segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Segundo Reinaldo Azevedo, governo ignorou o aumento do analfabetismo

Há três anos, apontei aqui a tendência que resultaria no aumento do analfabetismo: governo ignorou o assunto, e a petezada partiu pra porrada, como sempre… Eis aí!


O Brasil teve um grande ministro da Educação. Seu nome: Paulo Renato Souza. Foi, mais de uma vez, alvo da máquina de destroçar reputações criada pelo PT, por intermédio, no caso, de seu braço sindical. Em junho de 2011, por ocasião de sua morte, escrevi aqui um post sobre os números da educação brasileira, desfazendo alguns mitos. O décimo item da minha lista era este, que reproduzo na íntegra (em azul):
“10 – Cresceu o número de analfabetos no país sob o governo Lula – e eu não estou fazendo graça ou uma variante do trocadilho. Os números estão estampados no PNAD (Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios), do IBGE. No governo FHC, a redução do número de analfabetos avançou num ritmo de 0,5% ao ano; na primeira metade do governo Lula, já caiu a 0,35% – E FOI DE APENAS 0,1% ENTRE 2007 E 2008. Sabem o que isso significa? Crescimento do número absoluto de analfabetos no país. Fernando Haddad sabe que isso é verdade, não sabe? O combate ao analfabetismo é uma responsabilidade federal. Em 2003, o próprio governo lançou o programa ‘Brasil Alfabetizado’ como estandarte de sua política educacional. Uma dinheirama foi transferida para as ONGs sem resultado – isso a imprensa noticiou. O MEC foi deixando a coisa de lado e acabou passando a tarefa aos municípios, com os resultados pífios que se veem.”
Retomo
É isso aí. Com base nos dados no PNAD, apontei, então, que caía o ritmo da redução de analfabetos, o que estava a indicar o constante aumento do número absoluto de analfabetos. Mantida a tendência, é claro que acabaria acontecendo o que agora se verifica: haveria um aumento da taxa — pela primeira vez em 15 anos. É matemática, não tem jeito. Os “companheiros” podem até achar que essa ciência só existe para sabotar seus propósitos, mas a gente sabe que não é assim.
O dado, que reproduzi no texto de novembro de 2011, já estava num artigo que escrevi em agosto de 2010. Três anos depois, o fatal acontece.
Notem: quando, então, naquele agosto de 2010, apontei que havia a tal redução da queda do analfabetismo, eu não o fazia porque, afinal de contas, não comungo — e não comungo mesmo, com todo o direito que tenho! — dos valores petistas (ou da falta deles). Eu o fiz porque era um dado da realidade, haurido dos números oficiais.
Alguns abestalhados acharam que se tratava apenas de má vontade, uma forma de negar os formidáveis avanços obtidos pelos companheiros na educação. Já então Fernando Haddad estava sendo treinado para vir a ser um “líder” no petismo. Deu no que deu. Imaginem o escândalo que não se faria nas redes sociais e na máquina de propaganda das esquerdas e assemelhados se uma reversão dessa natureza tivesse se dado num governo tucano.

Analfabetismo universitário
No ano passado, a ONG Ação Educativa e o Instituto Paulo Montenegro divulgaram dados sobre o Alfabetismo Funcional (Inaf) segundo a escolaridade. O quadro é este.
Em 2001/2002, 2% dos alunos universitários tinham apenas rudimentos de escrita e leitura. Em 2010, essa porcentagem havia saltado para 4%. Vale dizer: 254.800 estudantes de terceiro grau no país são quase analfabetos. Espantoso? Em 2001/2002, 24% não eram plenamente alfabetizados. Um número já escandaloso. Em 2010, pularam para 38%. Isso quer dizer que 2.420.600 estudantes do terceiro grau não conseguem ler direito um texto e se expressar com clareza. É o que se espera de um aluno ao concluir o… ensino fundamental!

Concluo
Sim, meus caros, o diabo é invariavelmente mais feio do que se pinta — ou não seria o diabo, mas outra coisa de menor malignidade. Aquela taxa lá do alto, que aumentou, é do analfabetismo mesmo, a parte do Brasil que forma a sociedade ágrafa. Caso se leve em consideração o analfabetismo funcional, aí é que a gente se defronta com uma parte do Brasil real que o discurso ufano-triunfalista esconde.
Nas democracias convencionais, exemplos escandalosos de ineficiência, como o que se vê acima, costumam ser levados para as campanhas eleitorais. É o certo. “Você prometeu fazer e não fez etc.” É um direito da sociedade confrontar intenções com gestos. No Brasil jabuticaba, como tenho tratado aqui há tempos, não só inexiste um grande partido conservador que seja alternativa de poder (única democracia da Terra com essa característica) como inexistem forças políticas capazes de fazer essa cobrança. Ao contrário: todas as campanhas eleitorais, da oposição ou da situação, exploram o Brasil grande, o Brasil que vai pra frente, o ninguém segura este país.
Algumas drogas perigosas atentam contra o nosso futuro: o ufanismo sem lastro é uma delas.
Quando apontei a redução do ritmo da queda de analfabetismo, algo deveria ter sido feito. Já estaria dando resultado. E deveria não porque fui eu a apontar, claro!, mas porque eram números extraídos de dados oficiais. Mas quê… Fernando Haddad saltou do Ministério da Educação (“o melhor ministro da história destepaiz”, segundo Lula) para a Prefeitura de São Paulo. Ele tinha uma grande tarefa a cumprir: prometer o Arco do Futuro e, no presente, devolver o Centro de São Paulo aos traficantes e consumidores de crack. “O que uma coisa tem a ver com outra?” Só estou evidenciando como o processo político brasileiro, por um conjunto de razões que não cabem neste artigo, premia a ineficiência.
  
Por Reinaldo Azevedo

Fonte: http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/

Depois de 15 anos, taxa de analfabetismo volta a crescer no Brasil

Por Cecília Ritto, na VEJA.com. Volto no próximo post.
 
Pela primeira vez em quinze anos, o índice de analfabetismo cresceu no Brasil. É o que mostra a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), realizada em 2012 e divulgada nesta sexta-feira pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O índice de pessoas de 15 anos de idade ou mais que não sabem ler nem escrever subiu de 8,6% em 2011 para 8,7% no ano passado. Isso significa que no período de um ano, o país “ganhou” 300.000 analfabetos, totalizando 13,2 milhões de brasileiros. A tendência de queda, que se mantinha desde 1997, estacionou, despertando a atenção dos pesquisadores do IBGE, que agora se debruçam em busca de explicações. “Ainda estamos verificando o que levou a essa variação, já que o porcentual vinha caindo há tanto tempo”, diz Maria Lucia Vieira, coordenadora da pesquisa e gerente do IBGE.
Com a lupa sobre cada região brasileira, o que se observa é que o Nordeste foi o principal responsável por elevar a taxa nacional – é onde moram 53,8% de todos os analfabetos do país, ou 7,1 milhões. No mesmo período de um ano, o índice local passou de 16,9% para 17,4%. No Centro-Oeste, também houve crescimento, de 6,3% para 6,7% entre 2011 e 2012. Já no Sudeste, os números estão estagnados, enquanto o Norte e o Sul conseguiram manter a redução. “O analfabetismo tem endereço no Brasil: está concentrado na população mais velha e nordestina”, frisa Maria Lucia.
O alagoano José Carlos Vieira dos Santos, de 54 anos, se encaixa no perfil observado pelo IBGE. Morador da cidade de Murici, começou a trabalhar aos 14 anos no corte de cana. Não teve tempo de frequentar a escola e chegou à idade adulta sem qualquer intimidade com as letras. “Ele escreve o nome todo, devagar, e se aborrece porque tem dificuldade”, conta a mulher, Maria Cícera Guedes, da mesma idade, que cursou até a 5ª série do Ensino Fundamental (hoje 6º ano). Dos quatro filhos do casal, a mais velha largou a escola ainda na 1ª série. Atualmente com 30 anos, também não sabe ler nem escrever.
Maria lamenta. Diz que tem o sonho de ver os filhos concluindo os estudos. Mas apenas o de 18 anos lhe dá esperanças. No 2º ano do Ensino Médio, é o único com disposição de conquistar o diploma. Os outros dois irmãos, de 16 e 21 anos, ainda frequentam as salas de aula do primário. “Vejo muita coisa errada por aqui – drogas, por exemplo. Coloquei meus filhos no colégio para que aprendessem alguma coisa e ficassem longe da rua”, diz a matriarca da família que exemplifica bem outra constatação do estudo: a dificuldade dos adultos em ultrapassar a barreira do analfabetismo.

Idade
Foi na faixa dos 40 aos 59 anos o crescimento mais representativo de analfabetos no país, de 9,6% para 9,8%. Uma das possibilidades é de que este grupo esteja mais crítico em relação ao conceito de analfabetismo. Por alfabetizado, o IBGE entende ser uma pessoa com condições de ler e escrever um bilhete simples. Mas a maioria dos analfabetos do país ainda tem 60 anos ou mais – eles são 3,2 milhões. Priscila Cruz, diretora executiva da ONG Todos pela Educação, enfatiza que a idade adulta é a mais resistente à escolarização. “Essas pessoas procuram o ensino só quando querem, e se tiverem tempo e disposição.”
Cícero Custódio, morador de Lagoa do Ouro, interior de Pernambuco, engrossa as estatísticas. Assim como Santos, foi levado pelo pai ainda criança, aos 7 anos, para o trabalho na roça. Pisou na escola pela primeira vez somente aos 30 anos, ficou 15 dias, aprendeu a escrever o nome e viu a instituição fechar as portas. Até hoje, aos 63, não teve outra oportunidade. “Entendo as letrinhas muito pouco. Não sei fazer as palavras, nem juntar as letras para ler. Fico enrascado nisso aí”, explica. Fez questão de matricular os seis filhos na escola, mas não viu nenhum chegar ao Ensino Médio. “A maior ajuda que os pais podem dar é apoiando os estudos.”

Escolarização
Entre os mais jovens, o índice de analfabetismo é drasticamente menor – apenas 1,2% dos 15 aos 19 anos, por exemplo -, o que pode indicar uma redução no futuro das taxas entre os mais velhos. O gargalo, neste caso, fica por conta do Ensino Fundamental, incompleto para 33,5% da população com 25 anos ou mais (que exclui os grupos em processo de escolarização). É o caso de Ionácio Santana, carioca de 37 anos, pai de doze filhos, morador da favela do Vidigal e conhecido na praia de Ipanema pela barraca em frente à Rua Farme de Amoedo, onde aluga cadeiras e vende bebidas.
Gostava de estudar, garante. Chegou à 6ª série do Ensino Fundamental (hoje 7º ano), até que desistiu para viver o sonho de ser jogador de futebol. Entrou para o profissional da Ponte Preta e os juniores do Botafogo. Mas a carreira não foi adiante, e ele admite arrependimento da escolha que fez no passado. “Toda vez que empurro um carrinho de mão para carregar material de obra, lembro da minha irmã avisando que era melhor eu estudar. A escola era muito boa. A professora acordava cedo para ajudar trinta alunos a serem alguém na vida.”
Para não repetir o erro com os filhos, Nélio, como é conhecido, mantém sete deles na escola. Até o caçula, de 10 meses, está prestes a entrar na creche. “Se com estudo está difícil, imagina sem. Com os meus filhos, eu sou duro”, afirma ele, revelando que também tem planos de retomar os estudos, no próximo ano. Entre os motivos, está o carro que comprou há pouco tempo mas não pode dirigir, porque precisa passar pela prova teórica exigida para tirar a carteira de motorista.
A Pnad 2012 traz também dados positivos, como a redução no índice de analfabetos funcionais (capazes de ler e escrever mas com dificuldades de interpretação do texto). Entre a população com 15 anos de idade ou mais, 18,3% tem menos de quatro anos de estudo completo, o equivalente a 27,8 milhões de brasileiros. O número é significativo, mas representa uma queda de 2,1 pontos porcentuais em relação a 2011, quando eles eram 20,4% do total. As regiões Norte e Nordeste ainda apresentam as maiores taxas de analfabetismo funcional, de 21,9% e 28,4% respectivamente.

Futuro
A situação geral, porém, é preocupante. O país está se distanciando da meta firmada com a Organização das Nações Unidas (ONU): diminuir o índice de analfabetos para 6,7% até 2015. Faltam dois anos, portanto, para fazer ler e escrever cerca de 3 milhões de pessoas. Mas o governo não tem se esforçado para atingir o objetivo. A diretora executiva da ONG Todos pela Educação, Priscila Cruz, alerta para o fato de que, neste sábado, o país completa mil dias sem um Plano Nacional de Educação, responsável por nortear políticas públicas pelos próximos dez anos. “O não avanço é sempre um retrocesso em educação”, critica.

Por Reinaldo Azevedo

http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/ 

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Hélas

Luis Fernando Verissimo - O Estado de S. Paulo
 
Deus criou o Céu e a Terra e o Dia e a Noite, e deu nome às plantas, aos bichos e às coisas. Mas também era preciso dar nome aos sentimentos e às emoções, a perplexidades e a situações inusitadas e, sentindo-se despreparado para a tarefa, Deus criou os franceses.
Os franceses têm a expressão certa para tudo, inclusive para o inexprimível, que eles chamam de "je ne sait quoi". O francês é a única língua do mundo com uma definição para a incapacidade de definir. Eles não apenas têm um nome para "fazer beicinho", "bouder" como inventaram uma peça da casa que teoricamente existe só para a mulher se recolher enquanto o faz, o "boudoir". Outra expressão francesa que não ocorreria a mais ninguém é "esprit d’escalier", ou o espírito que só se faz presente quando a gente já está descendo a escada, depois de falhar na hora de ser brilhante. Se não fossem os franceses, não saberíamos como chamar a sensação de que a boa frase ou a resposta arrasadora geralmente só nos vêm quando não adianta mais. Na escada ou, mais recentemente, no elevador.
Outra boa frase francesa era "epater les bourgeois". Caiu em desuso, em primeiro lugar, porque todas as frases prontas francesas foram ficando antigas num mundo cada vez mais americano, mas também porque foi ficando cada vez mais difícil espantar a burguesia. Depois da revolução sexual e do escancaramento da privacidade, nada mais espanta ninguém e o que antes chocava hoje vira moda.
O que ainda funciona - tanto que, no Brasil, se transformou num gênero jornalístico - é "epater la gauche", contrariar o pensamento convencionalmente progressista, ou apenas correto, com reacionarismo explícito. Os "epateurs" da esquerda podem ser divertidos, mas como em todo "succès d’escandale" (que remédio, sou um antigo) nunca se sabe se o sucesso se deve ao talento para escandalizar ou se o escândalo dispensa o talento, e basta ser contra para aparecer. De qualquer maneira, "hélas", aos poucos as frases feitas francesas vão perdendo a atualidade e - ça va sans dire - a utilidade
Papo vovô. Lucinda, nossa neta de 5 anos, gosta de brincar de modelo. E como toda modelo precisa de um nome artístico, ela nos informou que seu "nom de passarelle" é Uvinha Tessler. Não entendemos bem. Não seria Evinha Tessler? Não, era Uvinha mesmo. E ela desfila fazendo caras de Uvinha Tessler.

Fonte: http://www.estadao.com.br/noticias/arteelazer,helas,1076499,0.htm

O poder da espionagem


A ESCOLA: Lugar privilegiado da reflexão e ação

(= local de protagonistas)

Equipe Filosófico pedagógica do Centro de Filosofia e Editora Sophos

A escola é um ambiente rico e amplo de diversas manifestações de inteligências e protagonismo entre crianças e adolescentes. A mudança de olhar dos educadores é fundamental em relação aos seus alunos. Cada aluno possui algumas ou várias potencialidades em determinadas áreas. O maior compromisso da educação é valorizar e assim oferecer aos alunos a oportunidade de arriscar em novos projetos, construindo uma sólida base de cidadania.

Desafios pedagógicos

Crianças, adolescentes e jovens não querem estar à margem, como aconteceu em vários momentos do processo histórico brasileiro. Querem, sim, que lhes sejam oferecidos espaços de discussão que impulsionem sua ação sociopolítica.
O grande desafio para a escola do nosso tempo é dar voz e vez a estes cidadãos. A missão do educador é a de ser um provocador constante do protagonismo. Mas são eles, crianças e adolescentes, que, interpretando o mundo que os rodeia, contribuem indicando rumos e praticando cidadania. E, neste sentido, quatro linhas de ação devem ser observadas:

· Apresentação da “situação problema”;
· Propostas de alternativas ou caminhos de solução;
· Discussão das alternativas de soluções apresentadas;
· Tomada de decisão. E, neste ponto, o educador deve observar sua postura para evitar condução, inibição ou incentivo na participação dos jovens.

“A bola na mão da galera”

Crianças, adolescentes e jovens elaboram projetos com metodologias de intervenção na realidade em que se encontram. Com ideias na cabeça e colocando a mão na massa, elaboram caminhos que traduzem os anseios. São projetos que mostram o protagonismo infantojuvenil, quando os objetivos, as justificativas, as atividades previstas, a avaliação, e os recursos para sua efetivação são definidos.
Afinal, dentro da lógica pedagógica do protagonismo, é importante ressaltar que ele é um exercício de erro e acerto. Portanto, é preciso que o mundo adulto não se julgue dono da verdade e não se imponha ao primeiro sinal de dificuldades ou de desafio.
Pensando bem, o protagonismo é capaz de gerar, desde já, indivíduos mais críticos na sua participação social. Portanto, é preciso desenvolver uma política orientada por novos significados, novos valores inspirados no que o mundo infanto-juvenil tem para oferecer. Temos condições para isto, o que é necessário é termos criatividade e sermos atuantes, trazendo para as discussões e decisões as crianças e os adolescentes. 
 
                                        Fonte: boletimodiad.blogspot.com.br/2013/09/a-escola-lugar-privilegiado-da-reflexao.html

A ética das baratas

As pessoas têm crenças desde a pré-história. Nossa constituição frágil é uma das razões para tal. Hoje, cercados de luxo e levados a condição de mimados que somos, até esquecemos que há anos atrás mais da metade de nossas mulheres morriam de parto. Elas viviam por conta de ficarem grávidas e pronto. Hoje existe essa coisa de "escolha", profissão, filhos depois da pós, direitos iguais, ar-condicionado, reposição hormonal, bolsa Prada.
Esquecemos que direitos e escolhas são produtos mais caros do que bolsa Prada. Pensamos que brotam em árvores.
Mas existem crenças mais frágeis do que outras, algumas que beiram o ridículo. E algumas delas até recebem bênçãos de filósofos chiques.
Em 1975, o filósofo utilitarista australiano Peter Singer publicou um livro chamado "Animal Liberation", que deixou o mundo de boca aberta.
Para Singer, "bicho é gente" (porque também sente dor). A partir daí, ele encampou toda uma gama de militantes que gostaria de tornar a alimentação carnívora um crime como o canibalismo.
Achar que se pode comer animais se basearia no preconceito de que os animais seriam "seres inferiores", daí o conceito de "especismo" como análogo ao de "racismo", o conhecido preconceito contra certas raças que foram consideradas inferiores no passado.
Tudo bem a ideia de que devemos tratar os animais com respeito e carinho e sem maus-tratos (eu pessoalmente gosto mais dos meus cachorros do que de muitas pessoas que conheço, e um deles é mais inteligente do que muita gente por aí), mas esta discussão quando toca as praias dos fanáticos puristas (essa praga que antes era limitada a crente religioso, mas hoje também se caracteriza por ser um ingrediente do fanatismo sem Deus de nossa época) é de encher o saco. Se um dia eles forem maioria, o mundo acaba.
O mundo não sobreviveria a uma praga de pessoas que não usam sapatos de couro porque os considera fruto da opressão capitalista contra os bichinhos inocentes.
Ainda bem que esta "seita verde" tende a passar com a idade, e aqueles que ainda permanecem nessa depois de mais velhos ou são hippies velhos que fazem bijuteria vagabunda em praças vazias (tem coisa mais feia do que um hippie velho?) ou são pessoas com tantos problemas psicológicos que esta pequena mania adolescente até desaparece no meio do resto de seus sofrimentos com a vida real.
Recentemente ouvi uma história hilária: alguém contra matar baratas porque não se deve matar nenhuma forma de vida. Risadas? É bom da próxima vez que alguém te convidar para ir na casa dela você checar se ela defende os direitos das baratas.
Nem Kafka foi tão longe ao apontar o ridículo de um homem que, ao se ver transformado num enorme inseto marrom, se preocupou primeiro com o fato de que iria perder o bonde e por isso perder o emprego.
Eu tenho uma regra na vida: quando alguém é mais ridículo do que alguns personagens do Kafka, eu evito esta pessoa.
Às vezes me pergunto o que faz uma pessoa razoável cair num delírio como esse. Como assim "não se deve matar nenhuma forma de vida"?
A pergunta é: essa moçadinha seguidora de uma mistura de filosofia singeriana aguada e budismo light (com pitadas de delírio) já olhou para natureza a sua volta?
A natureza é a maior destruidora de vidas na face da Terra. Ela mata sem pena fracos, pobres e oprimidos. A natureza é a maior "opressora" da face da Terra. E mais: normalmente essa moçadinha é bem narcisista e muito pouco solidária com gente de carne e osso.
Se todo mundo defender o direito da baratas, um dia vamos acordar com baratas na boca, nos ouvidos, na xícara do café da manhã. A mesma coisa: se não comermos os bois e as vacas, eles vão fazer uma manifestação na Paulista pedindo direito a pastos de graça ("os sem-pastos") para garantir a sobrevivência de seus milhões de cidadãos bovinos.
Pergunto a esses adoradores de baratas: ele já pensou que as alfaces também sofrem? ela já pensou que quando come uma alface está interrompendo toda uma vida feliz de fotossíntese? Que as alfaces também choram? Malvados e insensíveis...


Luiz Felipe Pondé Luiz Felipe Pondé, pernambucano, filósofo, escritor e ensaísta, doutor pela USP, pós-doutorado em epistemologia pela Universidade de Tel Aviv, professor da PUC-SP e da Faap, discute temas como comportamento contemporâneo, religião, niilismo, ciência. Autor de vários títulos, entre eles, "Contra um mundo melhor" (Ed. LeYa). Escreve às segundas na versão impressa de "Ilustrada".

O fascismo do PT contra os médicos

O PT está usando uma tática de difamação contra os médicos brasileiros igual à usada pelos nazistas contra os judeus: colando neles a imagem de interesseiros e insensíveis ao sofrimento do povo e, com isso, fazendo com que as pessoas acreditem que a reação dos médicos brasileiros é fruto de reserva de mercado. Os médicos brasileiros viraram os "judeus do PT".
Uma pergunta que não quer calar é por que justamente agora o governo "descobriu" que existem áreas do Brasil que precisam de médicos? Seria porque o governo quer aproveitar a instabilidade das manifestações para criar um bode expiatório? Pura retórica fascista e comunista.
E por que os médicos brasileiros "não querem ir"?
A resposta é outra pergunta: por que o governo do PT não investiu numa medicina no interior do país com sustentação técnica e de pessoal necessária, à semelhança do investimento no poder jurídico (mais barato)?
O PT não está nem aí para quem morre de dor de barriga, só quer ganhar eleição. E, para isso, quer "contrapor" os bons cidadãos médicos comunistas (como a gente do PT) que não querem dinheiro (risadas?) aos médicos brasileiros playboys. Difamação descarada de uma classe inteira.
A população já é desinformada sobre a vida dos médicos, achando que são todos uns milionários, quando a maioria esmagadora trabalha sob forte pressão e desvalorização salarial. A ideia de que médicos ganham muito é uma mentira. A formação é cara, longa, competitiva, incerta, violenta, difícil, estressante, e a oferta de emprego decente está aquém do investimento na formação.
Ganha-se menos do que a profissão exige em termos de responsabilidade prática e do desgaste que a formação implica, para não falar do desgaste do cotidiano. Os médicos são obrigados a ter vários empregos e a trabalhar correndo para poder pagar suas contas e as das suas famílias.
Trabalha-se muito, sob o olhar duro da população. As pessoas pensam que os médicos são os culpados de a saúde ser um lixo.
Assim como os judeus foram o bode expiatório dos nazistas, os médicos brasileiros estão sendo oferecidos como causa do sofrimento da população. Um escândalo.
É um erro achar que "um médico só faz o verão", como se uma "andorinha só fizesse o verão". Um médico não pode curar dor de barriga quando faltam gaze, equipamento, pessoal capacitado da área médica, como enfermeiras, assistentes de enfermagem, assistentes sociais, ambulâncias, estradas, leitos, remédios.
Só o senso comum que nada entende do cotidiano médico pode pensar que a presença de um médico no meio do nada "salva vidas". Isso é coisa de cinema barato.
E tem mais. Além do fato de os médicos cubanos serem mal formados, aliás, como tudo que é cubano, com exceção dos charutos, esses coitados vão pagar o pato pelo vazio técnico e procedimental em que serão jogados. Sem falar no fato de que não vão ganhar salário e estarão fora dos direitos trabalhistas. Tudo isso porque nosso governo é comunista como o de Cuba. Negócios entre "camaradas". Trabalho escravo a céu aberto e na cara de todo mundo.
Quando um paciente morre numa cadeira porque o médico não tem o que fazer com ele (falta tudo a sua volta para realizar o atendimento prático), a família, a mídia e o poder jurídico não vão cobrar do Ministério da Saúde a morte daquele infeliz.
É o médico (Dr. Fulano, Dra. Sicrana) quem paga o pato. Muitas vezes a solidão do médico é enorme, e o governo nunca esteve nem aí para isso. Agora, "arregaça as mangas" e resolve "salvar o povo".
A difamação vai piorar quando a culpa for jogada nos órgãos profissionais da categoria, dizendo que os médicos brasileiros não querem ir para locais difíceis, mas tampouco aceitam que o governo "salvador da pátria" importe seus escravos cubanos para salvar o povo. Mais uma vez, vemos uma medida retórica tomar o lugar de um problema de infraestrutura nunca enfrentado.
Ninguém é contra médicos estrangeiros, mas por que esses cubanos não devem passar pelas provas de validação dos diplomas como quaisquer outros? Porque vivemos sob um governo autoritário e populista.

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/luizfelipeponde/2013/09/1335414-o-fascismo-do-pt-contra-os-medicos.shtml

Luiz Felipe Pondé Luiz Felipe Pondé, pernambucano, filósofo, escritor e ensaísta, doutor pela USP, pós-doutorado em epistemologia pela Universidade de Tel Aviv, professor da PUC-SP e da Faap, discute temas como comportamento contemporâneo, religião, niilismo, ciência. Autor de vários títulos, entre eles, "Contra um mundo melhor" (Ed. LeYa). Escreve às segundas na versão impressa de "Ilustrada".

Raízes do Romantismo

O mundo, às vezes, pode parecer um lugar assustador. Um lugar onde não conseguimos ver espaço para nossa vida. A alma, então, fica ofegante, sem ar, buscando um lugar onde o horror não seja a regra.
Esse lugar pode ser um mundo invisível, o passado, um paraíso, a pessoa desejada, ou, o que às vezes é a mesma coisa, um outro inferno, como o mundo, ainda que feito da substância dos pesadelos. Quando esse terreno encontra gênios literários, o horror pode virar beleza.
A descrição acima está muito próxima do que o filósofo judeu britânico Isaiah Berlin (século 20) pensava da Alemanha (ainda que neste momento a Alemanha não existisse como unidade política) dos séculos 17 e 18, devido as terríveis guerras religiosas entre católicos e protestantes, "a Guerra dos 30 Anos".
O resultado foi uma Alemanha devastada e reduzida à "Idade Média". Enquanto França e Inglaterra nadavam de braçada em direção à modernização burguesa industrial, os alemães se afogavam no ressentimento e na melancolia. Nascia o romantismo. Essa Alemanha foi seu o berço.
A historiografia marxista costuma dizer (com razão) que o romantismo é a primeira grande ressaca da Europa com a modernização burguesa. A tese de Berlin não nega este fato, mas ilumina elementos sutis com relação aos afetos românticos.
A modernidade é bipolar. Quando acorda bem, é iluminista, científica e progressista, assim como nós quando acordamos acreditando em nossa capacidade de produzir o sucesso material em nossas vidas.
Mas quando ela acorda mal, é romântica, ciente da hostilidade do mundo e em dúvida com relação à capacidade de sua grande criação, o iluminismo racionalista e técnico-científico. Assim como nós quando acordamos em meio a madrugada sentindo a solidão de quem investiu a vida em dinheiro, profissão e sucesso material às custas dos vínculos afetivos pouco eficazes.
Mas, se o romantismo é mal-estar com o mundo burguês, ele é também fruto do mesmo mundo burguês e sua esperança na capacidade do indivíduo criar sua própria vida e sonhar com um futuro que seja autêntico e livre de convenções limitantes. O romantismo é antes de tudo uma afetividade angustiada com um mundo que nega aos homens e mulheres sua espontaneidade. Uma espontaneidade recém-adquirida graças à liberdade moderna.
Em março e abril de 1965, Berlin deu um série de conferências na National Gallery of Art em Washington, EUA, como parte do programa conhecido como The A. W. Mellon Lectures in the Fine Arts. Estas conferências foram publicadas em 2001 com o título "The Roots of Romanticism", Princeton University Press, organizadas pelo editor da obra de Berlin, Henry Hardy. São quatro conferências imperdíveis tanto para os interessados no romantismo quanto para os interessados no pensamento do próprio Berlin.
O romantismo é um grande ataque ao iluminismo e sua fé na eficácia e na ciência da razão. Por isso, na segunda das conferências, Berlin identifica no pietismo alemão do século 17 a grande matriz romântica e não nos delírios das caminhadas do solitário Rousseau. Os pietistas eram de classe média baixa, homens de letras, que liam a mística alemã medieval, principalmente autores como o místico do século 14 Meister Eckhart.
Os petistas viam o mundo como um lugar tomado pelos horrores do mal e por isso fugiam para o campo, viviam em silêncio, estudavam, e por isso mesmo tinham uma vida interior de enorme força e violência. A vida como drama, e não como "uma agenda" (como viam os iluministas).
Em especial, o teólogo e poeta piestista J.G. Hamann (1730-1788), amigo pessoal de Immanuel Kant, lerá o conceito de "Abgrund" ekhartiano, entendido pelo medieval como "abismo sem fundo" de uma alma que se descobre feita da matéria de Deus, como sendo a realidade de uma alma obscura e misteriosa que não cabe na razão, mas que é presa num mundo que não é sua casa. O exílio no mundo é a marca deste "mago do Norte", como ficou conhecido.
O romantismo nos legou esse sentimento sem cura de que criamos um mundo no qual não nos reconhecemos.
Luiz Felipe Pondé Luiz Felipe Pondé, pernambucano, filósofo, escritor e ensaísta, doutor pela USP, pós-doutorado em epistemologia pela Universidade de Tel Aviv, professor da PUC-SP e da Faap, discute temas como comportamento contemporâneo, religião, niilismo, ciência. Autor de vários títulos, entre eles, "Contra um mundo melhor" (Ed. LeYa). Escreve às segundas na versão impressa de "Ilustrada".

terça-feira, 24 de setembro de 2013

A máscara do fascismo




(Máscara de Guy Fawkes)

Tenho visto muitas máscaras de fascismo espalhadas pelos ambientes burocráticos da esfera política, entre elas estão o completo descaso dos parlamentares em discutir uma reforma política e a escandalosa indiferença com que tratam os casos de corrupção da máquina administrativa, bem como a inteira apatia em ouvir as vozes das ruas, que são os desejos da sociedade.
Um dado do Relatório Global de Felicidade, da ONU, salta aos nossos olhos, é que a corrupção é um dos fatores que impede, e muito, o brasileiro de ser o povo mais feliz do planeta. Informação recentemente publicada em site da Exame: http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/onu-revela-o-que-impede-a-felicidade-do-brasileiro
Enquanto o dinheiro público se esvai pelos ralos de obras superfaturadas, licitações escusas e outros meios de desvios de verbas públicas, grande parte dos que governam investe na tentativa de enganar os outros, a massa mal paga e menos esclarecida, com discursos evasivos, sabendo que o povo cairá, como sempre, nas mesmas armadilhas ou conversas de antes. Tal comportamento, por si só, já é carregado de fascismo!
Há pouco tempo assisti a uma palestra, na internet, da filósofa Márcia Tiburi, professora da Universidade Mackenzie de São Paulo, para quem o fascismo poderia ser descoberto com a seguinte pergunta: o que você acha do povo? Se alguém; um político, professor, jornalista, escritor, enfim, respondesse que o povo é ignorante, não entende nada, não está nem aí pra nada, este sim é um fascista.
O fascista acredita que os outros são idiotas, bobos e tolos, não servem para nada, a não ser para servir-lhe ou obedecer-lhe. O fascista impossibilita o diálogo porque não aceita um outro ponto de vista, uma outra ideia, uma outra pessoa, no fundo, não admite uma alteridade.
Lendo uma entrevista de Marilena Chauí para a Revista Cult de Agosto de 2013, pude sentir a cristalina diferença entre violência revolucionária e a fascista com relação às manifestações populares de junho: “(...) Lênin dizia assim: ‘Há uma coisa que a burguesia deixou e que nós não vamos destruir: o bom gosto e as boas maneiras’. Ora, não estamos num processo revolucionário para dizer o mínimo! Se não se está em um processo revolucionário, se não há uma organização da classe revolucionária, se não há a definição de lideranças, metas e alvos, você tem a violência fascista! Porque a forma fascista é a eliminação do outro. A violência revolucionária não é isso. Ela leva à guerra civil, à destruição física do outro, mas ela não está lá para fazer isso. Ela está lá para produzir a destruição das formas existentes da propriedade e do poder e criar uma sociedade nova. É isso que ela vai fazer. A violência fascista não é isso. Ela é aquela que propõe a exterminação do outro porque ele é outro. Não estamos num processo revolucionário e por isso corremos o risco da violência fascista contra a esquerda (mesmo quando vinda de grupos que se consideram ‘de esquerda’)”.
É no encontro com o outro, com minha alteridade que me dirijo para uma dimensão de profunda experiência humana, social e coletiva.
O movimento interno e externo de uma revolução não se faz sozinho, porque ninguém pensa sozinho, ninguém vive sozinho. É preciso criar encontros com os outros a fim de promover uma felicidade possível, um mundo mais verdadeiro, onde todos não tenham medo de encarar a sua vergonha e queiram, assim, tirar a máscara do engano, do lixo nocivo da corrupção e do fascismo.
Diferentemente do fascista, implica dizer como Slavoj Zizek: “Não sou eu. Sou só uma ferramenta. Estamos todos servindo a história”.

Prof. Jackislandy Meira de Medeiros Silva
Bel. em Teologia, Licenciado em Filosofia, Esp. em Metafísica e Pós-graduando em Estudos Clássicos pela UnB/Archai/Unesco.

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Como a humanidade pode mudar a comunidade?




Vídeo excelente de uma palestra da filósofa Márcia Tiburi em que nos mostra a importância de fazer uma experiência filosófica para uma felicidade possível. Reforça a ideia de que o diálogo é a base desse fazer filosófico, que é também uma experiência de estranhamento com minha alteridade.

Vale a pena!

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

A síndrome da "rinoceronite"


(foto de meus arquivos pessoais: zoológico de Brasília, DF) 

Não sei se li bem a peça de Eugène Ionesco, intitulada “O rinoceronte”, de 1960, na qual é possível ver, numa crescente dramática, os indivíduos de uma cidade se transformarem em animais porque não conseguem deixar de ser os mesmos, isto é, levados pela obsessão de se tornarem iguais uns aos outros, acabam se metamorfoseando em rinocerontes.
O fato, considerado absurdo, nos chama a atenção para elementos banais, usuais, uniformes e habituais da sociedade, conforme os quais, é urgente capturar senão o insólito ou a insignificância da existência. De todas as personagens, a única que resiste ao habitual, ao que chamo aqui de síndrome da “rinoceronite” naquela cidade, é Bérenger; mesmo assim, tem que conviver com sua solidão ao ponto de debater-se consigo mesmo, duvidando da sua identidade e achando que o monstro é ele, e não os outros.
            Além de ser bastante divertida, a peça consegue nos fazer pensar quem realmente somos e por que precisamos entender nossas diferenças para lutar contra a uniformidade. De tão incomum e inabitual, a mutação de pessoas em rinocerontes destoa simbolicamente como evento pontual em toda peça para uma tomada de reflexão: fingimos quem somos e nos tornamos em rinocerontes ou assumimos nossa condição humana e permanecemos homens?
            A sensação que há, ao aproximarmos a sociedade povoada de rinocerontes com a nossa, é que estamos criando cidadãos ainda mais conformados; incapazes de expressar sua indignação, impotentes frente às estruturas de poder, reféns de um modelo de comportamento padrão, segundo o qual a mediocridade é o que predomina. Parece que ser diferente ou fazer a diferença nesse país é proibido e acarreta problemas.
            Em geral, as pessoas não gostam de quem faz a diferença e, com isso, contribuem para a transformação do humano em rinocerontes, aumentando o número daqueles que sofrem com a síndrome da “rinoceronite”. Há sempre os que colaboram com a corrupção política e cedem a inúmeras espécies de suborno, tornando-se iguais aos demais. A resistência a este modelo distorcido de comportamento é algo muito raro, talvez pela forte tentação às facilidades, pelas ilusões de satisfação material ou até por causa dos medos de enfrentar a própria realidade.
            Engraçado, mas, ao menos em dois momentos que aparecem rapidamente o rinoceronte pela cidade, a reação de Bérenger é diferente da dos outros personagens envolvidos na peça, visto que no exato instante que aparece o exótico animal, também aparece Daisy e arrebata completamente a atenção de Bérenger. Enquanto todos se admiram com a presença avassaladora do bicho, somente Bérenger é envolvido pelo seu desejo particular: “Oh, Daisy!”
            Embora tomado de amor por Daisy, sentindo-se livre de seus complexos, ainda assim Bérenger não consegue ficar indiferente ao chocante acontecimento da cidade, onde pessoas amigas e queridas estão deixando de ser humanas e passando a animais. Surpreso com o avanço da “síndrome”, Bérenger desabafa: “Eu me sinto solidário com tudo o que acontece. Eu participo... Não consigo ficar indiferente.”
            Muito me impressiona o que Bérenger acaba de afirmar, pois parece soar como uma explicação razoável, segundo a qual apenas ele não tenha se transformado em rinoceronte. O lógico, os clássicos, os aparentemente bons, as autoridades, gente próxima e distante, rica e pobre, importantes ou não, todos estão se deformando. As pessoas, nas quais ele mais confiava, cederam, sucumbiram!
            No final da trama, a atmosfera ganha ares de desolação, indignação e dúvida pelas expressões de Bérenger, pondo em crise sua própria condição humana: “(vendo-se pelo espelho) Um homem não é feio; não é feio, um homem! (passando a mão pelo rosto) Que coisa gozada! Com que é que eu me pareço, então? Com quê?... Infelizmente, eu sou um monstro, sou um monstro. Infelizmente, nunca serei rinoceronte, nunca, nunca! Nunca mais poderei mudar. Gostaria muito, gostaria tanto, mas já não posso. Não quero nem olhar para a minha cara. Tenho vergonha! (vira as costas ao espelho) Como eu sou feio! Infeliz daquele que quer conservar a sua originalidade! (Tem um sobressalto brusco) Muito bem! Tanto pior! Eu me defenderei contra todo o mundo! Minha carabina, minha carabina! (Volta-se de frente para a parede do fundo onde estão as cabeças dos rinocerontes, sempre gritando) Contra todo o mundo, eu me defenderei! Eu me defenderei contra todo o mundo! Sou o último homem, hei de sê-lo até ao fim! Não me rendo!" 



Prof. Jackislandy Meira de Medeiros Silva
Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia, Especialista em Metafísica e Pós-graduando em Estudos Clássicos pela UnB/Archai/Unesco
www.twitter.com/filoflorania                     

 

terça-feira, 3 de setembro de 2013

Em um mundo melhor

(2013.08.19) EM UM MUNDO MELHOR


É possível um mundo melhor? Sim e não. Sim, é possível um mundo melhor a começar por melhores remédios, casas, escolas, hospitais, aviões, democracia (ainda acredito nela, apesar de ficar de bode às vezes).
Não, não é possível um mundo melhor porque algumas coisas não mudam, como o caráter humano, suas mentiras e vaidades, sua violência, mesmo que travestida de civilidade, nossas inseguranças, nossa miséria física e mental, nossa hipocrisia. Nossas ambivalências sem cura. Os valores são incomensuráveis. Você até pode achar que na vida vale mais a pena “ser” do que “ter”, mas isso pode ser apenas um modo infantil de ver as coisas: não há “ser” sem o “ter” que sustenta tudo.
A famosa frase “que vão os anéis e fiquem os dedos” às vezes mais parece ser bem o contrário, “que vão dedos e fiquem os anéis”, porque os diamantes são eternos, e os dedos, não. Resumindo: mesmo a tecnologia e a ciência, grandes fatores positivos, podem ser elas mesmas terríveis. Não é outro o sentido de se perguntar “como educar depois de Auschwitz?”, como se pergunta o filósofo Theodor Adorno. Mesmo a democracia pode virar coisa de “black blocs” ou demagogos que juram confiar na “sabedoria popular”. E isso dá bode.
Recentemente revi o filme “Em um Mundo Melhor“, de Susanne Bier, de 2010. Trata-se de um filme bastante didático, bom para escolas. Um médico sueco trabalha em algum lugar infeliz da África, enquanto sua família derrete na Dinamarca onde mora. Seu filho é objeto de bullying (chamam-no de “rato” pelo dentes feios que tem e esvaziam o pneu da sua bicicleta o tempo todo). Ele nunca reage. É tímido e tem medo dos mais fortes. Sabe que se reagisse apanharia mais.
Muitas vezes, a essência da coragem é perder o medo de sofrer além do que já se sofre. A verdade da coragem não é querer vencer, mas perder o medo de perder tudo que se tem.
Escolas de crianças são um escândalo. Um depósito de violência de todo tipo. Um lugar especialmente indicado se quisermos duvidar da existência de Deus usando o famoso argumento a partir do mal (“argument from evil”, como dizem os filósofos da religião americanos): se Deus existe e é bom e todo-poderoso, como o mundo pode ser mau como obviamente é?
Há todo tipo de resposta para isso, e elas compõem o que em teologia se chama “teodiceia”. Qual é o sentido de ser bom na vida? Há garantias de que o bem compensa? Não, não há, nenhuma.
Eu concordo com o filósofo Isaiah Berlin: não há teodiceia possível. Os valores são incomensuráveis entre culturas, pessoas, épocas históricas. Qualquer utopia não passa de um surto infantil projetado sobre o mundo. Não vai mais longe do que uma história de Branca de Neve.
Voltando ao filme. O médico é contra violência física. E vive isso de modo corajoso, não se pode negar. A vida que leva na África é prova de seu caráter. Enfrenta um sujeito que bate na sua cara na Dinamarca, quando está visitando sua mulher e filhos, de modo digno, revelando a estupidez que está por trás do brutamontes idiota.
Ela quer o divórcio porque se sente sozinha, é óbvio, e, aparentemente, além de deixá-la sozinha, ele andou comendo alguém por aí… Santo, mas nem tanto… Você pode salvar o mundo enterrando sua família. Olha aí a incomensurabilidade de que fala Berlin. Ao final, seu princípio de não violência é testado na África e ele perceberá que para tudo existe um basta, e às vezes a violência é tudo que resta. Os pacifistas são também gente infantil.
Mas onde está esse mundo melhor no filme? A vida em casa degringola. O filho humilhado encontra um amigo que o protege na escola. Um menino corajoso, decidido e violento, que se move no mundo de modo oposto aos princípios do médico. Na verdade, o menino é um desesperado, solitário, que acaba de perder a mãe de câncer, num processo doloroso que sutilmente o filme parece indicar ter chegado à eutanásia.
O mundo melhor parece ser aquele no qual as pessoas podem errar, pedir perdão e ser perdoadas. Um mundo melhor não é um mundo sem violência ou ambivalência, mas um mundo onde existe o perdão.

Luiz Felipe Pondé

http://luizfelipeponde.wordpress.com/2013/08/31/em-um-mundo-melhor-19-08-2013/




Salmos chilenos

Composição de ilustrações de Justin Harris

Dias atrás entrei na catedral de Santiago do Chile. Minha mulher, discípula de Guimarães Rosa, para quem “quanto mais religião melhor”, adora todo e qualquer santo. Eu, mais miserável nesse assunto, apesar de não religioso, sou facilmente capturado pelo aspecto estético e sublime de templos sagrados. Foi um prazer ver e ouvir aquela missa “en chileno”.
A catedral silenciosa, discreta e com pouca luz, com sua altura gigantesca, nos ajudava a lembrar nosso lugar no mundo -que não me venham os inteligentinhos fazer o blá-blá-blá da crítica à religião, porque a conheço desde o jardim da infância.
Sentir-se “em seu justo lugar no mundo” é parte clássica de toda boa espiritualidade, contra esse narcisismo dos “direitos do Eu total” de hoje, essa coisa “ninja brega”. Este “justo lugar no mundo” é parte daquilo que o historiador das religiões Mircea Eliade chama de perceber que não somos o “axis mundi” (o eixo do mundo). Toda verdadeira espiritualidade deve nos ajudar a vivenciar este “descentramento” de nosso próprio valor.
O mistério me encanta e me faz sentir menos banal. A sensação da banalidade de tudo me esmaga continuamente. Sou um peregrino da falta de sentido. Uma testemunha da noite escura da alma de San Juan de la Cruz e Terrence Malick. Não levo a sério ateus militantes que ainda acham que ateísmo é “evolução espiritual”. Para mim, ateísmo é, apenas, o modo mais óbvio de ser e um estágio elementar em filosofia.
Fiquei ateu com oito anos. Alguém poderia dizer que com os anos me tornei um ateu encantado pelo “personagem” Deus e pela possibilidade de existir o perdão no mundo, justamente porque, no fundo, não o merecemos. Sou cego, mas pressinto o espaço à minha volta.
O padre em sua homilia falava da alegria da vida. O papa Francisco quando cá esteve tocou neste tema, falando da “religião da alegria”. Não se trata de autoajuda, como pode parecer aos desinformados, mas da mais fina teologia moral cristã (e judaica também). O que é essa alegria? Vejamos.
A vida é precária. A pobreza (material, espiritual, psicológica) é como a gravidade, na hora em que relaxamos, ela nos consome. É uma questão de tempo. Nosso caminho é “para baixo”. Não é à toa que tomamos antidepressivos o tempo todo, cada um se vira como pode. A solidariedade na melancolia devia nos unir a todos. O que não perdoo na autoajuda é que ela mente para nosso justo desespero dizendo que ele é mera questão de incompetência.
É aqui que começa a consistência da teologia da alegria a qual se refere o papa Francisco: temos todas as razões “materiais” do mundo para sermos tristes, o milagre é não sermos tristes todo o tempo.
Confiar na vida é quase impossível. A fé na vida é um mistério e um dom. Muito mais caro do que a inteligência e a cultura — não as desprezo, porque inclusive elas são quase tudo que tenho. Este é o sentido de fé como “estar acompanhando” em sua encíclica “A Luz da Fé”.
A alegria da qual falava o padre chileno e o papa Francisco é a “alegria teologal”, aquela que nasce das três virtudes teologais básicas: a esperança, a fé e a caridade (o amor).
Ter esperança, crer na vida e amar são experiências que separam a infância espiritual da maturidade d’alma. O desespero é o caminho mais curto entre dois momentos na vida. A esperança é que é o milagre para quem enxerga o mundo como ele é. Por isso, toda literatura espiritual séria começa pelo vale das sombras.
Dizer que uma virtude é teologal é dizer que ela é fruto da graça de Deus, não uma dedução a partir dos fatos do mundo. Dos fatos, apenas deduzimos o desespero. Mas, por isso mesmo, esta alegria, quando nos visita, tem o hálito divino, por sua própria quase total impossibilidade de ser, para quem reconhece o vale das sombras à nossa volta. Na mística, esta alegria pode nos levar às lágrimas. Este é o conhecido “dom das lágrimas”, marca de quem vê a beleza do mundo em meio ao véu absoluto do desespero.
Nada a ver com religião como muleta, mas sim com uma espiritualidade de quem caminha só, eternamente, entre sombras.

Luiz Felipe Pondé

                             Fonte: http://luizfelipeponde.wordpress.com/2013/08/31/salmos-chilenos-26-08-2013/ 


Boa pergunta

Um trocadilho oportuno!

Que a corrupção não nos imobilize!

A pergunta é: como andar no meio de toda esta lama? É preciso muita força e luta para que ela não nos deixe inertes.

Fotos no Facebook

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Segundo Reinaldo Azevedo, governo ignorou o aumento do analfabetismo

Há três anos, apontei aqui a tendência que resultaria no aumento do analfabetismo: governo ignorou o assunto, e a petezada partiu pra porrada, como sempre… Eis aí!


O Brasil teve um grande ministro da Educação. Seu nome: Paulo Renato Souza. Foi, mais de uma vez, alvo da máquina de destroçar reputações criada pelo PT, por intermédio, no caso, de seu braço sindical. Em junho de 2011, por ocasião de sua morte, escrevi aqui um post sobre os números da educação brasileira, desfazendo alguns mitos. O décimo item da minha lista era este, que reproduzo na íntegra (em azul):
“10 – Cresceu o número de analfabetos no país sob o governo Lula – e eu não estou fazendo graça ou uma variante do trocadilho. Os números estão estampados no PNAD (Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios), do IBGE. No governo FHC, a redução do número de analfabetos avançou num ritmo de 0,5% ao ano; na primeira metade do governo Lula, já caiu a 0,35% – E FOI DE APENAS 0,1% ENTRE 2007 E 2008. Sabem o que isso significa? Crescimento do número absoluto de analfabetos no país. Fernando Haddad sabe que isso é verdade, não sabe? O combate ao analfabetismo é uma responsabilidade federal. Em 2003, o próprio governo lançou o programa ‘Brasil Alfabetizado’ como estandarte de sua política educacional. Uma dinheirama foi transferida para as ONGs sem resultado – isso a imprensa noticiou. O MEC foi deixando a coisa de lado e acabou passando a tarefa aos municípios, com os resultados pífios que se veem.”
Retomo
É isso aí. Com base nos dados no PNAD, apontei, então, que caía o ritmo da redução de analfabetos, o que estava a indicar o constante aumento do número absoluto de analfabetos. Mantida a tendência, é claro que acabaria acontecendo o que agora se verifica: haveria um aumento da taxa — pela primeira vez em 15 anos. É matemática, não tem jeito. Os “companheiros” podem até achar que essa ciência só existe para sabotar seus propósitos, mas a gente sabe que não é assim.
O dado, que reproduzi no texto de novembro de 2011, já estava num artigo que escrevi em agosto de 2010. Três anos depois, o fatal acontece.
Notem: quando, então, naquele agosto de 2010, apontei que havia a tal redução da queda do analfabetismo, eu não o fazia porque, afinal de contas, não comungo — e não comungo mesmo, com todo o direito que tenho! — dos valores petistas (ou da falta deles). Eu o fiz porque era um dado da realidade, haurido dos números oficiais.
Alguns abestalhados acharam que se tratava apenas de má vontade, uma forma de negar os formidáveis avanços obtidos pelos companheiros na educação. Já então Fernando Haddad estava sendo treinado para vir a ser um “líder” no petismo. Deu no que deu. Imaginem o escândalo que não se faria nas redes sociais e na máquina de propaganda das esquerdas e assemelhados se uma reversão dessa natureza tivesse se dado num governo tucano.

Analfabetismo universitário
No ano passado, a ONG Ação Educativa e o Instituto Paulo Montenegro divulgaram dados sobre o Alfabetismo Funcional (Inaf) segundo a escolaridade. O quadro é este.
Em 2001/2002, 2% dos alunos universitários tinham apenas rudimentos de escrita e leitura. Em 2010, essa porcentagem havia saltado para 4%. Vale dizer: 254.800 estudantes de terceiro grau no país são quase analfabetos. Espantoso? Em 2001/2002, 24% não eram plenamente alfabetizados. Um número já escandaloso. Em 2010, pularam para 38%. Isso quer dizer que 2.420.600 estudantes do terceiro grau não conseguem ler direito um texto e se expressar com clareza. É o que se espera de um aluno ao concluir o… ensino fundamental!

Concluo
Sim, meus caros, o diabo é invariavelmente mais feio do que se pinta — ou não seria o diabo, mas outra coisa de menor malignidade. Aquela taxa lá do alto, que aumentou, é do analfabetismo mesmo, a parte do Brasil que forma a sociedade ágrafa. Caso se leve em consideração o analfabetismo funcional, aí é que a gente se defronta com uma parte do Brasil real que o discurso ufano-triunfalista esconde.
Nas democracias convencionais, exemplos escandalosos de ineficiência, como o que se vê acima, costumam ser levados para as campanhas eleitorais. É o certo. “Você prometeu fazer e não fez etc.” É um direito da sociedade confrontar intenções com gestos. No Brasil jabuticaba, como tenho tratado aqui há tempos, não só inexiste um grande partido conservador que seja alternativa de poder (única democracia da Terra com essa característica) como inexistem forças políticas capazes de fazer essa cobrança. Ao contrário: todas as campanhas eleitorais, da oposição ou da situação, exploram o Brasil grande, o Brasil que vai pra frente, o ninguém segura este país.
Algumas drogas perigosas atentam contra o nosso futuro: o ufanismo sem lastro é uma delas.
Quando apontei a redução do ritmo da queda de analfabetismo, algo deveria ter sido feito. Já estaria dando resultado. E deveria não porque fui eu a apontar, claro!, mas porque eram números extraídos de dados oficiais. Mas quê… Fernando Haddad saltou do Ministério da Educação (“o melhor ministro da história destepaiz”, segundo Lula) para a Prefeitura de São Paulo. Ele tinha uma grande tarefa a cumprir: prometer o Arco do Futuro e, no presente, devolver o Centro de São Paulo aos traficantes e consumidores de crack. “O que uma coisa tem a ver com outra?” Só estou evidenciando como o processo político brasileiro, por um conjunto de razões que não cabem neste artigo, premia a ineficiência.
  
Por Reinaldo Azevedo

Fonte: http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/

Depois de 15 anos, taxa de analfabetismo volta a crescer no Brasil

Por Cecília Ritto, na VEJA.com. Volto no próximo post.
 
Pela primeira vez em quinze anos, o índice de analfabetismo cresceu no Brasil. É o que mostra a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), realizada em 2012 e divulgada nesta sexta-feira pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O índice de pessoas de 15 anos de idade ou mais que não sabem ler nem escrever subiu de 8,6% em 2011 para 8,7% no ano passado. Isso significa que no período de um ano, o país “ganhou” 300.000 analfabetos, totalizando 13,2 milhões de brasileiros. A tendência de queda, que se mantinha desde 1997, estacionou, despertando a atenção dos pesquisadores do IBGE, que agora se debruçam em busca de explicações. “Ainda estamos verificando o que levou a essa variação, já que o porcentual vinha caindo há tanto tempo”, diz Maria Lucia Vieira, coordenadora da pesquisa e gerente do IBGE.
Com a lupa sobre cada região brasileira, o que se observa é que o Nordeste foi o principal responsável por elevar a taxa nacional – é onde moram 53,8% de todos os analfabetos do país, ou 7,1 milhões. No mesmo período de um ano, o índice local passou de 16,9% para 17,4%. No Centro-Oeste, também houve crescimento, de 6,3% para 6,7% entre 2011 e 2012. Já no Sudeste, os números estão estagnados, enquanto o Norte e o Sul conseguiram manter a redução. “O analfabetismo tem endereço no Brasil: está concentrado na população mais velha e nordestina”, frisa Maria Lucia.
O alagoano José Carlos Vieira dos Santos, de 54 anos, se encaixa no perfil observado pelo IBGE. Morador da cidade de Murici, começou a trabalhar aos 14 anos no corte de cana. Não teve tempo de frequentar a escola e chegou à idade adulta sem qualquer intimidade com as letras. “Ele escreve o nome todo, devagar, e se aborrece porque tem dificuldade”, conta a mulher, Maria Cícera Guedes, da mesma idade, que cursou até a 5ª série do Ensino Fundamental (hoje 6º ano). Dos quatro filhos do casal, a mais velha largou a escola ainda na 1ª série. Atualmente com 30 anos, também não sabe ler nem escrever.
Maria lamenta. Diz que tem o sonho de ver os filhos concluindo os estudos. Mas apenas o de 18 anos lhe dá esperanças. No 2º ano do Ensino Médio, é o único com disposição de conquistar o diploma. Os outros dois irmãos, de 16 e 21 anos, ainda frequentam as salas de aula do primário. “Vejo muita coisa errada por aqui – drogas, por exemplo. Coloquei meus filhos no colégio para que aprendessem alguma coisa e ficassem longe da rua”, diz a matriarca da família que exemplifica bem outra constatação do estudo: a dificuldade dos adultos em ultrapassar a barreira do analfabetismo.

Idade
Foi na faixa dos 40 aos 59 anos o crescimento mais representativo de analfabetos no país, de 9,6% para 9,8%. Uma das possibilidades é de que este grupo esteja mais crítico em relação ao conceito de analfabetismo. Por alfabetizado, o IBGE entende ser uma pessoa com condições de ler e escrever um bilhete simples. Mas a maioria dos analfabetos do país ainda tem 60 anos ou mais – eles são 3,2 milhões. Priscila Cruz, diretora executiva da ONG Todos pela Educação, enfatiza que a idade adulta é a mais resistente à escolarização. “Essas pessoas procuram o ensino só quando querem, e se tiverem tempo e disposição.”
Cícero Custódio, morador de Lagoa do Ouro, interior de Pernambuco, engrossa as estatísticas. Assim como Santos, foi levado pelo pai ainda criança, aos 7 anos, para o trabalho na roça. Pisou na escola pela primeira vez somente aos 30 anos, ficou 15 dias, aprendeu a escrever o nome e viu a instituição fechar as portas. Até hoje, aos 63, não teve outra oportunidade. “Entendo as letrinhas muito pouco. Não sei fazer as palavras, nem juntar as letras para ler. Fico enrascado nisso aí”, explica. Fez questão de matricular os seis filhos na escola, mas não viu nenhum chegar ao Ensino Médio. “A maior ajuda que os pais podem dar é apoiando os estudos.”

Escolarização
Entre os mais jovens, o índice de analfabetismo é drasticamente menor – apenas 1,2% dos 15 aos 19 anos, por exemplo -, o que pode indicar uma redução no futuro das taxas entre os mais velhos. O gargalo, neste caso, fica por conta do Ensino Fundamental, incompleto para 33,5% da população com 25 anos ou mais (que exclui os grupos em processo de escolarização). É o caso de Ionácio Santana, carioca de 37 anos, pai de doze filhos, morador da favela do Vidigal e conhecido na praia de Ipanema pela barraca em frente à Rua Farme de Amoedo, onde aluga cadeiras e vende bebidas.
Gostava de estudar, garante. Chegou à 6ª série do Ensino Fundamental (hoje 7º ano), até que desistiu para viver o sonho de ser jogador de futebol. Entrou para o profissional da Ponte Preta e os juniores do Botafogo. Mas a carreira não foi adiante, e ele admite arrependimento da escolha que fez no passado. “Toda vez que empurro um carrinho de mão para carregar material de obra, lembro da minha irmã avisando que era melhor eu estudar. A escola era muito boa. A professora acordava cedo para ajudar trinta alunos a serem alguém na vida.”
Para não repetir o erro com os filhos, Nélio, como é conhecido, mantém sete deles na escola. Até o caçula, de 10 meses, está prestes a entrar na creche. “Se com estudo está difícil, imagina sem. Com os meus filhos, eu sou duro”, afirma ele, revelando que também tem planos de retomar os estudos, no próximo ano. Entre os motivos, está o carro que comprou há pouco tempo mas não pode dirigir, porque precisa passar pela prova teórica exigida para tirar a carteira de motorista.
A Pnad 2012 traz também dados positivos, como a redução no índice de analfabetos funcionais (capazes de ler e escrever mas com dificuldades de interpretação do texto). Entre a população com 15 anos de idade ou mais, 18,3% tem menos de quatro anos de estudo completo, o equivalente a 27,8 milhões de brasileiros. O número é significativo, mas representa uma queda de 2,1 pontos porcentuais em relação a 2011, quando eles eram 20,4% do total. As regiões Norte e Nordeste ainda apresentam as maiores taxas de analfabetismo funcional, de 21,9% e 28,4% respectivamente.

Futuro
A situação geral, porém, é preocupante. O país está se distanciando da meta firmada com a Organização das Nações Unidas (ONU): diminuir o índice de analfabetos para 6,7% até 2015. Faltam dois anos, portanto, para fazer ler e escrever cerca de 3 milhões de pessoas. Mas o governo não tem se esforçado para atingir o objetivo. A diretora executiva da ONG Todos pela Educação, Priscila Cruz, alerta para o fato de que, neste sábado, o país completa mil dias sem um Plano Nacional de Educação, responsável por nortear políticas públicas pelos próximos dez anos. “O não avanço é sempre um retrocesso em educação”, critica.

Por Reinaldo Azevedo

http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/ 

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Hélas

Luis Fernando Verissimo - O Estado de S. Paulo
 
Deus criou o Céu e a Terra e o Dia e a Noite, e deu nome às plantas, aos bichos e às coisas. Mas também era preciso dar nome aos sentimentos e às emoções, a perplexidades e a situações inusitadas e, sentindo-se despreparado para a tarefa, Deus criou os franceses.
Os franceses têm a expressão certa para tudo, inclusive para o inexprimível, que eles chamam de "je ne sait quoi". O francês é a única língua do mundo com uma definição para a incapacidade de definir. Eles não apenas têm um nome para "fazer beicinho", "bouder" como inventaram uma peça da casa que teoricamente existe só para a mulher se recolher enquanto o faz, o "boudoir". Outra expressão francesa que não ocorreria a mais ninguém é "esprit d’escalier", ou o espírito que só se faz presente quando a gente já está descendo a escada, depois de falhar na hora de ser brilhante. Se não fossem os franceses, não saberíamos como chamar a sensação de que a boa frase ou a resposta arrasadora geralmente só nos vêm quando não adianta mais. Na escada ou, mais recentemente, no elevador.
Outra boa frase francesa era "epater les bourgeois". Caiu em desuso, em primeiro lugar, porque todas as frases prontas francesas foram ficando antigas num mundo cada vez mais americano, mas também porque foi ficando cada vez mais difícil espantar a burguesia. Depois da revolução sexual e do escancaramento da privacidade, nada mais espanta ninguém e o que antes chocava hoje vira moda.
O que ainda funciona - tanto que, no Brasil, se transformou num gênero jornalístico - é "epater la gauche", contrariar o pensamento convencionalmente progressista, ou apenas correto, com reacionarismo explícito. Os "epateurs" da esquerda podem ser divertidos, mas como em todo "succès d’escandale" (que remédio, sou um antigo) nunca se sabe se o sucesso se deve ao talento para escandalizar ou se o escândalo dispensa o talento, e basta ser contra para aparecer. De qualquer maneira, "hélas", aos poucos as frases feitas francesas vão perdendo a atualidade e - ça va sans dire - a utilidade
Papo vovô. Lucinda, nossa neta de 5 anos, gosta de brincar de modelo. E como toda modelo precisa de um nome artístico, ela nos informou que seu "nom de passarelle" é Uvinha Tessler. Não entendemos bem. Não seria Evinha Tessler? Não, era Uvinha mesmo. E ela desfila fazendo caras de Uvinha Tessler.

Fonte: http://www.estadao.com.br/noticias/arteelazer,helas,1076499,0.htm

O poder da espionagem


A ESCOLA: Lugar privilegiado da reflexão e ação

(= local de protagonistas)

Equipe Filosófico pedagógica do Centro de Filosofia e Editora Sophos

A escola é um ambiente rico e amplo de diversas manifestações de inteligências e protagonismo entre crianças e adolescentes. A mudança de olhar dos educadores é fundamental em relação aos seus alunos. Cada aluno possui algumas ou várias potencialidades em determinadas áreas. O maior compromisso da educação é valorizar e assim oferecer aos alunos a oportunidade de arriscar em novos projetos, construindo uma sólida base de cidadania.

Desafios pedagógicos

Crianças, adolescentes e jovens não querem estar à margem, como aconteceu em vários momentos do processo histórico brasileiro. Querem, sim, que lhes sejam oferecidos espaços de discussão que impulsionem sua ação sociopolítica.
O grande desafio para a escola do nosso tempo é dar voz e vez a estes cidadãos. A missão do educador é a de ser um provocador constante do protagonismo. Mas são eles, crianças e adolescentes, que, interpretando o mundo que os rodeia, contribuem indicando rumos e praticando cidadania. E, neste sentido, quatro linhas de ação devem ser observadas:

· Apresentação da “situação problema”;
· Propostas de alternativas ou caminhos de solução;
· Discussão das alternativas de soluções apresentadas;
· Tomada de decisão. E, neste ponto, o educador deve observar sua postura para evitar condução, inibição ou incentivo na participação dos jovens.

“A bola na mão da galera”

Crianças, adolescentes e jovens elaboram projetos com metodologias de intervenção na realidade em que se encontram. Com ideias na cabeça e colocando a mão na massa, elaboram caminhos que traduzem os anseios. São projetos que mostram o protagonismo infantojuvenil, quando os objetivos, as justificativas, as atividades previstas, a avaliação, e os recursos para sua efetivação são definidos.
Afinal, dentro da lógica pedagógica do protagonismo, é importante ressaltar que ele é um exercício de erro e acerto. Portanto, é preciso que o mundo adulto não se julgue dono da verdade e não se imponha ao primeiro sinal de dificuldades ou de desafio.
Pensando bem, o protagonismo é capaz de gerar, desde já, indivíduos mais críticos na sua participação social. Portanto, é preciso desenvolver uma política orientada por novos significados, novos valores inspirados no que o mundo infanto-juvenil tem para oferecer. Temos condições para isto, o que é necessário é termos criatividade e sermos atuantes, trazendo para as discussões e decisões as crianças e os adolescentes. 
 
                                        Fonte: boletimodiad.blogspot.com.br/2013/09/a-escola-lugar-privilegiado-da-reflexao.html

A ética das baratas

As pessoas têm crenças desde a pré-história. Nossa constituição frágil é uma das razões para tal. Hoje, cercados de luxo e levados a condição de mimados que somos, até esquecemos que há anos atrás mais da metade de nossas mulheres morriam de parto. Elas viviam por conta de ficarem grávidas e pronto. Hoje existe essa coisa de "escolha", profissão, filhos depois da pós, direitos iguais, ar-condicionado, reposição hormonal, bolsa Prada.
Esquecemos que direitos e escolhas são produtos mais caros do que bolsa Prada. Pensamos que brotam em árvores.
Mas existem crenças mais frágeis do que outras, algumas que beiram o ridículo. E algumas delas até recebem bênçãos de filósofos chiques.
Em 1975, o filósofo utilitarista australiano Peter Singer publicou um livro chamado "Animal Liberation", que deixou o mundo de boca aberta.
Para Singer, "bicho é gente" (porque também sente dor). A partir daí, ele encampou toda uma gama de militantes que gostaria de tornar a alimentação carnívora um crime como o canibalismo.
Achar que se pode comer animais se basearia no preconceito de que os animais seriam "seres inferiores", daí o conceito de "especismo" como análogo ao de "racismo", o conhecido preconceito contra certas raças que foram consideradas inferiores no passado.
Tudo bem a ideia de que devemos tratar os animais com respeito e carinho e sem maus-tratos (eu pessoalmente gosto mais dos meus cachorros do que de muitas pessoas que conheço, e um deles é mais inteligente do que muita gente por aí), mas esta discussão quando toca as praias dos fanáticos puristas (essa praga que antes era limitada a crente religioso, mas hoje também se caracteriza por ser um ingrediente do fanatismo sem Deus de nossa época) é de encher o saco. Se um dia eles forem maioria, o mundo acaba.
O mundo não sobreviveria a uma praga de pessoas que não usam sapatos de couro porque os considera fruto da opressão capitalista contra os bichinhos inocentes.
Ainda bem que esta "seita verde" tende a passar com a idade, e aqueles que ainda permanecem nessa depois de mais velhos ou são hippies velhos que fazem bijuteria vagabunda em praças vazias (tem coisa mais feia do que um hippie velho?) ou são pessoas com tantos problemas psicológicos que esta pequena mania adolescente até desaparece no meio do resto de seus sofrimentos com a vida real.
Recentemente ouvi uma história hilária: alguém contra matar baratas porque não se deve matar nenhuma forma de vida. Risadas? É bom da próxima vez que alguém te convidar para ir na casa dela você checar se ela defende os direitos das baratas.
Nem Kafka foi tão longe ao apontar o ridículo de um homem que, ao se ver transformado num enorme inseto marrom, se preocupou primeiro com o fato de que iria perder o bonde e por isso perder o emprego.
Eu tenho uma regra na vida: quando alguém é mais ridículo do que alguns personagens do Kafka, eu evito esta pessoa.
Às vezes me pergunto o que faz uma pessoa razoável cair num delírio como esse. Como assim "não se deve matar nenhuma forma de vida"?
A pergunta é: essa moçadinha seguidora de uma mistura de filosofia singeriana aguada e budismo light (com pitadas de delírio) já olhou para natureza a sua volta?
A natureza é a maior destruidora de vidas na face da Terra. Ela mata sem pena fracos, pobres e oprimidos. A natureza é a maior "opressora" da face da Terra. E mais: normalmente essa moçadinha é bem narcisista e muito pouco solidária com gente de carne e osso.
Se todo mundo defender o direito da baratas, um dia vamos acordar com baratas na boca, nos ouvidos, na xícara do café da manhã. A mesma coisa: se não comermos os bois e as vacas, eles vão fazer uma manifestação na Paulista pedindo direito a pastos de graça ("os sem-pastos") para garantir a sobrevivência de seus milhões de cidadãos bovinos.
Pergunto a esses adoradores de baratas: ele já pensou que as alfaces também sofrem? ela já pensou que quando come uma alface está interrompendo toda uma vida feliz de fotossíntese? Que as alfaces também choram? Malvados e insensíveis...


Luiz Felipe Pondé Luiz Felipe Pondé, pernambucano, filósofo, escritor e ensaísta, doutor pela USP, pós-doutorado em epistemologia pela Universidade de Tel Aviv, professor da PUC-SP e da Faap, discute temas como comportamento contemporâneo, religião, niilismo, ciência. Autor de vários títulos, entre eles, "Contra um mundo melhor" (Ed. LeYa). Escreve às segundas na versão impressa de "Ilustrada".

O fascismo do PT contra os médicos

O PT está usando uma tática de difamação contra os médicos brasileiros igual à usada pelos nazistas contra os judeus: colando neles a imagem de interesseiros e insensíveis ao sofrimento do povo e, com isso, fazendo com que as pessoas acreditem que a reação dos médicos brasileiros é fruto de reserva de mercado. Os médicos brasileiros viraram os "judeus do PT".
Uma pergunta que não quer calar é por que justamente agora o governo "descobriu" que existem áreas do Brasil que precisam de médicos? Seria porque o governo quer aproveitar a instabilidade das manifestações para criar um bode expiatório? Pura retórica fascista e comunista.
E por que os médicos brasileiros "não querem ir"?
A resposta é outra pergunta: por que o governo do PT não investiu numa medicina no interior do país com sustentação técnica e de pessoal necessária, à semelhança do investimento no poder jurídico (mais barato)?
O PT não está nem aí para quem morre de dor de barriga, só quer ganhar eleição. E, para isso, quer "contrapor" os bons cidadãos médicos comunistas (como a gente do PT) que não querem dinheiro (risadas?) aos médicos brasileiros playboys. Difamação descarada de uma classe inteira.
A população já é desinformada sobre a vida dos médicos, achando que são todos uns milionários, quando a maioria esmagadora trabalha sob forte pressão e desvalorização salarial. A ideia de que médicos ganham muito é uma mentira. A formação é cara, longa, competitiva, incerta, violenta, difícil, estressante, e a oferta de emprego decente está aquém do investimento na formação.
Ganha-se menos do que a profissão exige em termos de responsabilidade prática e do desgaste que a formação implica, para não falar do desgaste do cotidiano. Os médicos são obrigados a ter vários empregos e a trabalhar correndo para poder pagar suas contas e as das suas famílias.
Trabalha-se muito, sob o olhar duro da população. As pessoas pensam que os médicos são os culpados de a saúde ser um lixo.
Assim como os judeus foram o bode expiatório dos nazistas, os médicos brasileiros estão sendo oferecidos como causa do sofrimento da população. Um escândalo.
É um erro achar que "um médico só faz o verão", como se uma "andorinha só fizesse o verão". Um médico não pode curar dor de barriga quando faltam gaze, equipamento, pessoal capacitado da área médica, como enfermeiras, assistentes de enfermagem, assistentes sociais, ambulâncias, estradas, leitos, remédios.
Só o senso comum que nada entende do cotidiano médico pode pensar que a presença de um médico no meio do nada "salva vidas". Isso é coisa de cinema barato.
E tem mais. Além do fato de os médicos cubanos serem mal formados, aliás, como tudo que é cubano, com exceção dos charutos, esses coitados vão pagar o pato pelo vazio técnico e procedimental em que serão jogados. Sem falar no fato de que não vão ganhar salário e estarão fora dos direitos trabalhistas. Tudo isso porque nosso governo é comunista como o de Cuba. Negócios entre "camaradas". Trabalho escravo a céu aberto e na cara de todo mundo.
Quando um paciente morre numa cadeira porque o médico não tem o que fazer com ele (falta tudo a sua volta para realizar o atendimento prático), a família, a mídia e o poder jurídico não vão cobrar do Ministério da Saúde a morte daquele infeliz.
É o médico (Dr. Fulano, Dra. Sicrana) quem paga o pato. Muitas vezes a solidão do médico é enorme, e o governo nunca esteve nem aí para isso. Agora, "arregaça as mangas" e resolve "salvar o povo".
A difamação vai piorar quando a culpa for jogada nos órgãos profissionais da categoria, dizendo que os médicos brasileiros não querem ir para locais difíceis, mas tampouco aceitam que o governo "salvador da pátria" importe seus escravos cubanos para salvar o povo. Mais uma vez, vemos uma medida retórica tomar o lugar de um problema de infraestrutura nunca enfrentado.
Ninguém é contra médicos estrangeiros, mas por que esses cubanos não devem passar pelas provas de validação dos diplomas como quaisquer outros? Porque vivemos sob um governo autoritário e populista.

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/luizfelipeponde/2013/09/1335414-o-fascismo-do-pt-contra-os-medicos.shtml

Luiz Felipe Pondé Luiz Felipe Pondé, pernambucano, filósofo, escritor e ensaísta, doutor pela USP, pós-doutorado em epistemologia pela Universidade de Tel Aviv, professor da PUC-SP e da Faap, discute temas como comportamento contemporâneo, religião, niilismo, ciência. Autor de vários títulos, entre eles, "Contra um mundo melhor" (Ed. LeYa). Escreve às segundas na versão impressa de "Ilustrada".

Raízes do Romantismo

O mundo, às vezes, pode parecer um lugar assustador. Um lugar onde não conseguimos ver espaço para nossa vida. A alma, então, fica ofegante, sem ar, buscando um lugar onde o horror não seja a regra.
Esse lugar pode ser um mundo invisível, o passado, um paraíso, a pessoa desejada, ou, o que às vezes é a mesma coisa, um outro inferno, como o mundo, ainda que feito da substância dos pesadelos. Quando esse terreno encontra gênios literários, o horror pode virar beleza.
A descrição acima está muito próxima do que o filósofo judeu britânico Isaiah Berlin (século 20) pensava da Alemanha (ainda que neste momento a Alemanha não existisse como unidade política) dos séculos 17 e 18, devido as terríveis guerras religiosas entre católicos e protestantes, "a Guerra dos 30 Anos".
O resultado foi uma Alemanha devastada e reduzida à "Idade Média". Enquanto França e Inglaterra nadavam de braçada em direção à modernização burguesa industrial, os alemães se afogavam no ressentimento e na melancolia. Nascia o romantismo. Essa Alemanha foi seu o berço.
A historiografia marxista costuma dizer (com razão) que o romantismo é a primeira grande ressaca da Europa com a modernização burguesa. A tese de Berlin não nega este fato, mas ilumina elementos sutis com relação aos afetos românticos.
A modernidade é bipolar. Quando acorda bem, é iluminista, científica e progressista, assim como nós quando acordamos acreditando em nossa capacidade de produzir o sucesso material em nossas vidas.
Mas quando ela acorda mal, é romântica, ciente da hostilidade do mundo e em dúvida com relação à capacidade de sua grande criação, o iluminismo racionalista e técnico-científico. Assim como nós quando acordamos em meio a madrugada sentindo a solidão de quem investiu a vida em dinheiro, profissão e sucesso material às custas dos vínculos afetivos pouco eficazes.
Mas, se o romantismo é mal-estar com o mundo burguês, ele é também fruto do mesmo mundo burguês e sua esperança na capacidade do indivíduo criar sua própria vida e sonhar com um futuro que seja autêntico e livre de convenções limitantes. O romantismo é antes de tudo uma afetividade angustiada com um mundo que nega aos homens e mulheres sua espontaneidade. Uma espontaneidade recém-adquirida graças à liberdade moderna.
Em março e abril de 1965, Berlin deu um série de conferências na National Gallery of Art em Washington, EUA, como parte do programa conhecido como The A. W. Mellon Lectures in the Fine Arts. Estas conferências foram publicadas em 2001 com o título "The Roots of Romanticism", Princeton University Press, organizadas pelo editor da obra de Berlin, Henry Hardy. São quatro conferências imperdíveis tanto para os interessados no romantismo quanto para os interessados no pensamento do próprio Berlin.
O romantismo é um grande ataque ao iluminismo e sua fé na eficácia e na ciência da razão. Por isso, na segunda das conferências, Berlin identifica no pietismo alemão do século 17 a grande matriz romântica e não nos delírios das caminhadas do solitário Rousseau. Os pietistas eram de classe média baixa, homens de letras, que liam a mística alemã medieval, principalmente autores como o místico do século 14 Meister Eckhart.
Os petistas viam o mundo como um lugar tomado pelos horrores do mal e por isso fugiam para o campo, viviam em silêncio, estudavam, e por isso mesmo tinham uma vida interior de enorme força e violência. A vida como drama, e não como "uma agenda" (como viam os iluministas).
Em especial, o teólogo e poeta piestista J.G. Hamann (1730-1788), amigo pessoal de Immanuel Kant, lerá o conceito de "Abgrund" ekhartiano, entendido pelo medieval como "abismo sem fundo" de uma alma que se descobre feita da matéria de Deus, como sendo a realidade de uma alma obscura e misteriosa que não cabe na razão, mas que é presa num mundo que não é sua casa. O exílio no mundo é a marca deste "mago do Norte", como ficou conhecido.
O romantismo nos legou esse sentimento sem cura de que criamos um mundo no qual não nos reconhecemos.
Luiz Felipe Pondé Luiz Felipe Pondé, pernambucano, filósofo, escritor e ensaísta, doutor pela USP, pós-doutorado em epistemologia pela Universidade de Tel Aviv, professor da PUC-SP e da Faap, discute temas como comportamento contemporâneo, religião, niilismo, ciência. Autor de vários títulos, entre eles, "Contra um mundo melhor" (Ed. LeYa). Escreve às segundas na versão impressa de "Ilustrada".

terça-feira, 24 de setembro de 2013

A máscara do fascismo




(Máscara de Guy Fawkes)

Tenho visto muitas máscaras de fascismo espalhadas pelos ambientes burocráticos da esfera política, entre elas estão o completo descaso dos parlamentares em discutir uma reforma política e a escandalosa indiferença com que tratam os casos de corrupção da máquina administrativa, bem como a inteira apatia em ouvir as vozes das ruas, que são os desejos da sociedade.
Um dado do Relatório Global de Felicidade, da ONU, salta aos nossos olhos, é que a corrupção é um dos fatores que impede, e muito, o brasileiro de ser o povo mais feliz do planeta. Informação recentemente publicada em site da Exame: http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/onu-revela-o-que-impede-a-felicidade-do-brasileiro
Enquanto o dinheiro público se esvai pelos ralos de obras superfaturadas, licitações escusas e outros meios de desvios de verbas públicas, grande parte dos que governam investe na tentativa de enganar os outros, a massa mal paga e menos esclarecida, com discursos evasivos, sabendo que o povo cairá, como sempre, nas mesmas armadilhas ou conversas de antes. Tal comportamento, por si só, já é carregado de fascismo!
Há pouco tempo assisti a uma palestra, na internet, da filósofa Márcia Tiburi, professora da Universidade Mackenzie de São Paulo, para quem o fascismo poderia ser descoberto com a seguinte pergunta: o que você acha do povo? Se alguém; um político, professor, jornalista, escritor, enfim, respondesse que o povo é ignorante, não entende nada, não está nem aí pra nada, este sim é um fascista.
O fascista acredita que os outros são idiotas, bobos e tolos, não servem para nada, a não ser para servir-lhe ou obedecer-lhe. O fascista impossibilita o diálogo porque não aceita um outro ponto de vista, uma outra ideia, uma outra pessoa, no fundo, não admite uma alteridade.
Lendo uma entrevista de Marilena Chauí para a Revista Cult de Agosto de 2013, pude sentir a cristalina diferença entre violência revolucionária e a fascista com relação às manifestações populares de junho: “(...) Lênin dizia assim: ‘Há uma coisa que a burguesia deixou e que nós não vamos destruir: o bom gosto e as boas maneiras’. Ora, não estamos num processo revolucionário para dizer o mínimo! Se não se está em um processo revolucionário, se não há uma organização da classe revolucionária, se não há a definição de lideranças, metas e alvos, você tem a violência fascista! Porque a forma fascista é a eliminação do outro. A violência revolucionária não é isso. Ela leva à guerra civil, à destruição física do outro, mas ela não está lá para fazer isso. Ela está lá para produzir a destruição das formas existentes da propriedade e do poder e criar uma sociedade nova. É isso que ela vai fazer. A violência fascista não é isso. Ela é aquela que propõe a exterminação do outro porque ele é outro. Não estamos num processo revolucionário e por isso corremos o risco da violência fascista contra a esquerda (mesmo quando vinda de grupos que se consideram ‘de esquerda’)”.
É no encontro com o outro, com minha alteridade que me dirijo para uma dimensão de profunda experiência humana, social e coletiva.
O movimento interno e externo de uma revolução não se faz sozinho, porque ninguém pensa sozinho, ninguém vive sozinho. É preciso criar encontros com os outros a fim de promover uma felicidade possível, um mundo mais verdadeiro, onde todos não tenham medo de encarar a sua vergonha e queiram, assim, tirar a máscara do engano, do lixo nocivo da corrupção e do fascismo.
Diferentemente do fascista, implica dizer como Slavoj Zizek: “Não sou eu. Sou só uma ferramenta. Estamos todos servindo a história”.

Prof. Jackislandy Meira de Medeiros Silva
Bel. em Teologia, Licenciado em Filosofia, Esp. em Metafísica e Pós-graduando em Estudos Clássicos pela UnB/Archai/Unesco.

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Como a humanidade pode mudar a comunidade?




Vídeo excelente de uma palestra da filósofa Márcia Tiburi em que nos mostra a importância de fazer uma experiência filosófica para uma felicidade possível. Reforça a ideia de que o diálogo é a base desse fazer filosófico, que é também uma experiência de estranhamento com minha alteridade.

Vale a pena!

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

A síndrome da "rinoceronite"


(foto de meus arquivos pessoais: zoológico de Brasília, DF) 

Não sei se li bem a peça de Eugène Ionesco, intitulada “O rinoceronte”, de 1960, na qual é possível ver, numa crescente dramática, os indivíduos de uma cidade se transformarem em animais porque não conseguem deixar de ser os mesmos, isto é, levados pela obsessão de se tornarem iguais uns aos outros, acabam se metamorfoseando em rinocerontes.
O fato, considerado absurdo, nos chama a atenção para elementos banais, usuais, uniformes e habituais da sociedade, conforme os quais, é urgente capturar senão o insólito ou a insignificância da existência. De todas as personagens, a única que resiste ao habitual, ao que chamo aqui de síndrome da “rinoceronite” naquela cidade, é Bérenger; mesmo assim, tem que conviver com sua solidão ao ponto de debater-se consigo mesmo, duvidando da sua identidade e achando que o monstro é ele, e não os outros.
            Além de ser bastante divertida, a peça consegue nos fazer pensar quem realmente somos e por que precisamos entender nossas diferenças para lutar contra a uniformidade. De tão incomum e inabitual, a mutação de pessoas em rinocerontes destoa simbolicamente como evento pontual em toda peça para uma tomada de reflexão: fingimos quem somos e nos tornamos em rinocerontes ou assumimos nossa condição humana e permanecemos homens?
            A sensação que há, ao aproximarmos a sociedade povoada de rinocerontes com a nossa, é que estamos criando cidadãos ainda mais conformados; incapazes de expressar sua indignação, impotentes frente às estruturas de poder, reféns de um modelo de comportamento padrão, segundo o qual a mediocridade é o que predomina. Parece que ser diferente ou fazer a diferença nesse país é proibido e acarreta problemas.
            Em geral, as pessoas não gostam de quem faz a diferença e, com isso, contribuem para a transformação do humano em rinocerontes, aumentando o número daqueles que sofrem com a síndrome da “rinoceronite”. Há sempre os que colaboram com a corrupção política e cedem a inúmeras espécies de suborno, tornando-se iguais aos demais. A resistência a este modelo distorcido de comportamento é algo muito raro, talvez pela forte tentação às facilidades, pelas ilusões de satisfação material ou até por causa dos medos de enfrentar a própria realidade.
            Engraçado, mas, ao menos em dois momentos que aparecem rapidamente o rinoceronte pela cidade, a reação de Bérenger é diferente da dos outros personagens envolvidos na peça, visto que no exato instante que aparece o exótico animal, também aparece Daisy e arrebata completamente a atenção de Bérenger. Enquanto todos se admiram com a presença avassaladora do bicho, somente Bérenger é envolvido pelo seu desejo particular: “Oh, Daisy!”
            Embora tomado de amor por Daisy, sentindo-se livre de seus complexos, ainda assim Bérenger não consegue ficar indiferente ao chocante acontecimento da cidade, onde pessoas amigas e queridas estão deixando de ser humanas e passando a animais. Surpreso com o avanço da “síndrome”, Bérenger desabafa: “Eu me sinto solidário com tudo o que acontece. Eu participo... Não consigo ficar indiferente.”
            Muito me impressiona o que Bérenger acaba de afirmar, pois parece soar como uma explicação razoável, segundo a qual apenas ele não tenha se transformado em rinoceronte. O lógico, os clássicos, os aparentemente bons, as autoridades, gente próxima e distante, rica e pobre, importantes ou não, todos estão se deformando. As pessoas, nas quais ele mais confiava, cederam, sucumbiram!
            No final da trama, a atmosfera ganha ares de desolação, indignação e dúvida pelas expressões de Bérenger, pondo em crise sua própria condição humana: “(vendo-se pelo espelho) Um homem não é feio; não é feio, um homem! (passando a mão pelo rosto) Que coisa gozada! Com que é que eu me pareço, então? Com quê?... Infelizmente, eu sou um monstro, sou um monstro. Infelizmente, nunca serei rinoceronte, nunca, nunca! Nunca mais poderei mudar. Gostaria muito, gostaria tanto, mas já não posso. Não quero nem olhar para a minha cara. Tenho vergonha! (vira as costas ao espelho) Como eu sou feio! Infeliz daquele que quer conservar a sua originalidade! (Tem um sobressalto brusco) Muito bem! Tanto pior! Eu me defenderei contra todo o mundo! Minha carabina, minha carabina! (Volta-se de frente para a parede do fundo onde estão as cabeças dos rinocerontes, sempre gritando) Contra todo o mundo, eu me defenderei! Eu me defenderei contra todo o mundo! Sou o último homem, hei de sê-lo até ao fim! Não me rendo!" 



Prof. Jackislandy Meira de Medeiros Silva
Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia, Especialista em Metafísica e Pós-graduando em Estudos Clássicos pela UnB/Archai/Unesco
www.twitter.com/filoflorania                     

 

terça-feira, 3 de setembro de 2013

Em um mundo melhor

(2013.08.19) EM UM MUNDO MELHOR


É possível um mundo melhor? Sim e não. Sim, é possível um mundo melhor a começar por melhores remédios, casas, escolas, hospitais, aviões, democracia (ainda acredito nela, apesar de ficar de bode às vezes).
Não, não é possível um mundo melhor porque algumas coisas não mudam, como o caráter humano, suas mentiras e vaidades, sua violência, mesmo que travestida de civilidade, nossas inseguranças, nossa miséria física e mental, nossa hipocrisia. Nossas ambivalências sem cura. Os valores são incomensuráveis. Você até pode achar que na vida vale mais a pena “ser” do que “ter”, mas isso pode ser apenas um modo infantil de ver as coisas: não há “ser” sem o “ter” que sustenta tudo.
A famosa frase “que vão os anéis e fiquem os dedos” às vezes mais parece ser bem o contrário, “que vão dedos e fiquem os anéis”, porque os diamantes são eternos, e os dedos, não. Resumindo: mesmo a tecnologia e a ciência, grandes fatores positivos, podem ser elas mesmas terríveis. Não é outro o sentido de se perguntar “como educar depois de Auschwitz?”, como se pergunta o filósofo Theodor Adorno. Mesmo a democracia pode virar coisa de “black blocs” ou demagogos que juram confiar na “sabedoria popular”. E isso dá bode.
Recentemente revi o filme “Em um Mundo Melhor“, de Susanne Bier, de 2010. Trata-se de um filme bastante didático, bom para escolas. Um médico sueco trabalha em algum lugar infeliz da África, enquanto sua família derrete na Dinamarca onde mora. Seu filho é objeto de bullying (chamam-no de “rato” pelo dentes feios que tem e esvaziam o pneu da sua bicicleta o tempo todo). Ele nunca reage. É tímido e tem medo dos mais fortes. Sabe que se reagisse apanharia mais.
Muitas vezes, a essência da coragem é perder o medo de sofrer além do que já se sofre. A verdade da coragem não é querer vencer, mas perder o medo de perder tudo que se tem.
Escolas de crianças são um escândalo. Um depósito de violência de todo tipo. Um lugar especialmente indicado se quisermos duvidar da existência de Deus usando o famoso argumento a partir do mal (“argument from evil”, como dizem os filósofos da religião americanos): se Deus existe e é bom e todo-poderoso, como o mundo pode ser mau como obviamente é?
Há todo tipo de resposta para isso, e elas compõem o que em teologia se chama “teodiceia”. Qual é o sentido de ser bom na vida? Há garantias de que o bem compensa? Não, não há, nenhuma.
Eu concordo com o filósofo Isaiah Berlin: não há teodiceia possível. Os valores são incomensuráveis entre culturas, pessoas, épocas históricas. Qualquer utopia não passa de um surto infantil projetado sobre o mundo. Não vai mais longe do que uma história de Branca de Neve.
Voltando ao filme. O médico é contra violência física. E vive isso de modo corajoso, não se pode negar. A vida que leva na África é prova de seu caráter. Enfrenta um sujeito que bate na sua cara na Dinamarca, quando está visitando sua mulher e filhos, de modo digno, revelando a estupidez que está por trás do brutamontes idiota.
Ela quer o divórcio porque se sente sozinha, é óbvio, e, aparentemente, além de deixá-la sozinha, ele andou comendo alguém por aí… Santo, mas nem tanto… Você pode salvar o mundo enterrando sua família. Olha aí a incomensurabilidade de que fala Berlin. Ao final, seu princípio de não violência é testado na África e ele perceberá que para tudo existe um basta, e às vezes a violência é tudo que resta. Os pacifistas são também gente infantil.
Mas onde está esse mundo melhor no filme? A vida em casa degringola. O filho humilhado encontra um amigo que o protege na escola. Um menino corajoso, decidido e violento, que se move no mundo de modo oposto aos princípios do médico. Na verdade, o menino é um desesperado, solitário, que acaba de perder a mãe de câncer, num processo doloroso que sutilmente o filme parece indicar ter chegado à eutanásia.
O mundo melhor parece ser aquele no qual as pessoas podem errar, pedir perdão e ser perdoadas. Um mundo melhor não é um mundo sem violência ou ambivalência, mas um mundo onde existe o perdão.

Luiz Felipe Pondé

http://luizfelipeponde.wordpress.com/2013/08/31/em-um-mundo-melhor-19-08-2013/




Salmos chilenos

Composição de ilustrações de Justin Harris

Dias atrás entrei na catedral de Santiago do Chile. Minha mulher, discípula de Guimarães Rosa, para quem “quanto mais religião melhor”, adora todo e qualquer santo. Eu, mais miserável nesse assunto, apesar de não religioso, sou facilmente capturado pelo aspecto estético e sublime de templos sagrados. Foi um prazer ver e ouvir aquela missa “en chileno”.
A catedral silenciosa, discreta e com pouca luz, com sua altura gigantesca, nos ajudava a lembrar nosso lugar no mundo -que não me venham os inteligentinhos fazer o blá-blá-blá da crítica à religião, porque a conheço desde o jardim da infância.
Sentir-se “em seu justo lugar no mundo” é parte clássica de toda boa espiritualidade, contra esse narcisismo dos “direitos do Eu total” de hoje, essa coisa “ninja brega”. Este “justo lugar no mundo” é parte daquilo que o historiador das religiões Mircea Eliade chama de perceber que não somos o “axis mundi” (o eixo do mundo). Toda verdadeira espiritualidade deve nos ajudar a vivenciar este “descentramento” de nosso próprio valor.
O mistério me encanta e me faz sentir menos banal. A sensação da banalidade de tudo me esmaga continuamente. Sou um peregrino da falta de sentido. Uma testemunha da noite escura da alma de San Juan de la Cruz e Terrence Malick. Não levo a sério ateus militantes que ainda acham que ateísmo é “evolução espiritual”. Para mim, ateísmo é, apenas, o modo mais óbvio de ser e um estágio elementar em filosofia.
Fiquei ateu com oito anos. Alguém poderia dizer que com os anos me tornei um ateu encantado pelo “personagem” Deus e pela possibilidade de existir o perdão no mundo, justamente porque, no fundo, não o merecemos. Sou cego, mas pressinto o espaço à minha volta.
O padre em sua homilia falava da alegria da vida. O papa Francisco quando cá esteve tocou neste tema, falando da “religião da alegria”. Não se trata de autoajuda, como pode parecer aos desinformados, mas da mais fina teologia moral cristã (e judaica também). O que é essa alegria? Vejamos.
A vida é precária. A pobreza (material, espiritual, psicológica) é como a gravidade, na hora em que relaxamos, ela nos consome. É uma questão de tempo. Nosso caminho é “para baixo”. Não é à toa que tomamos antidepressivos o tempo todo, cada um se vira como pode. A solidariedade na melancolia devia nos unir a todos. O que não perdoo na autoajuda é que ela mente para nosso justo desespero dizendo que ele é mera questão de incompetência.
É aqui que começa a consistência da teologia da alegria a qual se refere o papa Francisco: temos todas as razões “materiais” do mundo para sermos tristes, o milagre é não sermos tristes todo o tempo.
Confiar na vida é quase impossível. A fé na vida é um mistério e um dom. Muito mais caro do que a inteligência e a cultura — não as desprezo, porque inclusive elas são quase tudo que tenho. Este é o sentido de fé como “estar acompanhando” em sua encíclica “A Luz da Fé”.
A alegria da qual falava o padre chileno e o papa Francisco é a “alegria teologal”, aquela que nasce das três virtudes teologais básicas: a esperança, a fé e a caridade (o amor).
Ter esperança, crer na vida e amar são experiências que separam a infância espiritual da maturidade d’alma. O desespero é o caminho mais curto entre dois momentos na vida. A esperança é que é o milagre para quem enxerga o mundo como ele é. Por isso, toda literatura espiritual séria começa pelo vale das sombras.
Dizer que uma virtude é teologal é dizer que ela é fruto da graça de Deus, não uma dedução a partir dos fatos do mundo. Dos fatos, apenas deduzimos o desespero. Mas, por isso mesmo, esta alegria, quando nos visita, tem o hálito divino, por sua própria quase total impossibilidade de ser, para quem reconhece o vale das sombras à nossa volta. Na mística, esta alegria pode nos levar às lágrimas. Este é o conhecido “dom das lágrimas”, marca de quem vê a beleza do mundo em meio ao véu absoluto do desespero.
Nada a ver com religião como muleta, mas sim com uma espiritualidade de quem caminha só, eternamente, entre sombras.

Luiz Felipe Pondé

                             Fonte: http://luizfelipeponde.wordpress.com/2013/08/31/salmos-chilenos-26-08-2013/ 


Boa pergunta

Um trocadilho oportuno!

Que a corrupção não nos imobilize!

A pergunta é: como andar no meio de toda esta lama? É preciso muita força e luta para que ela não nos deixe inertes.

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