sábado, 10 de novembro de 2012

A consciência da morte do herói Aquiles

(Aquiles chora a morte de Pátroclo – fonte: http://www.flickr.com/photos/brennobastos/1039679003/)




Olhem, compartilho aqui minha colaboração do que tenho lido do texto de Vernant acerca da morte, por sinal muito enriquecedor do ponto de vista da concepção de morte do herói, no caso Aquiles. A começar por uma clássica citação da Ilíada de Homero, é possível notar que o herói Aquiles está tomado pelo sentimento de morte, de uma morte atrelada ao desejo de imortalidade pelo nome. Curioso isso, ao mesmo tempo em que a morte toma conta de seu ser, Aquiles não se desvencilha da necessidade que há em perpetuar seu nome aos tempos vindouros. A morte apoderou-se dele, mas também um desejo de glória: “Não, eu não pretendo morrer sem luta e sem glória(akleiôs) como também sem algum feito cuja narrativa chegue aos homens por vir”(Il., 22, 304-5; 22, 110).
O agathoi Aquiles, sabendo que vai morrer brevemente, isto é, no dizer de Vernant, com base nos cantos da Ilíada, solicita à sua mãe Tétis ao menos a glória. Vejam que estupendo, o herói na iminência da morte ou vendo que ela o rodeia, quer pelo destino que lhe imputaram os deuses, quer pela sua força como guerreiro, ou ainda, por ter os pés ligeiros, sabe-se que a morte lhe é inevitável, sobretudo pela sua característica de herói que retém o “onus” ou “bonus” da honra. A consequência da consciência da morte por Aquiles o faz deixar escapar para além dos dentes um pedido: “Oh mãe, visto que me geraste para uma vida breve, que Zeus olímpico... me dê pelo menos a glória”(Il., 1, 352-3) . A resposta de sua mãe só lhe confirma a certeza de antes, que o mais brevemente irá morrer: “Teu destino, em vez de longos dias, só te concede uma vida breve”(Il., 1, 415-6). Vernant é muito claro ao explicitar a sorte do herói Aquiles envolvido nas malhas da morte, uma vez que não teve sequer direito de escolher. Sua vida estava traçada pela “vita brevis”: “Ou a glória imorredoura do guerreiro(kléos áphthiton), porém a vida breve, ou então uma vida longa, retirada, porém a ausência de qualquer glória”(Cf. VERNANT, Jean-Pierre. A bela morte e o cadáver ultrajado. São Paulo: USP. 1977. p. 32).
Nesse caso particular de Aquiles, predestinado à bela morte, o guerreiro vai pautar sua vida focado somente neste ideal do herói. Sua obsessão pelos feitos heróicos será a convicção de uma posteridade de glória e honra. A morte só tem sentido, se é que tem sentido pra ele, na medida em que é louvada pelo existir reconhecido, estimado e honrado do herói. Vernant comenta os feitos heróicos como um ultrapassamento da morte, renunciando ao envelhecimento: “O feito heróico enraiza-se na vontade de escapar ao envelhecimento e à morte, por inevitáveis que sejam, de a ambos ultrapassar. Ultrapassa-se acolhendo-a em vez de a sofrer, tornando-a aposta constante de uma vida que toma, assim, valor exemplar e que os homens celebrarão como um modelo de glória imorredoura”(idem, p. 40).
A representação da morte do herói grego, tão bem salientada por Vernant, sobretudo em Aquiles, é o esquecimento da vida, o alheamento ao outro. Segundo o autor, o contexto arcaico grego nos remete para o fato de que o indivíduo é medido pelo olhar alheio e pela importância que ele tem na memória da coletividade. Portanto, na realidade, para Aquiles, a verdadeira morte é o esquecimento. Isto é notório quando Aquiles, agathoi, experiencia a própria morte do amigo Pátroclo e daí escolhe a morte, assume seu destino de morte para vingar o companheiro. Ao sofrer e padecer de dor pela morte do amigo amado, Aquiles como que sente na própria pele a consciência de morte. Muito interessante, pois, com a morte do outro amado, o herói Aquiles toma consciência de sua própria morte.

Prof. Jackislandy Meira de Medeiros Silva
Bacharel em Teologia, Licenciado em Filosofia, Especialista em Metafísica e Pós-graduando em Estudos Clássicos pela UnB em parceria com Archai Unesco.



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A consciência da morte do herói Aquiles

(Aquiles chora a morte de Pátroclo – fonte: http://www.flickr.com/photos/brennobastos/1039679003/)




Olhem, compartilho aqui minha colaboração do que tenho lido do texto de Vernant acerca da morte, por sinal muito enriquecedor do ponto de vista da concepção de morte do herói, no caso Aquiles. A começar por uma clássica citação da Ilíada de Homero, é possível notar que o herói Aquiles está tomado pelo sentimento de morte, de uma morte atrelada ao desejo de imortalidade pelo nome. Curioso isso, ao mesmo tempo em que a morte toma conta de seu ser, Aquiles não se desvencilha da necessidade que há em perpetuar seu nome aos tempos vindouros. A morte apoderou-se dele, mas também um desejo de glória: “Não, eu não pretendo morrer sem luta e sem glória(akleiôs) como também sem algum feito cuja narrativa chegue aos homens por vir”(Il., 22, 304-5; 22, 110).
O agathoi Aquiles, sabendo que vai morrer brevemente, isto é, no dizer de Vernant, com base nos cantos da Ilíada, solicita à sua mãe Tétis ao menos a glória. Vejam que estupendo, o herói na iminência da morte ou vendo que ela o rodeia, quer pelo destino que lhe imputaram os deuses, quer pela sua força como guerreiro, ou ainda, por ter os pés ligeiros, sabe-se que a morte lhe é inevitável, sobretudo pela sua característica de herói que retém o “onus” ou “bonus” da honra. A consequência da consciência da morte por Aquiles o faz deixar escapar para além dos dentes um pedido: “Oh mãe, visto que me geraste para uma vida breve, que Zeus olímpico... me dê pelo menos a glória”(Il., 1, 352-3) . A resposta de sua mãe só lhe confirma a certeza de antes, que o mais brevemente irá morrer: “Teu destino, em vez de longos dias, só te concede uma vida breve”(Il., 1, 415-6). Vernant é muito claro ao explicitar a sorte do herói Aquiles envolvido nas malhas da morte, uma vez que não teve sequer direito de escolher. Sua vida estava traçada pela “vita brevis”: “Ou a glória imorredoura do guerreiro(kléos áphthiton), porém a vida breve, ou então uma vida longa, retirada, porém a ausência de qualquer glória”(Cf. VERNANT, Jean-Pierre. A bela morte e o cadáver ultrajado. São Paulo: USP. 1977. p. 32).
Nesse caso particular de Aquiles, predestinado à bela morte, o guerreiro vai pautar sua vida focado somente neste ideal do herói. Sua obsessão pelos feitos heróicos será a convicção de uma posteridade de glória e honra. A morte só tem sentido, se é que tem sentido pra ele, na medida em que é louvada pelo existir reconhecido, estimado e honrado do herói. Vernant comenta os feitos heróicos como um ultrapassamento da morte, renunciando ao envelhecimento: “O feito heróico enraiza-se na vontade de escapar ao envelhecimento e à morte, por inevitáveis que sejam, de a ambos ultrapassar. Ultrapassa-se acolhendo-a em vez de a sofrer, tornando-a aposta constante de uma vida que toma, assim, valor exemplar e que os homens celebrarão como um modelo de glória imorredoura”(idem, p. 40).
A representação da morte do herói grego, tão bem salientada por Vernant, sobretudo em Aquiles, é o esquecimento da vida, o alheamento ao outro. Segundo o autor, o contexto arcaico grego nos remete para o fato de que o indivíduo é medido pelo olhar alheio e pela importância que ele tem na memória da coletividade. Portanto, na realidade, para Aquiles, a verdadeira morte é o esquecimento. Isto é notório quando Aquiles, agathoi, experiencia a própria morte do amigo Pátroclo e daí escolhe a morte, assume seu destino de morte para vingar o companheiro. Ao sofrer e padecer de dor pela morte do amigo amado, Aquiles como que sente na própria pele a consciência de morte. Muito interessante, pois, com a morte do outro amado, o herói Aquiles toma consciência de sua própria morte.

Prof. Jackislandy Meira de Medeiros Silva
Bacharel em Teologia, Licenciado em Filosofia, Especialista em Metafísica e Pós-graduando em Estudos Clássicos pela UnB em parceria com Archai Unesco.



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