segunda-feira, 5 de março de 2012

As discordâncias


As escolas e outros espaços públicos de manifestação popular e de discussão de ideias deviam saber lidar muito mais com as discordâncias. É lamentável conversar com alguém que não aprendeu ainda a aceitar controvérsias, críticas e coisas do gênero. Tem muita gente boa indo e vindo em gabinetes de repartições públicas; assumindo cargos de gerência; dirigindo escolas; lecionando em Universidades; pregando em púlpitos de igrejas; ou legislando os municípios; e até gerindo o executivo das cidades... Gente de todo e qualquer tipo que precisa urgentemente de uma lição de filosofia, a discordância!
Se fôssemos mais flexíveis com as discordâncias, logo destruiríamos a soberba de que somos os donos da verdade e de que ninguém sabe mais do que nós. Não deveria ser tão estranho alguém discordar de nós, até porque ninguém é obrigado a concordar com tudo nem com todos. Ainda bem que o concordar é relativo à força da persuasão! Há de se convencer alguém a concordar com você, e isso não é tão simples assim. Posso até conviver com você, mas nunca estou obrigado a concordar com seus pensamentos.
Volta e meia, algumas pessoas se aproximam de nós – pelo menos eu já passei por experiência parecida – para dar uma opinião esperando apenas uma confirmação positiva acerca do assunto. Ou seja, o desejo de autoafirmação das pessoas é tão forte que o diálogo crítico e autêntico acaba se banalizando ou mesmo ficando em segundo plano. Muitas vezes, sufocamos o diálogo em virtude de uma acomodação simples e passiva às opiniões alheias, quando, na verdade, segundo Paulo Freire, o diálogo “é uma relação horizontal de A com B. Nasce de uma matriz crítica e gera criticidade (Jaspers). Nutre-se de amor, de humanidade, de esperança, de fé, de confiança. Por isso, somente o diálogo comunica. E quando os dois pólos do diálogo se ligam assim, com amor, com esperança, com fé no próximo, se fazem críticos na procura de algo e se produz uma relação de 'empatia' entre ambos”(FREIRE, Paulo. Educação e Mudança. 12ª ed. São Paulo: Paz e Terra, p. 39).
Conversar sobre futebol, novelas, religião, política, família e etc implica em temas que dividem a opinião da maior parte das pessoas. Muitas não têm argumentos plausíveis que fundamentem seus pontos de vista e acabam forçando os seus ouvintes a admitir, por bem da amizade, que estão certas. Mas é um equívoco e uma ilusão acharmos que preservamos nossas amizades ao não contra-argumentarmos a favor da verdade ou da riqueza de outros olhares. A minha visão é apenas uma em meio a outras tantas! Abrir-se ao novo é uma experiência irrenunciável!
Somente uma educação com base na ironia socrática ou na humildade pode nos levar a descobrir o valor das discordâncias. Discordar eleva a discussão ao grau de maturidade intelectual em que ambos estão suscetíveis a mudar de opinião. Discordar, com isso, tira o ranço de autoridade que há no diálogo entre duas pessoas que se dizem civilizadas. Discordar fortalece os argumentos que se pretendem afirmar. Discordar nos permite ir além do óbvio. Discordar põe à prova algumas verdades estabelecidas. Discordar quebra o gelo num grupo, numa palestra chata ou numa reunião burocrática. Discordar é também saber aceitar as discordâncias e contradições no seu discurso, até porque ninguém está totalmente certo nem totalmente errado. Aliás, quando discordamos, aprendemos que não somos suficientes, e sim necessários.
Aceitar, superar ou vencer as discordâncias é a meta de todo educador, pois é impossível continuar crescendo sem saber da sua incompletude, de que nunca se estará pronto. Educa-se educando, numa troca infinita de ideias que não se acabarão. “A educação crítica considera os homens como seres em devir, como seres inacabados, incompletos em uma realidade igualmente inacabada e juntamente com ela. Por oposição a outros animais, que são inacabados mas não históricos, os homens sabem-se incompletos. Os homens têm consciência de que são incompletos, e assim, nesse estar inacabados e na consciência que disso têm, encontram-se as raízes mesmas da educação como fenômeno puramente humano. O caráter inacabado dos homens e o caráter evolutivo da realidade exigem que a educação seja 'uma atividade contínua'. A educação é, deste modo, continuamente refeita pela práxis”(FREIRE, Paulo. Conscientização: teoria e prática da libertação: uma introdução ao pensamento de Paulo Freire. São Paulo: Cortez & Morais, 1979, p. 42).
É essa sensação de inacabamento que resulta das discordâncias. Daí, ser elas tão importantes para a transformação dos valores e do modo como é visto o mundo, do modo como se contam as histórias, do modo como se falam novas coisas. Discordar, minha gente, não é ofender ninguém, mas falar de um outro modo o que ninguém, talvez, tenha falado, permitir-se ao risco de pensar novamente o que já foi pensado.

Prof. Jackislandy Meira de Medeiros Silva
Especialista em Metafísica, Licenciado em Filosofia e Bacharel em Teologia

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As discordâncias


As escolas e outros espaços públicos de manifestação popular e de discussão de ideias deviam saber lidar muito mais com as discordâncias. É lamentável conversar com alguém que não aprendeu ainda a aceitar controvérsias, críticas e coisas do gênero. Tem muita gente boa indo e vindo em gabinetes de repartições públicas; assumindo cargos de gerência; dirigindo escolas; lecionando em Universidades; pregando em púlpitos de igrejas; ou legislando os municípios; e até gerindo o executivo das cidades... Gente de todo e qualquer tipo que precisa urgentemente de uma lição de filosofia, a discordância!
Se fôssemos mais flexíveis com as discordâncias, logo destruiríamos a soberba de que somos os donos da verdade e de que ninguém sabe mais do que nós. Não deveria ser tão estranho alguém discordar de nós, até porque ninguém é obrigado a concordar com tudo nem com todos. Ainda bem que o concordar é relativo à força da persuasão! Há de se convencer alguém a concordar com você, e isso não é tão simples assim. Posso até conviver com você, mas nunca estou obrigado a concordar com seus pensamentos.
Volta e meia, algumas pessoas se aproximam de nós – pelo menos eu já passei por experiência parecida – para dar uma opinião esperando apenas uma confirmação positiva acerca do assunto. Ou seja, o desejo de autoafirmação das pessoas é tão forte que o diálogo crítico e autêntico acaba se banalizando ou mesmo ficando em segundo plano. Muitas vezes, sufocamos o diálogo em virtude de uma acomodação simples e passiva às opiniões alheias, quando, na verdade, segundo Paulo Freire, o diálogo “é uma relação horizontal de A com B. Nasce de uma matriz crítica e gera criticidade (Jaspers). Nutre-se de amor, de humanidade, de esperança, de fé, de confiança. Por isso, somente o diálogo comunica. E quando os dois pólos do diálogo se ligam assim, com amor, com esperança, com fé no próximo, se fazem críticos na procura de algo e se produz uma relação de 'empatia' entre ambos”(FREIRE, Paulo. Educação e Mudança. 12ª ed. São Paulo: Paz e Terra, p. 39).
Conversar sobre futebol, novelas, religião, política, família e etc implica em temas que dividem a opinião da maior parte das pessoas. Muitas não têm argumentos plausíveis que fundamentem seus pontos de vista e acabam forçando os seus ouvintes a admitir, por bem da amizade, que estão certas. Mas é um equívoco e uma ilusão acharmos que preservamos nossas amizades ao não contra-argumentarmos a favor da verdade ou da riqueza de outros olhares. A minha visão é apenas uma em meio a outras tantas! Abrir-se ao novo é uma experiência irrenunciável!
Somente uma educação com base na ironia socrática ou na humildade pode nos levar a descobrir o valor das discordâncias. Discordar eleva a discussão ao grau de maturidade intelectual em que ambos estão suscetíveis a mudar de opinião. Discordar, com isso, tira o ranço de autoridade que há no diálogo entre duas pessoas que se dizem civilizadas. Discordar fortalece os argumentos que se pretendem afirmar. Discordar nos permite ir além do óbvio. Discordar põe à prova algumas verdades estabelecidas. Discordar quebra o gelo num grupo, numa palestra chata ou numa reunião burocrática. Discordar é também saber aceitar as discordâncias e contradições no seu discurso, até porque ninguém está totalmente certo nem totalmente errado. Aliás, quando discordamos, aprendemos que não somos suficientes, e sim necessários.
Aceitar, superar ou vencer as discordâncias é a meta de todo educador, pois é impossível continuar crescendo sem saber da sua incompletude, de que nunca se estará pronto. Educa-se educando, numa troca infinita de ideias que não se acabarão. “A educação crítica considera os homens como seres em devir, como seres inacabados, incompletos em uma realidade igualmente inacabada e juntamente com ela. Por oposição a outros animais, que são inacabados mas não históricos, os homens sabem-se incompletos. Os homens têm consciência de que são incompletos, e assim, nesse estar inacabados e na consciência que disso têm, encontram-se as raízes mesmas da educação como fenômeno puramente humano. O caráter inacabado dos homens e o caráter evolutivo da realidade exigem que a educação seja 'uma atividade contínua'. A educação é, deste modo, continuamente refeita pela práxis”(FREIRE, Paulo. Conscientização: teoria e prática da libertação: uma introdução ao pensamento de Paulo Freire. São Paulo: Cortez & Morais, 1979, p. 42).
É essa sensação de inacabamento que resulta das discordâncias. Daí, ser elas tão importantes para a transformação dos valores e do modo como é visto o mundo, do modo como se contam as histórias, do modo como se falam novas coisas. Discordar, minha gente, não é ofender ninguém, mas falar de um outro modo o que ninguém, talvez, tenha falado, permitir-se ao risco de pensar novamente o que já foi pensado.

Prof. Jackislandy Meira de Medeiros Silva
Especialista em Metafísica, Licenciado em Filosofia e Bacharel em Teologia

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