nossa condição de seres humanos, com necessidades básicas para viver bem. Exige também reconhecer-nos todos capazes de fazer nossas escolhas e desenvolver nossas habilidades e potencialidades. Supõe também dividir a riqueza e a renda, que resulta do trabalho e da tecnologia produzidos por todos. Significa construir oportunidades em igualdade de condições para todos, indistintamente.

Somamo-nos à Cláudio Brito, quando escreve interinamente na coluna de Paulo Santana do Zero Hora, dia 10 de julho: “precisamos encontrar formas de organizar a cidadania e a solidariedade dos muitos que ainda se compadecem com o sofrimento alheio dos excluídos. Quem doa esmolas ainda acredita que vidas podem ser recuperadas e salvas.”

Na democracia, deveríamos dar a todos o mesmo ponto de partida, pois o de chegada pode depender de cada um. “A verdadeira democracia não tolera a existência de excluídos”, disse Herbert de Souza, o Betinho. Só a solidariedade, no seu sentido mais amplo e profundo, será capaz de salvaguardar nossa condição de humanidade. Se “nascemos livres e iguais em dignidade e direitos” como preconiza a Declaração Universal dos Direitos Humanos, temos obrigação de cooperar com os outros, em espírito de fraternidade. Assim, mais humanos nos tornaremos.

Nei Alberto Pies, professor e ativista em direitos humanos.
 

 

sábado, 27 de julho de 2013

A reinvenção da utopia

(imagem: Ponte de Heráclito, Magritte, fonte: www.espress451.wordpress.com
Não gosto da ideia de pensar que a realidade é o único lugar que existe. A realidade é muito dura conosco, algumas vezes até mentirosa, traiçoeira e cruel. Assusta-me o fato de estarmos cercados somente de realidade, isto quer dizer que a vida parece ficar sem respiração, sem fôlego para encontrar uma possibilidade para tantos dilemas e contrariedades, presa aos limites da existência. Para muitos pontos cegos que a realidade esconde, nada melhor do que encontrar pontos de claridade regados à utopia.
Quando leio alguns livros e textos onde a utopia é simplesmente restrita a situações políticas, noto aí certo empobrecimento de sua riquíssima noção. É preciso reinventar a utopia.  Não mais a caduca noção de imaginar uma sociedade ideal que, evidentemente, jamais será realizada, tampouco aceitar a corriqueira utopia capitalista que desperta em nós os instintos e desejos mais perversos. Os desejos que a utopia capitalista produz, além de serem extremamente acessíveis, são impostos pela estrutura e acabam nos obrigando a realizar.
Tenho a impressão de que a utopia pode ser imaginada quando os problemas estão nos sufocando e a situação está se tornando insuportável em qualquer instância da vida, e não somente na dimensão política, muito embora saibamos que o verdadeiro sentido da política abrange toda uma arte de viver e supõe uma incrível habilidade no modo de viver. É mais ou menos por aí que se pode reinventar a utopia para Slavoj Zizek, pois afirma que “a verdadeira utopia surge quando a situação não pode ser pensada, quando não há um caminho que nos guie a resolução de um problema, quando não há coordenadas possíveis, que nos tire da pura urgência de sobreviver, temos que inventar um novo espaço. A utopia é uma espécie de livre imaginação. A utopia é uma questão da mais profunda urgência, quando somos forçados a imaginá-la como único caminho possível, e é isso que precisamos hoje”.
Sugiro que, se a realidade estiver mesmo muito insustentável, tenha senso de humor, brinque com ela e divirta-se, depois imagine o que pode ser feito para torná-la suportável, leve ou até feliz. Fernando Savater, na obra Política para meu filho, faz uma interessante diferença entre utopia e ideais políticos, assumindo uma posição crítica em relação à utopia: “Gostaria muito que você tivesse ideais políticos, porque as utopias fecham as cabeças, mas os ideais as abrem; as utopias conduzem à inação ou ao desespero destrutivo (porque nada é tão bom como deveria ser), ao passo que os ideais estimulam o desejo de intervir e nos conservam perseverantemente ativos (...)”.
De qualquer modo, é preciso subverter a antiga ideia de utopia para reinventá-la e não simplesmente dispensá-la. A história é testemunha de que os projetos utópicos fracassaram, mas, como a história progride e estamos ao seu serviço, ainda buscamos ideais e utopias, afinal de contas há em nós sonhos, imagens, desejos possíveis e realizáveis de um mundo melhor, de uma realidade cujo fardo é leve.

Prof. Jackislandy Meira de Medeiros Silva
Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia, Especialista em Metafísica e Pós-graduando em Estudos Clássicos pela UnB/Archai/Unesco

sábado, 20 de julho de 2013

Gigante readormecido.


Boa, heim...

A química da democracia

Estamos diante de uma crise de representação política. A democracia moderna se caracteriza por ser representativa e não direta. Elegemos representantes e eles nos representam no Executivo e no Legislativo. Há muito tempo que este vínculo representativo no Brasil opera mal --vive-se a mesma coisa na Europa ocidental.

Julgo importante momentos como o que vivemos, não somente para chamar nossos representantes de volta a suas funções (eles trabalham para nós e pagamos os salários deles), como para refletir sobre os riscos deste mesmo colapso de representação e o desordenamento político-social que dele decorre a médio prazo: sem supermercados, sem escolas, sem estradas, sem chegar ao trabalho, sem lazer, sem policiamento.

A "química das massas" é volátil, incendiária e instável, e apesar de a imensa maioria ter uma intenção pacífica, a interrupção contínua e crescente da ordem político-social, por definição, rompe esta mesma ordem trazendo à tona riscos.

Mas nem todos os clássicos em política concordam com esta visão de risco do desgaste da ordem político-social. Alguns entendem que devemos buscar este desgaste e leem este mesmo desgaste como oportunidade criativa. Esta "química das massas" pode ser interpretada de diferentes formas.

Hobbes, por exemplo, que não é bem visto pela política contemporânea por ser posto "no saco" dos autoritários, entende que quando a ordem político-social se interrompe, "nossa química", que tem uma vocação latente para a desordem, a contingência e, por tabela, a violência (o que comumente se traduz dizendo que para Hobbes o homem é mau e a sociedade faz ele ser menos mau), entrará em ebulição a qualquer momento e a representatividade tem que retornar a funcionar, se não, caímos no caos social.

Este é o chamado pessimismo hobbesiano, que tende a valorizar a ordem a tudo custo e defender o monopólio legítimo da violência na mão do Estado.

Posições como a de Hobbes têm um defeito claro que é reprimir excessivamente qualquer tentativa de renovação das formas de representação. Daí ele ser mais afeito a temperamentos temerosos com relação a crises políticas agudas.

Rousseau, por outro lado, entende este desgaste como necessário para o surgimento da criatividade em política (Marx não está muito longe disso), daí ele ser típico de temperamentos mais revolucionários em política. Neste sentido, a violência decorrente da interrupção da ordem político-social é entendida como espaço para momentos de democracia direta.

Alguns defendem esta posição falando de "violência criativa" ou mesmo "a política será feita nas ruas e não nas instituições" porque elas não mais representam os representados e seus anseios. Aqui esquerda radical e direita radical se encontram na condenação da representação (os partidos).

O defeito desta opção está no fato de a democracia direta ou "das ruas" tender facilmente (todo mundo sabe disso) à violência, linchamento e julgamentos populares sumários. Neste caso, enquanto hobbesianos tendem a temer a "química das massas", rousseaunianos parecem torcer para esta química fazer novas receitas de "bolo social".

O que pensa Tocqueville sobre esta mesma química da democracia?

Tocqueville pensava que esta mesma química deve ser "cuidada" via mecanismos de pesos e contrapesos institucionais que reúnem desde assembleias muito locais, passando pelas instâncias de razão pública (tribunais, universidades, escolas, mídia), chegando ao Legislativo e Executivo estadual e federal.

Pare ele, não podemos abrir mão deste processo institucional de mitigação da "química da democracia" sob risco de esmagar o indivíduo sob a bota da tirania da maioria, de uma liberdade destrutiva e de uma igualdade com vocação para mediocridade, que elimina a própria criatividade cotidiana.

Por exemplo, no seu "Democracia na América", ele já dizia que não pode haver reeleição de representantes na democracia, se não dá em corrupção. Podemos começar a reforma por aí. Voto em Tocqueville.

PS. Não estou no Facebook, se você "falar" comigo no Face, não sou eu.

Luiz Felipe Pondé Luiz Felipe Pondé, pernambucano, filósofo, escritor e ensaísta, doutor pela USP, pós-doutorado em epistemologia pela Universidade de Tel Aviv, professor da PUC-SP e da Faap, discute temas como comportamento contemporâneo, religião, niilismo, ciência. Autor de vários títulos, entre eles, "Contra um mundo melhor" (Ed. LeYa). Escreve às segundas na versão impressa de "Ilustrada".

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Malala impressiona o mundo com discurso na ONU: "EDUCAÇÃO ANTES DE TUDO"

 Destaques do discurso de Malala na ONU Andrew Burto/GETTY IMAGES NORTH AMERICA

Malala Yousafzai discursou na Organização das Nações Unidas, nesta sexta-feira Foto: Andrew Burto / GETTY IMAGES NORTH AMERICA
Acompanhe os principais pontos do discurso da jovem ativista paquistanesa Malala Yousafzai na Organização das Nações Unidas, nesta sexta-feira:

Obrigado a cada pessoa que rezou pela minha rápida recuperação e nova vida. Não posso acreditar em quanto amor as pessoas têm demonstrado em relação a mim. Tenho recebido milhares de presentes e cartões que me desejam uma boa recuperação. Obrigado a todos, às crianças que, com palavras inocentes, me incentivaram, e aos idosos, cujas orações me fortaleceram.
Queridos irmãos e irmãs, lembrem-se de uma coisa: O "Dia de Malala" não é o meu dia. Hoje é o dia de cada mulher, cada garoto e cada garota que levanta a voz pelos seus direitos. Eu falo, não por mim mesma, mas por todos os meninos e meninas.
Queridos amigos, em 9 de outubro de 2012, os talibãs atiraram no lado esquerdo da minha testa. Atiraram nos meus amigos também. Eles acharam que aquelas balas nos silenciariam. Mas falharam e, então, do silêncio vieram milhares de vozes. Os terroristas pensaram que mudariam nossos objetivos e eliminariam nossos desejos, mas apenas uma coisa mudou na minha vida: a fraqueza, o medo e a falta de esperança morreram, enquanto a força, o poder e a coragem nasceram. Sou a mesma Malala, meus desejos são os mesmos, minhas esperanças e sonhos também.
Queridos irmãos e irmãs, não sou contra ninguém e nem estou aqui para falar sobre uma vingança pessoal contra o Talibã ou qualquer outro grupo terrorista. Estou aqui para falar pelo direito de cada criança à educação e quero educação para os filhos e filhas de todos os extremistas, especialmente para os filhos e filhas dos talibãs.
Também não odeio o talibã que atirou em mim. Mesmo que eu tivesse uma arma e ele estivesse na minha frente, não atiraria nele. Esta é a compaixão que aprendi com Maomé, Jesus Cristo e Buda, a herança de mudança que recebi de Martin Luther King, Nelson Mandela e Muhammad Ali Jinnah.
O sábio ditado "A caneta é mais poderosa que a espada" é verdadeiro. Os extremistas têm medo dos livros e das canetas. O poder da educação os assusta e eles têm medo das mulheres. O poder da voz das mulheres os apavora.
É por isso que eles atacam escolas todos os dias: porque têm medo da mudança, da igualdade que vamos trazer para a nossa sociedade.
Eles acham que Deus é um pequeno ser conservador que mandaria garotas para o inferno apenas porque vão à escola. Os terroristas estão deturpando o nome do Islã e da sociedade paquistanesa para satisfazer seus próprios interesses.
Mulheres e crianças sofrem em muitos lugares do mundo, de várias formas diferentes. Na Índia, crianças pobres e inocentes são vítimas do trabalho infantil. Muitas escolas têm sido destruídas na Nigéria, enquanto os afegãos são oprimidos pelas barreiras impostas pelo extremismo por décadas.
Pedimos aos líderes mundiais que todos os acordos de paz protejam os direitos das mulheres e crianças. Um acordo que se oponha à dignidade das mulheres e aos seus direitos é inaceitável.
Convocamos todos os governos a assegurar a educação obrigatória livre para todas as crianças do mundo
Apelamos, também, a todos os governos que lutem contra o terrorismo e a violência, protegendo as crianças da brutalidade e do perigo.
Nos deixem, portanto, travar uma luta global contra o analfabetismo, a pobreza e o terrorismo. Nos deixem pegar nossos livros e canetas porque estas são as nossas armas mais poderosas.
Uma criança, um professor, uma caneta e um livro podem mudar o mundo. A educação é a única solução. Educação antes de tudo.

Fonte: http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/mundo/noticia/2013/07/destaques-do-discurso-de-malala-na-onu-4198636.html

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quarta-feira, 31 de julho de 2013

Pobres e o que mais...



Os diferentes aí estão: enfermos, paralíticos, machucados, engordados, magros demais, cegos, inteligentes em excesso, bons demais para aquele cargo, excepcionais, narigudos, barrigudos, joelhudos, de pé grande, de roupas erradas, cheio de espinhas, de mumunha, de malícia ou de baba. Aí estão, doendo e doendo, mas procurando ser, conseguindo ser, sendo muito mais”.(Artur da Távola)



Escrever e pensar a partir dos pobres não gera status social, nem dividendos econômicos. Lutar com eles e por eles gera reações raivosas e incomoda aqueles que desejam manter privilégios. Aqueles que lutam com e pelos pobres sabem que estes precisam ser defendidos não porque sejam bons ou maus, mas porque são vítimas de um sistema econômico e político de exclusão, que não gera oportunidades em igualdade de condições para todos. Para quem ainda duvida disto, eis o que foi anunciado pela ONU: “90 milhões de pessoas devem cair em condição de pobreza extrema até o fim deste ano no mundo por causa da crise econômica mundial”.

Difícil crer que as pessoas pobres e excluídas não sejam vítimas; autores é que não os são; não escolheram viver na indignidade. Vítimas necessitam de defesa, ajuda e amparo, para que se lhes resgate a condição de dignidade. Dignidade confunde-se com liberdade, na busca que cada ser humano faz para constituir-se gente. Como disse Cecília Meirelles, “liberdade é uma palavra que o sonho humano alimenta e não há ninguém que não a busque e ninguém que não a entenda”.

Muitos perderam a noção de pertença à humanidade e não cultivam mais valores solidários. São moldados pela ideologia dominante que sugere que “a cada um é concedido conforme o seu empenho, o seu esforço, o seu talento”. Logo, a conclusão de que pobres são pobres porque assim o desejam. Ou que a condição de pobreza é resultado da falta de esforços e de vontade de cada um e cada uma. Outros desejam “enquadrar” os excluídos a partir de dados e estudos estatísticos, supondo que todos respondem do mesmo modo, mesmo nas diferentes adversidades e peculiaridades de vida de cada um.

A inclusão dos pobres na sociedade não é nada natural. Inclusão pressupõe reconhecimento recíproco da nossa condição de seres humanos, com necessidades básicas para viver bem. Exige também reconhecer-nos todos capazes de fazer nossas escolhas e desenvolver nossas habilidades e potencialidades. Supõe também dividir a riqueza e a renda, que resulta do trabalho e da tecnologia produzidos por todos. Significa construir oportunidades em igualdade de condições para todos, indistintamente.

Somamo-nos à Cláudio Brito, quando escreve interinamente na coluna de Paulo Santana do Zero Hora, dia 10 de julho: “precisamos encontrar formas de organizar a cidadania e a solidariedade dos muitos que ainda se compadecem com o sofrimento alheio dos excluídos. Quem doa esmolas ainda acredita que vidas podem ser recuperadas e salvas.”

Na democracia, deveríamos dar a todos o mesmo ponto de partida, pois o de chegada pode depender de cada um. “A verdadeira democracia não tolera a existência de excluídos”, disse Herbert de Souza, o Betinho. Só a solidariedade, no seu sentido mais amplo e profundo, será capaz de salvaguardar nossa condição de humanidade. Se “nascemos livres e iguais em dignidade e direitos” como preconiza a Declaração Universal dos Direitos Humanos, temos obrigação de cooperar com os outros, em espírito de fraternidade. Assim, mais humanos nos tornaremos.

Nei Alberto Pies, professor e ativista em direitos humanos.
 

 

sábado, 27 de julho de 2013

A reinvenção da utopia

(imagem: Ponte de Heráclito, Magritte, fonte: www.espress451.wordpress.com
Não gosto da ideia de pensar que a realidade é o único lugar que existe. A realidade é muito dura conosco, algumas vezes até mentirosa, traiçoeira e cruel. Assusta-me o fato de estarmos cercados somente de realidade, isto quer dizer que a vida parece ficar sem respiração, sem fôlego para encontrar uma possibilidade para tantos dilemas e contrariedades, presa aos limites da existência. Para muitos pontos cegos que a realidade esconde, nada melhor do que encontrar pontos de claridade regados à utopia.
Quando leio alguns livros e textos onde a utopia é simplesmente restrita a situações políticas, noto aí certo empobrecimento de sua riquíssima noção. É preciso reinventar a utopia.  Não mais a caduca noção de imaginar uma sociedade ideal que, evidentemente, jamais será realizada, tampouco aceitar a corriqueira utopia capitalista que desperta em nós os instintos e desejos mais perversos. Os desejos que a utopia capitalista produz, além de serem extremamente acessíveis, são impostos pela estrutura e acabam nos obrigando a realizar.
Tenho a impressão de que a utopia pode ser imaginada quando os problemas estão nos sufocando e a situação está se tornando insuportável em qualquer instância da vida, e não somente na dimensão política, muito embora saibamos que o verdadeiro sentido da política abrange toda uma arte de viver e supõe uma incrível habilidade no modo de viver. É mais ou menos por aí que se pode reinventar a utopia para Slavoj Zizek, pois afirma que “a verdadeira utopia surge quando a situação não pode ser pensada, quando não há um caminho que nos guie a resolução de um problema, quando não há coordenadas possíveis, que nos tire da pura urgência de sobreviver, temos que inventar um novo espaço. A utopia é uma espécie de livre imaginação. A utopia é uma questão da mais profunda urgência, quando somos forçados a imaginá-la como único caminho possível, e é isso que precisamos hoje”.
Sugiro que, se a realidade estiver mesmo muito insustentável, tenha senso de humor, brinque com ela e divirta-se, depois imagine o que pode ser feito para torná-la suportável, leve ou até feliz. Fernando Savater, na obra Política para meu filho, faz uma interessante diferença entre utopia e ideais políticos, assumindo uma posição crítica em relação à utopia: “Gostaria muito que você tivesse ideais políticos, porque as utopias fecham as cabeças, mas os ideais as abrem; as utopias conduzem à inação ou ao desespero destrutivo (porque nada é tão bom como deveria ser), ao passo que os ideais estimulam o desejo de intervir e nos conservam perseverantemente ativos (...)”.
De qualquer modo, é preciso subverter a antiga ideia de utopia para reinventá-la e não simplesmente dispensá-la. A história é testemunha de que os projetos utópicos fracassaram, mas, como a história progride e estamos ao seu serviço, ainda buscamos ideais e utopias, afinal de contas há em nós sonhos, imagens, desejos possíveis e realizáveis de um mundo melhor, de uma realidade cujo fardo é leve.

Prof. Jackislandy Meira de Medeiros Silva
Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia, Especialista em Metafísica e Pós-graduando em Estudos Clássicos pela UnB/Archai/Unesco

sábado, 20 de julho de 2013

Gigante readormecido.


Boa, heim...

A química da democracia

Estamos diante de uma crise de representação política. A democracia moderna se caracteriza por ser representativa e não direta. Elegemos representantes e eles nos representam no Executivo e no Legislativo. Há muito tempo que este vínculo representativo no Brasil opera mal --vive-se a mesma coisa na Europa ocidental.

Julgo importante momentos como o que vivemos, não somente para chamar nossos representantes de volta a suas funções (eles trabalham para nós e pagamos os salários deles), como para refletir sobre os riscos deste mesmo colapso de representação e o desordenamento político-social que dele decorre a médio prazo: sem supermercados, sem escolas, sem estradas, sem chegar ao trabalho, sem lazer, sem policiamento.

A "química das massas" é volátil, incendiária e instável, e apesar de a imensa maioria ter uma intenção pacífica, a interrupção contínua e crescente da ordem político-social, por definição, rompe esta mesma ordem trazendo à tona riscos.

Mas nem todos os clássicos em política concordam com esta visão de risco do desgaste da ordem político-social. Alguns entendem que devemos buscar este desgaste e leem este mesmo desgaste como oportunidade criativa. Esta "química das massas" pode ser interpretada de diferentes formas.

Hobbes, por exemplo, que não é bem visto pela política contemporânea por ser posto "no saco" dos autoritários, entende que quando a ordem político-social se interrompe, "nossa química", que tem uma vocação latente para a desordem, a contingência e, por tabela, a violência (o que comumente se traduz dizendo que para Hobbes o homem é mau e a sociedade faz ele ser menos mau), entrará em ebulição a qualquer momento e a representatividade tem que retornar a funcionar, se não, caímos no caos social.

Este é o chamado pessimismo hobbesiano, que tende a valorizar a ordem a tudo custo e defender o monopólio legítimo da violência na mão do Estado.

Posições como a de Hobbes têm um defeito claro que é reprimir excessivamente qualquer tentativa de renovação das formas de representação. Daí ele ser mais afeito a temperamentos temerosos com relação a crises políticas agudas.

Rousseau, por outro lado, entende este desgaste como necessário para o surgimento da criatividade em política (Marx não está muito longe disso), daí ele ser típico de temperamentos mais revolucionários em política. Neste sentido, a violência decorrente da interrupção da ordem político-social é entendida como espaço para momentos de democracia direta.

Alguns defendem esta posição falando de "violência criativa" ou mesmo "a política será feita nas ruas e não nas instituições" porque elas não mais representam os representados e seus anseios. Aqui esquerda radical e direita radical se encontram na condenação da representação (os partidos).

O defeito desta opção está no fato de a democracia direta ou "das ruas" tender facilmente (todo mundo sabe disso) à violência, linchamento e julgamentos populares sumários. Neste caso, enquanto hobbesianos tendem a temer a "química das massas", rousseaunianos parecem torcer para esta química fazer novas receitas de "bolo social".

O que pensa Tocqueville sobre esta mesma química da democracia?

Tocqueville pensava que esta mesma química deve ser "cuidada" via mecanismos de pesos e contrapesos institucionais que reúnem desde assembleias muito locais, passando pelas instâncias de razão pública (tribunais, universidades, escolas, mídia), chegando ao Legislativo e Executivo estadual e federal.

Pare ele, não podemos abrir mão deste processo institucional de mitigação da "química da democracia" sob risco de esmagar o indivíduo sob a bota da tirania da maioria, de uma liberdade destrutiva e de uma igualdade com vocação para mediocridade, que elimina a própria criatividade cotidiana.

Por exemplo, no seu "Democracia na América", ele já dizia que não pode haver reeleição de representantes na democracia, se não dá em corrupção. Podemos começar a reforma por aí. Voto em Tocqueville.

PS. Não estou no Facebook, se você "falar" comigo no Face, não sou eu.

Luiz Felipe Pondé Luiz Felipe Pondé, pernambucano, filósofo, escritor e ensaísta, doutor pela USP, pós-doutorado em epistemologia pela Universidade de Tel Aviv, professor da PUC-SP e da Faap, discute temas como comportamento contemporâneo, religião, niilismo, ciência. Autor de vários títulos, entre eles, "Contra um mundo melhor" (Ed. LeYa). Escreve às segundas na versão impressa de "Ilustrada".

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Malala impressiona o mundo com discurso na ONU: "EDUCAÇÃO ANTES DE TUDO"

 Destaques do discurso de Malala na ONU Andrew Burto/GETTY IMAGES NORTH AMERICA

Malala Yousafzai discursou na Organização das Nações Unidas, nesta sexta-feira Foto: Andrew Burto / GETTY IMAGES NORTH AMERICA
Acompanhe os principais pontos do discurso da jovem ativista paquistanesa Malala Yousafzai na Organização das Nações Unidas, nesta sexta-feira:

Obrigado a cada pessoa que rezou pela minha rápida recuperação e nova vida. Não posso acreditar em quanto amor as pessoas têm demonstrado em relação a mim. Tenho recebido milhares de presentes e cartões que me desejam uma boa recuperação. Obrigado a todos, às crianças que, com palavras inocentes, me incentivaram, e aos idosos, cujas orações me fortaleceram.
Queridos irmãos e irmãs, lembrem-se de uma coisa: O "Dia de Malala" não é o meu dia. Hoje é o dia de cada mulher, cada garoto e cada garota que levanta a voz pelos seus direitos. Eu falo, não por mim mesma, mas por todos os meninos e meninas.
Queridos amigos, em 9 de outubro de 2012, os talibãs atiraram no lado esquerdo da minha testa. Atiraram nos meus amigos também. Eles acharam que aquelas balas nos silenciariam. Mas falharam e, então, do silêncio vieram milhares de vozes. Os terroristas pensaram que mudariam nossos objetivos e eliminariam nossos desejos, mas apenas uma coisa mudou na minha vida: a fraqueza, o medo e a falta de esperança morreram, enquanto a força, o poder e a coragem nasceram. Sou a mesma Malala, meus desejos são os mesmos, minhas esperanças e sonhos também.
Queridos irmãos e irmãs, não sou contra ninguém e nem estou aqui para falar sobre uma vingança pessoal contra o Talibã ou qualquer outro grupo terrorista. Estou aqui para falar pelo direito de cada criança à educação e quero educação para os filhos e filhas de todos os extremistas, especialmente para os filhos e filhas dos talibãs.
Também não odeio o talibã que atirou em mim. Mesmo que eu tivesse uma arma e ele estivesse na minha frente, não atiraria nele. Esta é a compaixão que aprendi com Maomé, Jesus Cristo e Buda, a herança de mudança que recebi de Martin Luther King, Nelson Mandela e Muhammad Ali Jinnah.
O sábio ditado "A caneta é mais poderosa que a espada" é verdadeiro. Os extremistas têm medo dos livros e das canetas. O poder da educação os assusta e eles têm medo das mulheres. O poder da voz das mulheres os apavora.
É por isso que eles atacam escolas todos os dias: porque têm medo da mudança, da igualdade que vamos trazer para a nossa sociedade.
Eles acham que Deus é um pequeno ser conservador que mandaria garotas para o inferno apenas porque vão à escola. Os terroristas estão deturpando o nome do Islã e da sociedade paquistanesa para satisfazer seus próprios interesses.
Mulheres e crianças sofrem em muitos lugares do mundo, de várias formas diferentes. Na Índia, crianças pobres e inocentes são vítimas do trabalho infantil. Muitas escolas têm sido destruídas na Nigéria, enquanto os afegãos são oprimidos pelas barreiras impostas pelo extremismo por décadas.
Pedimos aos líderes mundiais que todos os acordos de paz protejam os direitos das mulheres e crianças. Um acordo que se oponha à dignidade das mulheres e aos seus direitos é inaceitável.
Convocamos todos os governos a assegurar a educação obrigatória livre para todas as crianças do mundo
Apelamos, também, a todos os governos que lutem contra o terrorismo e a violência, protegendo as crianças da brutalidade e do perigo.
Nos deixem, portanto, travar uma luta global contra o analfabetismo, a pobreza e o terrorismo. Nos deixem pegar nossos livros e canetas porque estas são as nossas armas mais poderosas.
Uma criança, um professor, uma caneta e um livro podem mudar o mundo. A educação é a única solução. Educação antes de tudo.

Fonte: http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/mundo/noticia/2013/07/destaques-do-discurso-de-malala-na-onu-4198636.html

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