terça-feira, 21 de outubro de 2008

Divagações sobre o sentido da refeição.

O que provoca uma boa refeição não é tanto a comida, mas as pessoas que se juntam em torno da mesa para degustá-la. Não é só o aroma apetitoso que se exala pela casa inteira o motivo maior de nos encontrarmos na hora de uma refeição. Quem geralmente nos convida para a mesa são pessoas. Elas são a graça, são o tom que dão harmonia a todo e qualquer encontro familiar ou entre amigos. Além disso, ainda há o sentido cristão que se objetiva nas palavras do Apóstolo Paulo, “Quer comamos, quer bebamos, façamos tudo por causa de Cristo”.
Epicuro, filósofo helenístico, que viveu antes de Cristo há três séculos e meio, jamais seria capaz de entrar numa lanchonete para comer sozinho. Para ele, a razão de nos alimentarmos não está no simples prazer de comer, mas na alegria de nos encontrarmos no momento do ágape. Sentarmo-nos à mesa sozinhos é triste e, por vezes, deprimente. Refeição, mesa, ágape devem ser sinônimas de encontro, partilha, alegria, festa, celebração da vida...
A cultura judaica, diferentemente da romana, eleva o sentido da refeição à “Beraká”, a uma verdadeira e indispensável Ação de Graças. Daí reiteramos o real valor da refeição que se desprende da Cultura neoliberal, artificial e relativa por que passa o mundo europeu.
Ao invés de acumularmos capital, lucros para o consumo desmedido de nossas falsas necessidades que se desenrolam até a mesa nossa de cada dia, cheia de guloseimas, excessos e desperdícios, o ideal mesmo seria nos deleitarmos com os frutíferos encontros e desencontros que ela propicia. Troca de experiências, o repartir da culinária, o diálogo sobre as notícias do dia, o afeto entre familiares e convidados, o lugar de reunião de pessoas que há muito não se viam e agora sentam juntas, comem do mesmo pão e bebem da mesma bebida, revelando o mistério de uma refeição, onde temperos e destemperos são revolvidos, tentando formar a medida desejada dos alimentos e das relações ali dispostos por aqueles que participam da mesa.
As interfaces, os vários sentidos da refeição nos indicam que por dentro dela emerge o que dá unidade, gozo e satisfação para além da matéria, do que é visto e ouvido, do que é sentido, para além do dito, a comunhão de todos a fim de testemunhar o pleno desejo do alto, o elevado desejo do céu quando não há sequer desejo, apenas presença real de algo inaudito. Atentamos assim, para essa poesia:
“O próprio Deus o compõe
Da fina flor de seu firmamento.
É o pão tão prazeroso
Que não serve em sua mesa
O mundo que você acompanha.
Ofereço-o a quem quiser me acompanhar:
Aproximem-se. Vocês querem viver?
Tomem-no, comam-no e vivam!”
Trecho de Racine, citado por Marcel Proust para relacionar à profissão de Padeiro, caso não fosse escritor, cujo título é Pão dos Anjos. O ato de escrever é comparado por Proust como o do padeiro que produz o pão dos anjos, o pão puro e prazeroso.


Jackislandy Meira de M. Silva, professor e filósofo.
Confira os blogs:
www.umasreflexoes.blogspot.com
www.chegadootempo.blogspot.com

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Divagações sobre o sentido da refeição.

O que provoca uma boa refeição não é tanto a comida, mas as pessoas que se juntam em torno da mesa para degustá-la. Não é só o aroma apetitoso que se exala pela casa inteira o motivo maior de nos encontrarmos na hora de uma refeição. Quem geralmente nos convida para a mesa são pessoas. Elas são a graça, são o tom que dão harmonia a todo e qualquer encontro familiar ou entre amigos. Além disso, ainda há o sentido cristão que se objetiva nas palavras do Apóstolo Paulo, “Quer comamos, quer bebamos, façamos tudo por causa de Cristo”.
Epicuro, filósofo helenístico, que viveu antes de Cristo há três séculos e meio, jamais seria capaz de entrar numa lanchonete para comer sozinho. Para ele, a razão de nos alimentarmos não está no simples prazer de comer, mas na alegria de nos encontrarmos no momento do ágape. Sentarmo-nos à mesa sozinhos é triste e, por vezes, deprimente. Refeição, mesa, ágape devem ser sinônimas de encontro, partilha, alegria, festa, celebração da vida...
A cultura judaica, diferentemente da romana, eleva o sentido da refeição à “Beraká”, a uma verdadeira e indispensável Ação de Graças. Daí reiteramos o real valor da refeição que se desprende da Cultura neoliberal, artificial e relativa por que passa o mundo europeu.
Ao invés de acumularmos capital, lucros para o consumo desmedido de nossas falsas necessidades que se desenrolam até a mesa nossa de cada dia, cheia de guloseimas, excessos e desperdícios, o ideal mesmo seria nos deleitarmos com os frutíferos encontros e desencontros que ela propicia. Troca de experiências, o repartir da culinária, o diálogo sobre as notícias do dia, o afeto entre familiares e convidados, o lugar de reunião de pessoas que há muito não se viam e agora sentam juntas, comem do mesmo pão e bebem da mesma bebida, revelando o mistério de uma refeição, onde temperos e destemperos são revolvidos, tentando formar a medida desejada dos alimentos e das relações ali dispostos por aqueles que participam da mesa.
As interfaces, os vários sentidos da refeição nos indicam que por dentro dela emerge o que dá unidade, gozo e satisfação para além da matéria, do que é visto e ouvido, do que é sentido, para além do dito, a comunhão de todos a fim de testemunhar o pleno desejo do alto, o elevado desejo do céu quando não há sequer desejo, apenas presença real de algo inaudito. Atentamos assim, para essa poesia:
“O próprio Deus o compõe
Da fina flor de seu firmamento.
É o pão tão prazeroso
Que não serve em sua mesa
O mundo que você acompanha.
Ofereço-o a quem quiser me acompanhar:
Aproximem-se. Vocês querem viver?
Tomem-no, comam-no e vivam!”
Trecho de Racine, citado por Marcel Proust para relacionar à profissão de Padeiro, caso não fosse escritor, cujo título é Pão dos Anjos. O ato de escrever é comparado por Proust como o do padeiro que produz o pão dos anjos, o pão puro e prazeroso.


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