quinta-feira, 25 de outubro de 2012

O que é uma vida decente?



Quando se fala de corrupção, todo mundo mente. Quase todo mundo prefere um pai ou marido corrupto a um honesto, mas pobre. Para resistir à corrupção, você tem que ser radical, ou religioso, ou moral ou político.
Parafraseando Hanna Arendt em seu “Eichmann em Jerusalém”, quando ela disse que os nazistas estavam preocupados com a aposentadoria e chamou isso de banalidade do mal, eu diria que existe uma “banalidade da corrupção” inscrita na perversão do que seria uma vida decente.
Não quero “desculpar” a corrupção, quero trazer à tona uma causa ancestral de corrupção da qual não se fala no silêncio do cotidiano.
O julgamento do mensalão não significou nada para o eleitor, mesmo para aquele que se julga “crítico”. Ninguém dá bola para a corrupção do seu partido do “coração”. Também foi importante para ver o modo de operação da corrupção ideologicamente justificada inventada pelo PT: só faltava dizer que foi a direita de Marte que inventou tudo.
Já se falou muito que quando classes sociais mais baixas ascendem socialmente e tentam imitar os hábitos da aristocracia ficam ridículas. Isso é descrito como “novo rico”. Mas o “novo corrupto” é tão ridículo quanto. Que “saudade” dos corruptos clássicos do coronelismo nordestino, que negavam, mas não apelavam para uma inocência ideologicamente justificada, ou simplesmente não se davam ao trabalho de negar. Os mensaleiros continuam a agir como um clero de puros de coração.
Mas não é disso que quero falar. Quero falar do fato de que, para além do debate político — que acho chatinho e quase sempre um circo –, a corrupção se alimenta de algo muito mais profundo. Damos pouca atenção a esse fato porque a substância da moral pública é a hipocrisia, por isso é melhor brincar de dizer que a causa é só política, quando na realidade é mais banal do que isso.
Quase ninguém quer ter um pai ou marido pobre, e sim prefere um pai ou marido corrupto, mas que dê boas condições de vida. Esta é a verdade que não se fala.
Imagine que você é uma jovem mulher que vai casar com um jovem rapaz. Antes que me acusem de “sexista” (mais um termo usado para quebrar a espinha dorsal do debate público, semelhante a acusar alguém de pedófilo), o que vou descrever pode acontecer também com um homem, mas é mais comum ser mulher, porque elas ainda são mais financeiramente dependentes e continuam execrando homem sem sucesso profissional, apesar das mentiras das feministas.
Agora imagine que seu marido será um policial honesto até o fim da vida. A chance de ele acabar pobre é enorme. O mesmo pode acontecer, ainda que num grau mais alto em termos financeiros, com qualquer um que venha ocupar um cargo nos variados escalões do governo.
Agora imagine que, no começo, ele seja honesto e com ereção e vigor, e você também seja uma jovem mulher cheia de vida e expectativas. Agora imagine que se passaram 20 anos… 30 anos… O que importa? A honestidade dele ou ele pensar “no bem-estar da família”? Espere, não responda em voz alta, guarde para si a resposta, senão você mentirá na certa.
Por “pensar no bem-estar da família”, quero dizer: roupa, comida boa, escola dos filhos, melhor casa para morar, ajudar os sogros doentes e idosos, viajar para Miami e Paris, apartamento na praia, iPhone, no mínimo para as crianças, carro novo, uma bolsa de marca, ainda que “em conta”, sair com amigos para jantar, levar as crianças para comer pizza no domingo, poder mostrar para os cunhados que você está melhor de vida (isso às vezes vale mais do que tudo na escala da miséria moral de todos nós), viajar de avião, comprar coisas nos EUA, ter TV de 200 polegadas, iPads, enfim, “ter uma vida”.
Em situações de risco, em guerras, a covardia é a regra — ao contrário dos mentirosos que até hoje se dizem filhos de “la résistance française”.
No dia a dia, isso tem outro nome: honestidade não vale nada, o que vale é ter uma “vida decente”: segurança para os filhos, uma esposa feliz porque pode comprar o que quiser (dentro do orçamento, claro, mas quanto menor o orçamento menor o amor…), enfim, um “futuro melhor”.

Luiz Felipe Pondé (jornal FSP – 22.10.2012)  | Outra fonte para este artigo: AQUI


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quinta-feira, 25 de outubro de 2012

O que é uma vida decente?



Quando se fala de corrupção, todo mundo mente. Quase todo mundo prefere um pai ou marido corrupto a um honesto, mas pobre. Para resistir à corrupção, você tem que ser radical, ou religioso, ou moral ou político.
Parafraseando Hanna Arendt em seu “Eichmann em Jerusalém”, quando ela disse que os nazistas estavam preocupados com a aposentadoria e chamou isso de banalidade do mal, eu diria que existe uma “banalidade da corrupção” inscrita na perversão do que seria uma vida decente.
Não quero “desculpar” a corrupção, quero trazer à tona uma causa ancestral de corrupção da qual não se fala no silêncio do cotidiano.
O julgamento do mensalão não significou nada para o eleitor, mesmo para aquele que se julga “crítico”. Ninguém dá bola para a corrupção do seu partido do “coração”. Também foi importante para ver o modo de operação da corrupção ideologicamente justificada inventada pelo PT: só faltava dizer que foi a direita de Marte que inventou tudo.
Já se falou muito que quando classes sociais mais baixas ascendem socialmente e tentam imitar os hábitos da aristocracia ficam ridículas. Isso é descrito como “novo rico”. Mas o “novo corrupto” é tão ridículo quanto. Que “saudade” dos corruptos clássicos do coronelismo nordestino, que negavam, mas não apelavam para uma inocência ideologicamente justificada, ou simplesmente não se davam ao trabalho de negar. Os mensaleiros continuam a agir como um clero de puros de coração.
Mas não é disso que quero falar. Quero falar do fato de que, para além do debate político — que acho chatinho e quase sempre um circo –, a corrupção se alimenta de algo muito mais profundo. Damos pouca atenção a esse fato porque a substância da moral pública é a hipocrisia, por isso é melhor brincar de dizer que a causa é só política, quando na realidade é mais banal do que isso.
Quase ninguém quer ter um pai ou marido pobre, e sim prefere um pai ou marido corrupto, mas que dê boas condições de vida. Esta é a verdade que não se fala.
Imagine que você é uma jovem mulher que vai casar com um jovem rapaz. Antes que me acusem de “sexista” (mais um termo usado para quebrar a espinha dorsal do debate público, semelhante a acusar alguém de pedófilo), o que vou descrever pode acontecer também com um homem, mas é mais comum ser mulher, porque elas ainda são mais financeiramente dependentes e continuam execrando homem sem sucesso profissional, apesar das mentiras das feministas.
Agora imagine que seu marido será um policial honesto até o fim da vida. A chance de ele acabar pobre é enorme. O mesmo pode acontecer, ainda que num grau mais alto em termos financeiros, com qualquer um que venha ocupar um cargo nos variados escalões do governo.
Agora imagine que, no começo, ele seja honesto e com ereção e vigor, e você também seja uma jovem mulher cheia de vida e expectativas. Agora imagine que se passaram 20 anos… 30 anos… O que importa? A honestidade dele ou ele pensar “no bem-estar da família”? Espere, não responda em voz alta, guarde para si a resposta, senão você mentirá na certa.
Por “pensar no bem-estar da família”, quero dizer: roupa, comida boa, escola dos filhos, melhor casa para morar, ajudar os sogros doentes e idosos, viajar para Miami e Paris, apartamento na praia, iPhone, no mínimo para as crianças, carro novo, uma bolsa de marca, ainda que “em conta”, sair com amigos para jantar, levar as crianças para comer pizza no domingo, poder mostrar para os cunhados que você está melhor de vida (isso às vezes vale mais do que tudo na escala da miséria moral de todos nós), viajar de avião, comprar coisas nos EUA, ter TV de 200 polegadas, iPads, enfim, “ter uma vida”.
Em situações de risco, em guerras, a covardia é a regra — ao contrário dos mentirosos que até hoje se dizem filhos de “la résistance française”.
No dia a dia, isso tem outro nome: honestidade não vale nada, o que vale é ter uma “vida decente”: segurança para os filhos, uma esposa feliz porque pode comprar o que quiser (dentro do orçamento, claro, mas quanto menor o orçamento menor o amor…), enfim, um “futuro melhor”.

Luiz Felipe Pondé (jornal FSP – 22.10.2012)  | Outra fonte para este artigo: AQUI


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