segunda-feira, 29 de outubro de 2012

RESUMO DA FILOSOFIA HUMANISTA DE LUC FERRY


Por Jorge Forbes in Café Filosófico CPFL Especial Fronteiras do Pensamento CPFL Cultura
 
Estamos vivendo momentos fortes de mudanças. Todos estão sendo afetados. São mudanças que tocam do nascimento à morte. São mudanças do nascimento à morte. São mudanças do nascimento quando estamos numa época da engenharia genética e temos questões éticas sérias para discutir sobre, por exemplo, o selecionamento de embriões. São mudanças na educação; os professores estão desesperados, a disciplina não funciona mais, os ideais até pouco tempo atrás; vamos estudar, fazer um vestibular, entrar numa faculdade também não é animador, não são animadores esses ideais para os estudantes.
Nós estamos vivendo transformações importantes no amor. Transformações fundamentais. As pessoas, hoje em dia, não têm mais nenhuma razão para estarem juntas se não quiserem estar juntas. Não dá para explicar se você está com alguém porque prometeu ao pai daquela pessoa; porque senão sua parceira ou seu parceiro vão educar mal o seu filho; porque você jurou no leito de morte pro seu sogro ou pro seu pai que ficaria com aquela pessoa até o final de sua vida. Quem reclama de manhã com quem está é porque é uma forma de declarar amor como outra qualquer. Eu detesto você; você também me detesta, muito bem, bom dia e prossigamos.
Nós temos mudanças importantes no trabalho. Nos contaram que a gente ia se aposentar aos 50, 60 anos de idade, mas é mentira. A gente vai viver agora mais 40 anos e ninguém mais vai poder se aposentar nesta idade. Quando a gente acha que chegou no auge, nós temos mais quarenta anos pela frente. Nós temos um bando de adolescentes cinquentão perdidos por aí sem saber o que fazer, como reinventar a sua vida. Faz parte também das transformações atuais. E nós temos, hoje em dia, controles que fazem, muitas vezes, esticar o momento da morte, colocando sérios problemas para as pessoas, para suas famílias. Até onde nós devemos deixar que a tecnologia aja sobre os nossos corpos, às vezes, fazendo uma vida infinita que de sã consciência ninguém gostaria de ter. Enfim, tudo isso faz com que nós estejamos sem bússola, estejamos desbussolados no séc. XXI.
Como dar uma nova bússola a este mundo? De que maneira interessou e muito o pensamento de Luc Ferry sobre uma nova ordem para o pensamento humano? Luc Ferry parte de uma ética e filosofia humanistas. Ele tem feito a clínica, isto é, ele tem se debruçado sobre esta questão e organizado da seguinte maneira. Num primeiro momento, ele nos diz que temos uma bússola muito clara que é a bússola da natureza, uma bússola cósmica, onde cada um tinha o seu lugar já pré-determinado: homens aqui, mulheres aqui, crianças ali, senhores ali, escravos lá, e assim por diante. De modo que as pessoas deviam somente se adequar a esta posição. Uma ética cósmica, onde nós não precisávamos duvidar, devíamos simplesmente nos adequar. Essa seria a primeira. A segunda, por outro lado, corrige um defeito da primeira no sentido de que faz com que todo mundo passe a ser igual. Que todos passem a ser iguais frente a um Deus. Saímos então de uma ética cósmica e entramos numa ética religiosa. Somos agora todos iguais frente à primeira, que seria a socrática. Somos todos iguais frente a um ser além de nós, que nos transcende. Essa ética dura bastante tempo, até fim do séc. XVII e início do séc. XVIII, com o iluminismo, onde ela vem substituída pela ética da razão. Sai Deus, onde estava Deus entra a razão. Finalmente, chegamos ao século passado, o século da desconstrução. Nada fica de pé. Nietzsche, Marx, Freud, Lacan desconstroem todas as possibilidades de amarrações para o ser humano. Nós ficamos sem caminhos, ficamos como dizia agora a pouco, como que desbussolados. E nesse momento, o que fazer? Nesse momento há um desespero enorme em nossa sociedade em setores que num primeiro instante acharam ótima essa liberdade e começam a ficar profundamente angustiados; vivemos um retrocesso em nossa sociedade. Encontramos livros de autoajuda a cada esquina; vemos neo-religiões dando respostas ultrapassadas a questões novas; e é necessário pois fazer essa discussão que estamos fazendo agora. O que é que propõe, enfim, nosso pensador Luc Ferry em seus livros? Ele propõe um novo humanismo. Um novo humanismo. Ele acha que nós temos que reinventar um humanismo, aquele humanismo do séc. XVIII. Não que tenhamos agora que sacralizar a razão, mas o próprio homem. Nós não morremos mais pela ideia de nação, nós não morremos mais pela ideia de Revolução, nós não morremos mais pela ideia de um Deus. Nem religião, nem guerra, nem revolução. Nós podemos, sim, nos sacrificar por um outro homem. A palavra sacrificar está na base do sagrado. A sacralização atual do próprio homem. E propõe, portanto, uma espiritualidade laica. E não é verdade que nós estejamos totalmente perdidos, que não há nada em nós além de nós. Há alguma coisa além. Há uma transcendência da nossa imanência. Aparentemente não cabe, mas se nós pensarmos, quanto mais íntimos nós formos de nós mesmos, quanto mais próximos de nós mesmos nós estivermos, mas estranhos nós vamos nos ver. Lacan chamava isso de extimo. Talvez, se fossemos honestos mesmos conosco, não diríamos nunca o meu íntimo, mas vez por outra seria melhor dizermos o meu extimo. E esse meu extimo só ganha sentido no confronto com o outro. Ou seja, na base última da imanência eu me encontro com algo além de mim que é essa parte mesma de mim por mim desconhecida em outro, razão que a gente se reúne, que a gente conversa, que a gente discute como está fazendo agora.

Compilado pelo Prof. Jackislandy Meira de M. Silva.
Muito interessante o olhar do Prof. Jorge Forbes sobre os problemas da atualidade que são revistos por uma nova filosofia humanista de Luc Ferry a partir da ideia chave de sacrifício/sagrado.

domingo, 28 de outubro de 2012

Arte poética


                                                  (foto: Ítaca na Grécia)


Olhar o rio feito de tempo e água
E recordar que o tempo é outro rio,
Saber que nos perdemos como o rio
E que os rostos passam como a água.

Sentir que a vigília é outro sonho
Que sonha não sonhar e que a morte
Que nossa carne teme é esta morte
De cada noite, que se chama sonho.

Ver no dia ou no ano um símbolo
Dos dias do homem de seus anos,
Converter o ultraje dos anos
Em música, rumor e símbolo,

Ver na morte o sonho, no ocaso
Um triste ouro, como a poesia
Que é imortal e pobre. A poesia
retorna como a aurora e o ocaso.

Às vezes, em plena tarde, uma face
Nos observa do fundo do espelho;
A arte deve ser como esse espelho
Que nos revela a própria face.

Contam que Ulisses, farto de prodígios
Chorou de amor ao avistar sua Ítaca
Verde e humilde. A arte é esta Ítaca
De verde eternidade, não de prodígios.

Também é como o rio interminável
Que passa e fica e é cristal de um mesmo
Heráclito inconstante, que é o mesmo
E outro, como o rio interminável.

Jorge Luis Borges

As coisas


A bengala, as moedas, o chaveiro,
A dócil fechadura, as tardias
Notas que não lerão os poucos dias
Que me restam, os naipes e o tabuleiro.
Um livro e em suas páginas a seca
Violeta, monumento a uma tarde
Sem dúvida inolvidável e já olvidada,
O rubro espelho ocidental em que arde
Uma ilusória aurora. Quantas coisas,
Limas, umbrais, atlas, taças, cravos,
Nos servem como tácitos escravos,
Cegas e estranhamente sigilosas!
Durarão para além de nosso esquecimento;
Nunca saberão que nos fomos num momento.

Jorge Luis Borges

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Sobre filosofia e outros diálogos - Borges, o outro e o mesmo


Jorge Luis Borges por Osvalter

Ao final da vida, Jorge Luis Borges (1899-1986) já era um clássico. Consagrado como um dos maiores escritores do século 20, era solicitado para entrevistas, palestras e aulas nas mais prestigiadas universidades do mundo, onde recebia títulos de doutor honoris causa. Entre uma viagem e outra, continuava criando os contos de teor fantástico e intelectual que lhe renderam fama. Fama, aliás, que tratava com uma refinada auto-ironia: “Eu não sei se minha obra merece essa atenção, eu acho que não, acredito que sou uma espécie de superstição, agora, internacional”.
A frase consta dos diálogos com o escritor Osvaldo Ferrari publicados em três edições pela editora Hedra: Sobre os sonhos, Sobre a filosofia e Sobre a amizade e outros diálogos. Os livros registram as reflexões e devaneios do escritor na fase madura e mais serena da vida. Borges concedeu ao todo 90 entrevistas semanais na biblioteca de sua casa, de março de 1984 até meados de 1985, pouco antes de sua morte, aos 86 anos de idade (ele morreu de câncer em Genebra, Suíça). As conversas eram transmitidas ao vivo pela Rádio Municipal de Buenos Aires e depois publicadas no jornal Tiempo Argentino. Posteriormente, foram compiladas em livro.
Que o leitor não se engane quanto aos títulos da coleção, quase arbitrários. Segundo Ferrari, não havia uma pauta pré-acordada entre ambos. Ele conta que chegava para a gravação, propunha um tema e, no decorrer da entrevista, ao que percebemos pela leitura, se preocupava em evitar que Borges fugisse muito do assunto. Conduzidas assim, sem maiores interferências ou edição, assumem um formato barroco, labiríntico, com as repetições das mesmas idéias e frases. Borges, neste sentido, era uma figura peculiar, que se autocitava com franqueza.
Das referências ao cânone pessoal — que inclui Emerson, Whitman, Dante, Shakespeare, Poe, Cervantes, Wilde, Schopenhauer, Virgílio, Chesterton, Melville, de Quincey e outros —, às observações críticas sobre romances e contos de escritores como Conrad, Kafka, Wells, Henry James, Flaubert, Kipling, Dickens e Stevenson, mesmo quando fala sobre filosofia, mitos ou sonhos, Borges sempre o faz do ponto de vista da literatura.
Cego desde 1955, cita de memórias versos e poemas. O que o interessa, entretanto, é o futuro. Fala com entusiasmo dos países que visitou e que ainda queria conhecer — China e Índia — e de seus projetos literários. Na biblioteca particular, costumava afirmar que não mantinha sequer um livro de sua autoria, e desdenhava da própria relevância como escritor. Só se interessava pelo que ainda iria escrever.

Fascismo

Ferrari não confronta o mestre em nenhum momento, e nem é essa a intenção. As conversas fluem sempre de forma extremamente polida e cordial. Ambos se tratam por “senhor”, a despeito da diferença de idade (Ferrari estava então entre os 35 e os 36 anos).
Temas como política, pelo qual Borges não se interessava, não são exatamente evitados. Simplesmente não rendem mais do que algumas frases, variações de um mesmo argumento. Para o escritor argentino, um artista deveria se abster de emitir opiniões, sobretudo políticas, sob o risco de ser julgados por elas na posteridade, em detrimento à obra.
Ele próprio foi muito criticado por seu conservadorismo político, numa época que pedia (exigia, em alguns casos) engajamentos, ainda mais na América Latina. Chegou a manifestar apoio à ditadura militar e foi perseguido pelo peronismo. Mas foi um pacato funcionário público, um esteta e escritor meticuloso, que nunca lia jornais e não se interessava pelo caráter contingencial do tempo. Declarava-se um “inofensivo anarquista”, por defender o Estado mínimo diante da autonomia individual, posição mais claramente identificada com o liberalismo político. Numa dessas raras passagens sobre política, descreve a ex-URSS como “a forma mais exacerbada de fascismo”, e o século lhe daria razão.
Borges, aliás, antecipou-se à era da globalização e ao multiculturalismo. Apregoava uma visão cosmopolita e, por diversas vezes nos encontros, situava os argentinos como europeus, ou gregos, no desterro. Queria dizer com isso que as culturas contemporâneas são uma herança do diálogo de tradições que remetem à Grécia e à Roma antigas e às civilizações primevas da Índia e da China. Assim, foi um dos primeiros escritores a divulgar e ser influenciado pela filosofia e pelas religiões orientais, principalmente o budismo, que o levou a crer numa espécie de carma, em oposição ao livre-arbítrio do homem.

Amizades

Sobre sua controversa vida pessoal, pouco acrescenta. Fala da timidez diante do público das palestras, dos pensamentos suicidas na juventude, da mãe, Leonor Acevedo Suárez, e do valor da amizade, que considerava superior ao amor erótico. Boa parte dos diálogos, a propósito, trata de amizades afetivas e literárias com escritores como Macedonio Fernández, Rubén Darío, Alfonso Reyes, Ricardo Güiraldes, Lugones, Silvina Ocampo, Bioy Casares, Sarmiento, Evaristo Carriego e Alonso Quijano.
Em outros trechos das entrevistas, relata anedotas de leitores desapontados ao saberem que ele nunca encontrou o Aleph nem possuía o sétimo volume da enciclopédia de Tlön, Uqbar, Orbis Tertius, referências de seus contos famosos publicados, respectivamente, em O Aleph e Ficções.
Se por um lado as conversas repisam assuntos já abordados no vasto acervo oral legado por dezenas de entrevistas, por outro constituem um dos mais ricos conjuntos reunidos de crítica e pensamento do escritor. Nada se revela de novo, por exemplo, sobre o método de escrita, que consistia em ter uma idéia concebida em seu início e fim, para em seguida trabalhar exaustivamente cada palavra, frase e período, ambientando seus personagens, de preferência, em tempos passados, a título de maior liberdade estética. Há também comentários sobre poesias e contos como O Aleph, O Sul, Everthing and nothing e As ruínas circulares, além de bons capítulos sobre literatura, como em O conto policial. Tudo dito com elegância, beleza e originalidade, mas, em se tratando de Borges, também um pouco mais do mesmo.
Não obstante, as entrevistas parecem adquirir a consistência de um ensaio sobre a matriz estética e idealista do universo, a qual Borges conferiu um toque pessoal. A seu modo, falava como quem escrevia um texto, com direito a se corrigir e lapidar conceitos e palavras, daí as repetições por vezes cansativas ao leitor.

Pós-moderno

Borges era um idealista, no sentido filosófico do termo. Para ele, a realidade possuía uma essência onírica e, portanto, tinha algo de fantástico. É essa a hipótese trabalhada em seus contos e que ele deixa explícita na produção oral. Por esse motivo também considerava contraditória a literatura realista. Como toda realidade é fantástica, não faz sentido fazer literatura realista, uma vez que literatura e realidade compartilham da mesma natureza.
Coerente com essa posição, Borges também considerava a experiência proporcionada pelos livros mais abrangente que as concretas. Se a vida real não passa de fábula, sonho ou literatura, pode perfeitamente ser vivenciada através dos textos. Diz ele:

(…) eu me lembro do que li mais do que vivi. Mas é claro que uma das coisas mais importantes que podem acontecer a um homem é ter lido essa ou aquela página que o comoveu, uma experiência muito intensa, não menos intensa que outras.
Um escritor que nunca tenha visto o mar, por exemplo, poderia descrevê-lo com mais intensidade que um marinheiro e, deste modo, passar uma experiência mais vívida. Em outras palavras, constrói uma narrativa melhor de mundo, mais convincente (formulação da qual o filósofo neopragmatista Richard Rorty talvez não discordasse).
Não por acaso, Borges é um dos escritores mais citados e estudados pelos críticos e filósofos pós-modernos, por conta dessa concepção de fabulação ou estetização de mundo, cujas raízes nietzschianas eram também caras aos pós-estruturalistas. É, de certa forma, a mesma idéia que orienta suas digressões sobre leitura e escrita, pautadas pelo hedonismo.

Prazer do texto

Ler, para Borges, é um ato voluntário e hedonista. Obrigar alguém a ler, lembra, é o método mais eficiente para fazer com que uma pessoa odeie livros:
Em todo caso, eu não gostaria que meus livros fossem de leitura obrigatória, uma vez que obrigatório e leitura são duas palavras que se contradizem, porque a leitura tem que ser um prazer, e um prazer não tem que ser obrigatório, tem que ser algo que se procura de maneira espontânea, sim.
Com certa dose de exagero, diz que nunca havia lido um romance do começo ao fim. “Gosto de folhear; isso quer dizer que sempre tive idéia de ser um leitor hedonista, nunca li por sentimento de dever.” Logo, o exclusivo objetivo da literatura é comover, atender a demanda por emoções do leitor. Numa das escassas críticas nominais, desanca o estruturalismo, que considerava prejudicial à crítica por resumir a prosa à sintaxe, e por gerar obras de má qualidade, sem emoção, meras “misérias formais”.
Já no papel de escritor, fez questão de desprender-se de qualquer escola ou contexto sócio-histórico (“A arte e a literatura… teriam que se libertar do tempo.”). Do mesmo modo de Baudelaire, Flaubert e Wilde, dizia que a arte justifica-se a si mesma e não precisa apresentar credenciais a nenhuma chancela de realidade. Shakespeare, Cervantes e Kafka, diz Borges, transcendem sua época por construírem signos descolados do objeto e, por esta razão, abrem-se a infinitas interpretações. A capacidade estética era, para o poeta argentino, algo inerente a todo homem, expresso no sonho, o mais antigo gênero literário. À noite, afirmava, somos todos dramaturgos, encenando narrativas diáfanas.

Deus

Se a própria realidade é de natureza fantástica, também o são as metafísicas e religiões. A hipótese borgiana vai mais longe, ao propor um Deus artista, aos moldes do filósofo alemão Friedrich Wilhelm Joseph von Schelling (que, ao que tudo indica, não chegou a ler). Num dos diálogos, Borges dá seqüência à máxima de Mallarmé, de que tudo que existe acaba em um livro, e de Homero, para quem os deuses provêm aos homens infortúnios, para que tenham o que cantar: “(….) poderíamos supor que tudo acontece não para sofrermos ou desfrutarmos, mas porque tudo possui um valor estético, e com isso teríamos uma nova teologia, baseada na estética”. O Deus borgiano é o oposto do Javé colérico que imprime culpa e castigo aos homens.
Haveria, finalmente, um elo entre religião, estética e ética. Para Borges, a finalidade da religião é prover um norte de conduta ao homem, um propósito de ordem moral. Segundo ele, a ética tem uma origem instintiva, o que significa que qualquer um pode distinguir boas de más ações, mas é aprimorada pela razão. Um ato de bondade é um ato de inteligência e, por conseguinte, o homem culto possui responsabilidades maiores por suas ações. Deus, para Borges, é essa procura racional pelo bem nos homens que, no caminho, encontram resoluções estéticas para compor uma realidade mais suportável e experiências mais ricas.
Borges, infelizmente, não terminou de revisar sua cosmologia. Como no conto The unending gift (publicado em Elogio da sombra), em que um pintor promete um quadro e morre antes de terminar a obra, deixou um presente mais precioso porque indefinido, na forma de conjecturas.

Os autoresO argentino JORGE LUIS BORGES nasceu em Buenos Aires, em 1899. É um dos mais importantes e conhecidos escritores latino-americanos do século 20. Ficou notório pelos seus contos fantásticos, sobretudo os reunidos nas obras Ficções e O Aleph. Iniciou em literatura publicando poesias e também escreveu ensaios. Temas recorrentes nos seus livros, como labirintos, espadas, tigres, espelhos, o tempo e a memória fazem parte de sua mitologia pessoal. Depois de ficar cego, em 1955, passou a ditar contos e poemas e viajar pelo mundo dando palestras. Pouco antes de morrer, casou-se com Maria Kodama, sua secretária particular. Morreu em 1986, em Genebra.
OSVALDO FERRARI nasceu em 1948. É jornalista, professor universitário e escritor argentino, autor de Poemas de vida (1974) e Poemas autobiográficos (1981), além de ensaios literários e entrevistas com escritores famosos.

JOSÉ RENATO SALATIELé jornalista e professor universitário.

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

O que é uma vida decente?



Quando se fala de corrupção, todo mundo mente. Quase todo mundo prefere um pai ou marido corrupto a um honesto, mas pobre. Para resistir à corrupção, você tem que ser radical, ou religioso, ou moral ou político.
Parafraseando Hanna Arendt em seu “Eichmann em Jerusalém”, quando ela disse que os nazistas estavam preocupados com a aposentadoria e chamou isso de banalidade do mal, eu diria que existe uma “banalidade da corrupção” inscrita na perversão do que seria uma vida decente.
Não quero “desculpar” a corrupção, quero trazer à tona uma causa ancestral de corrupção da qual não se fala no silêncio do cotidiano.
O julgamento do mensalão não significou nada para o eleitor, mesmo para aquele que se julga “crítico”. Ninguém dá bola para a corrupção do seu partido do “coração”. Também foi importante para ver o modo de operação da corrupção ideologicamente justificada inventada pelo PT: só faltava dizer que foi a direita de Marte que inventou tudo.
Já se falou muito que quando classes sociais mais baixas ascendem socialmente e tentam imitar os hábitos da aristocracia ficam ridículas. Isso é descrito como “novo rico”. Mas o “novo corrupto” é tão ridículo quanto. Que “saudade” dos corruptos clássicos do coronelismo nordestino, que negavam, mas não apelavam para uma inocência ideologicamente justificada, ou simplesmente não se davam ao trabalho de negar. Os mensaleiros continuam a agir como um clero de puros de coração.
Mas não é disso que quero falar. Quero falar do fato de que, para além do debate político — que acho chatinho e quase sempre um circo –, a corrupção se alimenta de algo muito mais profundo. Damos pouca atenção a esse fato porque a substância da moral pública é a hipocrisia, por isso é melhor brincar de dizer que a causa é só política, quando na realidade é mais banal do que isso.
Quase ninguém quer ter um pai ou marido pobre, e sim prefere um pai ou marido corrupto, mas que dê boas condições de vida. Esta é a verdade que não se fala.
Imagine que você é uma jovem mulher que vai casar com um jovem rapaz. Antes que me acusem de “sexista” (mais um termo usado para quebrar a espinha dorsal do debate público, semelhante a acusar alguém de pedófilo), o que vou descrever pode acontecer também com um homem, mas é mais comum ser mulher, porque elas ainda são mais financeiramente dependentes e continuam execrando homem sem sucesso profissional, apesar das mentiras das feministas.
Agora imagine que seu marido será um policial honesto até o fim da vida. A chance de ele acabar pobre é enorme. O mesmo pode acontecer, ainda que num grau mais alto em termos financeiros, com qualquer um que venha ocupar um cargo nos variados escalões do governo.
Agora imagine que, no começo, ele seja honesto e com ereção e vigor, e você também seja uma jovem mulher cheia de vida e expectativas. Agora imagine que se passaram 20 anos… 30 anos… O que importa? A honestidade dele ou ele pensar “no bem-estar da família”? Espere, não responda em voz alta, guarde para si a resposta, senão você mentirá na certa.
Por “pensar no bem-estar da família”, quero dizer: roupa, comida boa, escola dos filhos, melhor casa para morar, ajudar os sogros doentes e idosos, viajar para Miami e Paris, apartamento na praia, iPhone, no mínimo para as crianças, carro novo, uma bolsa de marca, ainda que “em conta”, sair com amigos para jantar, levar as crianças para comer pizza no domingo, poder mostrar para os cunhados que você está melhor de vida (isso às vezes vale mais do que tudo na escala da miséria moral de todos nós), viajar de avião, comprar coisas nos EUA, ter TV de 200 polegadas, iPads, enfim, “ter uma vida”.
Em situações de risco, em guerras, a covardia é a regra — ao contrário dos mentirosos que até hoje se dizem filhos de “la résistance française”.
No dia a dia, isso tem outro nome: honestidade não vale nada, o que vale é ter uma “vida decente”: segurança para os filhos, uma esposa feliz porque pode comprar o que quiser (dentro do orçamento, claro, mas quanto menor o orçamento menor o amor…), enfim, um “futuro melhor”.

Luiz Felipe Pondé (jornal FSP – 22.10.2012)  | Outra fonte para este artigo: AQUI


quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Um grito de identidade


Repare bem cautelosamente se você já se viu em alguém. Pode ser alguém da família, seus pares ou membros de um grupo; alguém com quem você desenvolveu seus afetos, sua intimidade, cuja reciprocidade fora aumentando pouco a pouco até não parar mais. Geralmente, além de pessoas, nos identificamos também com lugares, profissões, estudos. Mas, os que marcam mesmo nossas vidas, a bem da verdade, são nossos pais, irmãos, tios, tias e avós, sem desmerecer, claro, a descoberta de um amigo ou de uma pessoa amada.

Ver-se em alguém é identificar-se com este alguém, ultrapassando os limites da aparência. Via de regra, a aparência da identidade está fixa e inerte em registros de identidade, onde cada qual apenas estampa no papel sua face para fins burocráticos e sociais. A identidade não é simplesmente um documento de papel que carrega sua impressão digital e foto, bem como o nome bastante apresentável, aprisionada numa carteira ao bolso, senão guardada e abandonada em gavetas ou pastas.

Perder a identidade para a cultura grega significa perder a vida, equivale a estar realmente morto: “Para os gregos, o que caracteriza a morte é a perda da identidade. Os mortos são, antes de mais nada, sem-nome ou mesmo sem-rosto. Todos que deixam a vida se tornam anônimos, perdem a individualidade.(...) É essa despersonalização que caracteriza a morte aos olhos dos gregos(...)”(In FERRY, Luc. A sabedoria dos mitos gregos. Aprender a viver II. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009, p. 145).

Descobrir seu eu no mundo, seu lugar no tempo/espaço da história é ver-se na mais translúcida imagem de sua subjetividade; é descobrir-se para si mesmo e habitar um mundo possível, crescente, dinâmico e infinito, movido pelo despertar semelhante ao do filho de Ulisses, Telêmaco, quando da sua busca incessante por notícias do pai que estava a vaguear pelo mundo, perdido e com saudades de casa.

As primeiras quatro partes ou capítulos da clássica obra de Homero, a Odisseia, revelam essa busca incansável do jovem pela confirmação dos belos feitos do seu pai, rei de Ítaca. A saída de Telêmaco da ilha ao encontro do pai representa sua saída ao encontro de si mesmo. Assim como Telêmaco, um homem precisa de aventuras ou precisa satisfazer o desejo da maravilha, da curiosidade de querer ver as coisas para forjar, no sofrimento e na nostalgia de casa, a personalidade, construir o caráter e, definitivamente, encontrar seu lugar mundo, quem você é e por que está aqui.

Todos temos uma identidade, quando sufocada e presa, grita de dentro de nós. É o grito da alma humana pelo reconhecimento de sua própria identidade.

Como não acenar aqui para a tão reconhecida obra de Milan Kundera, a identidade, em que Chantal, personagem central da trama, reclama repetidamente por identidade quando pensa: “Vivo num mundo onde os homens nunca mais irão se virar para olhar para mim”. Só que, ao saber quem, de fato, era Chantal, pouco antes de declarar que havia se enganado, Jean-Marc saboreia o prazer de olhar para ela e percebe que Chantal é o “seu único vínculo sentimental com o mundo”, pois “só ela, e mais ninguém, o liberta de sua indiferença. Só por intermédio dela é capaz de se compadecer”. Acordada de seu sonho, pelo “grito” de Jean-Marc, a bela Chantal não quer perder de vista a identidade de seu amor: “Não vou mais tirar os olhos de você. Vou olhar para você sem parar”.



Prof. Jackislandy Meira de M. Silva

Especialista em Metafísica, Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Pós-graduando em Estudos Clássicos pela UNB e Archai Unesco.



quinta-feira, 18 de outubro de 2012

23 a 27/10: CIENTEC e II Feira de Livros e Quadrinhos de Natal(FLIQ)

A Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) realiza no período de 23 a 27 e outubro, a XVIII Semana de Ciência, Tecnologia e Cultura (CIENTEC), abordando o tema “Energias: Sustentabilidade, desenvolvimento e seus impactos”. Paralelo à programação da CIENTEC acontece de 23 a 26, a II Feira de Livros e Quadrinhos de Natal (FLIQ), na Praça Cívica do Campus Central da UFRN.
O evento visa despertar na sociedade natalense, principalmente nos visitantes da Feira, o gosto pela leitura e à produção literária, tanto local como nacional.
A programação da Feira de Livros e Quadrinhos contempla oficinas, mesas de debate e bate papos com autores, desenhistas e lustradores. Também está previsto a realização de leituras de obras, lançamento de livros, quadrinhos e cordéis, além de espaço para a venda de materiais nos sebos, livreiros e nas editoras.
Ainda dentro da programação do evento haverá concurso com premiações para os melhores cosplayers (pessoas que se vestem e agem como personagens de animes ou HQ).
Para participar da CIENTEC como também da Feira de Livros, não precisa realizar inscrição. Basta que os interessados se dirijam até a Praça Cívica do Campus e percorra à vontade os pavilhões e estandes montados, em busca de aprender um pouco sobre ciência, tecnologia e literatura.
 
Para mais informações acesse os sites: http://www.cientec.ufrn.br/cientec2012/index.php e http://fliqnatal.com.br/ .

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Professor: Um dia para se pensar!

Falta de recursos, salário baixo, devalorização e entre outras coisas são motivos que nos fazem pensar e repensar nossa profissão de Professor. Contudo, que nada disso nos deixe apagar a chama do fogo pelo aprender. A atividade da aprendizagem mútua, descentralizadora, dinâmica e bifurcante, resiliente, seja lá o que vierem a chamá-la, que seja um acontecimento contínuo, para sempre em nossas vidas. Afinal de contas, aprender nunca é demais e é esse o diferencial do Professor, um exemplo do aprender, pois ele mesmo deve nos levar a isso.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Afrodite age nos sentidos



É um prazer falar de Afrodite, uma vez que faz bem aos ouvidos e aos olhos. Digo, pelo simples fato de nos referirmos a ela não só como uma deusa louvada na Grécia, mas também na Ásia, no mundo oriental, recheada de simbolismo e encanto. Vale salientar aqui a importância da poesia grega orada, feita para o ouvido e para o olho, antes de qualquer teorização sobre o amor. Mais do que falar Afrodite, é preciso sentir Afrodite no imaginário grego. Esplêndido este detalhe, na medida em que é perceptível na literatura grega, quer nas tragédias ou nas obras filosóficas, sobretudo em Platão e Aristóteles, como também em Homero e Hesíodo, nuances de Afrodite que age na sensibilidade, no corpo, no físico, ao pé do ouvido.
Como não lembrar que foi ela própria, Afrodite, chamar Helena, que encontrou na alta muralha, no meio de uma multidão de Troianas, em plena guerra. A narrativa é feita no alto da passagem da Ilíada, III, 383-447. Afrodite expõe toda sua hábil sedução para atrair Helena até ao leito nupcial e salvar Alexandre da guerra.
No entanto, a lenda da origem de Afrodite, disseminada no Oriente, que diz que os peixes do Eufrates tinham encontrado um ovo grande nas águas do rio e carregaram esse ovo até a praia, onde uma pomba chegou e quebrou o ovo, e dentro estava Afrodite. Daí, mesmo em cultura ocidental, Afrodite vir representada junto às águas ou aos pássaros. Por isso, sua associação do amor a cenários naturais.
Da tradição grega, herdamos a visão de Afrodite já no Olimpo como filha de Zeus junto a Eros. “Mas dos órgãos sexuais do Céu surgiu também uma outra deusa, que não pertence mais a Eris, mas sim, pelo contrário, a Eros, não mais à discórdia e ao conflito, mas ao amor(proximidade das duas palavras, em grego, parece indicar também uma proximidade nos fatos: muito facilmente se passa do amor ao ódio, de Eros a Eris): trata-se de Afrodite, a deusa da beleza e, justamente, do amor. Você se lembra que o sangue do sexo de Urano caiu na terra, mas o sexo, propriamente, Cronos jogou longe, por cima do ombro, e ele foi se perder no mar. E boiou! Flutuou na água, no meio da espuma branca – espuma que, em grego, se diz, afros, a qual, misturando-se à outra espuma que saía do sexo de Urano, gerou uma sublimíssima jovem: Afrodite, a mais bela de todas as divindades. É a deusa da doçura, do carinho, dos sorrisos trocados pelos apaixonados, mas também a da sexualidade brutal e da duplicidade do que se diz quando se quer seduzir o outro, querendo agradar, palavras que no mínimo são sempre fiéis à verdade, a duplicidade serve para atrair afetos,(…). Afrodite é tudo isso: a sedução e a mentira, o charme e a vaidade, o amor e o ciúme que dele nasce, a ternura, mas também as crises de raiva e de ódio geradas pelas paixões contrariadas. No que, mais uma vez, Eros nunca está muito longe de Eris, o amor sempre na vizinhança da disputa. Se dermos ouvido a Hesíodo, quando ela sai das águas, em Chipre, está sempre acompanhada por duas outras divindades menores que lhe servem, de certa maneira, de 'acompanhantes', companheiros e confidentes: Eros, justamente, mas dessa vez se trata de Eros número 2, o pequeno personagem de que falei ainda a pouco e frequentemente será representado, mas bem posteriormente a Hesíodo, como um menino bochechudo, armado com um arco e flechas. E, ao lado de Eros, há Imeros, o desejo, que sempre abre caminho para o amor propriamente dito...”(FERRY, Luc. A sabedoria dos mitos gregos. Aprender a viver II. Trad. de Jorge Bastos. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009, p. 54-55).
Afrodite é impressionante pelo páthos que ela provoca nos corpos, devido ao seu deleite físico. O que seria de nós sem o prazer, o cheiro e a visão do amor que emana do poder afrodisíaco da bela Afrodite em todos os seres? Pascal, filósofo francês, acreditava que é impossível fazer alguma coisa de grande sem paixão. É isso que Afrodite estimula nos seres, nas pessoas, o desejo incessante de seduzir o outro. Talvez seja ela a maior responsável por acordar o amor em nós, despertando-nos do sono dos sentidos.


Prof. Jackislandy Meira de Medeiros Silva
Especialista em Metafísica, Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Pós-graduando em Estudos Clássicos pela UnB em parceria com Archai Unesco.




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segunda-feira, 29 de outubro de 2012

RESUMO DA FILOSOFIA HUMANISTA DE LUC FERRY


Por Jorge Forbes in Café Filosófico CPFL Especial Fronteiras do Pensamento CPFL Cultura
 
Estamos vivendo momentos fortes de mudanças. Todos estão sendo afetados. São mudanças que tocam do nascimento à morte. São mudanças do nascimento à morte. São mudanças do nascimento quando estamos numa época da engenharia genética e temos questões éticas sérias para discutir sobre, por exemplo, o selecionamento de embriões. São mudanças na educação; os professores estão desesperados, a disciplina não funciona mais, os ideais até pouco tempo atrás; vamos estudar, fazer um vestibular, entrar numa faculdade também não é animador, não são animadores esses ideais para os estudantes.
Nós estamos vivendo transformações importantes no amor. Transformações fundamentais. As pessoas, hoje em dia, não têm mais nenhuma razão para estarem juntas se não quiserem estar juntas. Não dá para explicar se você está com alguém porque prometeu ao pai daquela pessoa; porque senão sua parceira ou seu parceiro vão educar mal o seu filho; porque você jurou no leito de morte pro seu sogro ou pro seu pai que ficaria com aquela pessoa até o final de sua vida. Quem reclama de manhã com quem está é porque é uma forma de declarar amor como outra qualquer. Eu detesto você; você também me detesta, muito bem, bom dia e prossigamos.
Nós temos mudanças importantes no trabalho. Nos contaram que a gente ia se aposentar aos 50, 60 anos de idade, mas é mentira. A gente vai viver agora mais 40 anos e ninguém mais vai poder se aposentar nesta idade. Quando a gente acha que chegou no auge, nós temos mais quarenta anos pela frente. Nós temos um bando de adolescentes cinquentão perdidos por aí sem saber o que fazer, como reinventar a sua vida. Faz parte também das transformações atuais. E nós temos, hoje em dia, controles que fazem, muitas vezes, esticar o momento da morte, colocando sérios problemas para as pessoas, para suas famílias. Até onde nós devemos deixar que a tecnologia aja sobre os nossos corpos, às vezes, fazendo uma vida infinita que de sã consciência ninguém gostaria de ter. Enfim, tudo isso faz com que nós estejamos sem bússola, estejamos desbussolados no séc. XXI.
Como dar uma nova bússola a este mundo? De que maneira interessou e muito o pensamento de Luc Ferry sobre uma nova ordem para o pensamento humano? Luc Ferry parte de uma ética e filosofia humanistas. Ele tem feito a clínica, isto é, ele tem se debruçado sobre esta questão e organizado da seguinte maneira. Num primeiro momento, ele nos diz que temos uma bússola muito clara que é a bússola da natureza, uma bússola cósmica, onde cada um tinha o seu lugar já pré-determinado: homens aqui, mulheres aqui, crianças ali, senhores ali, escravos lá, e assim por diante. De modo que as pessoas deviam somente se adequar a esta posição. Uma ética cósmica, onde nós não precisávamos duvidar, devíamos simplesmente nos adequar. Essa seria a primeira. A segunda, por outro lado, corrige um defeito da primeira no sentido de que faz com que todo mundo passe a ser igual. Que todos passem a ser iguais frente a um Deus. Saímos então de uma ética cósmica e entramos numa ética religiosa. Somos agora todos iguais frente à primeira, que seria a socrática. Somos todos iguais frente a um ser além de nós, que nos transcende. Essa ética dura bastante tempo, até fim do séc. XVII e início do séc. XVIII, com o iluminismo, onde ela vem substituída pela ética da razão. Sai Deus, onde estava Deus entra a razão. Finalmente, chegamos ao século passado, o século da desconstrução. Nada fica de pé. Nietzsche, Marx, Freud, Lacan desconstroem todas as possibilidades de amarrações para o ser humano. Nós ficamos sem caminhos, ficamos como dizia agora a pouco, como que desbussolados. E nesse momento, o que fazer? Nesse momento há um desespero enorme em nossa sociedade em setores que num primeiro instante acharam ótima essa liberdade e começam a ficar profundamente angustiados; vivemos um retrocesso em nossa sociedade. Encontramos livros de autoajuda a cada esquina; vemos neo-religiões dando respostas ultrapassadas a questões novas; e é necessário pois fazer essa discussão que estamos fazendo agora. O que é que propõe, enfim, nosso pensador Luc Ferry em seus livros? Ele propõe um novo humanismo. Um novo humanismo. Ele acha que nós temos que reinventar um humanismo, aquele humanismo do séc. XVIII. Não que tenhamos agora que sacralizar a razão, mas o próprio homem. Nós não morremos mais pela ideia de nação, nós não morremos mais pela ideia de Revolução, nós não morremos mais pela ideia de um Deus. Nem religião, nem guerra, nem revolução. Nós podemos, sim, nos sacrificar por um outro homem. A palavra sacrificar está na base do sagrado. A sacralização atual do próprio homem. E propõe, portanto, uma espiritualidade laica. E não é verdade que nós estejamos totalmente perdidos, que não há nada em nós além de nós. Há alguma coisa além. Há uma transcendência da nossa imanência. Aparentemente não cabe, mas se nós pensarmos, quanto mais íntimos nós formos de nós mesmos, quanto mais próximos de nós mesmos nós estivermos, mas estranhos nós vamos nos ver. Lacan chamava isso de extimo. Talvez, se fossemos honestos mesmos conosco, não diríamos nunca o meu íntimo, mas vez por outra seria melhor dizermos o meu extimo. E esse meu extimo só ganha sentido no confronto com o outro. Ou seja, na base última da imanência eu me encontro com algo além de mim que é essa parte mesma de mim por mim desconhecida em outro, razão que a gente se reúne, que a gente conversa, que a gente discute como está fazendo agora.

Compilado pelo Prof. Jackislandy Meira de M. Silva.
Muito interessante o olhar do Prof. Jorge Forbes sobre os problemas da atualidade que são revistos por uma nova filosofia humanista de Luc Ferry a partir da ideia chave de sacrifício/sagrado.

domingo, 28 de outubro de 2012

Arte poética


                                                  (foto: Ítaca na Grécia)


Olhar o rio feito de tempo e água
E recordar que o tempo é outro rio,
Saber que nos perdemos como o rio
E que os rostos passam como a água.

Sentir que a vigília é outro sonho
Que sonha não sonhar e que a morte
Que nossa carne teme é esta morte
De cada noite, que se chama sonho.

Ver no dia ou no ano um símbolo
Dos dias do homem de seus anos,
Converter o ultraje dos anos
Em música, rumor e símbolo,

Ver na morte o sonho, no ocaso
Um triste ouro, como a poesia
Que é imortal e pobre. A poesia
retorna como a aurora e o ocaso.

Às vezes, em plena tarde, uma face
Nos observa do fundo do espelho;
A arte deve ser como esse espelho
Que nos revela a própria face.

Contam que Ulisses, farto de prodígios
Chorou de amor ao avistar sua Ítaca
Verde e humilde. A arte é esta Ítaca
De verde eternidade, não de prodígios.

Também é como o rio interminável
Que passa e fica e é cristal de um mesmo
Heráclito inconstante, que é o mesmo
E outro, como o rio interminável.

Jorge Luis Borges

As coisas


A bengala, as moedas, o chaveiro,
A dócil fechadura, as tardias
Notas que não lerão os poucos dias
Que me restam, os naipes e o tabuleiro.
Um livro e em suas páginas a seca
Violeta, monumento a uma tarde
Sem dúvida inolvidável e já olvidada,
O rubro espelho ocidental em que arde
Uma ilusória aurora. Quantas coisas,
Limas, umbrais, atlas, taças, cravos,
Nos servem como tácitos escravos,
Cegas e estranhamente sigilosas!
Durarão para além de nosso esquecimento;
Nunca saberão que nos fomos num momento.

Jorge Luis Borges

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Sobre filosofia e outros diálogos - Borges, o outro e o mesmo


Jorge Luis Borges por Osvalter

Ao final da vida, Jorge Luis Borges (1899-1986) já era um clássico. Consagrado como um dos maiores escritores do século 20, era solicitado para entrevistas, palestras e aulas nas mais prestigiadas universidades do mundo, onde recebia títulos de doutor honoris causa. Entre uma viagem e outra, continuava criando os contos de teor fantástico e intelectual que lhe renderam fama. Fama, aliás, que tratava com uma refinada auto-ironia: “Eu não sei se minha obra merece essa atenção, eu acho que não, acredito que sou uma espécie de superstição, agora, internacional”.
A frase consta dos diálogos com o escritor Osvaldo Ferrari publicados em três edições pela editora Hedra: Sobre os sonhos, Sobre a filosofia e Sobre a amizade e outros diálogos. Os livros registram as reflexões e devaneios do escritor na fase madura e mais serena da vida. Borges concedeu ao todo 90 entrevistas semanais na biblioteca de sua casa, de março de 1984 até meados de 1985, pouco antes de sua morte, aos 86 anos de idade (ele morreu de câncer em Genebra, Suíça). As conversas eram transmitidas ao vivo pela Rádio Municipal de Buenos Aires e depois publicadas no jornal Tiempo Argentino. Posteriormente, foram compiladas em livro.
Que o leitor não se engane quanto aos títulos da coleção, quase arbitrários. Segundo Ferrari, não havia uma pauta pré-acordada entre ambos. Ele conta que chegava para a gravação, propunha um tema e, no decorrer da entrevista, ao que percebemos pela leitura, se preocupava em evitar que Borges fugisse muito do assunto. Conduzidas assim, sem maiores interferências ou edição, assumem um formato barroco, labiríntico, com as repetições das mesmas idéias e frases. Borges, neste sentido, era uma figura peculiar, que se autocitava com franqueza.
Das referências ao cânone pessoal — que inclui Emerson, Whitman, Dante, Shakespeare, Poe, Cervantes, Wilde, Schopenhauer, Virgílio, Chesterton, Melville, de Quincey e outros —, às observações críticas sobre romances e contos de escritores como Conrad, Kafka, Wells, Henry James, Flaubert, Kipling, Dickens e Stevenson, mesmo quando fala sobre filosofia, mitos ou sonhos, Borges sempre o faz do ponto de vista da literatura.
Cego desde 1955, cita de memórias versos e poemas. O que o interessa, entretanto, é o futuro. Fala com entusiasmo dos países que visitou e que ainda queria conhecer — China e Índia — e de seus projetos literários. Na biblioteca particular, costumava afirmar que não mantinha sequer um livro de sua autoria, e desdenhava da própria relevância como escritor. Só se interessava pelo que ainda iria escrever.

Fascismo

Ferrari não confronta o mestre em nenhum momento, e nem é essa a intenção. As conversas fluem sempre de forma extremamente polida e cordial. Ambos se tratam por “senhor”, a despeito da diferença de idade (Ferrari estava então entre os 35 e os 36 anos).
Temas como política, pelo qual Borges não se interessava, não são exatamente evitados. Simplesmente não rendem mais do que algumas frases, variações de um mesmo argumento. Para o escritor argentino, um artista deveria se abster de emitir opiniões, sobretudo políticas, sob o risco de ser julgados por elas na posteridade, em detrimento à obra.
Ele próprio foi muito criticado por seu conservadorismo político, numa época que pedia (exigia, em alguns casos) engajamentos, ainda mais na América Latina. Chegou a manifestar apoio à ditadura militar e foi perseguido pelo peronismo. Mas foi um pacato funcionário público, um esteta e escritor meticuloso, que nunca lia jornais e não se interessava pelo caráter contingencial do tempo. Declarava-se um “inofensivo anarquista”, por defender o Estado mínimo diante da autonomia individual, posição mais claramente identificada com o liberalismo político. Numa dessas raras passagens sobre política, descreve a ex-URSS como “a forma mais exacerbada de fascismo”, e o século lhe daria razão.
Borges, aliás, antecipou-se à era da globalização e ao multiculturalismo. Apregoava uma visão cosmopolita e, por diversas vezes nos encontros, situava os argentinos como europeus, ou gregos, no desterro. Queria dizer com isso que as culturas contemporâneas são uma herança do diálogo de tradições que remetem à Grécia e à Roma antigas e às civilizações primevas da Índia e da China. Assim, foi um dos primeiros escritores a divulgar e ser influenciado pela filosofia e pelas religiões orientais, principalmente o budismo, que o levou a crer numa espécie de carma, em oposição ao livre-arbítrio do homem.

Amizades

Sobre sua controversa vida pessoal, pouco acrescenta. Fala da timidez diante do público das palestras, dos pensamentos suicidas na juventude, da mãe, Leonor Acevedo Suárez, e do valor da amizade, que considerava superior ao amor erótico. Boa parte dos diálogos, a propósito, trata de amizades afetivas e literárias com escritores como Macedonio Fernández, Rubén Darío, Alfonso Reyes, Ricardo Güiraldes, Lugones, Silvina Ocampo, Bioy Casares, Sarmiento, Evaristo Carriego e Alonso Quijano.
Em outros trechos das entrevistas, relata anedotas de leitores desapontados ao saberem que ele nunca encontrou o Aleph nem possuía o sétimo volume da enciclopédia de Tlön, Uqbar, Orbis Tertius, referências de seus contos famosos publicados, respectivamente, em O Aleph e Ficções.
Se por um lado as conversas repisam assuntos já abordados no vasto acervo oral legado por dezenas de entrevistas, por outro constituem um dos mais ricos conjuntos reunidos de crítica e pensamento do escritor. Nada se revela de novo, por exemplo, sobre o método de escrita, que consistia em ter uma idéia concebida em seu início e fim, para em seguida trabalhar exaustivamente cada palavra, frase e período, ambientando seus personagens, de preferência, em tempos passados, a título de maior liberdade estética. Há também comentários sobre poesias e contos como O Aleph, O Sul, Everthing and nothing e As ruínas circulares, além de bons capítulos sobre literatura, como em O conto policial. Tudo dito com elegância, beleza e originalidade, mas, em se tratando de Borges, também um pouco mais do mesmo.
Não obstante, as entrevistas parecem adquirir a consistência de um ensaio sobre a matriz estética e idealista do universo, a qual Borges conferiu um toque pessoal. A seu modo, falava como quem escrevia um texto, com direito a se corrigir e lapidar conceitos e palavras, daí as repetições por vezes cansativas ao leitor.

Pós-moderno

Borges era um idealista, no sentido filosófico do termo. Para ele, a realidade possuía uma essência onírica e, portanto, tinha algo de fantástico. É essa a hipótese trabalhada em seus contos e que ele deixa explícita na produção oral. Por esse motivo também considerava contraditória a literatura realista. Como toda realidade é fantástica, não faz sentido fazer literatura realista, uma vez que literatura e realidade compartilham da mesma natureza.
Coerente com essa posição, Borges também considerava a experiência proporcionada pelos livros mais abrangente que as concretas. Se a vida real não passa de fábula, sonho ou literatura, pode perfeitamente ser vivenciada através dos textos. Diz ele:

(…) eu me lembro do que li mais do que vivi. Mas é claro que uma das coisas mais importantes que podem acontecer a um homem é ter lido essa ou aquela página que o comoveu, uma experiência muito intensa, não menos intensa que outras.
Um escritor que nunca tenha visto o mar, por exemplo, poderia descrevê-lo com mais intensidade que um marinheiro e, deste modo, passar uma experiência mais vívida. Em outras palavras, constrói uma narrativa melhor de mundo, mais convincente (formulação da qual o filósofo neopragmatista Richard Rorty talvez não discordasse).
Não por acaso, Borges é um dos escritores mais citados e estudados pelos críticos e filósofos pós-modernos, por conta dessa concepção de fabulação ou estetização de mundo, cujas raízes nietzschianas eram também caras aos pós-estruturalistas. É, de certa forma, a mesma idéia que orienta suas digressões sobre leitura e escrita, pautadas pelo hedonismo.

Prazer do texto

Ler, para Borges, é um ato voluntário e hedonista. Obrigar alguém a ler, lembra, é o método mais eficiente para fazer com que uma pessoa odeie livros:
Em todo caso, eu não gostaria que meus livros fossem de leitura obrigatória, uma vez que obrigatório e leitura são duas palavras que se contradizem, porque a leitura tem que ser um prazer, e um prazer não tem que ser obrigatório, tem que ser algo que se procura de maneira espontânea, sim.
Com certa dose de exagero, diz que nunca havia lido um romance do começo ao fim. “Gosto de folhear; isso quer dizer que sempre tive idéia de ser um leitor hedonista, nunca li por sentimento de dever.” Logo, o exclusivo objetivo da literatura é comover, atender a demanda por emoções do leitor. Numa das escassas críticas nominais, desanca o estruturalismo, que considerava prejudicial à crítica por resumir a prosa à sintaxe, e por gerar obras de má qualidade, sem emoção, meras “misérias formais”.
Já no papel de escritor, fez questão de desprender-se de qualquer escola ou contexto sócio-histórico (“A arte e a literatura… teriam que se libertar do tempo.”). Do mesmo modo de Baudelaire, Flaubert e Wilde, dizia que a arte justifica-se a si mesma e não precisa apresentar credenciais a nenhuma chancela de realidade. Shakespeare, Cervantes e Kafka, diz Borges, transcendem sua época por construírem signos descolados do objeto e, por esta razão, abrem-se a infinitas interpretações. A capacidade estética era, para o poeta argentino, algo inerente a todo homem, expresso no sonho, o mais antigo gênero literário. À noite, afirmava, somos todos dramaturgos, encenando narrativas diáfanas.

Deus

Se a própria realidade é de natureza fantástica, também o são as metafísicas e religiões. A hipótese borgiana vai mais longe, ao propor um Deus artista, aos moldes do filósofo alemão Friedrich Wilhelm Joseph von Schelling (que, ao que tudo indica, não chegou a ler). Num dos diálogos, Borges dá seqüência à máxima de Mallarmé, de que tudo que existe acaba em um livro, e de Homero, para quem os deuses provêm aos homens infortúnios, para que tenham o que cantar: “(….) poderíamos supor que tudo acontece não para sofrermos ou desfrutarmos, mas porque tudo possui um valor estético, e com isso teríamos uma nova teologia, baseada na estética”. O Deus borgiano é o oposto do Javé colérico que imprime culpa e castigo aos homens.
Haveria, finalmente, um elo entre religião, estética e ética. Para Borges, a finalidade da religião é prover um norte de conduta ao homem, um propósito de ordem moral. Segundo ele, a ética tem uma origem instintiva, o que significa que qualquer um pode distinguir boas de más ações, mas é aprimorada pela razão. Um ato de bondade é um ato de inteligência e, por conseguinte, o homem culto possui responsabilidades maiores por suas ações. Deus, para Borges, é essa procura racional pelo bem nos homens que, no caminho, encontram resoluções estéticas para compor uma realidade mais suportável e experiências mais ricas.
Borges, infelizmente, não terminou de revisar sua cosmologia. Como no conto The unending gift (publicado em Elogio da sombra), em que um pintor promete um quadro e morre antes de terminar a obra, deixou um presente mais precioso porque indefinido, na forma de conjecturas.

Os autoresO argentino JORGE LUIS BORGES nasceu em Buenos Aires, em 1899. É um dos mais importantes e conhecidos escritores latino-americanos do século 20. Ficou notório pelos seus contos fantásticos, sobretudo os reunidos nas obras Ficções e O Aleph. Iniciou em literatura publicando poesias e também escreveu ensaios. Temas recorrentes nos seus livros, como labirintos, espadas, tigres, espelhos, o tempo e a memória fazem parte de sua mitologia pessoal. Depois de ficar cego, em 1955, passou a ditar contos e poemas e viajar pelo mundo dando palestras. Pouco antes de morrer, casou-se com Maria Kodama, sua secretária particular. Morreu em 1986, em Genebra.
OSVALDO FERRARI nasceu em 1948. É jornalista, professor universitário e escritor argentino, autor de Poemas de vida (1974) e Poemas autobiográficos (1981), além de ensaios literários e entrevistas com escritores famosos.

JOSÉ RENATO SALATIELé jornalista e professor universitário.

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

O que é uma vida decente?



Quando se fala de corrupção, todo mundo mente. Quase todo mundo prefere um pai ou marido corrupto a um honesto, mas pobre. Para resistir à corrupção, você tem que ser radical, ou religioso, ou moral ou político.
Parafraseando Hanna Arendt em seu “Eichmann em Jerusalém”, quando ela disse que os nazistas estavam preocupados com a aposentadoria e chamou isso de banalidade do mal, eu diria que existe uma “banalidade da corrupção” inscrita na perversão do que seria uma vida decente.
Não quero “desculpar” a corrupção, quero trazer à tona uma causa ancestral de corrupção da qual não se fala no silêncio do cotidiano.
O julgamento do mensalão não significou nada para o eleitor, mesmo para aquele que se julga “crítico”. Ninguém dá bola para a corrupção do seu partido do “coração”. Também foi importante para ver o modo de operação da corrupção ideologicamente justificada inventada pelo PT: só faltava dizer que foi a direita de Marte que inventou tudo.
Já se falou muito que quando classes sociais mais baixas ascendem socialmente e tentam imitar os hábitos da aristocracia ficam ridículas. Isso é descrito como “novo rico”. Mas o “novo corrupto” é tão ridículo quanto. Que “saudade” dos corruptos clássicos do coronelismo nordestino, que negavam, mas não apelavam para uma inocência ideologicamente justificada, ou simplesmente não se davam ao trabalho de negar. Os mensaleiros continuam a agir como um clero de puros de coração.
Mas não é disso que quero falar. Quero falar do fato de que, para além do debate político — que acho chatinho e quase sempre um circo –, a corrupção se alimenta de algo muito mais profundo. Damos pouca atenção a esse fato porque a substância da moral pública é a hipocrisia, por isso é melhor brincar de dizer que a causa é só política, quando na realidade é mais banal do que isso.
Quase ninguém quer ter um pai ou marido pobre, e sim prefere um pai ou marido corrupto, mas que dê boas condições de vida. Esta é a verdade que não se fala.
Imagine que você é uma jovem mulher que vai casar com um jovem rapaz. Antes que me acusem de “sexista” (mais um termo usado para quebrar a espinha dorsal do debate público, semelhante a acusar alguém de pedófilo), o que vou descrever pode acontecer também com um homem, mas é mais comum ser mulher, porque elas ainda são mais financeiramente dependentes e continuam execrando homem sem sucesso profissional, apesar das mentiras das feministas.
Agora imagine que seu marido será um policial honesto até o fim da vida. A chance de ele acabar pobre é enorme. O mesmo pode acontecer, ainda que num grau mais alto em termos financeiros, com qualquer um que venha ocupar um cargo nos variados escalões do governo.
Agora imagine que, no começo, ele seja honesto e com ereção e vigor, e você também seja uma jovem mulher cheia de vida e expectativas. Agora imagine que se passaram 20 anos… 30 anos… O que importa? A honestidade dele ou ele pensar “no bem-estar da família”? Espere, não responda em voz alta, guarde para si a resposta, senão você mentirá na certa.
Por “pensar no bem-estar da família”, quero dizer: roupa, comida boa, escola dos filhos, melhor casa para morar, ajudar os sogros doentes e idosos, viajar para Miami e Paris, apartamento na praia, iPhone, no mínimo para as crianças, carro novo, uma bolsa de marca, ainda que “em conta”, sair com amigos para jantar, levar as crianças para comer pizza no domingo, poder mostrar para os cunhados que você está melhor de vida (isso às vezes vale mais do que tudo na escala da miséria moral de todos nós), viajar de avião, comprar coisas nos EUA, ter TV de 200 polegadas, iPads, enfim, “ter uma vida”.
Em situações de risco, em guerras, a covardia é a regra — ao contrário dos mentirosos que até hoje se dizem filhos de “la résistance française”.
No dia a dia, isso tem outro nome: honestidade não vale nada, o que vale é ter uma “vida decente”: segurança para os filhos, uma esposa feliz porque pode comprar o que quiser (dentro do orçamento, claro, mas quanto menor o orçamento menor o amor…), enfim, um “futuro melhor”.

Luiz Felipe Pondé (jornal FSP – 22.10.2012)  | Outra fonte para este artigo: AQUI


quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Um grito de identidade


Repare bem cautelosamente se você já se viu em alguém. Pode ser alguém da família, seus pares ou membros de um grupo; alguém com quem você desenvolveu seus afetos, sua intimidade, cuja reciprocidade fora aumentando pouco a pouco até não parar mais. Geralmente, além de pessoas, nos identificamos também com lugares, profissões, estudos. Mas, os que marcam mesmo nossas vidas, a bem da verdade, são nossos pais, irmãos, tios, tias e avós, sem desmerecer, claro, a descoberta de um amigo ou de uma pessoa amada.

Ver-se em alguém é identificar-se com este alguém, ultrapassando os limites da aparência. Via de regra, a aparência da identidade está fixa e inerte em registros de identidade, onde cada qual apenas estampa no papel sua face para fins burocráticos e sociais. A identidade não é simplesmente um documento de papel que carrega sua impressão digital e foto, bem como o nome bastante apresentável, aprisionada numa carteira ao bolso, senão guardada e abandonada em gavetas ou pastas.

Perder a identidade para a cultura grega significa perder a vida, equivale a estar realmente morto: “Para os gregos, o que caracteriza a morte é a perda da identidade. Os mortos são, antes de mais nada, sem-nome ou mesmo sem-rosto. Todos que deixam a vida se tornam anônimos, perdem a individualidade.(...) É essa despersonalização que caracteriza a morte aos olhos dos gregos(...)”(In FERRY, Luc. A sabedoria dos mitos gregos. Aprender a viver II. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009, p. 145).

Descobrir seu eu no mundo, seu lugar no tempo/espaço da história é ver-se na mais translúcida imagem de sua subjetividade; é descobrir-se para si mesmo e habitar um mundo possível, crescente, dinâmico e infinito, movido pelo despertar semelhante ao do filho de Ulisses, Telêmaco, quando da sua busca incessante por notícias do pai que estava a vaguear pelo mundo, perdido e com saudades de casa.

As primeiras quatro partes ou capítulos da clássica obra de Homero, a Odisseia, revelam essa busca incansável do jovem pela confirmação dos belos feitos do seu pai, rei de Ítaca. A saída de Telêmaco da ilha ao encontro do pai representa sua saída ao encontro de si mesmo. Assim como Telêmaco, um homem precisa de aventuras ou precisa satisfazer o desejo da maravilha, da curiosidade de querer ver as coisas para forjar, no sofrimento e na nostalgia de casa, a personalidade, construir o caráter e, definitivamente, encontrar seu lugar mundo, quem você é e por que está aqui.

Todos temos uma identidade, quando sufocada e presa, grita de dentro de nós. É o grito da alma humana pelo reconhecimento de sua própria identidade.

Como não acenar aqui para a tão reconhecida obra de Milan Kundera, a identidade, em que Chantal, personagem central da trama, reclama repetidamente por identidade quando pensa: “Vivo num mundo onde os homens nunca mais irão se virar para olhar para mim”. Só que, ao saber quem, de fato, era Chantal, pouco antes de declarar que havia se enganado, Jean-Marc saboreia o prazer de olhar para ela e percebe que Chantal é o “seu único vínculo sentimental com o mundo”, pois “só ela, e mais ninguém, o liberta de sua indiferença. Só por intermédio dela é capaz de se compadecer”. Acordada de seu sonho, pelo “grito” de Jean-Marc, a bela Chantal não quer perder de vista a identidade de seu amor: “Não vou mais tirar os olhos de você. Vou olhar para você sem parar”.



Prof. Jackislandy Meira de M. Silva

Especialista em Metafísica, Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Pós-graduando em Estudos Clássicos pela UNB e Archai Unesco.



quinta-feira, 18 de outubro de 2012

23 a 27/10: CIENTEC e II Feira de Livros e Quadrinhos de Natal(FLIQ)

A Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) realiza no período de 23 a 27 e outubro, a XVIII Semana de Ciência, Tecnologia e Cultura (CIENTEC), abordando o tema “Energias: Sustentabilidade, desenvolvimento e seus impactos”. Paralelo à programação da CIENTEC acontece de 23 a 26, a II Feira de Livros e Quadrinhos de Natal (FLIQ), na Praça Cívica do Campus Central da UFRN.
O evento visa despertar na sociedade natalense, principalmente nos visitantes da Feira, o gosto pela leitura e à produção literária, tanto local como nacional.
A programação da Feira de Livros e Quadrinhos contempla oficinas, mesas de debate e bate papos com autores, desenhistas e lustradores. Também está previsto a realização de leituras de obras, lançamento de livros, quadrinhos e cordéis, além de espaço para a venda de materiais nos sebos, livreiros e nas editoras.
Ainda dentro da programação do evento haverá concurso com premiações para os melhores cosplayers (pessoas que se vestem e agem como personagens de animes ou HQ).
Para participar da CIENTEC como também da Feira de Livros, não precisa realizar inscrição. Basta que os interessados se dirijam até a Praça Cívica do Campus e percorra à vontade os pavilhões e estandes montados, em busca de aprender um pouco sobre ciência, tecnologia e literatura.
 
Para mais informações acesse os sites: http://www.cientec.ufrn.br/cientec2012/index.php e http://fliqnatal.com.br/ .

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Professor: Um dia para se pensar!

Falta de recursos, salário baixo, devalorização e entre outras coisas são motivos que nos fazem pensar e repensar nossa profissão de Professor. Contudo, que nada disso nos deixe apagar a chama do fogo pelo aprender. A atividade da aprendizagem mútua, descentralizadora, dinâmica e bifurcante, resiliente, seja lá o que vierem a chamá-la, que seja um acontecimento contínuo, para sempre em nossas vidas. Afinal de contas, aprender nunca é demais e é esse o diferencial do Professor, um exemplo do aprender, pois ele mesmo deve nos levar a isso.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Afrodite age nos sentidos



É um prazer falar de Afrodite, uma vez que faz bem aos ouvidos e aos olhos. Digo, pelo simples fato de nos referirmos a ela não só como uma deusa louvada na Grécia, mas também na Ásia, no mundo oriental, recheada de simbolismo e encanto. Vale salientar aqui a importância da poesia grega orada, feita para o ouvido e para o olho, antes de qualquer teorização sobre o amor. Mais do que falar Afrodite, é preciso sentir Afrodite no imaginário grego. Esplêndido este detalhe, na medida em que é perceptível na literatura grega, quer nas tragédias ou nas obras filosóficas, sobretudo em Platão e Aristóteles, como também em Homero e Hesíodo, nuances de Afrodite que age na sensibilidade, no corpo, no físico, ao pé do ouvido.
Como não lembrar que foi ela própria, Afrodite, chamar Helena, que encontrou na alta muralha, no meio de uma multidão de Troianas, em plena guerra. A narrativa é feita no alto da passagem da Ilíada, III, 383-447. Afrodite expõe toda sua hábil sedução para atrair Helena até ao leito nupcial e salvar Alexandre da guerra.
No entanto, a lenda da origem de Afrodite, disseminada no Oriente, que diz que os peixes do Eufrates tinham encontrado um ovo grande nas águas do rio e carregaram esse ovo até a praia, onde uma pomba chegou e quebrou o ovo, e dentro estava Afrodite. Daí, mesmo em cultura ocidental, Afrodite vir representada junto às águas ou aos pássaros. Por isso, sua associação do amor a cenários naturais.
Da tradição grega, herdamos a visão de Afrodite já no Olimpo como filha de Zeus junto a Eros. “Mas dos órgãos sexuais do Céu surgiu também uma outra deusa, que não pertence mais a Eris, mas sim, pelo contrário, a Eros, não mais à discórdia e ao conflito, mas ao amor(proximidade das duas palavras, em grego, parece indicar também uma proximidade nos fatos: muito facilmente se passa do amor ao ódio, de Eros a Eris): trata-se de Afrodite, a deusa da beleza e, justamente, do amor. Você se lembra que o sangue do sexo de Urano caiu na terra, mas o sexo, propriamente, Cronos jogou longe, por cima do ombro, e ele foi se perder no mar. E boiou! Flutuou na água, no meio da espuma branca – espuma que, em grego, se diz, afros, a qual, misturando-se à outra espuma que saía do sexo de Urano, gerou uma sublimíssima jovem: Afrodite, a mais bela de todas as divindades. É a deusa da doçura, do carinho, dos sorrisos trocados pelos apaixonados, mas também a da sexualidade brutal e da duplicidade do que se diz quando se quer seduzir o outro, querendo agradar, palavras que no mínimo são sempre fiéis à verdade, a duplicidade serve para atrair afetos,(…). Afrodite é tudo isso: a sedução e a mentira, o charme e a vaidade, o amor e o ciúme que dele nasce, a ternura, mas também as crises de raiva e de ódio geradas pelas paixões contrariadas. No que, mais uma vez, Eros nunca está muito longe de Eris, o amor sempre na vizinhança da disputa. Se dermos ouvido a Hesíodo, quando ela sai das águas, em Chipre, está sempre acompanhada por duas outras divindades menores que lhe servem, de certa maneira, de 'acompanhantes', companheiros e confidentes: Eros, justamente, mas dessa vez se trata de Eros número 2, o pequeno personagem de que falei ainda a pouco e frequentemente será representado, mas bem posteriormente a Hesíodo, como um menino bochechudo, armado com um arco e flechas. E, ao lado de Eros, há Imeros, o desejo, que sempre abre caminho para o amor propriamente dito...”(FERRY, Luc. A sabedoria dos mitos gregos. Aprender a viver II. Trad. de Jorge Bastos. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009, p. 54-55).
Afrodite é impressionante pelo páthos que ela provoca nos corpos, devido ao seu deleite físico. O que seria de nós sem o prazer, o cheiro e a visão do amor que emana do poder afrodisíaco da bela Afrodite em todos os seres? Pascal, filósofo francês, acreditava que é impossível fazer alguma coisa de grande sem paixão. É isso que Afrodite estimula nos seres, nas pessoas, o desejo incessante de seduzir o outro. Talvez seja ela a maior responsável por acordar o amor em nós, despertando-nos do sono dos sentidos.


Prof. Jackislandy Meira de Medeiros Silva
Especialista em Metafísica, Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Pós-graduando em Estudos Clássicos pela UnB em parceria com Archai Unesco.




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