segunda-feira, 11 de março de 2013

Poderosa Afrodite



Aprendemos durante as entradas e saídas do teatro ou do cinema que o poder da imagem, como instrumento de produção de emoções em seus espectadores, é articulado também pelo poder político e pela tragédia. Emoções da natureza humana que são reconstruídas socialmente, a exemplo das tragédias gregas, em espaços públicos, devem traduzir os anseios e necessidades do contexto para o qual está falando.
Desprovidos de toda parafernália tecnológica do mundo contemporâneo, o teatro antigo se servia de elementos muito diretos e sensíveis do ponto de vista social e político, tornando-se patente o modo pelo qual as pessoas interagiam. O teatro se constituía, assim, como uma forma de ação política.
As emoções produzidas hoje pelo cinema são muito diferentes das produzidas ontem, há mais de 2000 anos, no théatron, onde havia intensa dramatização dos elementos lírico, cênico e recitativo. É indispensável que uma produção cinematográfica de recepção de personagens, histórias, temas, problemas e diversos assuntos do passado nos permita dialogar com a antiguidade através de sons, imagens, linguagens e cores para revivermos valores sociais e culturais daquela obra literária.
Assistir a um filme acerca do passado não só resgata o passado, mas implica conhecê-lo de um modo diferente, em que o espectador, ao invés de transpor o passado para o presente, interaja e dialogue com o que lhe é fundamental (2011: p. 104).
Nesse sentido, podemos dizer que Poderosa Afrodite, filme escrito e dirigido por Woody Allen em 1995, discute pontos fundamentais nas tragédias de Édipo Rei e Medeia que ainda estão em pauta para o homem contemporâneo, tais como: relação problemática entre pais e filhos, o adultério e a culpa. Na verdade, o filme nos possibilita conexões riquíssimas pela sua abordagem temática, pois Woody Allen elege a culpa e o adultério como acessos às narrativas míticas e aos dramaturgos gregos, sem excluí-los ou subvertê-los (2011: p. 105).
A projeção narra a história de um casal, Lenny Weinrib e Armanda Sloan, que adota uma criança. Não se sabe de quem a criança é filha, até que um dia Lenny resolve investigar e fica sabendo que a mãe, Linda Ash, é uma prostituta. A maior pretensão da mãe, a “Afrodite” de Allen, é ser atriz de filmes pornográficos.
No correr da trama, o diretor mexe com os espectadores por tratar a história em dois espaços e tempos diferentes: as ruínas de um anfiteatro, de um lado; e um restaurante no qual se encontram casais, de outro. No centro da narrativa está o drama de Lenny conectado ao de Édipo, simbolizado no filme pela presença do fogo, poder encantatório e destrutivo. Allen é original quando suspende o tom austero, mais adequado à tragédia, para incluir o tom cômico. O cenário é marcante, bem como o coro, que lembra a morte de Aquiles, os infortúnios de Édipo e a má sorte de Medeia. As angústias dos pais, que saem em busca do paradeiro da mãe biológica de seu filho adotivo, se assemelham às de Édipo, que sofre para encontrar o assassino de Laio.
O poder do fogo representa, no filme, o poder de Afrodite, deusa do amor. Se nos remontarmos a Platão, no Banquete, vemos que o discurso de Pausânias, um dos convivas e oradores da festa, engrandece e elogia o amor nas suas duas diferentes naturezas: Afrodite urânia, filha de Urano sem a participação feminina, e Afrodite pandêmia, filha de Zeus e de Dione. Esta, por ser produto do masculino e do feminino, é acessível a todos e leviana na maneira de dar amor, ao passo que aquela, por nascer apenas do pai, é celestial, inatingível e extraordinária. Aí está o duplo poder de Afrodite: Poderosa nos sentidos, poderosa na Razão.


Bibliografia:
ARAÚJO, L. A. (2011). Poderosa Afrodite: uma tragédia cômica. Archai n. 7, jul-dez 2011, pp. 102-108.

Prof. Jackislandy Meira de Medeiros Silva
Bel. em Teologia, Licenciado em Filosofia, Esp. em Metafísica e Pós-graduando em Estudos Clássicos pela UnB/Archai/Unesco.

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segunda-feira, 11 de março de 2013

Poderosa Afrodite



Aprendemos durante as entradas e saídas do teatro ou do cinema que o poder da imagem, como instrumento de produção de emoções em seus espectadores, é articulado também pelo poder político e pela tragédia. Emoções da natureza humana que são reconstruídas socialmente, a exemplo das tragédias gregas, em espaços públicos, devem traduzir os anseios e necessidades do contexto para o qual está falando.
Desprovidos de toda parafernália tecnológica do mundo contemporâneo, o teatro antigo se servia de elementos muito diretos e sensíveis do ponto de vista social e político, tornando-se patente o modo pelo qual as pessoas interagiam. O teatro se constituía, assim, como uma forma de ação política.
As emoções produzidas hoje pelo cinema são muito diferentes das produzidas ontem, há mais de 2000 anos, no théatron, onde havia intensa dramatização dos elementos lírico, cênico e recitativo. É indispensável que uma produção cinematográfica de recepção de personagens, histórias, temas, problemas e diversos assuntos do passado nos permita dialogar com a antiguidade através de sons, imagens, linguagens e cores para revivermos valores sociais e culturais daquela obra literária.
Assistir a um filme acerca do passado não só resgata o passado, mas implica conhecê-lo de um modo diferente, em que o espectador, ao invés de transpor o passado para o presente, interaja e dialogue com o que lhe é fundamental (2011: p. 104).
Nesse sentido, podemos dizer que Poderosa Afrodite, filme escrito e dirigido por Woody Allen em 1995, discute pontos fundamentais nas tragédias de Édipo Rei e Medeia que ainda estão em pauta para o homem contemporâneo, tais como: relação problemática entre pais e filhos, o adultério e a culpa. Na verdade, o filme nos possibilita conexões riquíssimas pela sua abordagem temática, pois Woody Allen elege a culpa e o adultério como acessos às narrativas míticas e aos dramaturgos gregos, sem excluí-los ou subvertê-los (2011: p. 105).
A projeção narra a história de um casal, Lenny Weinrib e Armanda Sloan, que adota uma criança. Não se sabe de quem a criança é filha, até que um dia Lenny resolve investigar e fica sabendo que a mãe, Linda Ash, é uma prostituta. A maior pretensão da mãe, a “Afrodite” de Allen, é ser atriz de filmes pornográficos.
No correr da trama, o diretor mexe com os espectadores por tratar a história em dois espaços e tempos diferentes: as ruínas de um anfiteatro, de um lado; e um restaurante no qual se encontram casais, de outro. No centro da narrativa está o drama de Lenny conectado ao de Édipo, simbolizado no filme pela presença do fogo, poder encantatório e destrutivo. Allen é original quando suspende o tom austero, mais adequado à tragédia, para incluir o tom cômico. O cenário é marcante, bem como o coro, que lembra a morte de Aquiles, os infortúnios de Édipo e a má sorte de Medeia. As angústias dos pais, que saem em busca do paradeiro da mãe biológica de seu filho adotivo, se assemelham às de Édipo, que sofre para encontrar o assassino de Laio.
O poder do fogo representa, no filme, o poder de Afrodite, deusa do amor. Se nos remontarmos a Platão, no Banquete, vemos que o discurso de Pausânias, um dos convivas e oradores da festa, engrandece e elogia o amor nas suas duas diferentes naturezas: Afrodite urânia, filha de Urano sem a participação feminina, e Afrodite pandêmia, filha de Zeus e de Dione. Esta, por ser produto do masculino e do feminino, é acessível a todos e leviana na maneira de dar amor, ao passo que aquela, por nascer apenas do pai, é celestial, inatingível e extraordinária. Aí está o duplo poder de Afrodite: Poderosa nos sentidos, poderosa na Razão.


Bibliografia:
ARAÚJO, L. A. (2011). Poderosa Afrodite: uma tragédia cômica. Archai n. 7, jul-dez 2011, pp. 102-108.

Prof. Jackislandy Meira de Medeiros Silva
Bel. em Teologia, Licenciado em Filosofia, Esp. em Metafísica e Pós-graduando em Estudos Clássicos pela UnB/Archai/Unesco.

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